Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
115/17.6JDLSB.L1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: RAUL BORGES
Descritores: ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
ACTOS SEXUAIS COM ADOLESCENTES
QUESTÃO PRÉVIA
REJEIÇÃO PARCIAL
DUPLA CONFORME
MEDIDA DA PENA
PENA ÚNICA
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
REJEIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 11/28/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – RECURSOS / RECURSOS ORDINÁRIOS / RECURSO PERANTE O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
DIREITO PENAL – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / PENAS DE PRISÃO E DE MULTA / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA – CRIMES EM ESPECIAL / CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A LIBERDADE E AUTODETERMINAÇÃO SEXUAL / ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS.
Doutrina:
- Cristina Líbano Monteiro, A Pena «Unitária» do Concurso de Crimes, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 16, n.º 1, p. 151 a 166;
- Figueiredo Dias, Liberdade, Culpa e Direito Penal, Coimbra Editora, 2.ª edição, 1983, p. 183 a 185 ; Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 420, p. 290/1 ; Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, p. 442 e 541;
- M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio, Código Penal Parte geral e especial, Almedina, 2014, p. 719;
- Maia Gonçalves, Código Penal Português Anotado e Comentado, 8.ª edição, 1995, p. 643 ; 15.ª edição, p. 277 ; 16.ª edição, 2004, p. 275 ; 17.ª edição, 2005, p. 603 ; 18.ª edição, 2007, p. 295;
- Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, p. 473 ; 2.ª edição, 2010, p. 536;
- Teresa Beleza, O Repensar dos Crimes Sexuais na Revisão do Código Penal, Jornadas de Direito Criminal, Revisão do Código Penal, I volume, Lisboa, 1996, p. 159 e 169.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 432.º, N.º 1, ALÍNEA B).
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 40.º, N.º 1, 42.º, 70.º, 71.º, 72.º E 171.º, N.º 1.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 32.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- ACÓRDÃO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA N.º 7/95, IN DR, I SÉRIE-A, N.º 298, DE 28-12-1995 E BMJ N.º 450, P. 72;
- ACÓRDÃO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA N.º 10/2005, DE 20-10-2005, IN DR, SÉRIE I-A, DE 07-12-2005;
- ACÓRDÃO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA N.º 5/2017, DE 27-04-2017, IN DR, 1.ª SÉRIE, N.º 120, DE 23-06-2017, P. 3170 A 3187;
- DE 19-10-1995, PROCESSO N.º 46580;
- DE 21-04-2016, PROCESSO N.º 203/12.5JBLSB.E1.S1;
- DE 15-02-2017, PROCESSO N.º 12/15.0JAAVR.P1.S1;
- DE 29-03-2017, PROCESSO N.º 1227/14.3PASNT.L1.S1;
- DE 27-04-2017, PROCESSO N.º 261/10.7JALRA.E2.S1;
- DE 20-06-2018, PROCESSO N.º 462/04.7GAPRD.P3.S1;
- DE 17-10-2018, PROCESSO N.º 138/16.2PAMTJ.L1.S1;
- DE 07-11-2018, PROCESSO N.º 161/15.4T9RMZ.E1.S1.


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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

- ACÓRDÃO N.º 49/2003, DE 29-01, PROCESSO N.º 81/2002, IN DR , II SÉRIE, DE 16-04-2003 E ATC, VOLUME 55;
- ACÓRDÃO N.º 399/2013, DE 15-07-2013, PROCESSO N.º 171/13, WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT.
Sumário :

I - A lei que regula a recorribilidade de uma decisão, ainda que esta tenha sido proferida em recurso pela Relação, é a que se encontrava em vigor no momento em que a 1.ª instância decidiu, salvo se lei posterior for mais favorável para o arguido.
II - Entende-se que se está ainda perante dupla conforme (total), em situações em que o tribunal de recurso nem chega a conhecer do mérito, como é o caso de rejeição (uma forma de confirmação, segundo Simas Santos e Leal-Henriques), e uma outra, já não total, que supõe conhecimento da causa e que se traduz em beneficio para o recorrente, quando o tribunal de recurso aplica pena inferior ou menos grave do que a pena aplicada pela decisão recorrida, ou seja, a chamada confirmação “in mellius”.
III - Pelo acórdão da Relação do conjunto de oito crimes, punidos com penas parcelares de 6 meses a 8 anos de prisão, foram mantidas as penas parcelares e a pena única de 13 anos de prisão, verificando-se dupla conforme total, a qual impede apreciação de matéria decisória, relativa aos crimes de abuso sexual de crianças e de actos sexuais com adolescentes, bem como a medida das penas parcelares.
IV - O princípio da dupla conforme é assegurado através da possibilidade de os sujeitos processuais fazerem reapreciar, em via de recurso, pela 2.ª instância, a precedente decisão; por outro lado, impede, ou tende a impedir, que um segundo juízo, absolutório ou condenatório, sobre o feito, seja sujeito a uma terceira apreciação pelos tribunais.
V - As garantias de defesa do arguido em processo penal não incluem o 3.º grau de jurisdição, por a CRP, no seu art. 32.º, se bastar com um 2.º grau, já concretizado no presente processo.
VI - Na determinação da pena única, deve ter-se em consideração a existência de um critério especial na determinação concreta da pena do concurso, segundo o qual serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação da medida da pena do concurso.
VII - A pena conjunta visa corresponder ao sancionamento de um determinado trecho de vida do arguido condenado por pluralidade de infracções.
VIII - Há que valorar o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade do ora recorrente, em todas as suas facetas.
IX - Na elaboração da pena conjunta impõe-se fazer uma nova reflexão sobre os factos em conjunto com a personalidade do arguido, em ordem a adequar a medida da pena à personalidade que nos factos se revelou.
X - Há que valorar o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade do recorrente, em todas as suas facetas.
XI - Importa ter em conta a natureza e a diversidade ou igualdade/similitude dos bens jurídicos tutelados, ou seja, a dimensão de lesividade da actuação global do arguido.
XII - À fixação da pena conjunta deve presidir o respeito pelos princípios da proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso, tornando-se fundamental a necessidade de ponderação entre a gravidade do facto global e a gravidade da pena conjunta.
XIII - Ao fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, há que ter presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre o condenado na pena única, não podendo deixar de ser perspectivado o efeito da pena sobre o comportamento futuro do agente em função da sua maior ou menor duração.
XIV - Sendo uma das finalidades das penas, incluindo a unitária, segundo o art. 40.º, n.º 1, do CP, na versão da terceira alteração, introduzida pelo DL 48/95, de 15-03, a tutela dos bens jurídicos, definindo a necessidade desta protecção os limites daquelas, há que, necessariamente, ter em atenção os bens jurídicos tutelados nos tipos legais postos em causa, ou seja, no crime de abuso sexual de criança e de actos sexuais com adolescente.
XV - O bem jurídico protegido pela incriminação do crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171.º, n.º 1, do CP, é o da liberdade da pessoa menor de 14 anos, que se presume legalmente incapaz de avaliar o sentido e alcance de acto sexual de relevo praticado nela, mesmo que nele consinta.
XVI - No crime de acto sexual com adolescente é tutelado o livre desenvolvimento da vida sexual de menor entre 14 e 16 anos, face a processos proibidos de sedução conducentes à prática de tais actos: acto sexual de relevo, que pode consistir em cópula, coito oral, coito anal ou introdução vaginal ou anal de partes de corpo ou objectos.


Decisão Texto Integral:

    No âmbito do processo comum com intervenção de tribunal colectivo n.º 115/17.6JDLSB do Juízo Central Criminal de Lisboa – 2.ª Secção – Juiz 7, da Comarca de Lisboa, foi submetido a julgamento o arguido AA, […], preso preventivamente, à ordem dos presentes autos, no Estabelecimento Prisional de Lisboa, desde 12-04-2017, conforme fls. 376, e actualmente no Estabelecimento Prisional da Carregueira, ut fls. 449.

       Realizado o julgamento entre 24-01-2018 e 28-02-2018, conforme actas de fls. 344/348, 367, 372/5 e 377, por acórdão do Tribunal Colectivo do Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz 7, de 12 de Março de 2018, constante de fls. 380 a 410, depositado no mesmo dia, conforme declaração de depósito de fls. 411, foi deliberado:

       Absolver o arguido da prática de:
- 480 crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171º, n.º 2, do CP;
- 396 crimes de actos sexuais com adolescente, p. e p. pelo artº 173.°, n.º 2, do CP;
- 359 crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 1, do CP;
- 329 crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 2, do CCP;
- 1 crime de acto sexual com adolescente, p. e p. pelo artigo 173., n.º 1 e 2, do CP;
       Condenar o arguido pela prática dos seguintes crimes, tendo por vítima a Menor BB:
- 1 crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelos artigos 171.°, n.º 3, al. a) e 170.°, do CP, na pena de 6 meses de prisão;
- 1 crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171.°, n.º 3, alínea b), actual alínea c), do CP, na pena de 9 meses de prisão;
- 1 crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 2, do CP, na pena de 8 anos de prisão;
- 1 crime de actos sexuais com adolescente, p. e p. pelo artigo 173.°, n.º 2, do CP, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;            
       Condenar o arguido pela prática dos seguintes crimes tendo por vítima a Menor CC:
- 1 crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171.°, n.º 3, alínea b), actual alínea c), do CP, na pena de 9 meses de prisão;
- 1 crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171.°, n.º 1, do CP, na pena de 4 anos de prisão;
- 1 crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171.°, n.º 2, do CP, na pena de 6 anos de prisão;
- 1 crime de actos sexuais com adolescente, p. e p. pelo artigo 173.°, n.º 2, do CP, na pena de 18 meses de prisão;
       Em cúmulo jurídico, o arguido foi condenado na pena única de 13 anos de prisão.



       Mais foi o arguido condenado a pagar às menores BB e CC, respectivamente, as quantias de dez mil e sete mil euros, a título de reparação, nos termos dos artigos 82.°-A do C.P.P. e 16.º, n.º 2, da Lei 130/2015, de 4/9.
                                                                ***

       Inconformado com o assim deliberado, o arguido interpôs recurso de matéria de facto e de direito para o Tribunal da Relação de Lisboa, apresentando a motivação de fls. 426 a 437.

       O recurso foi admitido por despacho de fls. 439.

       O Ministério Público na Comarca de Lisboa respondeu, conforme consta de fls. 444 verso a 447 verso.

                                                                ***

       Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11 de Julho de 2018, constante de fls. 464 a 488, foi deliberado conceder parcial provimento ao recurso, alterando a redacção do ponto 8 do provado, negando, no mais, provimento, e mantendo a decisão recorrida nos seus precisos termos.

       NOTA: O acórdão ora recorrido abdicou de transpor a alteração efectuada no domínio factual para o dispositivo, havendo, no interesse da clareza do decidido, que conhecer o que efctivamente foi feito, para o efeito recorrendo ao que consta de fls. 479 a 482 dos autos.

      Assim, consta do facto provado n.º 8 vertido no acórdão do Colectivo do Juízo Central de Lisboa:

“8. Em data não concretamente apurada do ano de 2009, quando BB tinha cerca de 9 anos de idade, esta menor dirigiu-se à casa do arguido sita na ..., n.º …, em …, como era habitual, para brincar no computador e ver o seu perfil de facebook”.

      Por força da alteração passou a constar:

“8. Em data não concretamente apurada do ano de 2009, quando BB tinha cerca de 9 anos de idade, esta menor dirigiu-se à casa do arguido sita na ..., n.º …, em …, como era habitual, para brincar no computador e ver televisão”.

      A alteração consistiu em substituir “ver o seu perfil de facebook” por “ver televisão”.

          Tendo o arguido impugnado a matéria de facto constante dos pontos 8, 9 e 12, após proceder à audição das declarações da ofendida BB, decidiu o acórdão da Relação de Lisboa, a fls. 479 e 480:

       “V- Fundamentos de direito:
       A primeira questão que se coloca, em face do conteúdo do corpo da motivação de recurso, se bem que não levada às conclusões do mesmo, é que se formula uma impugnação do provado, relativamente ao conteúdo dos pontos 8, 9 e 12 do provado, designadamente, quanto ao facto de a menor estar a ver o seu perfil do facebook e de o arguido a ter acariciado numa das pernas, percorrendo-a com a sua mão, de baixo para cima.
      Refere o recorrente que o primeiro dos referidos factos está em contradição com o que a própria BB referiu em julgamento, pois disse que a conta do facebook só tinha sido criada em 2011 e os factos referidos em 8 e 9 foram situados em 2009; mais refere que quanto ao segundo facto, a própria ofendida declarou que o tinha desmentido, o que coincide com a negação do mesmo que fez aos pais da menor, que a aceitaram, sendo que caso isso fosse verdade ter-se-ia tornado embaraçoso, para ele, continuar a receber a menor em sua casa, tal como aconteceu e a pedido do próprio pai.
       Esta argumentação constitui um pedido de reapreciação de prova que, se bem que não expressamente referido, é manifestamente o pretendido pelo recorrente.
      Mostram-se cumpridos os ónus formais do qual o pedido depende, nos termos do artigo 412º/3 e 4 do CPP, pelo que se procedeu à audição das declarações da ofendida BB que, segundo a própria fundamentação da aquisição probatória, foram as únicas a ter sido consideradas para efeito da fixação da matéria de facto provada em causa.
      Ouvidas as referidas declarações resultou que a ofendida disse que quando tinha 9/10 anos o arguido tinha um plasma grande e um computador e ela ia para casa dele para ver televisão e aceder ao computador e brincar com os sobrinhos dele. Um dia estava sentada num sofá, a ver televisão, e o arguido levantou-se do sofá onde estava e começou a tocar-lhe na perna. Ela mudou de sítio e ele foi atrás e continuou a tocar-lhe na perna e então ela levantou-se e foi-se embora. No dia seguinte contou à prima e à tia e esta última chamou os seus pais e o arguido e falaram do ocorrido, mas os pais não acreditaram nela e o arguido desmentiu, dizendo que era tudo fruto da sua imaginação. Em face disso ela acabou por desmentir e arrumou o assunto. Como o arguido deixou de lhe ligar ela depois pensou que podia ter sido fruto da sua imaginação.
      Mais disse que em 2011, pediu ao arguido para criar uma conta de facebook e ele criou. Depois disso relatou, com pormenor, toda a factualidade considerada provada nos pontos seguintes.
       Em face do exposto dúvida não temos que a referência ao fabebook no ponto 8 resulta de um lapso de entendimento do colectivo pelo que deverá ser substituída por uma referência ao facto de a ofendida estar a ver televisão, mas que está correcta e conforme com a prova produzida toda a redacção do ponto 11 do provado, porque a ofendida confirmou a ocorrência de tais factos. A referência à sua imaginação foi da autoria do arguido, que não os assumiu e que assim os justificou aos pais, tal como aliás referido em 12 do provado, que se mostra conforme com a prova produzida.

       Assim sendo procede a alteração ao ponto 8 do provado que passará a conter-se na seguinte redacção:

       «8. Em data não concretamente apurada do ano de 2009, quando BB tinha cerca de 9 anos de idade, esta menor dirigiu-se à casa do arguido sita na ..., n.º …, em …, como era habitual, para brincar no computador e ver televisão».
       E a finalizar o segmento, a fls. 482, afirma-se:
       “Em face do exposto, impõe-se a manutenção do provado nos seus precisos termos, com excepção da alteração supra referida, quanto ao ponto 8, que é inconsequente para a subsunção penal dos factos aos crimes pelos quais o arguido foi condenado”.

      Daqui se retira que tendo sido alterado o ponto 8 não o foi o igualmente questionado ponto 9, como se impunha, pois a referência a perfil de facebook não faz sentido na sequência descrita. 

  

       Consta do facto provado n.º 9:

“9. Aí chegada, a menor BB sentou-se no sofá da sala a visualizar o seu perfil do facebook, momento em que o arguido se aproximou, sentou-se ao seu lado e perguntando-lhe o que estava a fazer no computador, acariciou-lhe uma das pernas, percorrendo-a com a sua mão, de baixo para cima”.

      É evidente a contradição entre o novo ponto 8 e o subsistente ponto 9, pois em 2009 ainda não havia facebook.

      Daí que se deva ter por não escrita a expressão do FP n.º 9, no segmento que refere: “a visualizar o seu perfil no facebook”.

        Mas mais. A contradição estende-se ao não questionado pelo recorrente ponto n.º 7, que a Relação não teve em conta.

       É que, sendo o facebook criado apenas em 2011, não faz qualquer sentido a manutenção do que firmado está no precedente ponto n.º 7 do seguinte teor:

       “7. Quando iniciou o seu percurso escolar, BB pediu ao arguido para criar um perfil no facebook, sob o nome de "BB", solicitação à qual aquele acedeu”.

      Não se está no caso presente perante o vício decisório da contradição insanável na fundamentação, prevista na alínea b) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, mas antes face a uma contradição perfeitamente sanável, pois na decorrência natural e lógica da alteração do ponto 8 deve dar-se como não escrita a visualização do perfil no facebook, presente no ponto 9, por à data – 2009 – haver apenas televisão, o que conduz a que o narrado no ponto n.º 7 se tenha pura e simplesmente por não escrito.

     Esta alteração é inconsequente para a subsunção penal dos factos aos crimes pelos quais o arguido foi condenado, como afirma o acórdão recorrido, mas é anódina, não tendo a mínima repercussão na facticidade provada no que esta tem de relevante, útil e pertinente.

                                                              ***

       O arguido interpôs recurso para este Supremo Tribunal, impugnando a parte criminal, bem como a parte cível, apresentando a motivação de fls. 496 a 523, que remata com as seguintes conclusões (em transcrição integral, incluindo realces):

1ª – Este recurso é interposto do douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que manteve inalteradas as penas parcelares e a pena única de 13 anos de prisão, aplicada ao recorrente, delinquente primário.

2ª – Porque a matéria de facto relativa ao cometimento dos crimes se encontra fixada, o presente recurso pretende o reexame da matéria de direito, concretamente, no que diz respeito ás medidas das penas fixadas , quer das penas parcelares, quer da pena única.

3ª – É indispensável para este fim a factualidade relativa á personalidade do recorrente e á residencia do recorrente e ofendidas na ..., local “…onde as relações de convivência eram privilegiadas numa situação contextualizada por uma forte diâmica vicinal e de amizade”, como registou o acórdão condenatório.

4ª – E foi neste cotexto residencial que a sua tia CC que residia e reside á frente do recorrente, instada em julgamento, declarou que “…várias vezes perguntou á BB se tinha alguma relação estranha com ele e esta respondeu que “não tinha nada”.

5ª – Na Praceta onde os factos se supõem cometidos, que é de diminutas dimensões e onde praticamente todos os residentes se conhecem, ninguém conhecia ou se tinha apercebido de qualquer ato incorreto do recorrente para com as menores que viam entrar e sair da sua casa, hábito que presenciavam com simpatia e respeitavam até com carinho e amizade, postura que é um testemunho público de apreço e consideração pelo arguido, pois é incompatível com a admissão de atos sexuais contra as menores.

6ª – O acórdão porém, partiu do princípio de que já não eram virgens e por isso não deu importância ao resultado negativo dos exames ginecológicos quanto ás suas virgindades, embora sejam meio indispensável para provar violações ou danos corporais localizados nas regiões genitais e peri-genitais de menores de 14 anos.

7ª - A admissão de que os crimes previstos e punidos pelos artigos 171º e 173º do C.P, de que o recorrente era acusado, ocorreram mesmo sem a prova cientificamente tida como a idônea e indispensável para prova dos mesmos, meios probatórios aliás procurados e efetuados para esse fim, colide com a presunção da inocência, artigo 32º da CRP, inconstitucionalidade que se deixa arguida para todos os efeitos de direito.

8ª – De harmonia com o artigo 40º, 70º, 71º e 77º do CP, a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências da prevenção geral de modo a evitar ou obstar o cometimento de novas infrações por parte do agente em causa e alcançar as exigências de prevenção especial ou da sua ressocialização e reintegração na sociedade, metas que deverão ser atingidas com a pena que vier a ser aplicada.

9º - Ponderando as circunstâncias concretas da atuação do recorrente, as suas circunstâncias de vida e personalidade, não poderá deixar de considerar-se que tanto a ilicitude como a culpa do arguido, se encontram diminuídas e por isso impõem uma pena ajustada que se localiza nos 6 anos de prisão.

10º - Para satisfazer as exigências do artigo 71º no que respeita á personalidade do recorrente, esta mostra-se correta atendendo a que se formou em ambiente familiar respeitador dos bons princípios sociais e éticos duma boa sociedade, como se pode concluir dos Factos 73 a 91 tendo feito vida correta como cidadão e até como militar, pois não lhe foram apontados outros desmandos para além dos crimes julgados.

11ª - Como se relata no Ponto 85 do acórdão, o recorrente e as duas menores residiam porta com porta onde habitavam também os seus pais desde anos seguidos na maior das harmonias e boa vizinhança, com tratamento de quase familiares que a todos abrangia dentro com muita amizade.

12ª - As condições de convivência permitiram que as meninas se deslocassem da casa dos pais para a casa do recorrente, durante mais de 8 anos, com a maior das naturalidades e espontaneidades por parte das meninas, não só durante o dia como também á noite, donde saíam por vezes já a horas da madrugada, como era visto até pelos vizinhos, alguns com a possibilidade verem das suas janelas para o interior da casa do recorrente.

13ª – Os factos ocorreram no seu domicílio, onde as crianças se deslocavam por sua iniciativa e espontaneidade, isto para salientar que ocorreram, apesar de condenáveis, em termos de serenidade completa, sem conhecimento de ninguém e sem alvoroço vicinal, sem notícia direta ou indireta de quem quer que fosse, sem ocorrerem males conhecidos na vizinhança, fotografia esta do modo de execução do ato que é legítimo e indispensável para qualificar o modo de execução dos atos e os sentimentos manifestados no seu cometimento, porque influenciam na pena, como exige o artigo 71º, 2, a) e c) do CP, e por isso estas circunstâncias têm de pesar como atenuante significativa na dosagem da pena.

14ª – Porém esta circunstância de contacto diário, em termos de algum afeto, que ocorria há mais de uma dúzia de anos, não pode deixar de ser qualificada como propiciadora de ligação capaz de pôr em risco o seu correto comportamento relativamente á liberdade e autodeterminação sexual das menores, circunstância que humanamente enfraqueceu a sua resistência concorre para a diminuição da intensidade do dolo e da gravidade dos sentimentos, funcionando como atenuante nos termos do artigo 71º, 1, b) e c) do CP.

15ª – Este ambiente e circunstancialismo tinha origem exógena, provocada pelas condutas das meninas e seus pais que proporcionaram os perigos apontados por 8 anos, com silêncio contínuo e total por parte das crianças, que naturalmente não guardam silêncio por tanto tempo, perante as violências como as descritas nos autos.

16ª - É realmente anómalo, tudo o que se refere, mas a sua existência exerceu influência para a prática dos atos, tem relevância para diminuir o grau de ilicitude e a intensidade do dolo, reduzir a maldade dos sentimentos, para avaliar a convivência ou comportamento anterior e posterior que a todos rodeou e para garantir que o cometimento das mesmas condutas criminosas, pelas regras da experiência comum, uma vez que o convívio ficou impossibilitada está definitivamente impedido, o que merece relevo significativo para a redução da pena em face das várias disposições do nº 2 do artigo 71º do CP.

17ª – O recorrente poderia evitar as ocorrências condenadas, mas não teve forças para expulsar as meninas da sua casa, Pois: As crianças faziam dela, por assim dizer a sua casa preferida; ali permaneciam de dia e também á noite, porque eram bem recebidas; ali se sentiam bem e por vezes comiam ou faziam refeições, factos 15 e 16; Viam televisão e sentiam-se seguras ao ponto de ali adormecerem; Quer o recorrente ali se encontrasse ou estivesse a trabalhar no estrangeiro; E o apoio que lhes proporcionava beneficiava-as tanto, que o procuravam constantemente.

18ª- Embora atraiçoam-te para si mesmo, por ser capacitante duma conduta errada e condenável, não expulsou as menores de sua casa, porque sabia que elas iam sofrer e passar por sérias necessidades, porque os pais não lhe conseguiam dar o mínimo para as suas necessidades do dia a dia, elas passariam a sofrer por causa disso, psicologicamente e fisicamente, sendo de salientar que a BB foi boa aluna enquanto frequentava a sua casa, conjunto de realidades que tem de valer como atenuante da sua conduta e da sua pena, perante o artigo 71º, 2, alíneas d) e e) do CP que obriga á apreciação das circunstâncias que rodeiam o autor do crime, e como dizem os existencialista obrigam a “julgar o homem e a sua circunstância.

19ª – Se veio ele a sofrer as péssimas consequências da cadeia, não destruiu o que de bem e de benéfico sabia poder dar para as menores, elas irem á sua casa, como desejavam e procuravam, o que se salienta, porque nem tudo foi mal ou condenável na sua conduta, o que se salienta para valer como atenuante da sua conduta, nos termos da alínea c) do nº 2 do artigo 71 do CP.

20ª - Os factos que se deixam referidos têm toda a relevância para ajuizar “…do grau de violação dos deveres impostos ao recorrente” que regista a parte final da alínea a) do nº 2 do artigo 71 do CP  e não pode deixar de dar valor ao cumprimento dos deveres de humanidade como sejam os de auxiliar e proteger quem necessitava tanto do apoio e ajuda que lhes vinha oferecendo.

21ª - Este confronto de expulsar quem necessitava tanto de apoio e ajuda, deixando de auxiliar, além de mau ato, também constituía medida ou decisão muito difícil de tomar, porque ía contra os seus sentimentos humanos mais justos e fortes e seguramente que lhe ía criar sentimentos de mágoa bem prejudiciais e perduráveis, pois as meninas continuavam naquela dinâmica vizinhança local.

22ª - A quem aceitava de longa data em sua casa as menores, ajudando-as de forma diversificada, afastá-las totalmente, também desencadeava situação ou alvoroço vicinal com consequências de monta.

23ª - A confrontação da gravidade do mal praticado, com o bem que não deixou de praticar ao continuar a aceitar a sua presença na sua casa, tem de ser feita, sob pena de tudo ser transformado em agravantes contra si, quando na realidade este facto tem toda a relevância para funcionar como forte atenuante para o recorrente, e diminuir o grau de violação dos deveres impostos ao agente como determina a parte final da a) do nº 2 do artigo 71º. 

24ª - Também o mesmo artigo 71º, 2, a) manda atender “…á gravidade das consequências do crime…”, produzidas nas ofendidas, porque as tem como capacitantes de influenciar na medida da pena, e quanto a este tema está provado que as menores continuaram a frequenter a sua casa como vinha acontecendo com espontaneidade e alegria, quer ele estivesse no país ou no estrangeiro, isto pelo menos durante os 8 anos seguidos.

25ª – Ora os atos que os autos relatam causam naturalmente revolta e incômodo enorme para as crianças porque as violentam, porém dado que elas continuaram a ser amigas e a procurar o recorrente na sua casa, sem as consequências típicas dos atos descritos, é defensável concluir que ou não existiram, ou então se produziram em dimensão tão reduzida que nem foram notadas nem manifestadas, o que determina a diminuição da pena para efeitos e nos termos do disposto no artigo 71º, 2, a) do CP.

26ª – Também do texto douto acórdão resulta apoio a esta forma de encarar as consequências, pois dele se transcreve: “Na verdade, não se diz o que sejam as graves sequelas psicológicas sofridas pelas menores em consequência da conduta do arguido. Nada consta de provado a tal respeito…”, circunstância que sobremaneira impõe uma diminuição acentuada das penas a aplicar ao recorrente de harmonia com a parte final da alínea a) do nº 2 do artigo 71º do CP.

27ª - Para destruir a relevância da continuação do ótimo relacionamento de oito anos com as menores, naturalmente destruidor da existência dos crimes ou pelo menos de traumas ou sequelas, os Venerandos Desembargadores deixaram no acórdão a firmação de que se passava no presente caso o que ocorre nos assinalados pelo designado Syndrome de Estocolmo, mas sem indicar a mínima e indispensável justificação para a sua aplicação. 

28ª – É que esta teoria contempla casos de sequestro, de subjugação e de intimidação fortemente ou violentamente exercidos por prazos normalmente de curta duração, em que as vítimas depois de libertadas, desenvolvem sentimentos afetivos pelo dominador, abusador/sádico, sequestrador ou agressor. Por isso não tem aplicação possível ao caso dos autos, onde o convívio afetuoso espontâneo e querido pelas menores, reinou por 8 anos livremente e pacificamente aos olhos de todos os vizinhos já caraterizados como zeladores da vida das menores.

29ª – O recorrente foi educado no seio de família muito cumpridora de bons costumes, honesta e imbuída de princípios muito corretos, vivendo com toda a honestidade e dignidade, bons princípios estes que adotou para a sua vida.

30ª - Dedicou-se ao trabalho desde os seus 16 anos e vivia razoavelmente do seu vencimento, situação que lhe permitiu sempre viver com dignidade e ser útil á sociedade.

31ª - Tinha a sua vida corretamente estruturada e estava corretamente inserido na sociedade, e gozava de consideração dos vizinhos que viam nele um amigo das menores a quem fazia bem diáriamente.

32ª - Em termos de apreciação social e ética, gozava da melhor, pois era tido como bem comportado e era bem considerado como bom cidadão.

33ª - O recorrente é delinquente primário, apontamento que o elogia para o seu passado, mas que também deixa garantias de que terá no futuro comportamento a condizer .

34ª – O conjunto de aspetos que rodeiam a conduta do recorrente conduzem a dosear as penas para os seus mínimos, pois o seu comportamento apesar de livre, foi condicionado por circunstâncias que provocaram os atos, até criados pelas ofendidas e pais que muito diminuiram a sua responsabilidade criminal., como

35ª – Tendo em conta todas as circunstâncias alegadas, face ao disposto nos artigos 40º, 70º, 71º e 77º do CP e com todo o respeito pelo alto critério e soberana sabedoria de Vossas Excelências Senhores Conselheiros, as penas a aplicar nos crimes praticados contra a menor BB serão as seguintes:

i) Para o crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelos art. 171º , 3, a) e 170º do C.P., a pena de 6 meses de prisão;

j) Para o crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo art. 171, 3, b), atual b) do C.P., a pena de 6 meses de prisão;

k) Para o crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo art. 171, 2 do C.P., a pena de 3 anos de prisão;

l) Para o crime de ato sexual com adolescente, p. e  p. pelo art. 173, 2 do C.P., a pena de 6 meses de prisão;

E, nos crimes praticados contra a menor CC, serão as seguintes penas:

m) Para o crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo art. 171, 3, b), atual c) do C.P. a pena de 6 meses de prisão;

n) Para o crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo art. 171, 1 do C.P. a pena de 3 anos de prisão;

o) Para o crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo art. 171, 2 do C.P. a pena de 3 anos de prisão;

p) Para o crime de atos sexuais com adolescente, p. e p. pelo art. 173, 2 do C.P. a pena de 6 meses de prisão.

E em cúmulo jurídico, deverá ser aplicada ao recorrente, a pena única de 6 (seis) anos de prisão.

36ª - Ao não decidir assim, o douto acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 40º, 70º,71º e 77º todos do Código Penal, impondo-se a revogação da decisão recorrida quanto ás penas, fixando-se a pena única em 6 anos de prisão.

37ª - As considerações até agora apresentadas também são relevantes para bitolar as idemnizações por danos morais ás ofendidas e por eles se patenteia que não existe suporte fáctico para fundamentar ou defender que elas sofreram sequelas psicológicas irreparáveis. Ou se tal aconteceu, operou-se a recuperação delas, rapidamente e dentro no mesmo ambiente em que porventura surgiram.

38ª - As menores estavam integradas em família carenciada de meios económicos para a sua alimentação, educação e nomeadamente para as apoiar na sua vida escolar e o arguido nesta matéria, para além do que se possa dizer na perspetiva penal, contribuiu de forma notada para o seu aproveitamento escolar disponibilizando quer um computador, quer um telemóvel, resultando daí o aproveitamento escolar para as meninas.

39ª - Os critérios objetivos que comandam a fixação da indemnização, obrigam a ter em conta também as ocorrências posteriores aos factos, nomeadamente da grande convivência com as ofendidas e seus pais em ambiente de paz que é propiciador da recuperação total das ofendidas.

40ª - As condições económica são muito deficientes da parte das menores, mas da parte do recorrente atualmente, são totais e por isso, e porque não existem diferenças sensíveis entre cada uma delas, tem-se por adequada a fixação de uma indemnização de 5.000,00€ para cada uma das menores.

       Nestes termos e outros de direito doutamente supridos, muito respeitosamente Requer a procedência do presente recurso e que o douto acórdão recorrido seja substituído por outro que lhe aplique as penas parcelares pelo seu mínimo e a pena única de seis anos de prisão e, a cada uma das ofendidas seja fixada uma indemnização por danos morais de 5.000,00€, com o que será feita a esperada e devida JUSTIÇA.

      No final, a fls. 523, requereu a realização da audiência de julgamento sobre todos os pontos da motivação do recurso.

                                                                 ***

      O recurso foi admitido por despacho de fls. 524.

                                                                 ***

       A Exma. Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal da Relação de Lisboa apresentou a resposta de fls. 527 a 535, concluindo:

- De acordo com o disposto no artigo 432°, n° 1, alínea b), do Código de Processo Penal, recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça, das decisões que não sejam irrecorríveis proferidas, em recurso, pelos Tribunais da Relação, nos termos do artigo 400º, do mesmo Código

- Donde se conclui que o douto acórdão proferido em 11 de Julho de 2018, na 3ª Secção deste Tribunal da Relação é susceptível de ser impugnado pela via do recurso para esse Colendo Tribunal, face á previsão da alínea f), do n° 1, do citado artigo 400°, posto que manteve a imposição ao recorrente de uma pena superior a 8 anos de prisão.

- A jurisprudência fixada por esse Supremo Tribunal pelo acórdão n° 5/2017, em 27 de Abril de 2017, publicado no D.R. de 23 de Junho de 2017, é inaplicável á situação versada no recurso agora interposto pelo arguido,-

- Estando por isso, vedado a esse Tribunal pronunciar-se sobre as medidas das penas parcelares impostas ao recorrente pela prática dos crimes pelos quais foi condenado.-

- No que concerne á questão suscitada sobre a condenação pela prática de crimes de abuso sexual de crianças e de actos sexuais com adolescentes sem ter por base uma prova científica idónea, verifica-se que, a 1ª Instância fundamentou a decisão, além do mais, nas perícias de natureza sexual efectuadas às menores ofendidas.-

- E, tal como ressalta do douto acórdão recorrido, concretamente no último parágrafo de fls. 18, «No que concerne aos resultados das perícias ginecológicas feitas às menores, há que confirmar que eles são absolutamente irrelevantes porque, manifestamente, se partiu do princípio de que elas não eram virgens, em face aliás, das declarações que lhes foram tomadas e que constam do início dos relatórios periciais. E, nessa perspectiva tanto referem que não se encontram sequelas traumáticas a nível das regiões peri-genitais, como referem que tal ausência não exclui a existência de práticas sexuais que, quer pelo tempo decorrido, quer pelas características próprias das examinadas, não deixaram necessariamente vestígios.

- Perante a matéria de facto provada, a fundamentação da mesma e a apreciação da questão por parte do Tribunal “a quo” não se vislumbra por que razão a interpretação efectuada pode ser considerada inconstitucional.-

- Será que apenas quando há prova científica da existência de sequelas traumáticas em quem é sexualmente abusado é legalmente admissível a condenação do perpetrador desses actos, caso contrário, há que considerar que as normas que previnem e punem tais condutas foram inconstitucionalmente interpretadas?

- Tal conclusão não pode ser alcançada de tal tipo de situação, em abstracto e, muito menos, das concretas situações dos autos.-

- Pretende o recorrente ver reduzida para 6 anos de prisão a pena única de 13 anos de prisão confirmada pela decisão censurada.-

- Suporta tal pretensão em considerações que não fazem parte da matéria de facto provada e numa perspectiva muito própria, que, analisada de forma imparcial, terá, necessariamente, de funcionar contra o recorrente e não a seu favor.

- Da matéria de facto provada, no que respeita aos factos pessoais do arguido, constantes dos pontos n° 73 a 91 da mesma, resulta, com interesse para as questões versadas no presente recurso o seguinte:

- «85. Residente numa travessa antiga da zona de Benfica (em Lisboa), onde as relações vicinais são privilegiadas, o arguido (bem como os familiares) mantêm ligação com a progenitora das ofendidas desde idade precoce — tendo também a mesma sido criada naquele contexto residencial.

- 87. Relativamente às menores, o arguido enquadra a relação de proximidade mantida com as mesmas em alegados sentimentos de “protecção”, face a evocadas disfuncionalidades familiares e situação de negligência em que se encontravam.

- 90. AA encontra-se preso (...).No decurso da institucionalização tem revelado capacidades de adequação ao confinamento, não tendo até ao momento registado sanções disciplinares.

- 91. Não tem condenações registadas.».-

- Há que convir que esta matéria de facto, classificável como abonatória do arguido, não suporta a visão que o mesmo desenvolve nas suas alegações de recurso, nem permite a valoração e consideração de uma redução da pena de 13 anos que lhe foi aplicada.

- Tal pena única é justa, adequada e proporcional, através dela se alcançando as finalidades visadas com a aplicação de penas.

- Contrariamente ao pretendido pelo recorrente, o acórdão sob censura, interpretou e aplicou acertadamente as normas contidas nos artigos 40º, 70°, 71° e 77º do Código Penal.

- Não contém qual interpretação inconstitucional, concretamente, das normas dos artigos 171º e 173°, do Código Penal.

- Nem nele se detectam vícios ou nulidades de conhecimento oficioso.

- Face ao exposto, impõe-se a manutenção do decidido, bem como a pena única de 13 anos de prisão imposta ao arguido e recorrente AA, com o que farão, V. Excelência, aliás como sempre, JUSTIÇA!

                                                                  ***

      O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal de Justiça, na vista a que alude o artigo 416.º do CPP, a fls. 540, face ao pedido de audiência diferiu para então a tomada de posição sobre o recurso.

                                                                  ***

       Colhidos os vistos, foi marcada a audiência requerida pelo recorrente.

                                                                  ***               

       Procedeu-se à requerida audiência de julgamento, no âmbito da qual nas suas alegações o Exmo. Mandatário do recorrente questionou se “a pena aplicada a este homem está certa?”, invocando os artigos 42.º, 70.º, 71.º e 72.º do Código Penal, aludindo a que houve uma duplicação de pessoas porque foram as circunstâncias que o determinaram, “é como se fosse a mesma”, pugnando no fulcro pela diminuição da pena aplicada, tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto focado a ausência de autocrítica do arguido, defendendo a manutenção do decidido, cumprindo agora apreciar e decidir.                                                               

                                                                   *** 

 

       Como é jurisprudência assente e pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (neste sentido, Acórdão do Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 1995, proferido no processo n.º 46580 - Acórdão n.º 7/95 -, publicado no Diário da República, I Série-A, n.º 298, de 28 de Dezembro de 1995, e BMJ n.º 450, pág. 72, que no âmbito do sistema de revista alargada fixou jurisprudência, então obrigatória, no sentido de que “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”, bem como o Acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 10/2005, de 20 de Outubro de 2005, publicado no Diário da República, Série I-A, de 7 de Dezembro de 2005, em cuja fundamentação se refere que a indagação dos vícios faz-se “no uso de um poder-dever, vinculadamente, de fundar uma decisão de direito numa escorreita matéria de facto”) e verificação de nulidades, que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do Código de Processo Penal – é pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior.

       Como assinalava o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Junho de 1996, proferido no processo n.º 118/96, in BMJ n.º 458, pág. 98, as conclusões destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer das pessoais razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida e devem conter, por isso, um resumo claro e preciso das razões do pedido, sendo estas que delimitam o âmbito do recurso.

       As conclusões deverão conter apenas a enunciação concisa e clara dos fundamentos de facto e de direito das teses perfilhadas na motivação (assim, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 1998, proferido no processo n.º 53/98-3.ª Secção, in BMJ n.º 475, pág. 502).

       E como referia o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Março de 1998, processo n.º 1444/97, da 3.ª Secção, in BMJ n.º 475, págs. 480/8, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo de se pronunciar sobre questões de conhecimento oficioso; as conclusões servem para resumir a matéria tratada no texto da motivação.

                                                                  ***

       Questões propostas a reapreciação.

       Atento o teor das conclusões, onde o recorrente sintetiza as razões de discordância com o decidido, vêm suscitadas as seguintes questões:

 

       Questão I – Medida das penas parcelares – Conclusões 2.ª a 36.ª.

       Questão II – Medida da pena única – Conclusão 36.ª.

       Questão III – Montante da indemnização – Conclusões 37.ª a 40.ª.

      Fora do quadro de apreciação da impugnação directa da deliberação recorrida, traçado pelo arguido/recorrente, apreciar-se-á, por ser de conhecimento oficioso, a questão prévia da recorribilidade.

       O ponto é aflorado pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal da Relação de Lisboa na resposta apresentada, nas quatro primeiras conclusões, embora de forma incorrecta, como se verá.

      Abordar-se-á, pois, a

        Questão Prévia I – Inadmissibilidade parcial do recurso – Irrecorribilidade quanto à matéria decisória relativa aos crimes punidos com penas parcelares aplicadas em medida igual, num caso apenas, ou inferior a oito anos de prisão (nas demais) e confirmadas integralmente pela Relação – Dupla conforme total  

                                                                   ****

       Apreciando. Fundamentação de facto.

       Foi dada como provada a seguinte matéria de facto, que, à excepção dos pontos 7, 8 e 9, é de ter-se por imodificável e definitivamente assente, já que da leitura do texto da decisão, por si só considerado, ou em conjugação com as regras de experiência comum, não emerge a ocorrência de qualquer vício decisório ou nulidade de conhecimento oficioso, mostrando-se a peça expurgada de insuficiências, erros de apreciação ou outras contradições que se revelem ostensivos, sendo o acervo fáctico adquirido suficiente para a decisão, coerente, sem contradição, congruente, harmonioso, e devidamente fundamentado.

      Como vimos, foi alterada pela Relação a redacção do FP n.º 8, devendo ter-se por não escrito o texto do FP n.º 7 e não escrita a expressão do FP n.º 9, no segmento que refere: “a visualizar o seu perfil no facebook”.

 

     Factos provados

1. BB nasceu no dia … de … de 2000 e a sua irmã, CC, nasceu no dia … de … de 2001 e residem com os seus progenitores na ..., n.º …, em ….

2. O arguido residia no n.º 6 da mesma rua e desde longa data que era amigo da família das menores, frequentando a casa destas com regularidade.

3. Desde tenra idade que as menores frequentavam a casa do arguido, pois este era tido como uma pessoa de confiança dos seus pais.

4. Além disso, o arguido permitia às menores o acesso à televisão por cabo e ao computador portátil, uma vez que aquelas não dispunham de tais equipamentos na sua casa.

5. Entretanto, aproveitando-se da confiança que a família das menores em si depositava, o arguido começou a praticar diversos actos sexuais com as menores BB e CC.

Quanto à BB:

6. A menor BB frequentava a casa do arguido, diariamente, na hora de almoço e na sexta-feira à noite a fim de brincar com os sobrinhos deste, também crianças.

7. Quando iniciou o seu percurso escolar, BB pediu ao arguido para criar um perfil no facebook, sob o nome de "BB", solicitação à qual aquele acedeu.

8. Em data não concretamente apurada do ano de 2009, quando BB tinha cerca de 9 anos de idade, esta menor dirigiu-se à casa do arguido sita na ..., n.º …, em Lisboa, como era habitual, para brincar no computador e ver o seu perfil de facebook.

9. Aí chegada, a menor BB sentou-se no sofá da sala a visualizar o seu perfil do facebook, momento em que o arguido se aproximou, sentou-se ao seu lado e perguntando-lhe o que estava a fazer no computador, acariciou-lhe uma das pernas, percorrendo-a com a sua mão, de baixo para cima.

10. Perante o sucedido, a menor afastou-se, no entanto, o arguido voltou a tocar-lhe na perna, tendo aquela acabado por fugir para casa dos seus pais.

11. No dia seguinte, a menor relatou o que havia consigo sucedido aos seus pais, que confrontaram o arguido com tais factos.

12. Todavia, o arguido negou tal comportamento, argumentando que se teria tratado de uma interpretação errada da menor, actuando como se nada tivesse ocorrido e voltando a frequentar a casa das menores com regularidade.

13. Apesar do sucedido, a menor BB continuou a frequentar a casa do arguido, pois este para além de lhe permitir o acesso ao computador, oferecia-lhe presentes, nomeadamente chocolates, colares, pulseiras, revistas e levava-a a comer fora.

14. Durante o período de dois anos, o arguido absteve-se de qualquer contacto físico com a menor BB, conseguindo do modo descrito conquistar de novo a sua confiança.

15. A menor BB frequentava a casa do arguido à hora do almoço e às sextas-feiras costumava frequentar a sua residência no período da noite, sendo que no período de férias permanecia na casa daquele sempre que lhe apetecia.

16. Quando BB completou os 11 anos de idade, em data não concretamente apurada do ano de 2011, durante um fim-de semana, no período compreendido entre as 17h00 e as 18h00, a menor encontrava-se na sala de estar da residência do arguido a utilizar o computador portátil, enquanto este estava a ver televisão.

17. A dado momento, o arguido sabendo que a menor se encontrava na sala, mudou para um canal que exibia um filme, no qual se encontravam homens e mulheres a praticarem relações sexuais, colocando a televisão alta de modo a serem audíveis os sons que reproduziam e, desse modo, levá-la a ver tal filme e a despertar a sua curiosidade.  

18. Perante o teor do filme e a pergunta da menor sobre a razão pela qual estava a ver tal filme, o arguido respondeu-lhe "que um dia também o ia fazer" e questionando-a disse-lhe "se o queria fazer", solicitação à qual a menor respondeu que não.

19. Não obstante o arguido retorquiu, dirigindo-se à menor e dizendo-lhe que "podia experimentar fazer outro tipo de coisas".

20. Nesse momento, o arguido levantou-se do sofá, despiu as calças que envergava e dirigindo-se a menor BB, fez um gesto com a mão, chamando-a para perto de si.

21. A menor aproximou-se do arguido e este ordenou-lhe que se agachasse junto a si e colocasse o seu pénis na sua boca.

22. A menor colocou, então, o pénis do arguido na boca, enquanto este a acariciava nos braços e lhe empurrava a cabeça para baixo e para cima, em movimentos vaivém, aí o friccionando.

23. Decorridos alguns minutos, o arguido retirou o pénis erecto da boca da menor e ejaculou, limpando-se de seguida num papel.

24. Após o ocorrido, o arguido disse à menor para não contar a ninguém, dizendo-lhe que "aquilo que tinham feito era perfeitamente normal e se contasse iria ser falada e as pessoas não iam perceber" .

25. Com receio do que pudessem de si dizer, a menor guardou segredo e não relatou nada do que consigo ocorreu a ninguém.

26. Desde o aludido contacto sexual, o arguido passou a chamar a menor à sua residência ou a aproveitar os momentos em que esta aí se encontrava para praticar, com frequência não concretamente apurada, os mesmos actos sexuais acima descritos, o que sucedeu até BB perfazer os 13 anos de idade, no ano de 2013.

27. Durante o período compreendido entre os 11 e os 13 anos de idade (anos 2011/2013), o arguido começou também a impor regras na vida da menor, controlando-a.

28. Até que, em data não concretamente apurada do ano de 2013, a menor BB, à data com 13 anos de idade, como era habitual, foi para casa do arguido utilizar o computador, tendo adormecido no sofá da sala.

29. Passados alguns instantes, a menor acordou e o arguido colocou-a no seu colo e levou-a para o quarto, colocando-a em cima da cama.

30. Após, o arguido começou a despir a menor e a beijá-la na boca e no corpo, introduzindo um dedo na sua vagina.

31. Perante o sucedido, a menor disse ao arguido que não queria perder a virgindade, ao que o arguido afirmou que não era por isso que a ia perder, nem ia doer.

32. De seguida, o arguido despiu-se e colocou-se em cima do corpo da menor e, com o pénis erecto penetrou a vagina da menor, fazendo movimentos vaivém e aí o friccionando, sem que tivesse utilizado qualquer preservativo, e, após retirou o pénis e ejaculou.

33. Desde essa altura e até ao mês de Fevereiro de 2016, o arguido passou a manter sexo vaginal com a menor, actos sexuais que ocorriam entre as 21h00 e as 23h00, com frequência não concretamente apurada.

34. Tais actos ocorriam sempre no interior da residência do arguido, sendo que durante /a semana ocorriam na sala, em cima do sofá, e ao fim-de-semana no quarto.

35. O arguido não usava preservativo durante os actos sexuais e ejaculava sempre fora da vagina da menor.

36. Porém, numa das ocasiões, quando a menor tinha 14 anos de idade, no dia seguinte a manter relações sexuais com esta e ao ter ejaculado no interior da sua vagina, o arguido deu-lhe um comprimido, de marca não concretamente apurada, mas destinado a impedir a gravidez, dizendo-lhe que teria de o tomar por precaução.

37. Em data não concretamente apurada do início do ano de 2016 e quando a menor ainda tinha 15 anos de idade, o arguido foi trabalhar para a … como motorista de pesados de mercadorias, o que fazia com que estivesse ausente do país durante seis semanas, regressando a Portugal durante uma semana, no seu período de folga.

38. Durante tal período de tempo, o arguido continuou a ter acesso à palavra-passe do facebook e do Instagram da menor BB, controlando os contactos que esta mantinha nestas redes sociais, tendo-a impedido de alterar os códigos dos perfis em causa, dizendo-lhe que caso o fizesse não lhe permitia usar o seu computador.

39. Para melhor controlar a vida da menor, no Natal de 2015 e antes de ir para a ..., o arguido ofereceu-lhe um telemóvel, da marca "…", modelo "…a", com o n." ..., no qual descarregou as aplicações" Messenger"; "Instagram"; "Whatsapp" entre outras.

40. Quando se encontrava em Portugal o arguido retirava o telemóvel à menor BB para ver as imagens e as mensagens que esta aí continha, controlando ainda o histórico do computador para tomar conhecimento de todos os contactos que a menor mantinha na sua ausência.

41. Em Março de 2016, o arguido verificou nas redes sociais e no histórico do computador que a menor BB se correspondia com um rapaz de nome "DD", seu colega de escola, tendo-a apelidado, nessa ocasião de "porca de merda, badalhoca, galdéria".

42. A menor disse então ao arguido que era amiga do DD e dele gostava e por entender que não era correcto manter relações sexuais com um homem mais velho e por esse motivo pretendia terminar o relacionamento com o arguido.

43. No decurso de tal conversa, o arguido proibiu-a de contactar com tal rapaz, pois caso o não fizesse não permitiria que continuasse a utilizar o seu computador, ao que a menor assentiu.

44. Desde que o arguido se deslocou para a ..., a menor manteve relações sexuais com o arguido, com frequência não concretamente apurada, quando este se encontrava em Portugal.

45. Em Fevereiro de 2017, numa das suas deslocações a Portugal, o arguido disse à menor que lhe ia oferecer um telemóvel novo, de marca "...", que já havia adquirido, mas que teria de "se portar bem", pretendendo com tal expressão dizer à menor que teria de manter com ele relações sexuais.

46. Então, em data não concretamente apurada desse mesmo mês, na sequência, o arguido levou a menor a passear e quando regressou a casa manteve, com a mesma, relações sexuais, não lhe tendo dado de imediato o dito telemóvel, apenas o fazendo nas vésperas de se ir embora novamente para a ....

47. Na primeira semana do mês de Março de 2017, a menor conheceu outro rapaz de igualmente de nome DD, com o qual começou a falar através do Facebook e do Messenger iniciando com o mesmo um relacionamento amoroso.

48. Por esse motivo, a menor disse ao arguido que não mais manteria relações sexuais consigo e que iria contar o sucedido a todos os seus familiares.

Quanto a CC:

49. À semelhança da sua irmã, CC também frequentava a residência do arguido com regularidade, atenta a relação de confiança existente entre aquele e a sua família.

50. Assim, desde o ano de 2012, que a menor CC, à data com 11 anos de idade, começou a ir regularmente para a casa do arguido, após as 18h30m, quando regressava das aulas, para brincar.

51. Nessas circunstâncias, o arguido dirigia-se à menor e dava-lhe beijos na boca, introduzindo a sua língua na boca da mesma, fazendo movimentos circulares.

52. Em data não concretamente apurada do ano de 2014, a menor CC, que à data tinha 13 anos de idade, deslocou-se à residência do arguido.

53. Aí chegada a menor verificou que este se encontrava sentado no sofá da sala a ver um filme no computador portátil no qual eram visíveis homens e mulheres a manterem relações sexuais, designadamente as mulheres a colocarem a boca no pénis dos homens.

54. A menor sentou-se ao seu lado, visualizando juntamento com o arguido o filme, de teor pornográfico, que lhe era exibido.          

55. Passados alguns instantes, o arguido dirigiu-se à menor CC e pediu-lhe que fizesse o que os personagens estavam a executar, dizendo-lhe que "não tinha mal nenhum", solicitação à qual a menor acedeu.

56. Nesta sequência, o arguido colocou o seu pénis erecto na boca da menor e empurrou-lhe a cabeça para cima e para baixo, fazendo movimentos vaivém, sem ejacular.

57. Após, a menor saiu da casa do arguido não tendo contado nada do sucedido à sua família, com receio de que fosse considerada culpada de tais comportamentos.

58. A menor CC continuou a frequentar a casa do arguido, e, quando aí se encontrava, este pedia-lhe que friccionasse a sua vagina nas suas pernas e que colocasse o pénis erecto na sua boca, aí o friccionando, solicitações às quais acedia.

59. Em data não concretamente apurada do ano de 2015, numa das suas deslocações à habitação do arguido, a menor CC, que à data tinha 14 anos de idade, encontrava-se deitada no sofá da sala, estando o arguido deitado por cima de si a dar-lhe beijos na boca.

60. A dado momento, o arguido retirou o seu pénis erecto das calças e exibindo-o à menor perguntou-lhe se podia introduzi-lo na sua vagina, dizendo-lhe que "não fazia mal nenhum",

61. Nessa ocasião, a menor baixou as calças que envergava e o arguido abriu a braguilha das calças, retirando o seu pénis erecto e introduziu-o na vagina da menor aí o friccionando.

62. Noutras vezes, o arguido acariciava com os dedos a vagina da menor CC, beijava-a nessa zona e acariciava-lhe os seus seios com as mãos.

63. Depois da ocasião relatada no ponto 61, o arguido voltou a manter com a menor CC sexo vaginal, introduzindo o seu pénis erecto na sua vagina, aí o friccionando até ejacular, tendo tal ocorrido em data que não se logrou apurar.

64. Todavia, a menor BB recusou continuar a manter tais actos sexuais com o arguido, pelo que este lhe pedia para lhe dar beijos nos seios, solicitação à qual aquela acedia.

65. No ano de 2016, quando o arguido regressava a casa vindo da ... e em datas não concretamente apuradas, o arguido dirigia-se à menor CC e abraçando-a, acariciava-a nos seios com as mãos e pedia que lhe desse beijos na boca, solicitações às quais a menor também acedia.

66. Em data não concretamente apurada do ano de 2016, a menor CC resolveu contar o que consigo sucedia à sua irmã BB, tendo esta ficado a saber nessa altura os factos praticados pelo arguido com ambas.

67. O arguido ao exibir às menores os aludidos filmes, tinha perfeito conhecimento que aquelas tinham menos de 14 anos de idade e que o conteúdo pornográfico dos mesmos não era adequado à sua idade e lhe poderiam causar perturbações na sua formação e estruturação da personalidade, prejudicando o seu normal desenvolvimento físico e psicológico, e, ainda assim, levou avante tal propósito.       

68. Aliás, o arguido agiu segundo estímulo e com o propósito de alcançar prazer e satisfação dos seus desejos sexuais, bem sabendo que os aludidos filmes exibiam práticas sexuais entre adultos, visando com tal conteúdo preparar e manter contactos sexuais com as menores, o que veio a concretizar.

69. Acresce que, o arguido agiu livre deliberada e conscientemente, aproveitando-se da relação de confiança e proximidade que mantinha com BB e CC e com os familiares destas, para as levar a que praticassem consigo os actos supra descritos.

70. O arguido actuou, movido pelo desejo de satisfazer os seus impulsos sexuais e libidinosos e com o intuito de se excitar sexualmente, tirando partido da inferioridade física e vulnerabilidade das duas menores, tendo perfeito conhecimento da idade de BB e CC e da sua total imaturidade sexual, bem sabendo que o seu comportamento ofendia os mais elementares princípios da moral sexual e que atentavam contra a liberdade a autodeterminação sexual daquelas.

71. Mais sabia o arguido que, que em razão da idade, aquelas menores não tinham a capacidade e discernimento necessários para uma livre e esclarecida decisão no que concerne a um relacionamento sexual e mesmo assim não se absteve de tais comportamentos.

72. O arguido actuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

73. O percurso de desenvolvimento e socialização do arguido decorreu no seio do seu agregado familiar de origem, composto pelos progenitores e dois irmãos germanos, constituindo-se AA como o segundo elemento da fratria.

74. A dinâmica familiar é recordada como equilibrada e coesa, com existência de laços de afectividade e interajuda entre os membros, aparentando o arguido e irmãos terem beneficiado da transmissão de valores e regras pro-sociais, quer por parte dos progenitores, quer por parte da avó materna, que, residente em casa contígua, acompanharia com proximidade os seus trajectos.

75. No plano económico, o agregado apresentava uma condição modesta/humilde, porém suficiente ao nível da satisfação das necessidades de subsistência, que seriam asseguradas através dos rendimentos provenientes da ocupação profissional do progenitor, como empregado de escritório.

76. AA frequentou o 7° ano em regime regular, no decurso do qual desistiu do processo de escolarização por desmotivação/desinteresse, sem que o tivesse concluído.

77. Contava cerca de 16 anos de idade quando iniciou funções de modo regular numa fábrica de …, na qual desenvolveu actividade até ao seu ingresso no Serviço Militar Obrigatório (SMO). Voluntário nas …, esteve ali integrado durante cerca de 2 anos, findos os quais regressou ao agregado de origem.

78. No plano profissional, veio a exercer várias actividades indiferenciadas até 1999/2000, altura em que emigrou durante cerca de um ano para …, com vista à aquisição de melhores condições de vida. Naquele país terá desenvolvido funções numa fábrica de …, vindo após regresso ao país de origem a desenvolver actividade na área da distribuição de …, até 2002.

79. Frequentou um curso de formação e educação de adultos com equivalência ao 9° ano de escolaridade, que terá concluído, através de um Centro de Novas Oportunidades, tendo ainda no domínio formativo se habilitado legalmente com a carta de condução de veículos pesados.

80. Valorizando a profissão de motorista, veio a dedicar-se à actividade através de uma empresa do sector durante cerca de 9 anos. Esteve em situação de desemprego prolongada, aproximadamente entre 2011 e 2015.

81. AA refere ter tido três relações de namoro significativas, as primeiras duas com manutenção de uma vida sexual activa e equilibrada. Contextualiza numa terceira relação de curta duração (mantida durante cerca de 8 meses) alegado início de problemática do foro da sexualidade (nomeadamente ao nível da erecção), que não terá sido ultrapassada.

82. Tal problemática, iniciada precocemente (alegadamente antes dos 30 anos de idade), terá tido impacto, quer do ponto de vista emocional, quer no domínio afectivo, referindo o arguido não mais ter tido relações gratificantes com elementos do sexo oposto, registando unicamente experiencias pontuais/ocasionais no domínio da intimidade (sem práticas sexuais) com amigas, com quem se encontrava ocasionalmente na altura do verão, em parques de campismo, onde passava férias.

83. Usufrui de uma relação de proximidade com os elementos familiares de origem, designadamente pais, irmãos e sobrinhos, com quem mantém ligação pautada por sólidos sentimentos de união, entreajuda e afecto.

84. Mantém residência em habitação próxima à dos progenitores (casa em frente) - sendo a progenitora quem providencia pela sua alimentação e tratamento de roupa.

85. Residente numa travessa antiga de zona de … (em …), onde as relações vicinais são privilegiadas, o arguido (bem como os familiares) mantêm ligação com a progenitora das ofendidas desde idade precoce - tendo também a mesma sido criada naquele contexto residencial.

86. Após ingresso do progenitor das menores na zona residencial (através do relacionamento encetado com a mãe daquelas) refere ter registado relação de maior convivência com aquela família, contextualizada numa dinâmica vicinal e/de amizade.

87. Relativamente às menores, o arguido enquadra a relação de proximidade mantida com as mesmas em alegados sentimentos de "protecção", face a evocadas disfuncionalidades familiares e situação de negligência em que se encontravam.

88. Em data precedente à instauração do presente processo encontrava-se há cerca de um ano e meio a exercer funções profissionais como motorista de pesados para uma empresa sediada na ..., actividade que valorizava.

89. No plano económico, mantinha um modo de vida equilibrado através dos rendimentos auferidos pelo desenvolvimento da actividade exercida, continuando ao nível familiar a beneficiar de suporte aos mais diversos níveis.

90. AA encontra-se preso preventivamente no Estabelecimento Prisional de Lisboa (EPL) desde 03-04-2017, provindo do E.P. junto da Polícia Judiciária. No decurso da institucionalização tem revelado capacidades de adequação ao confinamento, não tendo até ao momento registado sanções disciplinares.

91. Não tem condenações registadas.

                                                           *****


       Apreciando. Fundamentação de direito.

        Questão Prévia I – Inadmissibilidade parcial do recurso – Irrecorribilidade quanto à matéria decisória relativa aos crimes punidos com penas parcelares aplicadas em medida igual, num caso apenas, ou inferior a oito anos de prisão (nas demais) e confirmadas integralmente pela Relação – Dupla conforme total  

      Como já se referiu, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal da Relação de Lisboa nas primeiras quatro conclusões da resposta apresentada defendeu estar vedado ao Supremo Tribunal de Justiça pronunciar-se sobre as medidas das penas parcelares impostas ao recorrente, por ser inaplicável a doutrina do AFJ n.º 5/2017, de 27-04-2017.

       Como veremos, a não apreciação das medidas das penas parcelares nada tem a ver com o citado AFJ, antes se devendo ao facto de operar a dupla conforme.  

       É de colocar a questão prévia da recorribilidade, tratando-se de questão de conhecimento oficioso.

       O presente recurso foi interposto pelo arguido do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11 de Julho de 2018, tratando-se de um acórdão confirmatório, na totalidade, (com excepção apenas da irrelevante, inconsequente, ínfima, anódina e não pertinente alteração no ponto 8 dos factos dados por provados, com substituição de “perfil de facebook” por “televisão”) de condenação proferida na primeira instância – Juízo Central Criminal de Lisboa - Juiz 7 – em 12 de Março de 2018, na vigência do actual regime de recursos, introduzido com a entrada em vigor da 15.ª alteração do Código de Processo Penal, operada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, e que teve lugar em 15 de Setembro de 2007, iniciando-se o presente processo em 3 de Abril de 2017, tendo os factos julgados sido praticados nos períodos compreendidos entre 2009 e Fevereiro de 2017 (factos relativos à menor BB) e entre 2012 e 2016 (factos relativos à menor CC).

 

       As penas parcelares aplicadas em primeira instância variam entre os 6 meses e os 8 anos, sendo de 6 meses, 9 meses (duas), 18 meses, 2 anos e 6 meses, 4 anos, 6 anos e 8 anos de prisão.

      Estas penas, sendo uma de oito anos e as restantes sete todas inferiores a 8 anos de prisão, foram confirmadas totalmente pelo acórdão da Relação de Lisboa, o mesmo acontecendo com a pena única de 13 anos de prisão.

      O que aconteceu, mantendo-se imodificadas a matéria de facto dada por provada (ressalvada a referência a existência de facebook em 2009) e a qualificação jurídica, bem como as penas, estando-se, pois, face a uma dupla conforme total.

      
        Haverá que ter em conta que o acórdão ora recorrido é um acórdão confirmativo, havendo na parte que nos interessa, ou seja, no que respeita à posição processual do ora recorrente, entre uma e outra decisões uma identidade total, completa, absoluta e plena, e como assim, como se procurará demonstrar, impeditiva de recurso, de forma parcial, no que respeita à pretensão de reapreciação da matéria decisória que conduziu à condenação nas penas parcelares.

   

      A lei reguladora da admissibilidade dos recursos é a que vigora no momento em que é proferida a decisão da primeira instância.

      A solução de atender à data da decisão da 1.ª instância foi adoptada como critério a seguir no Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça – AUJ (Acórdão Uniformizador de Jurisprudência) n.º 4/2009 – de 18 de Fevereiro de 2009, proferido no processo n.º 1957/08, desta 3.ª Secção, publicado no Diário da República, 1.ª Série, n.º 55, de 19-03-2009, que uniformizou jurisprudência em caso de dupla conforme, mas em que a decisão da 1.ª instância foi proferida antes de 15 de Setembro de 2007, no domínio do anterior regime processual, nos termos seguintes: «Nos termos dos artigos 432.º, n.º 1, alínea b), e 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, na redacção anterior à entrada em vigor da Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, é recorrível o acórdão condenatório proferido, em recurso, pela relação, após a entrada em vigor da referida lei, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão superior a oito anos, que confirme decisão de 1ª instância anterior àquela data».

      Este acórdão fixou jurisprudência no sentido de que em matéria de recursos penais, no caso de sucessão de leis processuais penais, é aplicável a lei vigente à data da decisão proferida em 1.ª instância.

       Tal orientação tem sido seguida sem discrepâncias, como se pode ver, por exemplo, dos acórdãos de 17-09-2009, processo n.º 47/08.9PBPTM.E1.S1-3.ª, CJSTJ 2009, tomo 3, pág. 188, em caso de confirmação in mellius, em que interviemos como adjunto, onde se afirma: “É recorrível para o STJ a decisão proferida pela Relação já depois da entrada em vigor da nova lei de processo que não reconheça esse grau de recurso, se a lei que vigorava ao tempo da decisão da 1.ª instância o mandasse admitir”; de 23-09-2009, processo n.º 27/04.3GBTMC.S1, do mesmo relator, em que para além do passo citado se afirma: “A lei que regula a recorribilidade de uma decisão, ainda que esta tenha sido proferida em recurso pela Relação, é a que se encontrava em vigor no momento em que a 1.ª instância decidiu, salvo se lei posterior for mais favorável para o arguido”; de 23-09-2009, processo n.º 463/06.0GAEPS.S1-5.ª, que afirma: “O momento relevante para a determinação da lei aplicável aos recursos é a decisão da 1.ª instância, doutrina esta que acabou por ser afirmada no Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 4/2009 (DR I-A, de 19-03-2009”; de 11-04-2012, processo n.º 3969/07.5TDLSB.L1.S1-3.ª, onde se refere: “No caso de sucessão de leis processuais, em matéria de recursos, é aplicável a lei vigente à data da decisão de 1.ª instância, entendimento a que o STJ chegou no AUJ n.º 3/2009 [4/2009], de 18-02-2009, in DR, I-Série, de 19-03-2009”; de 10-01-2013, processo n.º 507/05.3GAEPS.G1.S1-5.ª; de 14-03-2013, processo n.º 43/10.6GASTC.E1.S1-3.ª, em que interviemos como adjunto; de 15-05-2013, processo n.º 175/10.0TAABT.E1.S1-3.ª, em caso de recurso interposto por assistente; de 12-09-2013, processo n.º 680/11.1GDALM.L1.S1-3.ª; de 9-10-2013, processo n.º 772/11.7JAPRT.P1.S1-3.ª; de 8-01-2014, processo n.º 109/08.2TAETR.P1.S1-3.ª; de 26-03-2014, processo n.º 21/12.0GBPTM.E1.S1-5.ª; de 23-04-2014, processo n.º 169/12.1TEOVR.P1.S1-3.ª; de 24-09-2014, processo n.º 53/12.9JBLSB.L1.S1-3.ª; de 29-10-2014, processo n.º 418/07.8GFOER.L1.S1-3ª; de 11-02-2015, processo n.º 83/13.3JAPDL.L1.S1-3.ª, do mesmo Relator do anterior, de 25-02-2015, processo n.º 859/12.9GESLV.E1.S1-3.ª; de 25-02-2015, processo n.º 1/11.3GHLSB.L1.S1-3.ª; de 17-06-2015, processo n.º 28/11.5TACVD.E1.S1-3.ª, em que interviemos como adjunto; de 18-02-2016, processo n.º 118/08.1GBAND.P1.S1-3.ª; de 28-04-2016, processo n.º 318/14.5JAPDL.L1.S1-3.ª, de 14-09-2016, processo n.º 71/13.0JACBR.C1.S1-3.ª; de 26-10-2016, processo n.º 58/13.2PEVIS.C1.S1-3.ª; de 9-11-2016, processo n.º 587/14.0JAPRT.P1.S1-3.ª, de 15-02-2017, processo n.º 12/15.0JAAVR.P1.S1-3.ª Secção, de 29-03-2017, processo n.º 1227/14.3PASNT.L1.S1-3.ª, de 27-04-2017, processo n.º 261/10.7JALRA.E2.S1-3.ª, de 20-06-2018, processo n.º 462/04.7GAPRD.P3.S1, de 17-10-2018, processo n.º 138/16.2PAMTJ.L1.S1-3.ª e de 7-11-2018, processo n.º 161/15.4T9RMZ.E1.S1-3.ª Secção.

      Há que abordar a questão da admissibilidade do presente recurso, no que toca às penas parcelares aplicadas pelos oito crimes por que foi condenado o recorrente, todas integralmente mantidas pelo Tribunal da Relação de Lisboa, face ao disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal. 

 

      Este Supremo Tribunal tem entendido que, em caso de dupla conforme, à luz do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, são irrecorríveis as penas parcelares, ou únicas, aplicadas em medida igual ou inferior a oito anos de prisão e confirmadas pela Relação, restringindo-se a cognição às penas de prisão, parcelares e/ou única, aplicadas em medida superior a oito anos de prisão.

       Vejamos as disposições legais aplicáveis.

       É admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça nos casos contemplados no artigo 432.º do Código de Processo Penal, sem prejuízo de outros casos que a lei especialmente preveja, como explicita o artigo 433.º do mesmo diploma legal.

       No que importa ao caso presente rege a alínea b) do n.º 1 do artigo 432.º do Código de Processo Penal, que se manteve inalterada, e que estabelece:

      1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:
b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º.

       Com a entrada em vigor, em 15 de Setembro de 2007, da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, foi modificada a competência do Supremo Tribunal de Justiça em matéria de recursos de decisões proferidas, em recurso, pelas relações, restringindo-se a impugnação daquelas decisões para este Supremo Tribunal, no caso de dupla conforme, a situações em que tenha sido aplicada pena de prisão superior a oito anos.

     

       Estabelecia o artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto:

      1 - Não é admissível recurso: (…)

      f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções.

      

       A partir da alteração introduzida pela aludida Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, entrada em vigor em 15 de Setembro de 2007 (Diário da República, 1.ª série, n.º 166, de 29 de Agosto, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 100-A/2007, Diário da República, I Série, n.º 207, Suplemento, de 26 de Outubro, por seu turno, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 105/2007, Diário da República, I Série, n.º 216, de 9 de Novembro de 2007), que procedeu à 15.ª alteração e republicou o Código de Processo Penal aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro), passou a estabelecer o artigo 400.º, n.º 1, na alínea f), do Código de Processo Penal:

      1 – Não é admissível recurso: (…)

       f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos».
      [A redacção desta alínea permaneceu intocada nas subsequentes modificações do Código de Processo Penal, operadas pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro (Diário da República, 1.ª série, n.º 40, de 26-02-2008, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 22/2008, Diário da República, 1.ª série, n.º 81, de 24-04-2008), pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, pela Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro, pela Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto, pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, pela Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de Agosto, pela Lei n.º 27/2015, de 14 de Abril, pela Lei n.º 58/2015, de 23 de Junho, pela Lei n.º 130/2015, de 4 de Setembro, que procedeu à 23.ª alteração ao CPP e aprovou o Estatuto da Vítima, pela Lei n.º 1/2016, de 25 de Fevereiro - 25.ª alteração - pela Lei n.º 40-A/2016, de 22 de Dezembro - 26.ª alteração, alterando o artigo 318.º -, pela Lei n.º 24/2017, de 24 de Maio - 27.ª alteração -, pela Lei n.º 30/2017, de 30 de Maio - Vigésima sétima (sic) alteração - que pelo artigo 15.º altera os artigos 58.º, 178.º, 186.º, 227.º, 228.º, 268.º, 335.º e 374.º e adita o artigo 347.º-A, pela Lei n.º 94/2017, de 23 de Agosto, pela Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, que aprova o Orçamento do Estado para 2018 e que pelo artigo 293.º altera o artigo 185.º e pela Lei n.º 1/2018, de 29 de Janeiro – Diário da República, 1.ª série, n.º 20, de 29-01-2018 – 30.ª alteração – artigos 113.º, 287.º, 315.º e 337.º].

       A alteração legislativa de 2007, no que tange a esta alínea f), teve um sentido restritivo, impondo uma maior restrição ao recurso, referindo a pena aplicada e não já a pena aplicável, quer no recurso directo, quer no recurso de acórdãos da Relação que confirmem decisão de primeira instância, circunscrevendo a admissibilidade de recurso das decisões da Relação confirmativas de condenações proferidas na primeira instância às que apliquem pena de prisão superior a oito anos.

       Com efeito, à luz do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, na redacção actual, só é possível o recurso de decisão confirmatória da Relação no caso de a pena aplicada ser superior a 8 anos de prisão.

       Já anteriormente, porém, à luz da redacção da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, introduzida em 1998 (Lei n.º 59/98), a restrição ora referida era defendida em acórdãos do Tribunal Constitucional, como no Acórdão n.º 64/2006, de 24 de Janeiro de 2006, proferido no processo n.º 707/2005, publicado no Diário da República, II Série, de 19 de Maio de 2006 (e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 64.º volume, 2006, págs. 447 a 477), que, em Plenário, com seis votos de vencido, reafirmando, por maioria, o juízo de não inconstitucionalidade constante do acórdão n.º 640/2004, de 12 de Novembro de 2004, da 3.ª Secção (com sumário em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 60.º volume, 2004, pág. 933), com o qual estava em contradição o acórdão n.º 628/2005, de 15 de Novembro de 2005, da 2.ª Secção, publicado no Diário da República, II Série, de 23 de Maio de 2006 (e com sumário em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 63.º volume, 2005, pág. 892), decidiu “não julgar inconstitucional a norma constante da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que não é admissível recurso interposto apenas pelo arguido para o Supremo Tribunal de Justiça de um acórdão da Relação que, confirmando a decisão da 1.ª instância, o tenha condenado numa pena não superior a oito anos de prisão, pela prática de um crime a que seja aplicável pena superior a esse limite”.

       O acórdão em causa reiterou a jurisprudência do Tribunal Constitucional, segundo a qual, a Constituição não impõe um triplo grau de jurisdição ou um duplo grau de recurso, mesmo em Processo Penal.

       Acerca da nova formulação legal introduzida em Setembro de 2007, que conduziu a uma restrição do recurso e entendendo daí não decorrer violação do direito de recurso, por estar assegurado um duplo grau de jurisdição e não se impor um, aliás, não previsto duplo grau de recurso, tem-se pronunciado este Supremo Tribunal de Justiça, conforme se colhe dos acórdãos apontados a seguir.

       Extrai-se do acórdão de 5 de Dezembro de 2007, proferido no processo n.º 3868/07, da 3.ª Secção, em que interviemos como 2.º adjunto:

       “Nos termos da al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, na versão vigente à data da interposição do recurso, não é admissível recurso para o STJ dos acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem a decisão da 1.ª instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a 8 anos.

        A Lei 48/2007, de 29-08, alterou essa redacção em sentido restritivo, de forma a circunscrever a admissibilidade de recurso das decisões confirmativas de condenações proferidas na 1.ª instância àquelas que aplicarem pena de prisão superior a 8 anos.

       Tendo os arguidos sido condenados por crimes cuja moldura penal não ultrapassa 5 anos de prisão (crime de insolvência dolosa) e 3 anos de prisão (crime de subtracção de documento), em penas de 2 anos e 8 meses e 2 anos e 4 meses de prisão, a decisão impugnada é irrecorrível, por força da referida al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, quer na versão anterior, quer na actual.

       O entendimento dos recorrentes, de que a dupla conforme não se verifica quando o acórdão proferido em sede de recurso seja nulo por omissão de pronúncia, uma vez que, nessa hipótese, não houve uma autêntica segunda pronúncia, não tem qualquer apoio na letra ou no espírito da lei, que estabelece uma delimitação objectiva e clara das hipóteses de recurso para o STJ, agora baseada na pena concreta (anteriormente na pena abstracta).

        A mera alegação de omissão de pronúncia, que traduz o ponto de vista do recorrente e apenas isso, não invalida a existência de uma efectiva e objectiva dupla decisão em conformidade (decisão da 1.ª instância e confirmação da mesma pela Relação).

      A omissão de pronúncia segue o regime das demais nulidades da sentença, devendo ser arguida junto do tribunal que a proferiu, quando ela não admitir recurso ordinário (art. 668.º, n.º 3, do CPC), pelo que os recorrentes deveriam ter reagido contra a alegada nulidade arguindo-a junto da Relação, por não haver recurso ordinário do acórdão proferido por esse tribunal”.

       No acórdão de 09-01-2008, processo n.º 4457/07-3.ª Secção, pode ler-se: Após a revisão do CPP, da nova redacção da al. f) do n.º 1 do art. 400º, resulta que é admissível recurso para o STJ de acórdão da Relação, proferido em recurso, que confirme decisão cumulatória que haja condenado o arguido em pena única superior a 8 anos de prisão, ainda que aos crimes parcelarmente considerados seja aplicável pena de prisão inferior a 8 anos, embora, no caso e no que respeita à medida concreta da pena, o recurso fique limitado à pena conjunta resultante do cúmulo.

       Como se extrai do acórdão de 03-04-2008, processo n.º 574/08 - 5.ª Secção, no domínio da actual versão do CPP, as alíneas e) e f) do n.º 1 do art. 400.º referem-se à pena aplicada e não à aplicável, sem menção da frase “mesmo em caso de concurso de infracções”. Houve, portanto, uma inversão do legislador quanto a esta questão da recorribilidade, restringindo drasticamente o recurso da Relação para o Supremo. Importa, por isso, não ir mais além do que a letra da lei. Daí que seja razoável concluir que, actualmente, ao contrário do que dantes sucedia, a questão da irrecorribilidade deve aferir-se pela pena única aplicada e já não atendendo às penas parcelares, isto é, o que importa é a pena que foi aplicada como resultado final da sentença, toda ela abrangida no âmbito do recurso, nos termos do art. 402.º, n.º 1, do CPP, salvo declaração em contrário por parte do recorrente.

       Segundo o acórdão de 18-06-2008, processo n.º 1624/08-3.ª, a lei reguladora da admissibilidade do recurso – e por consequência, da definição do tribunal de recurso – será a que vigorar no momento em que ficam definidas as condições e os pressupostos processuais do próprio direito ao recurso (seja na integração do interesse em agir, da legitimidade, seja nas condições objectivas dependentes da natureza e conteúdo da decisão: decisão desfavorável, condenação e definição do crime e da pena aplicável), isto é, no momento em que primeiramente for proferida uma decisão sobre a matéria da causa, ou seja, a da 1.ª instância.

       Sendo o acórdão de 1.ª instância proferido já na vigência do regime de recursos posterior à entrada em vigor das alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, tendo a arguida sido condenada numa pena de 4 anos e 6 meses de prisão e tendo o Tribunal da Relação confirmado o decidido pela 1.ª instância, não é admissível recurso para o STJ, atento o disposto no art. 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, que determina a irrecorribilidade de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos (na redacção anterior, o critério da recorribilidade em caso de idêntica decisão nas instâncias – “dupla conforme” – partia da pena aplicável ao crime e não da pena concretamente aplicada).

       Segundo o acórdão de 18-06-2008, processo n.º 1971/08-3.ª, “a nossa jurisprudência e doutrina são unânimes em reconhecer que a lei reguladora da admissibilidade do recurso é a vigente na data em que é proferida a decisão recorrida – lex temporis regit actum – e isto porque as expectativas eventualmente criadas às partes ao abrigo da lei antiga se dissiparam à face da lei nova, não havendo que tutelá-las”.

       Nos acórdãos de 15-07-2008, processo n.º 816/08-5.ª e de 14-08-2008, processo n.º 2523/08-5.ª, defende-se a obrigatoriedade de reponderação da medida da pena do concurso, se a aplicada nesse âmbito for superior a 8 anos de prisão, ainda que os crimes que fazem parte desse concurso, singularmente considerados, tenham sido punidos na 1.ª instância com penas inferiores ou iguais a tal limite e confirmadas pela Relação.

       Explicita-se aí: “Actualmente, se é a pena aplicada que constitui a referência da recorribilidade, essa pena tanto pode ser a referida a cada um dos crimes singularmente considerados, como a que se reporta ao concurso de crimes (pena conjunta ou pena única).

       O legislador aferiu a gravidade relevante como limite da dupla conforme e como pressuposto do recurso da decisão da Relação para o STJ pela pena efectivamente aplicada, quer esta se refira a um crime singular, quer a um concurso de crimes.

       Tal significa que o STJ está obrigado a rever as questões de direito que lhe tenham sido submetidas em recurso ou que ele deva conhecer ex officio e que estejam relacionadas com os crimes cuja pena aplicada tenha sido superior a 8 anos de prisão e também a medida da pena do concurso, se a aplicada nesse âmbito for superior a 8 anos de prisão, ainda que os crimes que fazem parte desse concurso, singularmente considerados, tenham sido punidos na 1.ª instância com penas inferiores ou iguais a tal limite e confirmadas pela Relação”.

       No acórdão de 10-09-2008, processo n.º 1959/08-3.ª, diz-se: “Por efeito da entrada em vigor da Lei n.º 48/2007, de 29-08, foi alterada a competência do STJ em matéria de recursos de decisões proferidas, em recurso, pelos Tribunais de Relação, tendo-se limitado a impugnação daquelas decisões para este Tribunal, no caso de dupla conforme, às situações em que seja aplicada pena de prisão superior a 8 anos – redacção dada à al. f) do n.º 1 do art. 400º do CPP – quando no domínio da versão pré - vigente daquele diploma a limitação incidia relativamente a decisões proferidas em processo por crime punível com pena de prisão não superior a 8 anos”.

       No acórdão de 29-10-2008, processo n.º 3061/08-5.ª, refere-se: “Considerando as datas dos veredictos da 1.ª e 2.ª instâncias, já em plena vigência da Lei 48/2007, será de observar a nova redacção conferida à alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, donde resulta a inviabilidade da interposição de recurso para o STJ, sendo o acórdão recorrido (da Relação) condenatório e confirmatório (em recurso) de pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, não superior, portanto, ao ali apontado limite de 8 anos”.

       Pode ler-se no acórdão de 13-11-2008, processo n.º 3381/08-5.ª: “No caso de concurso de infracções, tendo a Relação confirmado, em recurso, decisão de 1.ª instância que aplicou pena de prisão parcelar não superior a 8 anos, essa parte não é recorrível para o STJ, nos termos do artigo 400, n.º 1, alínea f), do CPP, na versão da Lei n.º 48/2007, de 29-08, sem prejuízo de ser recorrível qualquer outra parte da decisão, relativa a pena parcelar ou mesmo só à operação de formação da pena única que tenha excedido aquele limite”.

       Como se retira dos acórdãos desta Secção de 07-05-2008, processo n.º 294/08; de 10-07-2008, processo n.º 2146/08; de 03-09-2008, processo n.º 2192/08; de 10-09-2008, processo n.º 2506/08; de 04-02-2009, processo n.º 4134/08; de 04-03-2009, processo n.º 160/09; de 17-09-2009, processo n.º 47/08.9PBPTM.E1, in CJSTJ 2009, tomo 3, pág. 188 e de 07-04-2010, processo n.º 1655/07.0TAGMR.G1.S1, todos com o mesmo Relator “com a revisão do Código de Processo Penal deixou de subsistir o critério do «crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos» para se estabelecer o critério da pena aplicada não superior a oito anos; daí que se eliminasse a expressão «mesmo no caso de concurso de infracções». Assim, mesmo que ao crime seja aplicável pena superior a 8 anos, não é admissível recurso para o Supremo, se a condenação confirmada não ultrapassar 8 anos de prisão. E, ao invés, se ao crime não for aplicável pena superior a oito anos de prisão, só é admissível recurso para o STJ se a condenação confirmada ultrapassar oito anos de prisão, decorrente de cúmulo, e restrito então à pena conjunta”.

       (Quanto a este último aspecto, cfr. os acórdãos de 23-09-2009, processo n.º 27/04.3GBTMC.S1-3.ª e de 21-10-2009, processo n.º 296/06.4JABRG.G1.S1-3.ª.).

       Neste sentido, podem ainda ver-se os acórdãos de 21-01-2009, processo n.º 2387/08-3.ª, por nós relatado, não conhecendo da pena aplicada por crime de maus tratos a cônjuge, mas apenas de homicídio qualificado atípico e de pena única; de 11-02-2009, processo n.º 113/09-3.ª, no sentido de ser recorrível apenas a pena única, quando ultrapasse os 8 anos de prisão; de 25-03-2009, processo n.º 486/09-3.ª; de 15-04-2009, processo n.º 583/09-3.ª; de 16-04-2009, processo n.º 491/09-5.ª, referindo: “o recurso para o Supremo de acórdão da Relação que confirme decisão condenatória de 1.ª instância apenas tomará conhecimento das questões relativas aos crimes cujas penas parcelares ultrapassem aquele limite de 8 anos, e não as havendo, limitar-se-á à pena única, se superior a 8 anos”; de 29-04-2009, processo n.º 391/09-3.ª, por nós relatado, não conhecendo da questão relativa ao crime de detenção de arma, mas apenas de tráfico de estupefacientes e da pena única; de 07-05-2009, processo n.º 108/09-5.ª, in CJSTJ 2009, tomo 2, pág. 193; de 14-05-2009, processo n.º 998/07.8PBVIS.C1.S1-5.ª, onde se afirma que “são irrecorríveis os acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos”; de 27-05-2009, processo n.º 50/06.3GAOFR.C1.S1, por nós relatado, em que se conheceu apenas da medida da pena única fixada em 11 anos de prisão e não das questões relacionadas com os sete crimes em equação; de 27-05-2009, no processo n.º 384/07.0GDVFR.S1-3.ª; de 25-06-2009, processo n.º 145/02.2PAPBL.C1.S1-3.ª e de 10-12-2009, processo n.º 496/08.2GTABF.E1.S1-3.ª, proferido pelo mesmo relator do anterior, onde se diz: «Tendo havido confirmação total, em recurso, pela Relação, de acórdão condenatório em penas de prisão não superiores a 8 anos – arts. 432.º, n.º 1, al. b) e 400.º, n.º 1, al. f), do CPP – as soluções normativas sobre admissibilidade dos recursos para o STJ decorrentes da revisão de 2007 do processo penal, introduzidas pela Lei n.º 48/2007, não o permitem»; ou seja, «não é admissível recurso relativamente às penas parcelares e sobre as questões que lhe sejam conexas, e apenas a pena única, aplicada em medida superior a 8 anos de prisão, é passível de recurso»; de 17-09-2009, processo n.º 47/08.9PBPTM-E1-3.ª; do mesmo relator, de 23-09-2009, processo n.º 27/04.3GBTMC.S1-3.ª e processo n.º 463/06.0GAEPS.S1-5.ª; de 12-11-2009, processo n.º 200/06.0JA PTM.E1.S1-3.ª, onde se considera que a decisão de tribunal da Relação que confirmou as diversas penas parcelares (entre os 9 meses e os 4 anos de prisão) não é recorrível para o STJ, mas já o é a decisão que agravou a pena conjunta correspondente ao concurso de crimes por que o arguido foi condenado; de 14-01-2010, processo n.º 135/08.1GGLSB.L1.S1-5.ª; de 27-01-2010, processo n.º 401/07.3JELSB.L1.S1-5.ª; de 04-02-2010, processo n.º 1244/06.7PBVIS.C1.S1-3.ª; de 10-03-2010, processo n.º 492/07.7PBBJA.E1.S1; de 18-03-2010, no processo n.º 175/06.5JELSB.S1-5.ª e no processo n.º 538/00.0JACBR-B.C1.S1-5.ª; de 12-05-2010, processo n.º 4/05.7TACDV.S1 - 5.ª; de 09-06-2010, processo n.º 862/09.6TBFAR.E1.S1-5.ª; de 23-06-2010, processo n.º 1/07.8ZCLSB.L1.S1-3.ª; de 30-06-2010, processo n.º 1594/01.9TALRS.S1-3.ª; de 14-07-2010, processo n.º 149/07.9JELSB.E1.S1-3.ª; de 29-09-2010, processo n.º 234/00.8JAAVR.C2.S1 - 3.ª; de 20-10-2010, processo n.º 851/09.8PFAR.E1.S1 - 3.ª.

       No acórdão de 16-12-2010, proferido no processo n.º 893/05.5GASXL.L1.S1-3.ª, citando os supra referidos acórdãos de 13-11-2008, processo n.º 3381/08-5.ª; de 16-04-2009, processo n.º 491/09-5.ª; de 12-11-2009, processo n.º 200/06.0JA PTM.E1.S1-3.ª e de 12-05-2010, processo n.º 4/05.7TACDV.S1-5.ª, consigna-se o seguinte: 

      I - No regime estabelecido pelos arts. 432.º, n.º 1, alínea b), e 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.

       II - Nos casos de julgamento por vários crimes em concurso, em que tenha sido aplicada a cada um dos crimes pena de prisão não superior a 8 anos, confirmada pela Relação, e em que a pena única seja superior a 8 anos, o recurso da decisão da Relação só é admitido no que respeita à pena única, em virtude da conformidade (“dupla conforme”) no que respeita à determinação das penas por cada um dos crimes.

       E assim, conheceu o acórdão apenas da medida da pena única de 9 anos de prisão, num contexto em que o arguido foi condenado por três crimes de abuso sexual de criança, com as penas parcelares de 2 anos e 6 meses de prisão, de 5 anos de prisão e de 7 anos de prisão, e na pena única de 9 anos de prisão, tudo confirmado in totum pelo Tribunal da Relação.

       E ainda mais recentemente, podem ver-se, no mesmo sentido, os acórdãos de 19-01-2011, proferidos no processo n.º 6034/08.0TDPRT.P1.S1-3.ª e no n.º 421/07.8PCAMD.L1.S1-3.ª; de 17-02-2011, nos processos n.º 1499/08.2PBVIS.C1.S1-3.ª e n.º 227/07.4JAPRT.P2.S1-3.ª; de 10-03-2011, no processo n.º 58/08.4GBRBB-3.ª, de 23-03-2011, por nós relatado, no processo n.º 322/08.2TARGR.L1.S1 (restringindo-se a cognição à medida da pena aplicada pelo crime de uxoricídio e pela pena conjunta); de 24-03-2011, processo n.º 907/09.0GCVIS.C1.S1-5.ª; de 31-03-2011, no processo n.º 669/09.0JAPRT.S1-5.ª, CJSTJ 2011, tomo 1, pág. 227; de 13-04-2011, igualmente por nós relatado, no processo n.º 918/09.5JAPRT.P1.S1, restringindo-se a reapreciação à elaboração da pena conjunta; de 04-05-2011, processo n.º 626/08.4GAILH.C1.S1-3.ª (em caso de dupla conforme, de confirmação de penas parcelares inferiores a 8 anos pela Relação, mas em que a pena imposta seja superior a 8 anos de prisão, só pode ser discutida esta pena unitária no STJ); de 18-05-2011, processo n.º 811/06.3TDLSB.L1.S1-3.ª; de 24-05-2011, processo n.º 17/05.9GAAVR.C1.S1-3.ª (em que se defende ser recorrível apenas a pena única que ultrapasse os 8 anos de prisão, sendo o recurso rejeitado, por no caso concreto, embora de forma incorrecta, estar em causa no recurso apenas a pena de 8 anos de prisão aplicada por um dos crimes, no caso de tráfico de estupefacientes, sem se ter em conta a subsistente pena aplicada pela detenção de arma proibida); de 16-06-2011, processo n.º 1010/09.8 JAPRT.P1.S1-5.ª; de 30-06-2011, processo n.º 479/09.5JAFAR.E1.S1-5.ª, donde se extrai: “Mandando a lei atender, para efeito de recurso a interpor de acórdão da Relação, à confirmação da decisão de 1.ª instância e à pena aplicada, o STJ só conhecerá do recurso interposto da decisão tomada em recurso pela Relação quanto aos crimes em que não haja confirmação da absolvição ou de condenação ou, quando, apesar de a decisão ser confirmada, a pena parcelar aplicada for superior a 8 anos de prisão. Tudo se passará quanto a cada um dos crimes como se para cada um deles tivesse sido instaurado um processo autónomo e nele tivesse sido aplicada uma determinada pena. Sempre que o agente tiver praticado diversos crimes que estejam numa relação de conexão e seja instaurado um único processo, haverá que verificar, em caso de recurso da decisão da Relação, se, relativamente a cada um dos crimes, estão reunidos os pressupostos de que a lei faz depender a respectiva recorribilidade, atentando em cada uma das penas parcelares, sempre que o critério de recorribilidade se aferir pela pena aplicada”; de 06-07-2011, processo n.º 774/08.0JFLSB.L1.S1, por nós relatado (não conhecimento do recurso da arguida, condenada na pena única de 5 anos de prisão, e restringindo-se a cognição, no caso do recurso do arguido, à pena única, com exclusão de vários crimes de falsificação de documento e de burla qualificada); de 26-10-2011, processo n.º 14/09.5TELSB.L1.S1-3.ª, CJSTJ 2011, tomo 3, pág. 198; de 15-12-2011, processo n.º 17/09.0TELSB.L1.S1, por nós relatado (conhecendo do crime de tráfico de estupefacientes e pena do concurso e não dos crimes de falsificação de documento e de coacção tentada); de 11-01-2012, no processo n.º 131/09.1JBLSB.L1.S1-3.ª (irrecorribilidade das penas parcelares por roubo, restringindo-se a cognição à pena conjunta); de 21-03-2012, processo n.º 103/10.3PBBRR.L1.S1-3.ª (irrecorribilidade das penas parcelares, restringindo-se o recurso ao conhecimento da pena única aplicada) e n.º 303/09.9JDLSB.L1.S1-3.ª; de 11-04-2012, processo n.º 1042/07.0PAVNG.P1.S1-3.ª (irrecorribilidade de todas as penas parcelares, sendo a mais elevada de 7 anos de prisão, e mesmo das penas únicas, que num caso, a Relação reduziu de 9 anos para 7 anos e 4 meses de prisão); de 11-04-2012, processo n.º 3969/07.5TDLSB.L1.S1-3.ª (Estando o Supremo Tribunal impedido de sindicar o acórdão recorrido no que tange à condenação pelos crimes em concurso, obviamente que está impedido, também, de exercer qualquer censura sobre a atividade decisória prévia que subjaz e conduziu à condenação do recorrente por cada um desses crimes. A verdade é que relativamente aos crimes em concurso o acórdão recorrido transitou cm julgado, razão pela qual no que a eles se refere se formou caso julgado material, tornando definitiva e intangível a respetiva decisão em toda a sua dimensão, estando pois a coberto do caso julgado todas as decisões que antecederam e conduziram à condenação pelos crimes em concurso, ou seja, que a montante da condenação se situam), podendo ler-se no sumário: “No caso vertente estamos perante decisão condenatória de 1.ª instância confirmada pelo Tribunal da Relação, sendo todas as penas parcelares aplicadas não superiores a 8 anos e a pena única situando-se nos 9 anos de prisão. Deste modo, a decisão impugnada é irrecorrível no que respeita às penas parcelares aplicadas, consabido que a decisão da 1.ª instância foi prolatada após a entrada em vigor da Lei 48/2007, de 29-08, mas também se mostra irrecorrível no que se refere à pena única. Com efeito, relativamente aos crimes em concurso o acórdão recorrido transitou em julgado, razão pela qual no que a eles se refere se formou caso julgado material, tornando definitiva e intangível a respectiva decisão em toda a sua dimensão, sob pena de violação do princípio constitucional non bis in idem (art. 29.º, n.º 5, da CRP). Por outro lado, o recorrente no recurso que interpôs da decisão da 1.ª instância não submeteu à apreciação do Tribunal da Relação a questão atinente à determinação da medida da pena conjunta, razão pela qual esta instância não se pronunciou sobre aquela pena, por estar limitada nos seus poderes de cognição às questões que, tendo sido objecto ou devendo ter sido objecto da decisão recorrida, constituam objecto da impugnação. De facto, o tribunal de recurso só pode conhecer das questões inseridas pelo recorrente nas conclusões da motivação de recurso e desde que as mesmas hajam sido apreciadas ou o devessem ter sido pela decisão recorrida, razão pela qual, não tendo o Tribunal da Relação tomado posição sobre a pena única aplicada ao recorrente, não pode o STJ conhecer dessa questão, devendo o recurso ser rejeitado nessa parte”; de 18-04-2012, processo n.º 660/10.4TDPRT.P1.S1-3.ª, em que interviemos como adjunto, em caso em que, sendo as penas parcelares todas inferiores a 8 anos de prisão, as penas únicas aplicadas aos dois arguidos ultrapassam tal limite (8 anos e 3 meses, num caso, e 9 anos, no outro), mas que não foram reapreciadas, por do objecto do recurso delineado por cada arguido não constar a impugnação da pena conjunta; de 26-04-2012, processo n.º 438/07.2PBVCT.G1.S1-5.ª (Sendo aplicadas aos arguidos várias penas pelos crimes em concurso e verificada a dupla conforme, só é admissível recurso para o STJ quanto às penas parcelares superiores a 8 anos e/ou quanto à pena única superior também a 8 anos. A circunstância do arguido ser condenado numa pena (parcelar ou única) superior a 8 anos de prisão não assegura a recorribilidade de toda a decisão, portanto, de todas as condenações ainda que inferiores); de 03-05-2012, processo n.º 8/10.8PQLSB.L1.S1-5.ª; de 10-05-2012, processo n.º 1164/09.3JDLSB.L1.S1-5.ª; de 16-05-2012, processo n.º 206/10.4GDABF.E1.S1-3.ª (rejeitado o recurso do M.º P.º por as penas parcelares e únicas não excederem os 8 anos de prisão, face a acórdão confirmativo da Relação a conceder tratamento mais benéfico aos arguidos, na redução do número de crimes imputados e no correspondente abaixamento das penas); de 23-05-2012, processo n.º 18/10.5GALLE.E1.S1-3.ª (a decisão impugnada é irrecorrível, quanto às penas que ficam aquém do patamar de 8 anos, restringindo-se o objecto do recurso à pena conjunta aplicada de 9 anos de prisão); de 24-05-2012, processo n.º 281/09.4JAAVR.C1.S1-5.ª (o recurso não é admissível quanto ao crime de violência doméstica, restringindo-se ao conhecimento do crime de homicídio e respectiva pena parcelar aplicada, bem como à pena única fixada); de 12-09-2012, processo n.º 223/07.1GCVIS.C1.S1 (irrecorribilidade das penas parcelares); de 26-09-2012, processo n.º 460/10.1JALRA.C1.S1-3.ª (irrecorrível em relação a crime de detenção de arma, cognição restrita a penas de homicídio qualificado e pena única); de 3-10-2012, processo n.º 125/11.7PGALM.L1.S1-3.ª; de 28-11-2012, processo n.º 10/06.4TAVLG.P1.S1-3.ª; de 05-12-2012, processo n.º 250/10.1JALR.E1.S1-3.ª (o acórdão confirmatório da Relação é irrecorrível no que toca às penas aplicadas pelos crimes de detenção de arma proibida e de condução ilegal, conhecendo-se do recurso quanto a pena de homicídio qualificado e pena única); de 20-12-2012, processo n.º 553/10.5TBOLH.E1.S1-5.ª; de 22-01-2013, processo n.º 184/11.2GCMTJ.L1.S1-3.ª (verificada a dupla conforme em qualquer das parcelares está assegurado um grau de acerto decisório, não justificativo de mais um grau de recurso, formando-se caso julgado sobre essas penas parcelares e versando o recurso sobre a pena única, que excede os 8 anos de prisão); de 24-01-2013, processo n.º 184/03.6TASTB.E2.S1-5.ª; de 13-02-2013, processo n.º 401/07.3GBBAO.P1.S1-3.ª (irrecorribilidade das penas parcelares, restringindo-se o recurso ao conhecimento da pena única de 9 anos de prisão); de 14-03-2013, processo n.º 43/10.6GASTC.E1.S1-3.ª (havendo dupla conforme quanto às penas parcelares e única, como apenas a pena única excede 8 anos de prisão, somente quanto a ela é admissível recurso para o STJ) e processo n.º 832/11.4JDLSB.L1.S1-5.ª; de 15-04-2013, processo n.º 317/13.4JACBR.C1.S1-3.ª (irrecorribilidade das penas parcelares, sendo apreciada apenas a pena única de 10 anos de prisão); de 2-05-2013, processo n.º 1947/11.4JAPRT.P1.S1-5.ª “Como não é possível recorrer para o STJ das decisões das Relações que confirmem a decisão de 1.ª instância, relativamente a crimes singulares a que não foi aplicada pena superior a 8 anos de prisão (e isto, evidentemente, com referência a quaisquer questões de direito com eles relacionados), deve ser rejeitado o recurso interposto para o STJ na parte respeitante ao crime de ameaça do artigo 153.º do Código Penal” (no mesmo sentido e ficando definitivamente resolvidas as questões relacionadas com os crimes pelos quais o recorrente foi condenado, o acórdão de 5-06-2013, processo n.º 1667/10.7TDLSB.L1.S1-5.ª); de 22-05-2013, processo n.º 210/09.5JBLSB.L1.S1-3.ª (irrecorribilidade quanto a crime de detenção de arma proibida, punido com 2 anos de prisão, dois roubos agravados, punidos com 6 anos cada e homicídio qualificado tentado com 8 anos, sendo apreciada a medida da pena única de 13 anos); de 29-05-2013, processo n.º 454/09.0GAPTB.G1.S1-3.ª (irrecorribilidade quanto a detenção de arma proibida, conhecendo-se de tráfico de estupefacientes e pena única); de 5-06-2013, processo n.º 113/06.5JBLSB.L1.S1-5.ª “Estando em causa questões relativas a cada um dos crimes e tendo o recorrente em 1.ª instância sido condenado por cada um deles a pena não superior a 8 anos de prisão, com confirmação pela Relação, o recurso não é admissível nessa parte e por isso não pode ser conhecido (consequentemente fica para apreciação somente a questão da determinação da pena única)”; de 26-06-2013, processo n.º 298/10.6PAMTJ.L1.S1-5.ª; de 04-07-2013, processo n.º 39/10.8JBLSB.L1.S1-3.ª (em causa três crimes de ocultação de cadáver, um de falsificação e um de detenção de arma, todos punidos com penas inferiores a 8 anos, tendo sido considerada irrecorrível a decisão impugnada no que respeita à condenação do recorrente pela prática de tais crimes); de 10-07-2013, processo n.º 413/06.4JAFAR.E2.S1-3.ª (irrecorribilidade quanto a burla qualificada punida com 7 anos de prisão, a falsificação de documento, branqueamento e falsidade de declaração, punidas com penas inferiores, restringindo-se a cognição à pena conjunta); de 12-09-2013, processo n.º 1445/09.6JAPRT.P1.S1-3.ª (irrecorribilidade das penas parcelares e de pena conjunta inferior a 8 anos e apreciação de uma outra pena conjunta); de 30-10-2013, processo n.º 22/11.6PEFAR.E1.S1-3.ª; de 08-01-2014, processo n.º 7/10.0TELSB.L1.S1-3.ª e processo n.º 104/07.9JBLSB.C1.S1-3.ª (no caso de haver uma pena conjunta superior a 8 anos de prisão, não pode ser objecto de recurso para o STJ a matéria referente às penas parcelares que não a ultrapassem); de 06-02-2014, processo n.º 417/11.5GBLLE.E1.S1-3.ª (cognição restrita à pena única, com invocação do AFJ n.º 14/2013, in Diário da República, I Série, de 12-11-2013); de 13-02-2014, processo n.º 176/10.9GDFAR.E1.S1-5.ª (Como há dupla conforme e condenação em penas inferiores a 8 anos de prisão, rejeitam-se os recursos interpostos, por inadmissibilidade, quanto à impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto, quer em termos amplos, quer no quadro dos vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP, e quanto a todas as questões de direito com exclusiva conexão aos crimes singulares – arts. 434.º, 400.º, n.º 1, al. f), e 420.º, n.º 1, al. b), todos do CPP); de 19-02-2014, processo n.º 9/12.1SOLSB.S2-3.ª; de 6-03-2014, processo n.º 151/11.6PAVFC.L1.S1-3.ª (conhecida apenas a pena única); de 12-03-2014, processo n.º 1699/12.0PSLSB.L1.S1-3.ª; de 13-03-2014, processo n.º 6271/03.3TDLSB.L1.S1-5.ª; de 26-03-2014, processo n.º 1962/10.5JAPRT.P1.S1-5.ª; de 3-04-2014, processo n.º 207/09.5JBLSB. L1.S1-5.ª; de 10-04-2014, processo n.º 431/10.8GAPRD.P1.S1-5.ª; de 23-04-2014, processo n.º 169/12.1TEOVR.P1.S1-3.ª (apreciada apenas a pena única); de 23-04-2014, processo n.º 33/12.4PJOER.L1.S1-3.ª; de 7-05-2014, processo n.º 9/10.6PCLRS.L1.S1-5.ª (A questão da aplicação do regime penal especial para jovens, com atenuação especial da pena, por efeito do disposto no art. 4.º do DL 401/82, remetendo para o art. 73.º do CP, está ultrapassada, uma vez que no âmbito dos poderes de cognição do STJ, o conhecimento das questões relativas a cada um dos crimes, incluindo a medida concreta da penas parcelares, já não se põe, sendo certo que a atenuação especial da pena não é uma operação que tenha que ser efectuada no cúmulo jurídico, mas em relação a cada uma das penas concretas)”; de 21-05-2014, processo n.º 200/08.5AESP.P1.S1-3.ª (seguindo de perto o acórdão de 12-03-2014, processo n.º 1699/12.0PSLSB.L1.S1, do mesmo relator, em concurso dois crimes de roubo, sendo um agravado, e dois de sequestro, sendo a parcelar mais elevada de 8 anos e a pena única de 11 anos de prisão, sendo a sindicação apenas possível em relação à pena conjunta. Estando o Supremo Tribunal impedido de sindicar o acórdão recorrido no que tange à condenação por todos os crimes em concurso, obviamente que está impedido, também, de exercer qualquer censura sobre a actividade decisória prévia que subjaz e conduziu à condenação dos recorrentes por cada um desses crimes. A verdade é que relativamente a todos os crimes em concurso o acórdão recorrido transitou em julgado, razão pela qual no que a eles se refere, se formou caso julgado material, tornando definitiva e intangível a respectiva decisão em toda a sua dimensão, estando pois a coberto do caso julgado todas as decisões que antecederam e conduziram à condenação dos recorrentes pelos crimes em concurso, ou seja, que a montante da condenação se situam. De outra forma, estar-se-ia a violar o princípio constitucional non bis in idem, concretamente na sua dimensão objectiva, que garante a segurança e a certeza da decisão judicial, através da imutabilidade do definitivamente decidido); de 11-06-2014, processo n.º 54/12.7SVLSB.L1.S1-3.ª (recorribilidade restrita à pena única); de 19-06-2014, processo n.º 1402/12.5JAPRT.P1.S1-5.ª; de 26-06-2014, processo n.º 160/11.5JAPRT:C1.S1-5.ª (Toda a decisão referente a crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão, incluindo questões conexas como a violação do princípio in dubio pro reo, invalidade das provas, insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, violação do n.º 2 do art. 30.º do CP, qualificação jurídica dos factos, consumpção entre os crimes em concurso, violação do princípio da proibição da dupla valoração, reincidência e medida das penas parcelares, já conhecidas pela Relação, não são susceptíveis de recurso para o STJ, por força dos arts. 400.º, n.º 1, als. c) e f), e 432.º, n.º 1, al. b), do CPP); de 10-09-2014, processo n.º 223/10.4SMPRT.P1.S1-3.ª; de 10-09-2014, processo n.º 1027/11.2PCOER.L1.S1-3.ª (irrecorribilidade das penas parcelares fixadas em 5 anos e em 2 anos e 6 meses de prisão, sendo que a pena única de 5 anos e 9 meses de prisão foi substituída por pena relativamente indeterminada de 3 anos e 10 meses e 11 anos e 9 meses, não se tendo tomado conhecimento por não integrar o objecto do recurso); de 24-09-2014, processo n.º 994/12.3PBAMD.L1.S1-3.ª (irrecorribilidade de pena aplicada por crime de incêndio, conhecendo-se dos três homicídios qualificados e da pena única); de 25-09-2014, processo n.º 384/12.8TATVD.L1.S1-5.ª; de 2-10-2014, processo n.º 87/12.3SGLSB.L1.S1-5.ª; de 8-10-2014, processo n.º 81/14.0YFLSB.S1-3.ª (apreciação apenas da pena única superior a 8 anos, ficando prejudicada a apreciação das questões colocadas pela recorrente sobre a qualificação do crime de tráfico de estupefaciente (menor gravidade) e a não consumação (tentativa)); de 16-10-2014, processo n.º 181/11.8TELSB.E1.S1-5.ª (no caso de concurso de crimes, a irrecorribilidade prevista no art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, afere-se separadamente, por referência às penas singulares e à pena aplicada em cúmulo); de 23-10-2014, processo n.º 481/08.4TAOAZ.P1.S1-5.ª (a pena aplicada em cúmulo foi de 8 anos e nessa medida a decisão é irrecorrível); de 29-10-2014, processo n.º 418/07.8GFOER.L1.S1-3.ª (irrecorribilidade da condenação na pena de 6 anos e 6 meses de prisão por tentativa de homicídio qualificado confirmada pela Relação); de 30-10-2014, processo n.º 98/12.9P6PRT.P1.S1-5.ª (Neste âmbito de inadmissibilidade dos recursos compreendem-se todas as questões de direito que respeitem, directamente, aos crimes de associação criminosa e de furto qualificado colocadas pelos recorrentes); de 13-11-2014, processo n.º 2296/11.3JAPRT.P1.S1-5.ª (a inadmissibilidade impede que o STJ conheça das questões conexas com os crimes e penas singulares suscitadas pelo recorrente); de 26-11-2014, processo n.º 65/10.7PFALM.L1.S1-3.ª (irrecorribilidade quanto a todos os crimes - dois roubos qualificados, extorsão tentada, detenção de arma proibida, tráfico de menor gravidade e falsificação de documento, sendo apreciada a pena conjunta); de 27-11-2014, processo n.º 33/06.3JAPTM.E2.S1-5.ª; de 11-12-2014, processo n.º 646/11.1JDLSB.S1-5.ª; de 17-12-2014, processo n.º 1721/11.8JAPRT.P1.S1-3.ª; de 17-12-2014 processo n.º 512/13.6PGLRS.L1.S1-3.ª (irrecorribilidade das penas aplicadas aos quatro recorrentes por crimes de tráfico e branqueamento de capitais, conhecendo-se apenas da pena única); de 17-12-2014, processo n.º 937/12.4JAPRT.P1.S1-5.ª (Esta inadmissibilidade de recurso impede o STJ de conhecer todas as questões conexas com este crime – de abuso de confiança qualificado punido com a pena parcelar de 5 anos de prisão – tais como os vícios da decisão sobre matéria de facto, a violação dos princípios in dubio pro reo e da livre apreciação da prova, a qualificação jurídica dos factos, a medida concreta da pena singular aplicada ou a violação dos arts. 32.º, n.º 1, da CRP e 428.º e 431.º, ambos do CPP.); de 17-12-2014, processo n.º 8/13.6JAFAR.E1.S1-5.ª; de 11-02-2015, processo n.º 83/13.3JAPDL.L1.S1-3.ª (caso de condenação por 4 crimes de maus tratos, 3 violações, 1 de ofensas à integridade física qualificada e 1 de coação qualificada, sendo todas e penas inferiores a 8 anos e pena única de 14 anos esta não foi conhecida por não ter sido impugnada, tendo-se consignado: Sendo o acórdão recorrido, irrecorrível, óbvio é que as questões que lhe subjazem, sejam elas de constitucionalidade, processuais ou substantivas, sejam interlocutórias, ou finais, enfim das questões referentes às razões de facto e direito da condenação em termos penais, não poderá por isso o Supremo conhecer); de 25-02-2015, processo n.º 1514/12.5JAPRT.P1.S1-3.ª (irrecorribilidade quanto a detenção de arma proibida, conhecendo-se de homicídio qualificado e pena conjunta); de 25-03-2015, processo n.º 1101/09.6PGLRS.L1.S1-3.ª (irrecorribilidade das penas aplicadas a três arguidas e das parcelares aplicadas a um quarto, conhecendo-se apenas da pena conjunta aplicada ao último); de 29-04-2015, processo n.º 181/13.3GATVD.S1-3.ª; de 14-05-2015, processo n.º 8/13.6GAPSR.E1.S1-5.ª, in CJSTJ 2015, tomo 2, pág. 191, com voto de vencido (O STJ não é competente para apreciar o recurso interposto de acórdão da Relação que tenha confirmado o sentenciado pela 1.ª instância numa pena única de 10 anos de prisão, mas que tem por objecto a qualificação jurídica das condutas que lhe estão subjacentes, designadamente se correspondem a um crime continuado, quando as condenações em penas parcelares não sejam superiores a 8 anos de prisão. Objecto do recurso era apenas a qualificação jurídica dos factos, pretendendo o recorrente a integração na forma continuada. “No caso presente, o recurso tinha um propósito específico (qualificação jurídica) e foi apresentado com um âmbito (o dos crimes parcelares) relativamente ao qual, por força do caso julgado já formado, a discussão está encerrada”, sendo, assim, de rejeitar o recurso); de 27-05-2015, processo n.º 352/13.2POER.L1.S1-3.ª (condenação por crimes de roubo, de roubo agravado na forma tentada e de detenção de arma proibida em penas inferiores a 8 anos de prisão; o recorrente não impugnou a pena única, que nunca referiu, nem na motivação nem nas conclusões, não fazendo parte do objecto do recurso a discussão da sua medida); de 03-06-2015, processo n.º 293/09.8PALGS.E3.S1-3.ª, citando os acórdãos de 5-12-2007, processo n.º 3868/07-3.ª e de 11-04-2012, processo n.º 3969/07.5TDLSB.L1.S1-3.ª (O STJ não conhece da medida das penas parcelares aplicadas, inferiores a 8 anos, confirmadas em recurso pelo tribunal da relação, sendo inadmissível e de rejeitar o recurso quanto às questões relativas às nulidades e à reapreciação da matéria de facto, incluindo a invocação do princípio ne bis in idem, da qualificação jurídica dos factos e, implicitamente, das penas parcelares; as nulidades ficam cobertas pela irrecorribilidade); de 11-06-2015, processo n.º 127/06.5IDBRG.P1.S1-5.ª; de 25-06-2015, processo n.º 181/12.0GCFAR.E1.S1-5.ª (recurso não admissível na parte relativa aos crimes e penas singulares aplicadas em medida não superior a 8 anos de prisão e outras questões com elas conexionadas e, por maioria de razão, quanto às reportadas à matéria de facto dada como assente pelas instâncias); de 1-07-2015, processo n.º 210/07.0GBNLS.C1.S1-3.ª (condenação por 12 crimes de tráfico de pessoas em penas inferiores a 8 anos e pena única de 16 anos de prisão, apenas esta foi apreciada); de 24-09-2015, processo n.º 3564/09.0TDLSB.S1.L1 - 5.ª; de 24-09-2015, processo n.º 627/12.8JABRG.P1.S1 - 5.ª (Tem sido jurisprudência constante deste STJ, de que se comunga, que a inadmissibilidade de recurso decorrente da dupla conforme desde logo impede este tribunal de conhecer de todas as questões conexas com os respectivos crimes, tais como os vícios da decisão sobre a matéria de facto, a violação dos princípios do in dubio pro reo e da livre apreciação da prova, da qualificação jurídica dos factos, da medida concreta da pena singular aplicada ou, ainda, a violação do princípio do ne bis in idem ou de quaisquer nulidades, como as do art. 379.º, do CPP); de 30-09-2015, processo n.º 272/11.5TELSB.L1.S1 - 3.ª; de 08-10-2015, processo n.º 417/10.2TAMDL.G1.S1 - 3.ª (Tendo sido interposto recurso do tribunal coletivo para o tribunal da Relação, que confirmou a decisão da 1.ª Instância, do que decorreu uma “dupla conforme”, e só sendo admissível recurso para o STJ, nos termos do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, quando a pena aplicada for superior a 8 anos de prisão, o STJ está impedido de sindicar o acórdão recorrido quanto à condenação pelos crimes em concurso, por se ter formado caso julgado material, tornando definitiva e intangível a respetiva decisão em toda a sua dimensão, estando a coberto do caso julgado todas as decisões que antecederam e conduziram à condenação pelos crimes em concurso); de 15-10-2015, processo n.º 319/00.0GFLLE.E1.S1- 5.ª; de 21-10-2015, processo n.º 292/13.5JAAVR.C1.S1-3.ª; de 22-10-2015, processo n.º 238/13.0JACBR.C1.S1 - 5.ª (Não se verifica omissão de pronúncia, na decisão posta em causa, uma vez que o acórdão do STJ não apreciou a invocada violação do princípio do in dubio pro reo. E não tinha que se pronunciar, atenta a irrecorribilidade de tudo quanto tivesse que ver com as penas parcelares – face à existência de uma situação de dupla conforme, nos termos do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP); de 29-10-2015, processo n.º 137/12.3JBLSB.L1.S1-5.ª; de 29-10-2015, processo n.º 1584/13.9JAPRT.C1.S1- 5.ª; de 21-01-2016, processo n.º 8/12.3JALRA.C1.S1-3.ª; de 3-02-2016, processo n.º 686/11.0GAPRD.P1.S1-3.ª (condenação por crimes de furto de cobre em penas inferiores a 8 anos de prisão; apreciada apenas a pena única); de 18-02-2016, processo n.º 118/08.1GBAND.P1.S2-3.ª; de 24-02-2016, processo n.º 35/14.6PEFUN.L1.S1-3.ª; de 30-03-2016, processo n.º 995/09.9TDLSB.L1.S1-3.ª (as penas aplicadas ao recorrente pelos vinte e um crimes por que foi condenado foram todas inferiores a 8 anos de prisão; a pena parcelar mais elevada foi a aplicada pela prática de um crime de burla qualificada, concretamente, a pena de quatro anos de prisão; por não impugnada não foi apreciada a pena única de 9 anos de prisão); de 13-04-2016, processo n.º 958/11.4PAMTJ.L1.S1-3.ª; de 4-05-2016, processo n.º 1101/12.8TDPRT.P1.S1-3.ª; de 19-05-2016, processo n.º 3645/12.2TACSC.L1.S1-5.ª; de 25-05-2016, processo n.º 108/14.5JALRA.E1.S1-5.ª (apreciada apenas a parte da decisão correspondente à pena única, em concurso de um crime de lenocínio agravado, um crime de violência doméstica, 80 crimes de violação agravada e um crime de detenção de arma proibida); de 14-09-2016, processo n.º 71/13.0JACBR.C1.S1-3.ª (relativamente a um dos arguidos: condenação por tráfico agravado em 8 anos de prisão e por corrupção activa para acto ilícito em 2 anos e 8 meses – conhecida a pena única de 9 anos de prisão); de 26-10-2016, processo n.º 778/14.4GAPFR.P1.S1-3.ª (Seguindo de muito perto o acórdão de 21-05-2014, processo n.º 200/08.5AESP.P1.S1, do mesmo Relator, com sindicação restrita à pena conjunta); de 9-11-2016, processo n.º 587/14.0JAPRT.P1.S1-3.ª (em causa 8 crimes de roubo e um de detenção de arma proibida - conhecida apenas a medida da pena única, sendo o recurso rejeitado quanto às questões colocadas relativas a impugnação da decisão de facto/vícios da decisão/valorações de prova/omissão de pronúncia, qualificação jurídica - concurso real de roubos ou crime continuado - e medida das penas parcelares).
       Segundo o acórdão de 21-04-2016, processo n.º 203/12.5JBLSB.E1.S1 – 5.ª Secção

“O elemento nuclear da norma da alínea f) do n.º 1 do art. 400.° do CPP supõe que se verifique convergência - concordância - entre o acórdão da relação e o acórdão da 1.ª instância, quanto aos seus fundamentos substanciais, isto é, que não se verifique uma alte­ração essencial nem dos factos nem da respectiva qualificação jurídica.

      Não se verifica dupla conforme, por verificação de uma divergência essencial quanto à qualificação jurídica dos factos provados, no âmbito dos crimes de roubo, se na subsunção dos factos ao direito a 1.ª instância entendeu que os crimes de se­questro constituíram crimes-meio dos crimes-fim (roubos), concluindo pela existência de um concurso aparente entre os crimes de roubo e os crimes de sequestro e a relação, por seu lado, considerou que, segundo os factos provados, a privação de liberdade, por ocorrer a posteriori da consumação do roubo, já não se encontra ao abrigo da relação de concurso aparente com este ilícito, antes sendo passível de punição autónoma enquanto crime de sequestro.

       A jurisprudência do STJ vem entendendo que o crime de roubo consome o crime de sequestro quando este serve estritamente de meio para a prática daquele, isto é, quando o sequestro se tiver esgotado como crime-meio.

      Um acto de privação da liberdade de movimentação de qualquer pessoa só poderá ser consumido por uma actividade enquadrável na figura criminal de roubo quando essa privação de liberdade se mostre absolutamente indispensável para se poder efectuar a subtracção violenta em que o roubo se concretiza, e, além do mais, unicamente enquanto essa subtracção estiver a ocorrer, pois só assim corresponde unicamente ao conceito de violência contra as pessoas que tipifica o crime de roubo. Caso contrário, a conduta em que se traduz aquela privação de liberdade, desnecessária e excessiva para a prática de actos de subtracção violenta, autonomiza-se, e passa a constituir a comissão do crime de sequestro.

       Não se verifica um concurso efectivo entre aos crimes de roubo e os crimes de sequestro dos funcionários das agências bancárias assaltadas se os factos provados não demonstram a existência de hiatos significativos entre o constrangimento à entrega do dinheiro (e, portanto, a concretização da subtracção) e o abandono das instalações bancárias por parte dos recorrentes (momento da consumação do crime), resultando, antes, da descrição dos factos que os dois momentos se sucederam, em actos seguidos e se, por outro lado, não resulta clara a existência de uma privação da liberdade dos funcionários bancários que se tivesse significativamente prolongado para além do momento da subtracção, impondo-se a absolvição dos recorrentes quanto aos crimes de sequestro, nas pessoas dos funcionários bancários”.

       Mais recentemente, sobre dupla conforme, podem ver-se os acórdãos de 15-02-2017, processo n.º 12/15.0JAAVR.P1.S1, de 29-03-2017, processo n.º 1227/14.3PASNT.L1.S1, de 27-04-2017, processo n.º 261/10.7JALRA.E2.S1, de 20-06-2018, processo n.º 462/04.7GAPRD.P3.S1, de 17-10-2018, processo n.º 138/16.2PAMTJ.L1.S1 e de 7-11-2018, processo n.º 161/15.4T9RMZ.E1.S1-3.ª (confirmação in mellius), todos da 3.ª Secção, e de 13-07-2017, proferido no processo n.º 686/12.3SGLSB.L1.S1-5.ª Secção, o qual, invocando o acórdão de 12-03-2014, proferido no processo n.º 1699/12.0PSLSB.L1.S1, afirma: “Está selada, digamos assim em benefício da clarificação da ideia, a decisão proferida pelo Tribunal da Relação também a respeito de todas as questões conexas incluindo aquelas que são colocadas em torno de uma eventual nulidade por omissão de pronúncia – nulidade essa a respeito da qual a admissibilidade ou não do recurso é prévia – do princípio in dubio pro reo ou dos vícios mencionados no art. 410.º, n.º 2 CPP e do pedido renovação de provas”.

                                                               
       Revertendo ao caso concreto

       No caso presente, objecto do recurso é um acórdão condenatório, tendo sido aplicada a pena única de 13 anos de prisão – e a essa dimensão se deve atender para definir a competência material, pelo que, estando em equação uma deliberação final de um tribunal colectivo, visando o recurso, apenas o reexame de matéria de direito (circunscrita à discussão da medida das penas parcelares e única), cabe ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer o recurso.

       A jurisprudência convocada pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta na Relação de Lisboa não tem cabimento no presente caso, pois o AFJ n.º 5/2017 citado, reporta-se aos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça na apreciação de acórdãos finais do tribunal do júri ou do tribunal colectivo, em caso de recurso directo, no que respeita às penas parcelares aplicadas em medida igual ou inferior a 5 anos de prisão, suposta medida superior em pena(s) parcelar(es) e/ou na pena única.

      Com efeito, no âmbito do processo n.º 41/13.8GGVNG.S1, da 3.ª Secção, pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 5/2017, de 27 de Abril de 2017, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 120, de 23 de Junho de 2017, págs. 3170 a 3187, com um voto de vencida, foi fixada a seguinte jurisprudência:

      “A competência para conhecer do recurso interposto de acórdão do tribunal do júri ou do tribunal colectivo que, em situação de concurso de crimes, tenha aplicado uma pena conjunta superior a cinco anos de prisão, visando apenas o reexame da matéria de direito, pertence ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2, do CPP, competindo-lhe também, no âmbito do mesmo recurso, apreciar as questões relativas às penas parcelares englobadas naquela pena, superiores, iguais ou inferiores àquela medida, se impugnadas”.

       Ora, no caso presente não se está perante um recurso directo, sendo decisão recorrida o acórdão da Relação de Lisboa confirmatório do acórdão do Colectivo do Juízo Criminal Central de Lisboa, sendo de analisar se se verifica ou não dupla conforme.

                                                                ****

      Esta solução quanto a irrecorribilidade de decisões proferidas, em recurso, pelo Tribunal da Relação, enquanto confirmativas da deliberação da primeira instância, que tenha aplicado pena de prisão igual ou inferior a oito anos, não ofende qualquer garantia do arguido, nomeadamente, o direito ao recurso, expressamente incluído na parte final do n.º 1 do artigo 32.º da Constituição pela 4.ª Revisão Constitucional (introduzida pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro – Diário da República, I-A, n.º 218/97, de 20-09-1997, entrada em vigor em 5 de Outubro de 1997).

       O direito ao recurso em matéria penal inscrito como integrante da garantia constitucional do direito à defesa (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa) está consagrado em um grau, possibilitando a impugnação das decisões penais através da reapreciação por uma instância superior das decisões sobre a culpabilidade e a medida da pena, sendo estranho a tal dispositivo a obrigatoriedade de um terceiro grau de jurisdição, por a Constituição, no seu artigo 32.º, se bastar com um duplo grau de jurisdição, já concretizado no caso dos autos, aquando do julgamento pela Relação.

      No caso em reapreciação, há uma afirmação de identidade de decisão no que respeita à condenação do recorrente, que é total, pois que o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou na íntegra (com a inoperante ressalva assinalada) o acórdão do Colectivo do Juízo Criminal Central de Lisboa, estando-se, pois, perante a assunção de uma dupla conforme condenatória, no caso, total, mostrando-se cumprido o duplo grau de jurisdição exercido pela Relação em via de recurso.

      O princípio da dupla conforme é assegurado através da possibilidade de os sujeitos processuais fazerem reapreciar, em via de recurso, pela 2.ª instância, a precedente decisão; por outro lado, impede, ou tende a impedir, que um segundo juízo, absolutório ou condenatório, sobre o feito, seja sujeito a uma terceira apreciação pelos tribunais.

      As garantias de defesa do arguido em processo penal não incluem o 3.º grau de jurisdição, por a Constituição, no seu artigo 32.º, se bastar com um 2.º grau, já concretizado no presente processo.

      O acórdão recorrido, proferido pelo Tribunal da Relação em segunda instância, consubstancia a garantia do duplo grau de jurisdição.

      O Tribunal Constitucional tem sido chamado a decidir da constitucionalidade quanto à perspectiva de violação do direito ao recurso, a propósito das alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, concretamente se o direito ao recurso consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição impõe um duplo recurso ou um triplo grau de jurisdição em matéria penal, sendo a resposta maioritariamente no sentido negativo - Acórdãos n.º 189/2001, de 3 de Maio, proferido no processo n.º 168/01-1.ª Secção (Acórdãos do Tribunal ConstitucionalATC – volume 50, pág. 285), 215/2001, 336/2001, 369/2001, de 19 de Julho, 435/2001, de 11 de Outubro, 451/2003, de 14 de Outubro, processo n.º 527/03-1.ª Secção, 495/2003, de 22 de Outubro de 2003, processo n.º 525/03-3.ª Secção (citando os acórdãos n.º s 189/2001 e 369/2001), 102/2004, de 11 de Fevereiro, 390/2004, de 2 de Junho de 2004, processo n.º 651/03-2.ª Secção, versando sobre a alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, publicado no Diário da República, II Série, de 07-07-2004 e ATC, volume 59, pág. 543, 610/2004, de 19 de Outubro, 640/2004 (supra citado), 104/2005, de 25 de Fevereiro, 255/2005, de 24 de Maio, processo n.º 159/05-1.ª Secção, 64/2006 (supra citado), 140/2006, de 24 de Março, 487/2006, de 20 de Setembro, processo n.º 622/06 (ATC, volume 65, pág. 815, sumário), 682/2006, de 13 de Dezembro, processo n.º 844/06-2.ª Secção (ATC, volume 66, pág. 835, sumário), 263/2009, de 25 de Maio, processo n.º 240/09-1.ª Secção (ATC, volume 75, pág. 249), 551/2009, de 27 de Outubro, 3.ª Secção (ATC, volume 76, pág. 566, sumário) 645/2009, de 15 de Dezembro, processo n.º 846/09- 2.ª Secção (ATC, volume 76, pág. 575), 174/2010, de 4 de Maio, processo n.º 159/10-1.ª Secção, 175/2010, de 4 de Maio, processo n.º 187/10-1.ª Secção e 659/2011, de 21 de Dezembro, processo n.º 670/11, da 2.ª Secção.

         

      O Tribunal Constitucional tem vindo a afirmar que o direito ao recurso como garantia de defesa do arguido não impõe um duplo grau de recurso.

     A apreciação do caso por dois tribunais de grau distinto tutela de forma suficiente as garantias de defesa constitucionalmente consagradas – neste sentido, o acórdão n.º 49/2003, de 29 de Janeiro, proferido no processo n.º 81/2002, da 3.ª Secção, publicado no Diário da República, II Série, de 16-04-2003 e em ATC, volume 55, versando sobre caso de acórdão condenatório, que não confirma a decisão absolutória proferida em primeira instância e a interpretação do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, na redacção introduzida pela Lei n.º 59/98.

     Neste acórdão considera-se que o direito ao recurso, no domínio do processo penal, se basta com a existência de um duplo grau de jurisdição, mesmo em situações de acórdãos condenatórios, proferidos pelas Relações, revogatórios de decisões absolutórias da 1.ª instância, neste sentido se pronunciando igualmente os supra referidos acórdãos n.º 255/2005, de 24 de Maio, processo n.º 159/05-1.ª Secção, n.º 487/2006, de 20 de Setembro, processo n.º 622/06, n.º 682/2006, de 13 de Dezembro, processo n.º 844/06-2.ª Secção (ATC, volume 66.º, pág. 835), n.º 424/2009, infra referenciado.

   

     Como se afirmava no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 44/2005, de 26 de Janeiro de 2005, proferido no processo n.º 950/04-1.ª Secção, publicado no Diário da República, II Série, de 13 de Fevereiro de 2006, pronunciando-se sobre a alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º, e seguindo o citado acórdão n.º 49/2003 “…estando cumprido o duplo grau de jurisdição, há fundamentos razoáveis para limitar a possibilidade de um triplo grau de jurisdição, mediante a atribuição de um direito de recorrer de decisões condenatórias. Tais fundamentos são a intenção de limitar em termos razoáveis o acesso ao STJ, evitando a sua eventual paralisação (…). Não se pode, assim, considerar infringido o n.º 1 do artigo 32.º da Constituição (…) já que a apreciação do caso por dois tribunais de grau distinto tutela de forma suficiente as garantias de defesa constitucionalmente consagradas”.

     No mesmo sentido se pronunciaram, entre vários outros, o acórdão n.º 390/2004, de 2 de Junho de 2004, proferido no processo n.º 651/03-2.ª Secção, citado pelo anterior – versando sobre a alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, publicado in Diário da República, II Série, de 07-07-2004 e ATC, volume 59, pág. 543; acórdão n.º 2/2006, de 3 de Janeiro de 2006, da 2.ª Secção, publicado no Diário da República, II Série, de 13-02-2006 e ATC, volume 64, pág. 937, em sumário (Não é constitucionalmente imposto, mesmo em processo penal, um 3.º grau de jurisdição); o supra citado acórdão n.º 64/2006, de 24 de Janeiro de 2006, tirado em Plenário (face à contradição das soluções dos acórdãos n.º 628/2005 e n.º 640/2004), no processo n.º 707/2005, publicado no Diário da República, II Série, de 19-05-2006 e em Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 64.º, 2006, págs. 447 e seguintes (a Constituição não impõe um triplo grau de jurisdição ou um duplo grau de recurso, mesmo em Processo Penal); e acórdão n.º 140/2006, de 21 de Fevereiro de 2006, da 2.ª Secção, publicado no Diário da República, II Série, de 22-05-2006 (e com sumário em ATC, volume 64, pág. 950).

   

     No mesmo sentido se tem pronunciado o Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente, nos arestos supra referidos e ainda nos acórdãos de 06-02-2008, processo n.º 111/08-3.ª; de 03-04-2008, processo n.º 4827/07-5.ª; de 17-04-2008, processo n.º 903/08-3.ª; de 30-04-2008, processo n.º 110/08-5.ª; de 05-06-2008, processo n.º 1226/08-5.ª; de 03-09-2008, processo n.º 2510/08-3.ª; de 29-10-2008, processo n.º 3061/08 -5.ª; de 13-11-2008, processo n.º 4455/07-5.ª; de 27-11-2008, processo n.º 2854/08-3.ª; de 21-01-2009, processo n.º 2387/08; de 22-04-2009, processo n.º 480/09-3.ª; de 29-04-2009, processo n.º 391/09-3.ª; de 27-05-2009, processo n.º 145/05-3.ª (o direito ao recurso, enquanto manifestação do direito de defesa, isto é, o direito que os recorrentes têm a ver reapreciada a causa por um tribunal superior, mostra-se assegurado com a interposição de recurso para o Tribunal da Relação, sendo que a tutela constitucional não exige um duplo grau de recurso mas apenas um duplo grau de jurisdição – artigo 32.º, n.º 1, da CRP); de 07-10-2009, processo n.º 35/01.6AFIG.C2.S1-3.ª; de 21-10-2009, processo n.º 306/07.8GEVFX.L1.S1-3.ª, onde se pode ler: “o nosso sistema de recursos não abdica de um duplo grau de jurisdição em matéria penal, de acordo com o artigo 14.º, n.º 5, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, aprovado para ratificação pela Lei n.º 29/78, de 12-06, que não impõe um triplo grau de jurisdição. Em consonância o artigo 5.º, n.º 4, da CEDH, limita-se, e só, a assegurar o direito ao recurso de qualquer pessoa condenada em pena de prisão ou a detenção. E nem se diga que a solução preconizada, atenta contra o direito fundamental do acesso ao direito e à justiça consagrado no artigo 20.º da CRP, porque o direito de defesa do arguido não exige, sempre e em todas as condições, mais do que um grau de recurso”.

     E ainda no citado acórdão de 29-10-2009, proferido no processo n.º 18/06.0PELRA.C1.S1-5.ª Secção, in CJSTJ 2009, tomo 3, pág. 224; de 13-10-2010, processo n.º 1252/07.0TABCL.G1.S1-3.ª; de 02-12-2010, processo n.º 263/06.8JFLSB.L1.S1-5.ª; de 19-01-2011, processo n.º 421/07.8PCAMD.L1.S1-3.ª; de 27-04-2011, processo n.º 712/00.9JFLSB.L1.S1-3.ª; de 13-07-2011, processo n.º 352/01.5TACBR.C1.S1-3.ª; de 09-11-2011, processo n.º 43/09.9PAAMD.L1.S1-3.ª, de 21-12-2011, processos n.º 130/10.0GCVIS.C1.S1-3.ª e n.º 37/06.6GBMFR.S1-3.ª (o direito ao recurso como direito de defesa, inscrito como garantia constitucional no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição, satisfaz-se com o duplo grau de jurisdição ou um grau de recurso, não exigindo, no plano constitucional, a previsão e a admissibilidade de um triplo grau de jurisdição e segundo grau de recurso, sendo esta a jurisprudência firmada e constante do Tribunal Constitucional - cf. acórdão n.º 187/10, aliás, 175/10, de 4 de Maio); de 28-12-2011, processo (habeas corpus) n.º 150/11.8YFLSB.S1-3.ª; de 29-03-2012, processo n.º 334/04.5IDPRT.P1.S1 – 3.ª (o direito ao recurso, como garantia constitucional, postula apenas o duplo grau de jurisdição que não se confunde com o duplo grau de recurso); de 11-04-2012, processo n.º 1042/07.0PAVHG.P1.S1-3.ª; de 26-04-2012, processo n.º 438/07.2PBVCT.G1.S1-5.ª; de 14-03-2013, processo n.º 156/11.7PALSB.L1.S1-3.ª (o direito de defesa do arguido não exige, sempre e em todas as condições, mais do que um grau de recurso); de 15-05-2013, processo n.º 175/10.0TAABT.E1.S1-3.ª, sendo recorrente o assistente; de 25-06-2014, processo n.º 2/12.4GALLE.E1.S1-3.ª; de 24-09-2014, processo n.º 994/12.3PBAMD.L1.S1-3.ª (o direito ao recurso está consagrado em apenas um grau, não impondo o n.º 1 do artigo 32.º da CRP a obrigatoriedade de um terceiro grau de jurisdição); de 1-10-2014, processo n.º 130/12.6PEALM.L1.S1-3.ª; de 2-10-2014, processo n.º 882/10.8PBLRA.C1.S1-5.ª; de 29-10-2014, processo n.º 418/07.8GFOER.L1.S1-3.ª (as legítimas expectativas criadas pelo exercício do direito ao recurso, foram acauteladas constitucionalmente, na situação concreta, com o recurso interposto para um tribunal de 2.ª instância, o Tribunal da Relação, com o contraditório inerente); de 17-12-2014, processo n.º 512/13.6PGLRS.L1.S1-3.ª; de 17-12-2014, processo n.º 8/13.6JAFAR.E1.S1-5.ª (Este entendimento não constitui violação do direito ao recurso, já que o art. 32.º, n.º 1, da CRP, só assegura ao arguido o direito de ver a sua situação criminal ou processual reapreciada por um outro tribunal, o que se mostra garantido quando a decisão de 1.ª instância é confirmada, em sede de recurso, por um tribunal hierarquicamente superior); de 21-05-2015, processo n.º 128/04.8TAVLC.S1-5.ª (em caso de enxerto de acção civil, afirma: O direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, consagrado no n.º 1 do artigo 20.º da CRP, não fundamenta um direito subjectivo ao triplo grau de jurisdição e duplo grau de recurso).

      

      Relativamente à questão da constitucionalidade do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, pronunciaram-se no mesmo sentido de não inconstitucionalidade os acórdãos n.º 20/2007, de 17 de Janeiro-3.ª Secção (Diário da República, II Série, de 20-03-2007 e ATC, volume 67, pág. 831, sumário), 36/2007, de 23 de Janeiro de 2007, 2.ª Secção (ATC, volume 67, pág. 832), 346/2007, de 6 de Junho de 2007, 1.ª Secção, (ATC, volume 69, pág. 852), 530/2007, de 29 de Outubro de 2007, 3.ª Secção (ATC, volume 70, pág. 766, em sumário), 599/2007, de 11 de Dezembro de 2007, 2.ª Secção (ATC, volume 70, pág. 772, em sumário).

       A constitucionalidade da norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, na actual redacção, na medida em que condiciona a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça aos acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos, foi apreciada pelo Tribunal Constitucional, que decidiu não a julgar inconstitucional – acórdão n.º 263/2009, de 25 de Maio, processo n.º 240/09-1.ª Secção (Acórdãos do Tribunal ConstitucionalATC –, volume 75, pág. 249), acórdão n.º 551/2009, de 27 de Outubro - 3.ª Secção, versando a questão, inclusive, ao nível do artigo 5.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do artigo 5.º do CPP (ATC, volume 76, pág. 566), acórdão n.º 645/2009, de 15 de Dezembro, processo n.º 846/2009 - 2.ª Secção (ATC, volume 76.º, pág. 575 - em sumário e com referência ao artigo 5.º, n.º 2, do CPP), o infra mencionado acórdão n.º 649/2009, de 15 de Dezembro - 3.ª Secção, confirmando decisão sumária que emitiu juízo de não inconstitucionalidade (ATC, volume 76, pág. 575, igualmente em sumário), e acórdão n.º 174/2010, de 4 de Maio, processo n.º 159/10-1.ª Secção.

      Por seu turno, o acórdão n.º 424/2009, de 14 de Agosto, proferido no processo 591/09-2.ª Secção, decidiu não julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alíneas e) e f), conjugada com a norma do artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do CPP, na redacção emergente do Decreto-Lei n.º 48/2007, quando interpretada no sentido de que não é admissível recurso para o STJ de acórdão da Relação que, revogando a suspensão da execução da pena decidida em 1.ª instância, aplica ao arguido pena não superior a 5 anos de prisão efectiva.

      No acórdão n.º 385/2011, de 27 de Julho de 2011, proferido no processo n.º 470/11, da 2.ª Secção, foi decidido: “Não julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f) do CPP, interpretada no sentido de ser irrecorrível uma decisão do Tribunal da Relação que, apesar de ter confirmado a decisão de 1.ª instância em pena não superior a 8 anos, se pronunciou pela primeira vez sobre um facto que a 1.ª instância não havia apreciado”.

      Na fundamentação deste acórdão, tendo-se por adquirido que no caso a Relação mantivera a decisão condenatória da 1.ª instância, “apesar de ter ampliado os pressupostos factuais da mesma”, pode ler-se:

      “Ora, com uma reapreciação jurisdicional, independentemente do seu resultado, revela-se satisfeito esse direito de defesa do arguido, pelo que a decisão do tribunal de recurso já não está abrangida pela exigência de um novo controle jurisdicional.

      O facto de nessa reapreciação se ter ampliado a matéria de facto considerada relevante para a decisão a proferir, traduz precisamente as virtualidades desse meio de controle das decisões judiciais, não sendo motivo para se considerar que estamos perante uma primeira decisão sobre o thema decidendum, relativamente à qual é necessário garantir também o direito ao recurso.

      Na verdade, a ampliação da matéria de facto julgada provada não modifica o objecto do processo. Tal como na decisão da 1.ª instância, o acórdão do Tribunal da Relação que sobre ela recai limita-se a verificar se o arguido pode ser responsabilizado pela prática do crime de que estava acusado e, na hipótese afirmativa, a definir a pena que deve ser aplicada, o que se traduz num reexame da causa”.

      Referimos já o acórdão n.º 649/2009, de 15 de Dezembro de 2009, proferido no processo n.º 846/09, 3.ª Secção, do Tribunal Constitucional, o qual decidiu:

      «a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto, na medida em que condiciona a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça aos acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.

      Não julgar inconstitucional a norma resultante da conjugação do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto, e artigo 5.º, n.º 2, do mesmo Código, interpretada no sentido de que, em processos iniciados anteriormente à vigência da Lei n.º 48/2007, não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância, proferida após a entrada em vigor da referida lei, e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos».

      De igual modo, no acórdão n.º 643/2011, de 21 de Dezembro de 2011, proferido no processo n.º 624/11, da 3.ª Secção e na decisão sumária n.º 366/12, proferida no processo n.º 552/12, da 2.ª Secção, o Tribunal Constitucional pronunciou-se sobre a interpretação normativa em causa, não a tendo julgado inconstitucional.

      Do acórdão deste Supremo Tribunal proferido no processo n.º 1324/08.4PPPRT.P1.S1, desta Secção, datado de 9 de Maio de 2012, aclarado em acórdão de 20 de Junho seguinte, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, que em 5 de Dezembro de 2012, pelo acórdão n.º 590/2012, proferido pela 1.ª Secção, decidiu, com um voto de vencido:

      «Julgar inconstitucional o artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal (CPP), na interpretação de que havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objecto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão, por violação do princípio da legalidade em matéria criminal (artigos 29.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa».

      Pelo Ministério Público foi interposto recurso obrigatório deste acórdão para o Plenário, nos termos do artigo 79.º-D, n.º 1, da LTC, por as soluções dos acórdãos n.º 590/2012 e n.º 649/2009 divergirem em absoluto sobre a questão de saber se é constitucionalmente conforme “interpretar o artigo 400.º, n.º 1, alínea f), no sentido de que havendo uma pena única superior a 8 anos de prisão, não pode ser objecto de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão, por violação do princípio da legalidade em matéria criminal.»

   

      O acórdão recorrido, ou seja, o referido acórdão n.º 590/2012, de 5 de Dezembro de 2012, veio a ser revogado pelo Acórdão n.º 186/2013, de 4 de Abril de 2013, tirado em Plenário, proferido no processo n.º 543/12, da 1.ª Secção, com cinco votos a favor, três declarações de voto e cinco votos de vencido, onde se inclui a relatora do acórdão n.º 590/2012, tendo sido decidido:

     «Não julgar inconstitucional a norma constante da alínea f), do n.º 1, do artigo 400.º, do Código de Processo Penal, na interpretação de que havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objecto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão».

      Como se referiu neste Acórdão do Tribunal Constitucional:

      “O acórdão recorrido considerou que do processo hermenêutico empreendido pelo tribunal a quo resultou uma norma que não é reconduzível “à moldura semântica do texto”, isto é, um sentido que, porque não tendo na letra da lei “um mínimo de correspondência verbal”, extravasava o domínio da mera interpretação jurídica, reconduzindo-se ao domínio da analogia e – in casu – da analogia (constitucionalmente) proibida nos domínios penal e processual penal.

      No entanto, apesar das limitações impostas pelo princípio constitucional da legalidade criminal, nem o direito penal nem o direito processual penal se encontram subtraídos aos cânones da hermenêutica jurídica, à luz dos quais há que proceder ao apuramento do sentido vertido nas suas normas. Assim sendo, cumpre esclarecer que a transição da interpretação para a analogia, ao abrigo dos cânones tradicionais, é determinada pela letra da lei (elemento gramatical ou literal). É, com efeito, a partir desta que se determinam os significados do preceito a que ainda é possível aceder através da interpretação, e quais aqueles que resvalam para a analogia. Obtidos os significados ainda compatíveis com o teor verbal da norma, a conclusão do processo hermenêutico faz-se com o auxílio dos outros elementos da interpretação – os elementos histórico, sistemático e racional (ou teleológico).

      Sucede que o sentido vertido na interpretação normativa extraída da alínea f), do n.º 1, do artigo 400.º, do CPP – nos termos da qual “havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objeto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão” – ainda se afigura cabível na letra daquele preceito. Não é de excluir, na verdade, que a referência à “pena de prisão” que nele se encontra possa ser entendida tanto como “pena devida pela prática de um único crime”, quanto como “pena parcelar em caso de concurso de crimes”. Na realidade, este sentido revela-se – ainda assim – tolerável à luz do teor verbal do preceito, resultando a solução hermenêutica encontrada da conjugação dessa tolerância ou cabimento com outros elementos da interpretação, designadamente com o elemento sistemático. Este elemento baseia-se “no postulado da coerência intrínseca do ordenamento, designadamente no facto de que as normas contidas numa codificação obedecem por princípio a um pensamento unitário” (João Batista Machado, Introdução ao Direito e ao discurso legitimador, 13.ª reimpressão, Almedina, 2002, p. 183). Tal postulado sustenta a interpretação normativa contestada, vedando a incoerência ou irracionalidade que resultaria da circunstância de se admitir o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça relativamente a crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão, quando a pena conjunta seja superior a 8 anos de prisão, e não se admitir tal recurso quando esteja em causa pena de prisão não superior a 8 anos devida pela prática de um único crime.

      Finalmente, talqualmente sublinhado pelo acórdão fundamento, o facto de este entendimento radicar num processo de “cisão em parcelas das diversas penas que compõem o cúmulo jurídico” - permitindo que, para efeitos de admissibilidade ou não admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, se distinga entre as penas parcelares integrantes da pena conjunta e a operação de determinação da pena conjunta obtida através de cúmulo jurídico, não é suscetível de colocar em crise a sua formulação. Tal cisão, com efeito, tem respaldo no direito penal positivo - artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal - (cfr. ainda, artigo 403.º, do Código de Processo Penal), circunstância que reforça cabalmente a possibilidade de a recorribilidade que a contrario se infere da alínea f), do n.º 1, do artigo 400.º valer quer para penas superiores a 8 anos devidas pela prática de um único crime, quer para penas conjuntas superiores a 8 anos obtidas através de cúmulo jurídico, mas apenas no que às operações do cúmulo respeite.

      Daí que cumpra concluir pela não inconstitucionalidade da alínea f), do n.º 1, do artigo 400.º, do Código de Processo Penal, na interpretação de que havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objeto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão, impondo-se, consequentemente, a revogação do acórdão recorrido.”

 

      Na mesma linha, o acórdão n.º 659/2011, de 21 de Dezembro, proferido no processo n.º 670/11, da 2.ª Secção, decidiu:

      «Não julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de não ser admissível o recurso de acórdão condenatório proferido, em recurso, pela Relação, que confirma a decisão de 1.ª instância e aplique pena de prisão não superior a 8 anos, mesmo no caso de terem sido arguidas nulidades de tal acórdão».

      Através deste Acórdão n.º 659/2011, esclareceu-se o seguinte:

      «Também no caso dos autos, tendo sido assegurado aos arguidos um duplo grau de jurisdição (uma vez que tiveram a possibilidade de, face à mesma imputação penal, defender-se perante dois tribunais: o tribunal de 1.ª instância e o tribunal da Relação), a questão que se coloca é a de saber se, tendo sido arguidas nulidades do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, é inconstitucional limitar a possibilidade de um triplo grau de jurisdição, por aplicação da regra da dupla conforme, prevista na alínea f) do n.º 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal. (…) Importa, antes de mais, ter em consideração o regime de arguição e conhecimento das nulidades em processo penal, que garante, mesmo em caso de irrecorribilidade, a possibilidade de serem arguidas nulidades da decisão perante o tribunal que a proferiu (como, aliás, aconteceu no presente caso), tendo este poderes para suprir as eventuais nulidades cuja existência reconheça (cfr. artigos 379º nº 2, e 414°, n.º 4, do Código de Processo Penal).

      Ora, sendo certo, conforme se disse, que o artigo 32.º n.º 1, da Lei Fundamental, não consagra a garantia de um triplo grau de jurisdição em relação a quaisquer decisões penais condenatórias, resta verificar se, nos casos em que o Tribunal da Relação profere acórdão em que mantém a decisão condenatória da 1.ª instância e é arguida a nulidade de tal acórdão, se mostra cumprida a garantia constitucional do direito ao recurso, quando exige que o processo penal faculte à pessoa condenada pela prática de um crime a possibilidade de requerer uma reapreciação do objeto do processo por outro tribunal, em regra situado num plano hierarquicamente superior.

      Com uma reapreciação jurisdicional, independentemente do seu resultado, revela-se satisfeito esse direito de defesa do arguido, pelo que a decisão do tribunal de recurso já não está abrangida pela exigência de um novo controle jurisdicional. E o facto de, na sequência dessa reapreciação, terem sido arguidas nulidades do acórdão do Tribunal da Relação não constitui motivo para se considerar que estamos perante uma primeira decisão sobre o thema decidendum, relativamente à qual é necessário garantir também o direito ao recurso.

      Com efeito, a circunstância de os recorrentes terem arguido nulidades do acórdão do Tribunal da Relação não modifica o objeto do processo uma vez que, tal como a decisão da 1ª instância, o acórdão do Tribunal da Relação que sobre ela recai limita-se a verificar se o arguido pode ser responsabilizado pela prática do crime que estava acusado e, na hipótese afirmativa, a definir a pena que deve ser aplicada, o que se traduz num reexame da causa.

      O Acórdão do Tribunal da Relação constitui, assim, já uma segunda pronúncia sobre o objeto do processo, pelo que não há que assegurar a possibilidade de aceder a mais uma instância de controle, a qual resultaria num duplo recurso, com um terceiro grau de jurisdição.

      Por outro lado, existindo sempre a possibilidade de arguir as referidas nulidades perante o tribunal que proferiu a decisão, mesmo quando esta seja irrecorrível, a apreciação de nulidades do acórdão condenatório não implica a necessidade de existência de mais um grau de recurso, tanto mais em situações, como a dos autos, em que existem duas decisões concordantes em sentido condenatório (uma vez que o Tribunal da Relação confirmou a decisão da 1ª instância nesse sentido).

      Acresce que, se fosse entendido que a arguição da nulidade de um acórdão proferido em recurso implicaria, sempre e em qualquer caso, com fundamento no direito ao recurso em processo penal, a abertura de nova via de recurso, ter-se-ia de admitir também o recurso do acórdão proferido na terceira instância, com fundamento na sua nulidade, e assim sucessivamente, numa absurda espiral de recursos..

      Impõe-se, pois, concluir que não é constitucionalmente censurável, neste caso, a exclusão do terceiro grau de jurisdição e que a interpretação normativa objeto de fiscalização não viola o disposto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição». (Sublinhados nossos).

      A fundamentação deste acórdão n.º 659/2011 foi corroborada pelo acórdão n.º 194/2012 da 3.ª Secção e pelo já referido acórdão n.º 399/2013, de 15 de Julho de 2013, proferido no processo n.º 171/13, da 2.ª Secção, este respeitante à alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, mas seguindo de perto o acórdão n.º 659/2011. (Os dois acórdãos estão disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt.).

      No acórdão n.º 228/2014, de 6 de Março de 2014, proferido no processo n.º 920/13, da 3.ª Secção, foi mantida a decisão sumária que concluíra pela inadmissibilidade do recurso e consequente não conhecimento do respectivo objecto, não deixando de referir o decidido quanto a não inconstitucionalidade da interpretação do artigo 400.º, n.º 1, alínea f) do CPP, no Acórdão n.º 194/2012, que remete para a fundamentação do Acórdão n.º 659/2011.

      A decisão sumária n.º 114/2014, proferida no processo n.º 139/14-2.ª Secção, de 12 de Fevereiro de 2014 (no âmbito do processo n.º 1027/11.2PCOER.L1.S1 desta 3.ª Secção, podendo ver-se a sua evolução no acórdão de 10-09-2014, por nós relatado, a fls. 7, tendo surgido na sequência de indeferimento da reclamação do despacho que não admitira recurso de um dos arguidos), transpondo as razões expostas no acórdão n.º 659/2011, decidiu “não julgar inconstitucional a norma extraída da alínea f), do n.º 1, do artigo 400.º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de determinar a irrecorribilidade do acórdão do Tribunal da Relação ao qual seja imputada uma nulidade”.

      O recorrente reclamou para a conferência, tendo o acórdão n.º 290/2014, de 26 de Março de 2014, indeferido a reclamação.   

      O arguido deduziu ainda incidente de aclaração, e por acórdão de 7 de Maio de 2014 (acórdão n.º 391/2014) foi indeferida a aclaração.

      A Decisão Sumária n.º 668/2016, proferida no processo n.º 774/16, da 2.ª Secção, de 21-10-2016 (sendo decisão recorrida o acórdão de 14-09-2016, por nós relatado no processo n.º 71/13.0JACBR.C1.S1), aderindo à jurisprudência constante dos Acórdãos n.º 186/2013 e 649/2009, decidiu:

      Julgar improcedente o recurso interposto por Márcio Pires, não julgando inconstitucional a interpretação, extraída da alínea f), do n.º 1 do artigo 400.º, do Código de Processo Penal, conducente ao sentido de que a admissibilidade de recurso de acórdãos condenatórios, proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena única de prisão superior a oito anos não abrange a matéria decisória referente aos crimes punidos com penas parcelares não superiores a oito anos de prisão.

      A decisão sumária foi alvo de reclamação e pelo Acórdão n. 687/2016, de 14-12-2016, foi decidido confirmar a decisão sumária reclamada, indeferindo a reclamação. 

      Notificado do acórdão, o recorrente invocou a nulidade do mesmo, requerendo a sua aclaração, o que foi decidido pelo Acórdão n.º 22/2017, de 18-01-2017, concluindo pela manifesta falta de fundamento da pretensão apresentada, fazendo uso da faculdade prevista no artigo 84.º, n.º 8, da LTC, e determinando a imediata remessa dos autos ao tribunal recorrido, a fim de aí prosseguirem os seus termos.

      Em suma, tendo-se alterado o paradigma de «pena aplicável» para «pena aplicada», o regime resultante da actual redacção da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal tornou inadmissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos condenatórios proferidos pelas Relações quando, confirmando decisão anterior, apliquem pena não superior a 8 anos de prisão.

 

       O princípio da dupla conforme, impeditivo de um terceiro grau de jurisdição e segundo grau de recurso, que não pode ser encarado como excepção ao princípio do direito ao recurso, consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da CRP, é assegurado através da possibilidade de os sujeitos processuais fazerem reapreciar, em via de recurso, pela 2.ª instância, a precedente decisão; por outro lado, como revelação ou indício de coincidente bom julgamento nas duas instâncias, impede, ou tende a impedir, que um segundo juízo, absolutório ou condenatório, sobre o feito, seja sujeito a uma terceira apreciação pelos tribunais.

      Como se refere no acórdão de 16 de Setembro de 2008, proferido no processo n.º 2383/08-3.ª, subjaz a tal instituto a ideia de que a concordância de duas instâncias quanto ao mérito da causa é factor indiciador do acerto da decisão, o que, em casos de absolvição ou de condenação em pena de prisão de pequena ou média gravidade, prévia e rigorosamente estabelecidos pelo legislador, justifica a limitação daquele direito.

       

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      Resulta do exposto que o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa é irrecorrível na parte em que manteve as penas parcelares aplicadas ao arguido pela prática dos oito crimes, ficando fora do âmbito de apreciação do presente recurso as questões relativas à medida das penas parcelares que o recorrente pretende reduzidas.

      As penas parcelares aplicadas ao recorrente, fixadas pelo Colectivo do Juízo Criminal Central de Lisboa e mantidas pela Relação de Lisboa, em medida igual (uma) e inferior (as restantes sete) a oito anos de prisão, inviabilizam a possibilidade do recurso e a reapreciação da medida das penas parcelares, verificando-se dupla conforme, que veda ao arguido a possibilidade de recurso, quanto a tal ponto, tendo transitado em julgado as penas parcelares.

       Assim sendo, é de rejeitar o recurso no que toca à pretensão da redução das penas parcelares, expressa pelo recorrente nas conclusões 2.º a 36.ª.

       Passando à questão da apreciação da medida da pena única.

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         Questão II – Medida da pena única

       O recorrente, na decorrência da pretendida redução das penas parcelares concretizadas nas conclusões 35.ª e 36.ª, pugna nesta conclusão pela fixação da pena única em 6 anos de prisão.


       Estabelece, quanto a regras de punição do concurso de crimes, o artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, que operou a terceira alteração ao Código Penal, em vigor desde 1 de Outubro de 1995 (e inalterado pelas subsequentes trinta e sete modificações legislativas, operadas, nomeadamente, e mais recentemente, pelas Leis n.º 59/2007, de 4 de Setembro; n.º 61/2008, de 31 de Outubro; n.º 32/2010, de 2 de Setembro; n.º 40/2010, de 3 de Setembro; n.º 4/2011, de 16 de Fevereiro; n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro; n.º 60/2013, de 23 de Agosto; Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de Agosto; Leis n.º 59/2014, de 26 de Agosto; n.º 69/2014, de 29 de Agosto; n.º 82/2014, de 30 de Dezembro; Lei Orgânica n.º 1/2015, de 8 de Janeiro; Leis n.º 30/2015, de 22 de Abril, rectificada na Declaração de Rectificação n.º 22/2015, in Diário da República, 1.ª série, n.º 100, de 25 de Maio de 2015; n.º 81/2015, de 3 de Agosto; n.º 83/2015, de 5 de Agosto; n.º 103/2015, de 24 de Agosto; n.º 110/2015, de 26 de Agosto (40.ª alteração); n.º 39/2016, de 19 de Dezembro; n.º 8/2017, de 3 de Março; n.º 30/2017, de 30 de Maio (43.ª alteração); n.º 83/2017, de 18 de Agosto, alterando pelo artigo 186.º a redacção do artigo 368.º - A, sem menção de n.º de alteração, e n.º 94/2017, de 23 de Agosto (44.ª alteração)]:

      “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.
      E nos termos do n.º 2, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão e 900 dias, tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
      Segundo o n.º 3 “Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores”.
      Estabelece o n.º 4: As penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis.
      

      Resulta do disposto no artigo 77.º, n.º 2, que no caso presente, a moldura penal do concurso se situa entre 8 e 24 anos de prisão.   

   

      A medida da pena unitária a atribuir em sede de cúmulo jurídico reveste-se de uma especificidade própria.

      Por um lado, está-se perante uma nova moldura penal, mais ampla, abrangente, com maior latitude da atribuída a cada um dos crimes.

      Por outro, tem lugar, porque se trata de uma nova pena, final, de síntese, correspondente a um novo ilícito e a uma nova culpa (agora culpa pelos factos em relação), uma específica fundamentação, que acresce à decorrente do artigo 71.º do Código Penal.

      Constitui posição sedimentada e segura neste Supremo Tribunal de Justiça a de nestes casos estarmos perante uma especial necessidade de fundamentação, na decorrência do que dispõem o artigo 71.º, n.º 3, do Código Penal, e os artigos 97.º, n.º 5 e 375.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, em aplicação do comando constitucional ínsito no artigo 205.º, n.º 1, da CRP, onde se proclama que “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.

      Como estabelece o artigo 71.º, n.º 3, do Código Penal, “Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena”, decorrendo, por seu turno, do artigo 97.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, que os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão, e do disposto no artigo 375.º, n.º 1, do mesmo Código, que a sentença condenatória deve especificar os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada.

      Maia Gonçalves, in Código Penal Português Anotado e Comentado, 15.ª edição, pág. 277 (e a págs. 275 da 16.ª edição, de 2004 e pág. 295 da 18.ª edição, de 2007), a propósito do artigo 77.º, salientava que “na fixação da pena correspondente ao concurso entra como factor a personalidade do agente, a qual deve ser objecto de especial fundamentação na sentença. Ela é mesmo o aglutinador da pena aplicável aos vários crimes e tem, por força das coisas, carácter unitário”.

      A punição do concurso efectivo de crimes funda as suas raízes na concepção da culpa como pressuposto da punição – não como reflexo do livre arbítrio ou decisão consciente da vontade pelo ilícito. Mas antes como censura ao agente pela não adequação da sua personalidade ao dever - ser jurídico penal.

      Como acentua Figueiredo Dias em Liberdade, Culpa e Direito Penal, Coimbra Editora, 2.ª edição, 1983, págs. 183 a 185, “ (…) o substracto da culpa (…) não reside apenas nas qualidades do carácter do agente, ético-juridicamente relevantes, que se exprimem no facto, na sua totalidade todavia cindível (…). Reside sim na totalidade da personalidade do agente, ético-juridicamente relevante, que fundamenta o facto, e portanto também na liberdade pessoal e no uso que dela se fez, exteriorizadas naquilo a que chamamos a “atitude” da pessoa perante as exigências do dever ser. Daí que o juiz, ao emitir o juízo de culpa ou ao medir a pena, não possa furtar-se a uma compreensão da personalidade do delinquente, a fim de determinar o seu desvalor ético-jurídico e a sua desconformação em face da personalidade suposta pela ordem jurídico-penal. A medida desta desconformação constituirá a medida da censura pessoal que ao delinquente deve ser feita, e, assim, o critério essencial da medida da pena”.

                                                                *****

      No que concerne à determinação da pena única, deve ter-se em consideração a existência de um critério especial na determinação concreta da pena do concurso, segundo o qual serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação da medida da pena do concurso.

      Como se lê em Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 420, págs. 290/1, estabelecida a moldura penal do concurso, a pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art. 72.º-1 (actual 71.º-1), um critério especial: o do artigo 78.º (actual 77.º), n.º 1, 2.ª parte, segundo o qual na determinação concreta da pena do concurso serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que obriga logo a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação da medida da pena do concurso.

      E no § 421, págs. 291/2, acentua o mesmo Autor que na busca da pena do concurso, “Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”.

      Acrescenta ainda: “De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”.

 

      Como se extrai do acórdão deste Supremo Tribunal de 6 de Maio de 2004, in CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 191, a propósito dos critérios a atender na fundamentação da pena única, nesta operação o que releva e interessa considerar é, sobretudo, a globalidade dos factos em interligação com a personalidade do agente, de forma a aquilatar-se, fundamentalmente, se o conjunto dos factos traduz uma personalidade propensa ao crime, a dar indícios de projecto de uma carreira, ou é antes, a expressão de uma pluriocasionalidade que não encontra a sua razão de ser na personalidade do arguido, mas antes numa conjunção de factores ocasionais, sem repercussão no futuro – cfr. na esteira da posição do citado Autor, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 08-07-1998, in CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 246; de 24-02-1999, processo n.º 23/99-3.ª; de 12-05-1999, processo n.º 406/99-3.ª; de 27-10-2004, processo n.º 1409/04-3.ª; de 20-01-2005, processo n.º 4322/04-5.ª, in CJSTJ 2005, tomo I, pág. 178; de 17-03-2005, no processo n.º 754/05-5.ª; de 16-11-2005, in CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 210; de 12-01-2006, no processo n.º 3202/05-5.ª; de 08-02-2006, no processo n.º 3794/05-3.ª; de 15-02-2006, no processo n.º 116/06-3.ª; de 22-02-2006, no processo n.º 112/06-3.ª; de 22-03-2006, no processo n.º 364/06-3.ª; de 04-10-2006, no processo n.º 2157/06-3.ª; de 21-11-2006, in CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 228; de 24-01-2007, no processo n.º 3508/06-3.ª; de 25-01-2007, nos processos n.ºs 4338/06-5.ª e 4807/06-5.ª; de 28-02-2007, no processo n.º 3382/06-3.ª; de 01-03-2007, no processo n.º 11/07-5.ª; de 07-03-2007, no processo n.º 1928/07-3.ª; de 14-03-2007, no processo n.º 343/07-3.ª; de 28-03-2007, no processo n.º 333/07-3.ª; de 09-05-2007, nos processos n.ºs 1121/07-3.ª e 899/07-3.ª; de 24-05-2007, no processo n.º 1897/07-5.ª; de 29-05-2007, no processo n.º 1582/07-3.ª; de 12-09-2007, no processo n.º 2583/07-3.ª; de 03-10-2007, no processo n.º 2576/07-3.ª; de 24-10-2007, no processo nº 3238/07-3.ª; de 31-10-2007, no processo n.º 3280/07-3.ª; de 09-01-2008, processo n.º 3177/07-3.ª, in CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 181 (Na valoração da personalidade deve atender-se a se os factos são a expressão de uma inclinação, tendência ou mesmo carreira criminosa, ou delitos ocasionais, sem relação entre si. A autoria em série é factor de agravação dentro da moldura penal conjunta, enquanto a pluriocasionalidade, que não radica na personalidade, não tem esse efeito agravante); de 09-04-2008, no processo n.º 686/08-3.ª (o acórdão ao efectuar o cúmulo jurídico das penas parcelares não elucida, porque não descreve, o raciocínio dos julgadores que orientou e decidiu a determinação da medida da pena do cúmulo); de 25-06-2008, no processo n.º 1774/08-3.ª; de 02-04-2009, processo n.º 581/09-3.ª, por nós relatado, in CJSTJ 2009, tomo 2, pág. 187; de 21-05-2009, processo n.º 2218/05.0GBABF.S1-3.ª; de 29-10-2009, no processo n.º 18/06.0PELRA.C1.S1-5.ª, in CJSTJ 2009, tomo 3, pág. 224 (227); de 04-03-2010, no processo n.º 1757/08.6JDLSB.S1-5.ª; de 10-11-2010, no processo n.º 23/08.1GAPTM-3.ª.

      Na expressão dos acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça, de 20-02-2008, proferido no processo n.º 4733/07 e de 8-10-2008, no processo n.º 2858/08, desta 3.ª Secção, na formulação do cúmulo jurídico, o conjunto dos factos fornece a imagem global do facto, o grau de contrariedade à lei, a grandeza da sua ilicitude; já a personalidade revela-nos se o facto global exprime uma tendência, ou mesmo uma “carreira”, criminosa ou uma simples pluriocasionalidade.

                                                             ***

      Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, como se o conjunto de crimes em concurso se ficcionasse como um todo único, unificado, globalizado, que deve ter em conta a existência ou não de ligações ou conexões e o tipo de ligação ou conexão que se verifique entre os factos em concurso - cfr., neste sentido, inter altera, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 17-03-2004, proferido no processo n.º 4431/03; de 20-01-2005, in CJSTJ 2005, tomo 1, pág. 178; de 08-06-2006, processo n.º 1613/06 – 5.ª; de 07-12-2006, processo n.º 3191/06 – 5.ª; de 20-12-2006, processo n.º 3379/06-3.ª; de 18-04-2007, processo n.º 1032/07 – 3.ª; de 03-10-2007, processo n.º 2576/07-3.ª, in CJSTJ 2007, tomo 3, pág. 198; de 09-01-2008, processo n.º 3177/07-3.ª, in CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 181 (Na formação da pena conjunta é fundamental uma visão e valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares de modo a que a pena global reflicta a personalidade do autor e os factos individuais); de 06-02-2008, processo n.º 129/08-3.ª e da mesma data no processo n.º 3991/07-3.ª, este in CJSTJ 2008, tomo I, pág. 221; de 06-03-2008, processo n.º 2428/07 – 5.ª; de 13-03-2008, processo n.º 1016/07 – 5.ª; de 02-04-2008, processos n.º s 302/08-3.ª e 427/08-3.ª; de 09-04-2008, processo n.º 1011/08 – 5.ª; de 07-05-2008, processo n.º 294/08 – 3.ª; de 21-05-2008, processo n.º 414/08 – 5.ª; de 04-06-2008, processo n.º 1305/08 – 3.ª; de 25-09-2008, processo n.º 2891/08 – 3.ª; de 29-10-2008, processo n.º 1309/08 – 3.ª; de 27-01-2009, processo n.º 4032/08 – 3.ª; de 29-04-2009, processo n.º 391/09 – 3.ª; de 14-05-2009, processo n.º 170/04.9PBVCT.S1 – 3.ª; de 27-05-2009, processo n.º 50/06.3GAVFR.C1.S1 – 3.ª; de 18-06-2009, processo n.º 577/06.7PCMTS.S1 – 3.ª; de 18-06-2009, processo n.º 8253/06.1TDLSB-3.ª; de 25-06-2009, processo n.º 274/07-3.ª, in CJSTJ 2009, tomo 2, pág. 251 (a decisão que efectiva o cúmulo jurídico das penas parcelares necessariamente que terá de demonstrar fundamentando que foram avaliados o conjunto dos factos e a interacção destes com a personalidade); de 21-10-2009, processo n.º 360/08.5GEPTM.S1-3.ª; de 04-11-2009, processo n.º 296/08.0SYLSB.S1-3.ª; de 18-11-2009, processo n.º 702/08.3GDGDM.P1.S1-3.ª; de 25-11-2009, processo n.º 490/07.0TAVVD-3.ª; de 10-12-2009, processo n.º 496/08.2GTABF.E1.S1-3.ª (citado no acórdão de 23-06-2010, processo n.º 862/04.2PBMAI.S1-5.ª), ali se referindo: “Na determinação da pena única do concurso, o conjunto dos factos indica a gravidade do ilícito global, sendo decisiva a avaliação e conexão e o tipo de conexão que se verifique entre os factos concorrentes. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente importa, sobretudo, verificar se o conjunto dos factos é recondutível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira» criminosa), ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”; de 04-03-2010, no processo n.º 1757/08.6JDLSB.L1.S1-5.ª; de 10-03-2010, no processo n.º 492/07.7PBBJA.E1.S1-3.ª; de 18-03-2010, no processo n.º 160/06. 7GBBCL.G2.S1-5.ª; de 15-04-2010, no processo n.º 134/05.5PBVLG.S1-3.ª; de 28-04-2010, no processo n.º 260/07.6GEGMR.S1-3.ª; de 05-05-2010, no processo n.º 386/06.3SLSB.S1-3.ª; de 12-05-2010, no processo n.º 4/05.7TDACDV.S1-5.ª; de 27-05-2010, no processo n.º 708/05.4PCOER.L1.S1-5.ª; de 09-06-2010, processo n.º 493/07.5PRLSB-3.ª; de 23-06-2010, no processo n.º 666/06.8TABGC-K.S1-3.ª; de 20-10-2010, processo n.º 400/08.8SZLB.L1-3.ª; de 03-11-2010, no processo n.º 60/09.9JAAVR.C1.S1-3.ª; de 16-12-2010, processo n.º 893/05.5GASXL.L1.S1-3.ª; de 19-01-2011, processo n.º 6034/08.0TDPRT.P1.S1-3.ª; de 02-02-2011, processo n.º 217/08.0JELSB.S1-3.ª; de 31-01-2012, processo n.º 2381/07.6PAPTM.E1.S1-3.ª; de 12-09-2012, processos n.º 223/07.1GCVIS.C1.S1-3.ª e 2745/09.0TDLSB.L1.S1-3.ª; de 06-02-2013, processo n.º 639/10.6PBVIS.S1-3.ª; de 14-03-2013, processo n.º 224/09.5PAOLH.S1 e n.º 13/12.0SOLSB.S1, ambos desta Secção e do mesmo Relator; de 10-07-2013, processo n.º 413/06.4JAFAR.E2.S1-3.ª; de 12-09-2013, processo n.º 1445/09.6JAPRT.P1.S1-3.ª; de 04-06-2014, processo n.º 186/13.4GBETR.P1.S1-3.ª; de 17-12-2014, processo n.º 512/13.3PGLRS.L1.S1-3.ª; de 9-05-2018, processo n.º 671/15.3PDCSC.L1.S1.

      Como refere Cristina Líbano Monteiro, A Pena «Unitária» do Concurso de Crimes, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 16, n.º 1, págs. 151 a 166, o Código rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente, estando em causa a avaliação de uma «unidade relacional de ilícito», portadora de um significado global próprio, a censurar de uma vez só a um mesmo agente.

      A pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção – dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes.

                                                                  ***

      Como referimos nos acórdãos de 20 de Janeiro de 2010, de 24 de Fevereiro de 2010, de 9 de Junho de 2010, de 10 de Novembro de 2010, de 2 de Fevereiro de 2011, de 18 de Janeiro de 2012, de 5 de Julho de 2012, de 12 de Setembro de 2012 (dois), de 22 de Maio de 2013, de 1 de Outubro de 2014 (dois), de 15 de Outubro de 2014, de 17 de Dezembro de 2014, de 29 de Abril de 2015, de 27 de Maio de 2015, de 9 de Julho de 2015, de 25 de Maio de 2016, de 16 de Junho de 2016, de 23 de Junho de 2016, de 7 (dois), de 13 de Julho de 2016, de 26 de Outubro de 2016, de 9 de Novembro de 2016 e de 22 de Novembro de 2017, proferidos no processo n.º 392/02.7PFLRS.L1.S1, in CJSTJ 2010, tomo 1, pág. 191, processo n.º 655/02.1JAPRT.S1, processo n.º 493/07.5PRLSB-3.ª, processo n.º 23/08.1GAPTM.S1, processo n.º 994/10.8TBLGS.S1-3.ª, processo n.º 34/05.9PAVNG.S1, in CJSTJ 2012, tomo 1, pág. 209, processo n.º 246/11.6SAGRD, processos n.º 223/07.1GCVIS.C1.S1 e n.º 2745/09.0TDLSB.L1.S1, processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S1, processo n.º 11/11.0GCVVC.S1 e processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S2, processo n.º 79/14.0JAFAR.S1, in CJSTJ 2014, tomo 3, págs. 191 a 199, processo n.º 512/13.6PGLRS.L1.S1, processo n.º 791/12.6GAALQ.L2.S1, processo n.º 173/08.4PFSNT-C.S1, processo n.º 19/07.0GAMNC.G2.S1, processo n.º 610/11.0GCPTM.E1.S1, processo n.º 2137/15.2T8EVR.S1, processo n.º 2361/09.7PAPTM.E3.S2, processos n.º 23/14. 2GBLSB.L2.S1 e n.º 541/09.4PDLRS-A.L1.S1, processo n.º 101/12.2SVLSB.S1, processo n.º 58/13.2PEVIS.C1.S1, processo n.º 587/14.0JAPRT.P1.S1e processo n.º 731/15.0JABRG.G1.S1:

      “Perante concurso de crimes e de penas, há que atender ao conjunto de todos os factos cometidos pelo arguido, de modo a surpreenderem-se, ou não, conexões entre os diversos comportamentos ajuizados, através duma visão ou imagem global do facto, encarado na sua dimensão e expressão global, tendo em conta o que ressalta do contexto factual narrado e atender ao fio condutor presente na repetição criminosa, procurando estabelecer uma relação desses factos com a personalidade do agente, tendo-se em conta a caracterização desta, com sua projecção nos crimes praticados; enfim, há que proceder a uma ponderação da personalidade do agente e correlação desta com os concretos factos ajuizados, a uma análise da função e da interdependência entre os dois elementos do binómio, não sendo despicienda a consideração da natureza dos crimes em causa, da verificação ou não de identidade dos bens jurídicos violados, até porque o modelo acolhido é o de prevenção, de protecção de bens jurídicos.

      Todo este trabalho de análise global se justifica tendo em vista descortinar e aferir se o conjunto de factos praticados pelo(a) condenado(a) é a expressão de uma tendência criminosa, isto é, se significará já a expressão de algum pendor para uma “carreira”, ou se, diversamente, a feridente repetição comportamental dos valores estabelecidos emergirá antes e apenas de factores meramente ocasionais”.

                                                             ***

      Por outro lado, na confecção da pena conjunta, há que ter presentes os princípios da proporcionalidade, da adequação e proibição do excesso.                                                 

      Cremos que nesta abordagem, há que ter em conta os critérios gerais da medida da pena contidos no artigo 71.º do Código Penal – exigências gerais de culpa e prevenção – em conjugação, a partir de 1 de Outubro de 1995, com a proclamação de princípios ínsita no artigo 40.º, atenta a necessidade de tutela dos bens jurídicos ofendidos e das finalidades das penas, incluída a conjunta, aqui acrescendo o critério especial fornecido pelo artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal - o que significa que este específico dever de fundamentação de uma pena conjunta, não pode estar dissociado da questão da adequação da pena à culpa concreta global, tendo em consideração por outra via, pontos de vista preventivos, sendo que, in casu, a ordem de grandeza de lesão dos bens jurídicos tutelados e sua extensão não fica demonstrada pela simples enunciação, sem mais, do tipo legal violado, o que passa pela sindicância do efectivo respeito pelo princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso, que deve presidir à fixação da pena conjunta, tornando-se fundamental a necessidade de ponderação entre a gravidade do facto global e a gravidade da pena conjunta.

      Neste sentido, podem ver-se aplicações concretas nos acórdãos de 21-11-2006, proferido no processo n.º 3126/06-3.ª, CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 228 (a decisão que efectue o cúmulo jurídico não pode resumir-se à invocação de fórmulas genéricas; tem de demonstrar a relação de proporcionalidade entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação dos factos e a personalidade do arguido); de 14-05-2009, no processo n.º 170/04.9PBVCT.S1-3.ª; de 10-09-2009, no processo n.º 26/05.8SOLSB-A.S1-5.ª, seguido de perto pelo acórdão de 09-06-2010, no processo n.º 493/07.5PRLSB.S1-3.ª, ali se referindo que “Importa também referir que a preocupação de proporcionalidade a que importa atender, resulta ainda do limite intransponível absoluto, dos 25 anos de prisão, estabelecido no n.º 2 do art. 77.º do CP. É aqui que deve continuar a aflorar uma abordagem diferente da pequena e média criminalidade, para efeitos de determinação da pena conjunta, e que se traduzirá, na prática, no acrescentamento à parcelar mais grave de uma fracção menor das outras”; de 18-03-2010, no processo n.º 160/06. 7GBBCL.G2.S1-5.ª, onde se afirma, para além da necessidade de uma especial fundamentação, que “no sistema de pena conjunta, a fundamentação deve passar pela avaliação da conexão e do tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifica e pela avaliação da personalidade unitária do agente. Particularizando este segundo juízo - e para além dos aspectos habitualmente sublinhados, como a detecção de uma eventual tendência criminosa do agente ou de uma mera pluriocasionalidade que não radica  em qualidades desvaliosas da personalidade - o tribunal deve atender a considerações de exigibilidade  relativa e à análise da concreta necessidade de pena resultante da inter-relação dos vários ilícitos típicos”; de 15-04-2010, no processo n.º 134/05.5PBVLG.S1-3.ª; de 21-04-2010, no processo n.º 223/09.7TCLSB.L1.S1-3.ª; e do mesmo relator, de 28-04-2010, no processo n.º 4/06.0GACCH.E1.S1-3.ª.

      Com interesse para o caso, veja-se o acórdão de 28-04-2010, proferido no processo n.º 260/07.6GEGMR.S1-3.ª, relativamente a onze crimes de roubo simples a agências bancárias.

      Como se refere no acórdão de 10-09-2009, processo n.º 26/05.8SOLSB-A.S1, da 5.ª Secção “a pena conjunta situar-se-á até onde a empurrar o efeito “expansivo” sobre a parcelar mais grave, das outras penas, e um efeito “repulsivo” que se faz sentir a partir do limite da soma aritmética de todas as penas. Ora, esse efeito “repulsivo” prende-se necessariamente com uma preocupação de proporcionalidade, que surge como variante com alguma autonomia, em relação aos critérios da “imagem global do ilícito” e da personalidade do arguido. Proporcionalidade entre o peso relativo de cada parcelar, em relação ao conjunto de todas elas.

      No mesmo sentido, e do mesmo relator, o acórdão de 09-07-2014, proferido no processo n.º 95/10.9GGODM.S1-5.ª Secção.

      Se a pena parcelar é uma entre muitas outras semelhantes, o peso relativo do crime que traduz é diminuto em relação ao ilícito global, e portanto, só uma fracção menor dessa pena parcelar deverá contar para a pena conjunta. (Asserção repetida no acórdão do mesmo relator, de 23-09-2009, no processo n.º 210/05.4GEPNF.S2 -5.ª).

      A preocupação de proporcionalidade a que importa atender resulta do limite intransponível absoluto dos 25 anos de prisão estabelecido no n.º 2 do artigo 77.º do Código Penal.

      É aqui que deve continuar a aflorar uma abordagem diferente da pequena e média criminalidade, face à grande criminalidade, para efeitos de determinação da pena conjunta, e que se traduzirá, na prática, no acrescentamento à parcelar mais grave de uma fracção menor das outras.

       Como referimos nos acórdãos de 23-11-2010, processo n.º 93/10.2TCPRT.S1, de 2-02-2011, processo n.º 994/10.8TBLGS.S1, de 24-03-2011, processo n.º 322/08.2TARGR.L1.S1, de 12-09-2012, processos n.º 223/07.1GCVIS.C1.S1 e n.º 2745/09.0TDLSB.L1.S1, de 17-10-2012, processo n.º 39/10.8PFBRG.S1, de 10-07-2013, processo n.º 413/06.4JAFAR.E2.S1, de 12-09-2013, processo n.º 1445/09.6JAPRT.P1.S1, de 1-10-2014, processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S2, de 15-10-2014, processo n.º 735/10.0GARMR.S1, de 27-05-2015, processo n.º 173/08.48FSNT-C.S1; de 17-06-2015, processo n.º 161/12.6PBFAR.S1; de 09-07-2015, processo n.º 19/07.0GAMNC.G2.S1; de 09-09-2015, processo n.º 284/11.9GBPSR.E1.S1; de 2-03-2016, processo n.º 8/08.8GALHH.L1.S1; de 16-06-2016, processo n.º 2137/15.2T8EVR.S1; de 23-06-2016, processo n.º 2361/09.7PAPTM.E3.S2; de 7-07-2016, processo n.º 23/14.2GBLSB.L1.S1; de 7-09-2016, processo n.º 232/14.4JABRG.P1.S1; de 14-09-2016, processo n.º 71/13.0JACBR.C1.S1; de 26-10-2016, processo n.º 58/13.2PEVIS.C1.S1; de 9-11-2016, processo n.º 587/14.0JAPRT.P1.S1; de 16-11-2016, processo n.º 747/10.3GAVNG-B.P1.S1; de 30-11-2016, processo n.º 804/08.6PCCSC.L1.S1; de 7-12-2016, processo n.º 137/08.8SNLSB-H.L1.S1; de 14-12-2016, processo n.º 952/14.3PHLRS.L1.S1; de 4-01-2017, processo n.º 6547/06.8SWLSB-H.P1.S1 e de 9-05-2018, processo n.º 671/15.3PDCSC.L1.S1: “A determinação da pena do concurso exige um exame crítico de ponderação conjunta sobre a conexão e interligação entre todos os factos praticados e a personalidade do seu autor, de forma a alcançar-se a valoração do ilícito global e entender-se a personalidade neles manifestada, de modo a concluir-se pela motivação que lhe subjaz, se emergente de uma tendência para delinquir, ou se se trata de mera ocasionalidade ou pluriocasionalidade não fundamentada na personalidade, tudo em ordem a demonstrar a adequação, justeza, e sobretudo, a proporcionalidade, entre a avaliação conjunta daqueles dois factores e a pena conjunta a aplicar e tendo em conta os princípios da necessidade da pena e da proibição de excesso.

      Importará indagar se a repetição operou num quadro de execução homogéneo ou diferenciado, quais os modos de actuação, de modo a concluir se estamos face a indícios desvaliosos de tendência criminosa, ou se estamos no domínio de uma mera ocasionalidade ou pluriocasionalidade, tendo em vista configurar uma pena que seja proporcional à dimensão do crime global, pois ao novo ilícito global, a que corresponde uma nova culpa, caberá uma nova, outra, pena.

      Com a fixação da pena conjunta não se visa re-sancionar o agente pelos factos de per si considerados, isoladamente, mas antes procurar uma “sanção de síntese”, na perspectiva da avaliação da conduta total, na sua dimensão, gravidade e sentido global, da sua inserção no pleno da conformação das circunstâncias reais, concretas, vivenciadas e específicas de determinado ciclo de vida do(a) arguido(a) em que foram cometidos vários crimes”.

      Como se extrai dos acórdãos de 12-05-2010, processo n.º 4/05.7TACDV.S1-5.ª e de 16-12-2010, no processo n.º 893/05.5GASXL.L1.S1-3.ª, a pena única deve reflectir a razão de proporcionalidade entre as penas parcelares e a dimensão global do ilícito, na ponderação e valoração comparativas com outras situações objecto de apreciação, em que a dimensão global do ilícito se apresenta mais intensa.

      Reportam ainda a ideia de proporcionalidade os acórdãos de 11-01-2012, processo n.º 131/09.1JBLSB.L1.-A.S1-3.ª; de 18-01-2012, processo n.º 34/05.9PAVNG.S1-3.ª (CJSTJ 2012, tomo 1, págs. 209 a 227); de 31-01-2012, processo n.º 2381/07.6PAPTM.E1.S1-3.ª; de 05-07-2012, processo n.º 246/11.6SAGRD.S1-3.ª e os supra referidos de 12-09-2012, processos n.º 223/07.1GCVIS.C1.S1-3.ª e n.º 2745/09.0TDLSB.L1.S1-3.ª; de 22-01-2013, processo n.º 651/04.4GAFLTG.S1-3.ª; de 27-02-2013, processo n.º 455/08.5GDPTM.S1-3.ª; de 22-05-2013, processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S1-3.ª; de 19-06-2013, processo n.º 515/06.7GBLLE.S1-3.ª; de 10-07-2013, processo n.º 413/06.4JAFAR.E2.S1-3.ª; de 12-09-2013, processo n.º 1445/09.6JAPRT.P1.S1-3.ª; de 26-09-2013, processo n.º 138/10.6GDPTM.S2-5.ª e de 3-10-2013, processo n.º 522/01.6TACBR.C3.S1-5.ª, onde pode ler-se: «O equilíbrio entre os efeitos “expansivo” e “repulsivo” prende-se necessariamente com uma preocupação de proporcionalidade, que surge como variante com alguma autonomia, em relação aos critérios da “imagem global do ilícito” e da “personalidade do arguido”»; de 24-09-2014, processo n.º 994/12.3PBAMD.L1.S1-3.ª; de 1-10-2014, processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S2-3.ª.

      Como se refere no acórdão de 2 de Maio de 2012, processo n.º 218/03.4JASTB.S1-3.ª, a formação da pena conjunta é uma solução para o problema de proporção resultante da integração das penas singulares numa única punição e o «restabelecimento do equilíbrio» entre crime isolado e pena singular, pelo que deve procurar-se que nas sucessivas operações de realização de cúmulo jurídico superveniente exista um critério uniforme de avaliação de tal proporcionalidade”.

      Como se pode ler no acórdão de 21 de Junho de 2012, processo n.º 38/08.0GASLV.S1, “numa situação de concurso entre uma pena de grande gravidade e diversas penas de média e curta duração, este conjunto de penas tem de ser objecto de uma especial compressão para evitar uma pena excessiva e garantir uma proporcionalidade entre penas que correspondem a crimes de gravidade muito díspar; doutro modo, corre-se o risco de facilmente se poder atingir a pena máxima, a qual deverá ser reservada para as situações de concurso de várias penas muito graves”.

      Focando a proporcionalidade na perspectiva das finalidades da pena, pode ver-se o acórdão de 27 de Junho de 2012, processo n.º 70/07.0JBLSB-D.S1-3.ª, onde consta: “A medida da pena única, respondendo num segundo momento também a exigências de prevenção geral, não pode deixar de ser perspectivada nos efeitos que possa ter no comportamento futuro do agente: a razão de proporcionalidade entre finalidades deve estar presente para não eliminar, pela duração, as possibilidades de ressocialização (embora de difícil prognóstico pelos antecedentes)”. (Sublinhados nossos).

      Sobre os princípios da proporcionalidade, da proibição de excesso e da legalidade na elaboração de pena única pode ver-se o acórdão de 10-09-2014, processo n.º 455/08-3.ª, por nós citado no acórdão de 24-09-2014, proferido no processo n.º 994/12.3PBAMD.L1.S1-3.ª.

       Analisando.

       Como se referiu, a moldura penal do concurso relativa ao recorrente situa-se entre 8 e 24 anos de prisão.  

       A pena conjunta visa corresponder ao sancionamento de um determinado trecho de vida do arguido condenado por pluralidade de infracções.

       Há que valorar o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade do ora recorrente, em todas as suas facetas.                   

       Na elaboração da pena conjunta impõe-se fazer uma nova reflexão sobre os factos em conjunto com a personalidade do arguido, em ordem a adequar a medida da pena à personalidade que nos factos se revelou.

       Importa ter em conta a natureza e a diversidade ou igualdade/similitude dos bens jurídicos tutelados, ou seja, a dimensão de lesividade da actuação global do arguido.

      Como se extrai dos acórdãos de 9-01-2008, processo n.º 3177/07, CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 181, de 25-09-2008, processo n.º 2288/08 (a proporcionalidade da pena única, em função do ponto de vista preventivo geral e especial, é avaliada em função do bem jurídico protegido e violado; as penas têm de ser proporcionadas à transcendência social – mais que ao dano social – que assume a violação do bem jurídico cuja tutela interessa prever. O critério principal para valorar a proporção da intervenção penal é o da importância do bem jurídico protegido, porquanto a sua garantia é o principal fundamento daquela intervenção), de 22-01-2013, processo n.º 650/04.6GISNT.L1.S1, de 26-06-2013, processo n.º 267/06.0GAFZZ.S1 (e de novo acórdão de 10-09-2014, proferido no mesmo processo) e de 1-10-2014, processo n.º 471/11.0GAVNF.P1.S1, todos da 3.ª Secção, um dos critérios fundamentais em sede do sentido de culpa em relação ao conjunto dos factos, numa perspectiva global dos factos, é o da determinação da intensidade da ofensa e dimensão do bem jurídico ofendido, assumindo significado profundamente diferente a violação repetida de bens jurídicos ligados à dimensão pessoal em relação a bens patrimoniais.

      E como referiu o supra citado acórdão de 27 de Junho de 2012, processo n.º 70/07.0JBLSB-D.S1-3.ª, na pena única não pode deixar de ser perspectivado o efeito da pena sobre o comportamento futuro do agente em função da sua maior ou menor duração.

      No mesmo sentido podem ver-se os acórdãos de 22 de Janeiro de 2013, processo n.º 651/04.4GAFLG.S1-3.ª e de 4 de Julho de 2013, processo n.º 39/10.8JBLSB.L1.S1-3.ª sobre o ponto e, citando neste particular os acórdãos do mesmo relator, de 9 de Fevereiro de 2011, processo n.º 19/05.5GAVNG.S1-3.ª e de 23 de Fevereiro de 2011, processo n.º 429/03. 2PALGS.S1-3.ª Secção.

      No mesmo sentido ainda, o acórdão de 2 de Fevereiro de 2011, processo n.º 217/08.0JELSB.S1, igualmente da 3.ª Secção, citando expressamente Figueiredo Dias no passo assinalado supra (Consequências…, § 421, págs. 291/2).

      E mais recentemente, os acórdãos de 08-01-2014, processo n.º 154/12.3GASSB.L1.S1, de 29-01-2014, processo n.º 629/12.4JACBR.C1.S1 e de 26-03-2014, processo n.º 316/09.0PGOER.S1, todos da 3.ª Secção.

       Revertendo ao caso concreto.

       Sobre a questão da determinação da medida concreta da pena, o acórdão recorrido após abordar a medida das penas parcelares, de fls. 482 a 486, sem se debruçar especificamente sobre a medida da pena única, termina deste modo: 

       “Tendo em conta os ditames da teoria relativa à fixação da medida da pena e as concretas circunstâncias do caso em análise, e ainda as medidas das penas que vêm sendo consideradas na jurisprudência, entendemos que se impõe a manutenção das penas parcelares e da pena única fixadas”.
       Dir-se-á que de tão parco em palavras o acórdão recorrido roça ausência completa de fundamentação. Não chega sequer a respaldar-se no dito pela primeira instância, a fls. 405, onde depois de citar o acórdão de 17-09-2009, proferido no processo n.º 207/08.2GDGMR.S1 e Figueiredo Dias, Direito Penal Português, pág. 292, termina assim:
       “Dando-se por reproduzidas as considerações já tecidas aquando da determinação das penas em concreto, de realçar que, para além da manifesta gravidade dos factos e a necessidade de, pela pena, fazer interiorizar ao arguido as maléficas consequências do seu comportamento, os ilícitos em causa dimanam de uma, clara, propensão para este tipo de criminalidade – o arguido apresenta um perfil disfuncional, designadamente ao nível da sua sexualidade e revela total ausência de sentido crítico – nos termos acima expostos.
      Tudo ponderado, julga-se adequada a pena única de 13 (treze) anos de prisão”.

       Vejamos se no caso em reapreciação é de reduzir a pena única aplicada.

     

       Sendo uma das finalidades das penas, incluindo a unitária, segundo o artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal, na versão da terceira alteração, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, a tutela dos bens jurídicos, definindo a necessidade desta protecção os limites daquelas, há que, necessariamente, ter em atenção os bens jurídicos tutelados nos tipos legais ora postos em causa, ou seja, no crime de abuso sexual de criança e crime de actos sexuais com adolescente.

       Começando pelo crime de abuso sexual de criança.

       O crime de abuso sexual de crianças não era dantes previsto como crime autónomo, no Código Penal de 1886 e na versão originária do Código de 1982, embora muitas das condutas abrangidas pela previsão do novo artigo caíssem, na vigência desses diplomas na previsão dos crimes de violação, atentado ao pudor ou de ultraje público ao pudor.

       Na actual sistematização do Código Penal, o crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171.º, e o crime de actos sexuais com adolescentes, p. e p. pelo artigo 173.º, ora na redacção dada pela Lei n.º 59/2007, de 04 de Setembro, entrada em vigor em 15-09-2007 (artigo 13.º), enquadra-se na categoria “Dos crimes contra as pessoas” - Título I, do Livro II – (Parte especial), e mais especificamente, no Capítulo V, “Dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual” – artigos  163.º a 179.º – mais concretamente ainda na Secção II (Crimes contra a autodeterminação sexual) – artigos 171.º a 176.º – e com a agravação constante da disposição comum do artigo  177.º, para além das igualmente comuns normas dos artigos 178.º (queixa)  e 179.º (inibição do poder paternal e proibição do exercício de funções), este actualmente revogado.

 

       Com a revisão operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, publicado no Diário da República, I Série-A, n.º 63, de 15 de Março, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 73-A/95, Diário da República, I Série-A, n.º 136, de 14-06-1995, entrado em vigor em 1 de Outubro seguinte, os crimes sexuais foram transferidos para o Título I da Parte Especial dedicado aos Crimes contra as pessoas, em capítulo criado de novo – Capítulo V – Dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, integrado pelos artigos 163.º a 179.º – mais concretamente ainda na Secção I (Crimes contra a liberdade sexual) – artigos 163.º a 170.º – e com a agravação prevista no artigo 177.º.

       Os referidos artigos 163.º a 179.º, introduzidos na reforma de 1995, “substituiram” os artigos 201.º a 218.º da versão originária do Código Penal de 1982, que tratavam “Dos crimes sexuais” - Secção II -, então inserta no Capítulo I, com a epígrafe “Dos crimes contra os fundamentos ético-sociais da vida social”, por novos artigos, que passaram a integrar o Capítulo V, «Dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual» com os n.ºs  163.º a 179.º, repartidos por três secções, respectivamente, dos crimes contra a liberdade sexual (artigos 163.º a 170.º), dos crimes contra a autodeterminação sexual (artigos 171.º a 176.º) e das disposições comuns (artigos 177.º a 179.º), conferindo-lhes nova redacção.

        Assim foi preconizado na solução n.º 115, constante do artigo 3.º-A – Relativamente à parte geral – da Lei n.º 35/94, de 15 de Setembro (Lei de autorização legislativa), rectificada pela Declaração de rectificação n.º 17/94, publicada no Diário da República, I Série-A, de 13-12-1994, donde emergiu o Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, que procedeu à terceira alteração do Código Penal, entrado em vigor em 1-10-1995. 

       O preâmbulo do diploma de revisão, no ponto 7, § 2.º, assinala a deslocação dos crimes sexuais do capítulo relativo aos crimes contra valores e interesses da vida em sociedade para o título dos crimes contra as pessoas, onde constituem um capítulo autónomo, sob a epígrafe «Dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual», abandonando-se a concepção moralista («sentimentos gerais de moralidade»), em favor da liberdade e autodeterminação sexuais, bens eminentemente pessoais.

       Teresa Beleza, O Repensar dos Crimes Sexuais na Revisão do Código Penal, Jornadas de Direito Criminal, Revisão do Código Penal, I volume, Lisboa, 1996, referindo-se a esta mudança, depois de afirmar a págs. 159 que “O pecado – como sombra da censura social suportando padrões morais de comportamento – cedeu o passo à preservação da liberdade individual” e a págs. 166 que “a liberdade sucede aos bons costumes”, diz a págs. 169: “ (…) a ideia de atentado ao pudor é substituída pela de desrespeito pela autodeterminação sexual. Já não é o pudor da criança ou do jovem que está em causa – ele pode, até, ser inexistente e nem por isso o crime deixa de existir ou o Direito ficciona um pudor inexistente – mas a convicção legal (iuris et de jure, dir-se-ia) de que abaixo de uma certa idade ou privada de um certo grau de autodeterminação a pessoa não é livre de se decidir em termos de relacionamento sexual”.

      A reforma de 1995 teve em vista uma perspectiva de reforço da tutela dos bens jurídicos pessoais e de uma lógica de maior protecção ao menor, atenta a sua especial vulnerabilidade.

      Assim, de acordo com o n.º 8 do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 48/95:

      “Os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual foram objecto de particular atenção, especialmente quando praticados contra menor.

      Nessa conformidade, o crime sexual praticado contra menor é objecto de uma dupla agravação. Por um lado a que resulta de elevação geral das molduras penais dos crimes de violação e coacção sexual, quer no limite mínimo, quer no máximo; e por outro, a agravação estabelecida para os casos em que tais crimes sejam praticados contra menor de 14 anos. Donde resulta que o crime praticado contra menor de 14 anos é sempre punido mais severamente que o crime praticado contra um adulto, atenta a especial vulnerabilidade da vítima”.

       O bem jurídico protegido nestes crimes é a liberdade e autodeterminação sexual, ligado a outro bem jurídico, a saber, o do livre desenvolvimento da personalidade do menor na esfera sexual, devendo considerar-se a Secção II como um capítulo importante da função de protecção penal das crianças e dos jovens até certos limites de idade – assim, Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pág. 442. Mais à frente, pág. 541, especifica que trata-se ainda “de proteger a autodeterminação sexual, mas sob uma forma muito particular: não face a condutas que representem a extorsão de contactos sexuais por forma coactiva ou análoga, mas face a condutas de natureza sexual que, em consideração da pouca idade de vítima, podem, mesmo sem coacção, prejudicar gravemente o livre desenvolvimento da sua personalidade”.

       Segundo M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio, Código Penal Parte geral e especial, Almedina, 2014, pág. 719, o bem jurídico protegido é a autodeterminação sexual, face a condutas sexuais que, mesmo sem constrangimento (embora com possível importunação ou mero contacto) podem prejudicar o livre desenvolvimento da personalidade do menor, em particular na esfera sexual.

       Maia Gonçalves, in Código Penal Português, anotado e comentado, na 8.ª edição, 1995, pág. 643, em comentário retomado na 17.ª edição, de 2005, pág. 603, nota 2, afirma:

     “Neste artigo protegem-se pessoas que presumivelmente ainda não têm o discernimento necessário para, no que concerne ao sexo, se exprimirem com liberdade e autenticidade, defendendo-se tais pessoas contra a prática da cópula, coito anal, coito oral ou de outros actos sexuais de relevo, de actos de carácter exibicionista e de condutas censuráveis obscenas ou pornográficas.

       Como observou o Prof. Figueiredo Dias na discussão dos crimes desta subsecção no seio da CRCP, a especificidade destes crimes reside como que numa obrigação de castidade e virgindade, por estarem em causa menores, seja de que sexo forem. Estes menores até à idade dos 14 anos, segundo o pensamento legislativo, podem ser prejudicados no seu saudável desenvolvimento fisiológico ou psíquico com a prática dos referidos actos e não têm ainda a capacidade e o discernimento necessários para uma livre e esclarecida decisão no que concerne ao relacionamento sexual.

    Trata-se de um crime de perigo abstracto, pelo que pode verificar-se mesmo que não haja lugar a perigo concreto para o correcto desenvolvimento fisiológico ou psíquico do menor”.

       O bem jurídico protegido pela incriminação do crime de abuso sexual de crianças, p. p. artigo 171.º, n.º 1, do Código Penal, é o da liberdade da pessoa menor de 14 anos, que se presume legalmente incapaz de avaliar o sentido e alcance de acto sexual de relevo praticado nela, mesmo que nele consinta. 

       E sendo a liberdade sexual uma das valiosas manifestações da liberdade individual, na sua dimensão multifacetada, a conduta integrante de acto sexual de relevo contra criança naquela faixa etária, atentatório como é da sua liberdade individual, enquadra-se no conceito de criminalidade violenta previsto no artigo 1.º, alínea j), do CPP, que na redacção originária considerava criminalidade violenta “as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física ou a liberdade das pessoas e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos”, anotando-se que com a redacção dada pelo artigo 1.º da Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto, a par da já contemplada liberdade pessoal, foi aditada a referência a “liberdade e autodeterminação sexual” (para além de englobar referência a autoridade pública).

 

       O bem jurídico protegido é a liberdade e autodeterminação sexual, ligado a outro bem jurídico, a saber, o do livre desenvolvimento da personalidade do menor na esfera sexual, devendo considerar-se a Secção II como um capítulo importante da função de protecção penal das crianças e dos jovens até certos limites de idade – assim, Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pág. 442. Mais à frente, pág. 541, especifica que trata-se ainda “de proteger a autodeterminação sexual, mas sob uma forma muito particular: não face a condutas que representem a extorsão de contactos sexuais por forma coactiva ou análoga, mas face a condutas de natureza sexual que, em consideração da pouca idade de vítima, podem, mesmo sem coacção, prejudicar gravemente o livre desenvolvimento da sua personalidade”.

       Para Teresa Beleza, O Repensar dos Crimes Sexuais na Revisão do Código Penal, pág. 169, o bem jurídico ofendido por um acto sexual de relevo, que seja praticado com, em ou perante uma criança, já não é o pudor, mas as potencialidades de desenvolvimento, não excessivamente condicionado ou traumatizado por experiências demasiado precoces.

       

       Segundo Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, pág. 473 (e na 2.ª edição actualizada de 2010, a pág. 536), versando os quatro crimes distintos previstos no artigo 171.º, afirma: “O bem jurídico protegido pelas incriminações é a liberdade de autodeterminação sexual da criança, isto é, do menor de 14 anos de idade. Em qualquer dos casos trata-se de um crime de perigo abstracto (quanto ao grau de lesão do bem jurídico protegido) e de mera actividade (quanto à forma de consumação do objecto da acção).

  

       Como se extrai do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01-04-1998, proferido no recurso n.º 1436/97-3.ª Secção, in CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 175, versando então caso de concurso real de crimes de atentado ao pudor e abuso sexual de crianças, “no primeiro caso tutela-se a preservação dos sentimentos gerais da moralidade sexual e no segundo, a protecçao da criança enquanto tal”.

       Refere ainda o acórdão: “O bem jurídico protegido é a criança como criança, parafraseando Figueiredo Dias, em Actas da Comissão de Revisão do Código Penal, pág. 247. 

       A criança não é só destinatário mas também sujeito de direitos, e direitos próprios.

       A CRP estabelece no artigo 69.º n.º 1, que “as crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado com vista ao seu desenvolvimento integral”.

       Por Decreto do Presidente da República n.º 49/90, de 12-09, foi aprovada para ratificação, depois de aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/90, de 8 de Junho, a Convenção sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova Iorque a 26-01-1990, a qual, nos termos do artigo 8.º da CRP faz parte da nossa ordem jurídica.

       Segundo a Convenção, os direitos da criança abrangem todos os domínios, visando o desenvolvimento harmonioso da sua personalidade.

       O artigo 19.º expressamente se refere à protecção da criança contra todas as formas de violência sexual.    

       No nosso direito interno, o desenvolvimento da criança sob o aspecto sexual é protegido no art. 172.º CP.

       

       Importa que a criança continue criança durante toda a sua infância. Toda a criança tem direito de ser criança, como se exprime Marta Pais (Documentação e Direito Comparado, n.º 55/56, 1993, pág. 212). 

       Como se pode ler no acórdão de 19-10-2000, processo n.º 2546/00-5.ª, SASTJ, n.º 44, pág. 87 “Aos 14 anos, a lei fornece uma protecção absoluta aos menores no que concerne ao seu desenvolvimento e crescimento sexuais. A lei protege-os, inclusivamente deles próprios, considerando irrelevante consentimento que prestem para a prática de actos sexuais”.

       Passando ao crime de actos sexuais com adolescentes.

       O crime de actos sexuais com adolescentes está previsto no artigo 173.º do Código Penal, preceito que substituiu a incriminação do estupro, historicamente ligada preferencialmente à violação de mulher virgem.

 

     Estabelece o artigo 173.º do Código Penal (Actos sexuais com adolescentes):

1 – Quem, sendo maior, praticar acto sexual de relevo com menor entre 14 e 16 anos, ou levar a que ele seja por este praticado com outrem, abusando da sua inexperiência, é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias.

2 – Se o acto sexual de relevo consistir em cópula, coito oral, coito anal ou introdução vaginal ou anal de partes de corpo ou objectos, é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias.

 

       Neste crime é tutelado o livre desenvolvimento da vida sexual de menor entre 14 e 16 anos, face a processos proibidos de sedução conducentes à prática de tais actos: acto sexual de relevo, que pode consistir em cópula, coito oral, coito anal ou introdução vaginal ou anal de partes de corpo ou objectos. (Assim, Código Penal, Parte geral e especial, com Notas e Comentários, de M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio, Almedina, 2014, pág. 726). Neste sentido, Figueiredo Dias em comentário ao artigo 174.º, no Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, págs. 563/4.

       As crianças, a par dos idosos, dos deficientes ou grávidas, em virtude do especial desamparo e da vulnerabilidade em que pela sua própria natureza se encontram, quer pela sua idade, quer pela sua constituição, quer pelo seu estado, são ou estão por natureza ingénuas, no sentido de desprevenidas: umas porque o são de forma inerente (as crianças e os deficientes mentais), (…) - neste sentido, Teresa Serra, em Homicídios em Série (Jornadas de Direito Criminal, 1995/6, editado em 1998, II Volume), a fls. 154/5.

       Nesta perspectiva da vulnerabilidade, pode ver-se o enquadramento que é dado pelas Leis de Política Criminal.

     Em cumprimento da Lei n.º 17/2006, de 23 de Maio (Diário da República, I Série, n.º 99, de 23-05-2006), que aprovou a Lei - Quadro da Política Criminal, a Lei n.º 51/2007, de 31 de Agosto (Diário da República, I Série, n.º 168, de 31-08-2007) entrada em vigor em 15 de Setembro de 2007 – artigo 22.º –, definiu os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2007-2009.

      Estabelecia o artigo 1.º: «São objectivos gerais da política criminal prevenir, reprimir e reduzir a criminalidade, promovendo a defesa de bens jurídicos, a protecção das vítimas e a reintegração dos agentes do crime na sociedade».

       No artigo 2.º afirmava-se constituírem objectivos específicos da política criminal, para além do mais:

       a) Prevenir, reprimir e reduzir a criminalidade violenta, grave ou organizada, incluindo (…) os crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual (…)

       b) Promover a protecção de vítimas especialmente indefesas, incluindo crianças e adolescentes, mulheres grávidas e pessoas idosas, doentes e deficientes (Sublinhámos).    

       Os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores integravam o lote dos crimes que tendo em conta a dignidade dos bens jurídicos tutelados e a necessidade de proteger as potenciais vítimas eram considerados crime de prevenção prioritária - artigo 3.º, n.º 1, alínea a).

       E tendo em conta a sua gravidade e a necessidade de evitar a sua prática futura eram considerados crimes de investigação prioritária - artigo 4.º, n.º 1, alínea a).

     No artigo 5.º, na prevenção e investigação dos crimes lesivos da componente pessoal, promovia-se, em particular, a protecção de vítimas especialmente indefesas, incluindo crianças, mulheres grávidas, pessoas idosas, doentes, deficientes e imigrantes. (Voltámos a sublinhar).

        No Anexo, onde se enunciava a fundamentação das prioridades e orientações da política criminal, podia ler-se o seguinte: “Os crimes violentos contra as pessoas e contra o património merecem tratamento prioritário. As pessoas especialmente indefesas - crianças, mulheres grávidas, pessoas idosas, doentes, deficientes e imigrantes - são os alvos mais fáceis desta criminalidade e justificam o desenvolvimento de programas de prevenção específicos. (Tornámos a sublinhar).

       Seguiu-se a Lei n.º 38/2009, de 20 de Julho (publicada no Diário da República, 1.ª Série, n.º 138, entrada em vigor em 1 de Setembro de 2009), a qual definiu os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2009-2011 (abarcando o período temporal compreendido entre 1 de Setembro de 2009 e 31 de Agosto de 2011), “sucedendo” ao registo similar da antecedente, com pequenas diferenças. Assim:

1 – A expressão “vítimas especialmente indefesas” presente no artigo 2.º, alínea b), no artigo 5.º e no Anexo foi substituída por “vítimas especialmente vulneráveis”;

2 – Nos dois artigos e no Anexo a designação “deficientes” foi substituída por (pessoas) “portadoras de deficiência”;

3 – Na alínea b) do artigo 2.º, foi aditada a designação “imigrantes”. 

     

       Seguiu-se a Lei n.º 72/2015, de 20 de Julho, entrada em vigor em 1 de Setembro de 2015 (artigo 15.º), a qual definia os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2015-2017, em cumprimento da Lei n.º 17/2006, de 23 de Maio, considerando como fenómenos criminais de prevenção tributária, entre outros, os crimes praticados contra crianças e jovens e outras pessoas vulneráveis – artigo 2.º, alínea d) – bem como os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual – alínea e) do mesmo artigo, sendo estes considerados crimes de investigação prioritária – artigo 3.º, alínea b).

     Actualmente está em vigor, desde 24 de Agosto de 2017, a Lei n.º 96/2017, de 23 de Agosto de 2017 (Diário da República, 1.ª série, n.º 162, de 23 de Agosto), a qual define os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2017-2019, considerando como fenómenos criminais de prevenção prioritária, entre outros, os crimes praticados contra crianças e jovens, idosos e outras pessoas vulneráveis – artigo 2.º, alínea e) – bem como os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual – alínea d) do mesmo artigo, sendo estes considerados crimes de investigação prioritária – artigo 3.º, alínea c), anotando-se a inclusão de idosos na alínea e) do artigo 2.º.

       Na sequência desta Lei foi publicada a Diretiva n.º 1/2017 da Procuradoria-Geral da República – Directivas e Instruções Genéricas para Execução da Lei de Política Criminal para o Biénio 2017/2019 – publicada no Diário da República, 2.ª Série, n.º 51, de 13 de Março de 2018, referindo-se na alínea i) aos crimes em que as vítimas sejam menores ou jovens especialmente vulneráveis.

      Ainda quanto à tutela da criança, podemos convocar a Lei n.º 60/2013, de 23 de Agosto, rectificada pela Declaração de rectificação n.º 39/2013, de 4 de Outubro de 2013, in Diário da República, 1.ª série, n.º 192.º, de 4-10, que procedeu à 30.ª alteração ao Código Penal, transpondo para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2011/36/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de Abril, relativa à prevenção e luta contra o tráfico de seres humanos e à protecção de vítimas, alterando os artigos 11.º e 160.º.

                                                            Artigo 11.º

                          Responsabilidade das pessoas singulares e colectivas 

       1 –…......……………………………………………………………………………..

       2 – As pessoas colectivas e entidades equiparadas, com excepção do Estado, de outras pessoas colectivas públicas e de organizações internacionais de direito público, são responsáveis pelos crimes previstos nos artigos 152.º-A e 152.º-B, nos artigos 159.º e 160.º, nos artigos 163.º a 166.º, sendo a vítima menor, e nos artigos 168.º, 169.º, 171.º a 176.º, 217.º a 222.º, 240.º, 256.º, 258.º, 262.º a 283.º, 285.º, 299.º, 335.º, 348.º, 353.º, 363.º, 367.º, 368.º-A e 372.º a 374.º, quando cometidos:

       a)…….……………………………………………………………………………..…

       b) ….………………………………………………………………………………….

        (…)

       (Realce nosso).

       Como refere Denis Sala, Le délinquant sexuel, in “La Justice e le mal”, ed. Odile Jacob, 1997, pág. 53 e segs., referido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-07-2005: «Nos tempos actuais de fragmentação de valores e de referências, os crimes sexuais emergem como verdadeiro mal democrático numa sociedade onde a igualdade de condições conduz à redução da alteridade.

      A proximidade emocional própria do universo comunicacional das efervescentes democracias contemporâneas anula a distanciação, transportando fenómenos sociais de exigência intensa na resposta a crimes sexuais; o legislador, interpretando os sinais de sociedade, teve de sublimar e reordenar as imposições sociais na grelha de intervenção do direito e das reacções do sistema penal que tutela os valores mais essenciais da comunidade.

      Os crimes sexuais contêm, na imagem das democracias de comunicação, uma dimensão de negação alucinatória da ordem natural as coisas, uma desordem da natureza, um desequilíbrio cósmico que a cidade quer eliminar sem o referir».

     

       Analisando.

       No caso presente há que atender ao elevado grau de ilicitude e também ao intenso dolo, na modalidade de directo.

       As razões e necessidades de prevenção geral positiva ou de integração - que satisfaz a necessidade comunitária de afirmação ou mesmo reforço da norma jurídica violada, dando corpo à vertente da protecção de bens jurídicos, finalidade primeira da punição - são prementes e muito elevadas, fazendo-se especialmente sentir neste tipo de infracção, tendo em conta os bens jurídicos violados nos crimes em questão – a autodeterminação sexual de crianças e adolescentes - e impostas pela frequência de condutas deste tipo e do conhecido alarme social e insegurança que estes crimes em geral causam na comunidade, maxime, nos últimos anos, em que estas questões passaram a assumir muito maior visibilidade, justificando resposta punitiva firme, o que de resto foi bem assinalado na decisão recorrida, sendo de ter em conta os prejuízos que são susceptíveis de acarretar na formação da personalidade e desenvolvimento afectivo e emocional das vítimas.

       A função de prevenção geral que deve acentuar perante a comunidade o respeito e a confiança na validade das normas que protegem bens pessoais essenciais tem de ser eminentemente assegurada, sobrelevando, decisivamente, as restantes finalidades da punição.

       Como expende Figueiredo Dias, em O sistema sancionatório do Direito Penal Português, inserto em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, I, pág. 815, “A prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; numa palavra, como estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma infringida”.

       Como se expressou o acórdão do STJ de 04-07-1996, CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 225, com o recurso à prevenção geral procurou dar-se satisfação à necessidade comunitária da punição do caso concreto, tendo-se em consideração, de igual modo a premência da tutela dos respectivos bens jurídicos. 

       Trata-se de crimes geradores de grande alarme social e repúdio das pessoas em geral, face à enorme intranquilidade que gera no tecido social, que vem assumindo uma prática frequente, sendo elevadas as exigências de reafirmação da norma violada.

       Segundo o já aludido acórdão de 01-04-1998, recurso n.º 1436/97, in CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 175, versando então caso de concurso real de crimes de atentado ao pudor e abuso sexual de crianças, um e outro unificados em continuação criminosa, pronunciou-se nestes termos: “as expectativas da comunidade ficam goradas, a confiança na validade das normas jurídicas esvai-se, o elemento dissuasor não passa de uma miragem, quando a medida concreta da pena não possui o vigor adequado à protecção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade, respeitando o limite da culpa. Se uma pena de medida superior á culpa é injusta, uma pena insuficiente para satisfazer os fins da prevenção constitui um desperdício”. 

       Há mais de 27 anos, no acórdão de 16-05-1991, proferido no processo n.º 41004, in AJ, 19, dizia-se: neste campo da criminalidade, qualquer apelo a permissivas decisões só poderia conduzir a resultados indesejáveis, se não mesmo perversos.

     Estando em causa punição de crimes que ofendem bens eminentemente pessoais, no acórdão de 6-01-1993, proferido no processo n.º 42.734, in CJSTJ 1993, tomo 1, págs. 157 a 160, apreciando crimes de atentado ao pudor e lenocínio, bem como no acórdão de 24-02-1993, CJSTJ 1993, tomo 1, pág. 204/5/6, do mesmo Relator, estando em causa quatro crimes de sequestro, foi defendida a existência de uma tendência no sentido de que, nos casos em que a mesma conduta do agente tenha como resultado a violação de bens daquela natureza, respeitantes a ofendidos diversos, a pena global final, ou unitária, só em casos excepcionais deverá exceder a moldura legal do tipo de crime, ao contrário do que poderá ocorrer em outras situações de concurso de crimes em que as condutas, ainda que violadoras do mesmo bem jurídico, sejam múltiplas, assim como os ofendidos («concurso de crimes perfeito»).

       Como refere Américo Taipa de Carvalho, a propósito de prevenção da reincidência, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 325, trata-se de dissuasão necessária para reforçar no delinquente o sentimento da necessidade de se auto-ressocializar, ou seja, de não reincidir.

       E no caso de infractores ocasionais, a ter de ser aplicada uma pena, é esta mensagem punitiva dissuasora o único sentido da prevenção especial.

       Há a ponderar o período temporal da actuação do arguido em relação às duas menores, a situar entre data não apurada de 2009 e depois desde 2011 a 2016, no que tange à menor BB, e de 2011 a 2016, no que toca à menor CC.

       No caso presente é evidente a conexão e estreita ligação entre os oito crimes de abuso sexual de criança e de actos sexuais com adolescente, de que foram vítimas as duas ofendidas, revelando a assunção de condutas homótropas, com afinidades e pontos de contacto nas situações analisadas.
       O conjunto de ilícitos traduz-se em condutas violadoras da liberdade de autodeterminação sexual, do direito das menores a um desenvolvimento físico e psíquico harmonioso.

       A ter em conta que o recorrente à data dos factos tinha entre 45 e 51 anos de idade, e actualmente, conta 52 anos de idade.

       As circunstâncias do caso em apreciação apresentam um acentuado grau de ilicitude global, manifestado no número, na natureza e gravidade dos crimes praticados, nos bens jurídicos violados na área dos direitos de personalidade das menores abusadas.

       Há que ter em conta o elevado alarme social que este tipo de actuações criminosas suscita na comunidade, com repercussões altamente negativas também em sede de prevenção geral.

       No que toca à prevenção especial, dúvidas não há de que o arguido carece fortemente de socialização, com necessidade de fidelização ao Direito, tendo-se em vista a prevenção da prática de futuros crimes.

       A pena unitária tem de responder à valoração, no seu conjunto e interconexão, dos factos e personalidade do arguido, afigurando-se-nos que no caso a pluralidade emerge de mera ocasionalidade.

       No caso presente estamos perante um quadro de oito crimes, sendo seis de abuso sexual de criança e dois crimes de actos sexuais com adolescentes, quando as menores tinham entre 8/9 e 15 anos de idade, no que toca à menor BB e entre 10/11 e 15 anos de idade, no que tange à menor CC, todos com acentuada gravidade, não se indiciando propensão ou inclinação criminosas, certo sendo que não tem antecedentes criminais.

       Na verdade, a facticidade dada por provada não permite formular um juízo específico sobre a personalidade do arguido que ultrapasse a avaliação que se manifesta pela própria natureza dos factos praticados, não se mostrando provada tendência radicada na personalidade, ou seja, que o ilícito global seja produto de tendência criminosa do agente, antes correspondendo no singular contexto ora apreciado, a reiteração de condutas, ocorridas em 2009 e depois num período compreendido entre 2011 e 2016, restando a expressão de ocasionalidades procuradas pelo arguido.

       Neste contexto, valorando o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade do arguido, tendo em conta a moldura do concurso que vai de 8 anos a 24 anos de prisão, atendendo ao conjunto dos factos, a conexão entre eles, períodos temporais da actuação, é de concluir por um elevado grau de demérito da conduta do recorrente, sendo no caso de justificar-se intervenção correctiva por parte do Supremo Tribunal de Justiça, conferindo uma pena proporcional em relação ao ilícito global.

       Ponderados todos os elementos disponíveis, considerando a sequência da prática dos crimes, a dimensão e a gravidade global do comportamento delituoso do arguido, não se estando perante uma situação que espelhe uma “carreira criminosa”, convocando um factor de compressão superior ao usado no acórdão recorrido, que foi de 1/3, ponderando-se como ajustada a solução de valor abaixo de 1/4, julga-se adequada e proporcional a fixação da pena conjunta em 11 (onze) anos de prisão, a qual não afronta os princípios da necessidade, proibição do excesso ou proporcionalidade das penas – artigo 18.º, n.º 2, da CRP –, nem as regras da experiência, antes é adequada e proporcional à defesa do ordenamento jurídico, e não ultrapassa a medida da culpa do recorrente.

      

       Questão III – Montante da indemnização

 

       O demandado foi condenado no pagamento dos montantes de 10.000,00 € à menor BB e de 7.000,00 € à menor CC.

      Nas conclusões 37.ª a 40.º pugna o recorrente pela redução da condenação, tendo por adequada a fixação de uma indemnização de 5.000,00 € para cada uma das menores.       

Questão Prévia – (In) admissibilidade do recurso

No pressuposto de estarmos face a um pedido de indemnização formulado pelas vítimas, convocar-se- ia o seguinte quadro normativo.  

        Estabelece o artigo 400.º, n.º 2, do CPP:

      Sem prejuízo do disposto nos artigos 427.º e 432.º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada.

A alçada da Relação é de 30.000,00 €, conforme o artigo 44.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário), republicada pela Lei n.º 40-A/2016, de 22 de Dezembro, publicada no Diário da República, 1,ª série, n.º 244, de 22-12-2016, de resto na continuidade do que dispunha o artigo 31.º da Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, Diário da República, 1,ª série, n.º 166, de 28-08-2008, que aprovou a LOFTJ.

Face aos valores em causa, não é admissível o recurso.

Anota-se que a condenação não é feita relativamente a pedido de indemnização, pois que o arbitramento dos montantes foi feito ao abrigo do disposto no artigo 82.º-A, do CPP, o que ocorre exactamente na ausência de pedido de indemnização.

         De qualquer forma, sempre seria o recurso de rejeitar por inadmissível.

         A decisão que admita o recurso ou que determine o efeito que lhe cabe ou o regime de subida não vincula o tribunal superior - artigo 414.º, n.º 3, do CPP.

         O recurso nesta parte é, pois, de rejeitar, nos termos dos artigos 400.º, n.º 2 e 420.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal.

       Concluindo.

1 – A lei que regula a recorribilidade de uma decisão, ainda que esta tenha sido proferida em recurso pela Relação, é a que se encontrava em vigor no momento em que a 1.ª instância decidiu, salvo se lei posterior for mais favorável para o arguido.

2 – Entende-se que se está ainda perante dupla conforme (total), em situações em que o tribunal de recurso nem chega a conhecer do mérito, como é o caso de rejeição (uma forma de confirmação, segundo Simas Santos e Leal-Henriques), e uma outra, já não total, que supõe conhecimento da causa e que se traduz em benefício para o recorrente, quando o tribunal de recurso aplica pena inferior ou menos grave do que a pena aplicada pela decisão recorrida, ou seja, a chamada confirmação in mellius.

3 – Pelo acórdão da Relação do conjunto de oito crimes, punidos com penas parcelares de 6 meses a 8 anos de prisão, foram mantidas as penas parcelares e a pena única de 13 anos de prisão, verificando-se dupla conforme total, a qual impede apreciação de matéria decisória, relativa aos crimes de abuso sexual de crianças e de actos sexuais com adolescentes, bem como a medida das penas parcelares.    

4 – O princípio da dupla conforme é assegurado através da possibilidade de os sujeitos processuais fazerem reapreciar, em via de recurso, pela 2.ª instância, a precedente decisão; por outro lado, impede, ou tende a impedir, que um segundo juízo, absolutório ou condenatório, sobre o feito, seja sujeito a uma terceira apreciação pelos tribunais.

5 – As garantias de defesa do arguido em processo penal não incluem o 3.º grau de jurisdição, por a Constituição, no seu artigo 32.º, se bastar com um 2.º grau, já concretizado no presente processo.

6 – Na determinação da pena única, deve ter-se em consideração a existência de um critério especial na determinação concreta da pena do concurso, segundo o qual serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação da medida da pena do concurso.

7 – A pena conjunta visa corresponder ao sancionamento de um determinado trecho de vida do arguido condenado por pluralidade de infracções.

8 – Há que valorar o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade do ora recorrente, em todas as suas facetas.                                                                                                    

9 – Na elaboração da pena conjunta impõe-se fazer uma nova reflexão sobre os factos em conjunto com a personalidade do arguido, em ordem a adequar a medida da pena à personalidade que nos factos se revelou.

10 – Há que valorar o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade do recorrente, em todas as suas facetas.                         

11 – Importa ter em conta a natureza e a diversidade ou igualdade/similitude dos bens jurídicos tutelados, ou seja, a dimensão de lesividade da actuação global do arguido.

12 – À fixação da pena conjunta deve presidir o respeito pelos princípios da proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso, tornando-se fundamental a necessidade de ponderação entre a gravidade do facto global e a gravidade da pena conjunta.

13 – Ao fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, há que ter presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre o condenado na pena única, não podendo deixar de ser perspectivado o efeito da pena sobre o comportamento futuro do agente em função da sua maior ou menor duração.

14 – Sendo uma das finalidades das penas, incluindo a unitária, segundo o artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal, na versão da terceira alteração, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, a tutela dos bens jurídicos, definindo a necessidade desta protecção os limites daquelas, há que, necessariamente, ter em atenção os bens jurídicos tutelados nos tipos legais postos em causa, ou seja, no crime de abuso sexual de criança e de actos sexuais com adolescente.

15 – O bem jurídico protegido pela incriminação do crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 1, do Código Penal, é o da liberdade da pessoa menor de 14 anos, que se presume legalmente incapaz de avaliar o sentido e alcance de acto sexual de relevo praticado nela, mesmo que nele consinta. 

16 – No crime de acto sexual com adolescente é tutelado o livre desenvolvimento da vida sexual de menor entre 14 e 16 anos, face a processos proibidos de sedução conducentes à prática de tais actos: acto sexual de relevo, que pode consistir em cópula, coito oral, coito anal ou introdução vaginal ou anal de partes de corpo ou objectos.

       Decisão

       Pelo exposto, acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, na apreciação do recurso interposto pelo arguido AA, em

I – Dar por não escrito o texto do Facto Provado n.º 7 e rectificar o ponto 9 dos factos provados, dando por não escrita a referência a facebook;

II – Rejeitar o recurso, na parte criminal, por inadmissível, no que toca às penas parcelares;

III – Julgar parcialmente procedente o recurso, na parte criminal, no que toca à medida da pena conjunta, que se fixa em 11 (onze) anos de prisão.

IV – Rejeitar o recurso na parte cível, mantendo o decidido.

       Sem custas criminais, nos termos dos artigos 374.º, n.º 4, 513.º, n.º s 1, 2 e 3 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na redacção que lhes foi dada pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro (rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 22/2008, de 24 de Abril, e com as alterações introduzidas pela Lei n.º 43/2008, de 27 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28 de Agosto, pelo artigo 156.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (Suplemento n.º 252), pelo artigo 163.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril e pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, rectificada com a Rectificação n.º 16/2012, de 26 de Março, pela Lei n.º 66-B/2012, de 31de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 126/2013, de 30 de Agosto, e pela Lei n.º 72/2014, de 2 de Setembro), o qual aprovou – artigo 18.º – o Regulamento das Custas Processuais, publicado no anexo III do mesmo diploma legal).

       Custas cíveis pelo recorrente, de acordo com o disposto no artigo 523.º do CPP.

        

      Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

 Lisboa, Escadinhas de São Crispim, 28 de Novembro de 2018

Raúl Borges (Relator)

Manuel Augusto de Matos