Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | SILVA PAIXÃO | ||
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Nº do Documento: | SJ200211190034476 | ||
Data do Acordão: | 11/19/2002 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL LISBOA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 2640/02 | ||
Data: | 05/16/2002 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
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Sumário : | |||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. "A" e mulher, B, intentaram acção declarativa, com processo ordinário, em 12/07/93, contra C e mulher, D, e E e mulher, F, pedindo que, com fundamento no disposto no art. 47º do RAU, lhes fosse reconhecido o direito de preferência na compra e venda da fracção G, correspondente ao 2º andar direito do prédio urbano da Calçada ..., em Lisboa, - de que o Autor marido é arrendatário habitacional -, titulada por escritura pública de 15/02/93, celebrada pelos Réus C e mulher, como vendedores, e pelo Réu E, como comprador, e se ordenasse o cancelamento dos registos efectuados com base nesse contrato. 2. Os Réus contestaram, advogando a improcedência da acção, sob o pretexto de que informaram os Autores, mediante carta, das «condições essenciais da venda», notificando-os para o exercício do direito que lhes assistia, mas estes nada disseram no prazo de 8 dias. E, em reconvenção, pediram, para o caso de procedência da acção, a condenação dos Autores a pagarem aos 2ºs Réus a quantia despendida com o registo (23.100$00) e juros vencidos (534.132$00) e vincendos. 3. Após réplica, foi elaborado o despacho saneador e organizada a peça condensadora. Efectuado o julgamento, foi proferida sentença, em 07/06/2001, a decretar a improcedência da acção. 4. Inconformados, os Autores apelaram. Sem êxito, contudo, pois a Relação de Lisboa, por Acórdão de 16/05/2002, confirmou o sentenciado, tendo entendido que a lei não exige a identificação do potencial comprador, na comunicação a efectuar pelo obrigado, ao titular do direito de preferência. 5. Ainda irresignados, os Autores recorreram de revista, pugnando pela revogação desse Acórdão - com fundamento na violação, por erro de interpretação e de aplicação, do disposto nos arts. 227º nº 1 e 416º nº 1 do Cód. Civil - e pela consequente procedência da acção, tendo culminado a sua alegação com estas sintetizadas conclusões: I - A proposta «não continha a identificação completa do terceiro interessado e esse é o elemento essencial da comunicação». II - «A venda do andar preferido foi feita a um terceiro diferente do que constava da comunicação», pelo que «essa venda foi outro negócio que os senhorios criaram e celebraram». 6. Em contra-alegações, os Réus bateram-se pela manutenção do julgado. Foram colhidos os vistos. 7. Eis, antes de mais, os factos considerados assentes: a) Mediante escrito de 27/07/67, foi dado de arrendamento ao Autor, para sua habitação, pelos então proprietários, o 2º andar direito - fracção G - do prédio sito na Calçada ..., em Lisboa (A). b) Os Autores fixaram o seu lar nesse andar, onde desde então passaram a viver habitualmente, aí comendo, dormindo e permanecendo (B e C). c) Por carta de 17/05/85, os senhorios propuseram ao Autor a venda da fracção por 1.800.000$00, por carta de 25/09/85 baixaram o preço para 1.500.000$00, por carta de Fevereiro de 1987 subiram o preço para 2.000.000$00, por carta de 20/02/92 subiram o preço para 4.500.000$00 e por carta de 26/02/92 baixaram o preço para 4.000.000$00 (11º, 12º, 13º, 14º e 15º). d) Em 24/11/92, os Réus C e mulher enviaram aos Autores a carta de fls. 25 com estes dizeres: Por forma a poderem exercer o «direito de preferência na compra do locado», «informo-os das condições essenciais da venda do mesmo»: «Preço de venda: 4.500.000$00»; «Forma de pagamento (...)»; «Prazo para outorga da escritura (...)». «Informo ainda que se encontra interessado na compra do andar, na qualidade de promitente comprador, o senhor G» (6º). e) Os Autores receberam essa carta, tendo sido assinado o respectivo aviso de recepção em 26/11/92 (E, 5º e 7º). f) Por escritura pública de 15/02/93, os Réus C e mulher venderam ao Réu E o 2º andar direito - fracção G - do prédio urbano da Calçada ..., em Lisboa, pelo preço de 4.500.000$00 (D). g) Os Autores, ao procederem ao pagamento da renda relativa ao mês de Março de 1993, constataram que o recibo era assinado pelos segundos Réus e, indagando o motivo da alteração, os Réus informaram que tinham comprado o locado (1º e 2º). h) Seguidamente, os Autores vieram a apurar que o andar tinha sido vendido por escritura de 15/02/93 e que, nomeadamente, o preço fora de 4.500.000$00 e as despesas de escritura de 60.640$00 (3º e 4º). i) O registo predial relativo à venda referida em f) ascendeu a 23.100$00 (10º). j) Os Autores depositaram a quantia de 4.560.640$00 (doc. de fls. 15). 8. A questão - única - a decidir no âmbito do presente recurso consiste em saber se a comunicação para o exercício do direito de preferência, através da carta de 24/11/92 (cfr. alínea d) do nº 7) - sem identificação do verdadeiro comprador -, foi validamente efectuada. Vejamos. O arrendatário de prédio urbano ou de sua fracção autónoma tem o direito de preferência, designadamente, na compra e venda do local arrendado há mais de um ano, sendo aplicável a tal direito de preferência, «com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 416º a 418º e 1410º do Código Civil» (arts. 47º nº 1 e 49º do RAU). Querendo vender a coisa, o obrigado deve comunicar ao titular do direito de preferência o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato, devendo o titular, recebida a comunicação, «exercer o seu direito dentro do prazo de oito dias, sob pena de caducidade, salvo se estiver vinculado a prazo mais curto ou o obrigado lhe assinar prazo mais longo» (art. 416º do Cód. Civil). Por seu turno, o art. 1410º do citado Código prescreve no seu nº 1 que «o comproprietário a quem não se dê conhecimento da venda» tem o direito de haver para si a quota alienada, contanto que o requeira dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e deposite o preço devido. 9. Dos precedentes normativos resulta que o obrigado a dar preferência tem de comunicar ao titular do direito não a simples intenção de vender, mas a existência de um ajuste feito com terceiro, devendo constar dessa comunicação, sem ambiguidades ou lacunas, todos os elementos essenciais do negócio. Para que o preferente possa exercer o seu direito de opção é indispensável, pois, que conheça os exactos termos em que o vinculado à prolação se propõe negociar com o terceiro. Daí que a lei fale não só em projecto de venda, como também em cláusulas do respectivo contrato e em elementos essenciais da alienação. Ora, deve entender-se que são essenciais todos os elementos ou factores do negócio susceptíveis de influir decisivamente na formação da vontade do titular do direito de preferência, permitindo-lhe uma consciente escolha entre preferir ou abdicar do seu direito de opção. Isto é, são elementos essenciais todos aqueles cujo conhecimento é imprescindível para o titular do direito de preferência decidir se há-de, ou não, exercer o seu direito. 10. E um desses elementos essenciais, nomeadamente quanto o titular do direito de preferência é o arrendatário habitacional, é a pessoa do adquirente (cfr., neste sentido, Pires de Lima/Antunes Varela, «Código Civil Anotado», vol. I, 4ª edição, pág. 392, e vol. III, 2ª edição, pág. 373; Antunes Varela, RLJ, 121º, pág. 361; Henrique Mesquita, RLJ, 126º, págs. 60/61; Aragão Seia, «Arrendamento Urbano», 6ª edição, págs. 305/306; Carlos Lacerda Barata, «Da Obrigação de Preferência», 1990, págs. 121/126; e Acórdãos deste Supremo Tribunal de 15/05/84, BMJ 337, pág. 348, 03/07/84, BMJ 339, pág. 383, de 31/05/2001, Recurso nº 288/01 - 1ª, e de 05/07/2001, Recurso nº 1765/01 - 7ª). Com efeito, ao preferente-arrendatário não é indiferente a pessoa do senhorio ao qual se encontra ligado por uma relação jurídica duradoura, de que emergem vários direitos e obrigações para ambos. A decisão do preferente poderá depender, por conseguinte, em boa medida, «da confiança que lhe mereça ou dos receios que nele cria o terceiro interessado na compra do imóvel». Se o interessado na compra do arrendado for uma «pessoa que ofereça ao arrendatário a garantia de um bom relacionamento e, principalmente, a garantia de que não procurará denunciar o contrato locativo, o exercício da prolação não se lhe apresentará com tanta premência. Na hipótese contrária, o arrendatário poderá concluir que, para salvaguarda dos seus interesses, é preferível fazer valer o direito de opção» (cfr. Henrique Mesquita, loc. cit.), obviando, assim, à existência de futuras relações conflituosas com o candidato a senhorio ou, eventualmente, a uma indesejada denúncia do contrato de arrendamento. 11. Logo, a identificação do interessado na compra do arrendado tem de constar da notificação ou comunicação a fazer ao preferente-arrendatário. Se na comunicação efectuada não for capazmente identificado o candidato à compra do arrendado ou se for indicada pessoa diferente daquela que, a final, veio a comprar, a notificação para preferência não obedece aos requisitos legais, pelo que, nessa medida, é ineficaz. É que, no fim de contas, a notificação deficiente é equiparada à falta de notificação (cfr. Antunes Varela, Revista citada, pág. 360, e Henrique Mesquita, loc. cit.). 12. Valorando os factos provados à luz dos princípios jurídicos esquematicamente enunciados, é de concluir que, na situação ajuizada, a comunicação para preferência feita pelos Réus C e mulher aos Autores, através da carta de 24/11/92, não obedeceu aos requisitos exigidos pelo nº 1 do art. 416º do Cód. Civil, na medida em que nela não se identificou o verdadeiro interessado na compra da fracção arrendada. Na verdade, conquanto tenha sido indicado, como interessado na compra, G - sem qualquer outra menção -, o certo é que a fracção veio a ser vendida, volvidos dois meses e meio, ao Réu E. O que significa que o Autor, enquanto arrendatário habitacional desde 27/06/67, manteve o seu direito de preferência na compra e venda realizada em 15/02/93, tudo se passando como se nenhuma notificação ou comunicação lhe houvesse sido feita. Daí que, depositada, atempadamente, a quantia de 4.560.640$00 - correspondente ao preço e às despesas da escritura -, se imponha a procedência da presente acção, proposta em 12/07/93. 13. Reconhecido o direito de preferência, não há que ordenar, contudo, o cancelamento do registo efectuado com base na mencionada compra e venda. Com efeito, importa acentuar que a acção de preferência não é uma acção de anulação, mas uma pura acção de substituição. Ora, tendo em conta que o reconhecimento da preferência não implica extinção do direito do adquirente-preferido, mas unicamente a sua substituição pelo do preferente, o registo feito em favor do Réu E não é nulo nem inexistente, não havendo, portanto, à luz dos arts. 10º e segs. do Cód. Registo Predial, fundamento para o seu cancelamento (cfr. Acórdão deste Supremo Tribunal de 28/01/97, CJSTJ, V, 1º, pág. 77, de que foi relator o do presente). 14. Em face do exposto, concedemos a revista e, reconhecendo-se aos Autores o direito de preferência na venda da fracção, feita pelos Réus C e mulher ao Réu E, formalizada pela escritura pública de 15/02/93: - condenamos os Réus E e mulher a abrirem mão dessa fracção a favor dos Autores, que, assim, os substituirão na posição de adquirentes na ajuizada compra e venda; - atribuímos a estes mesmos Réus a importância de 4.560.640$00, depositada a fls. 15; - condenamos os Réus C e mulher - vendedores - nas custas, incluindo as das instâncias, por terem sido eles quem verdadeiramente deu causa à acção (na medida em que não cumpriram cabalmente o dever de notificação do projecto de venda ao Autor-preferente, que lhes era imposto pelo art. 416º do Cód. Civil - cfr. Alberto dos Reis, «Código de Processo Civil Anotado», vol. II, pág. 227, e Antunes Varela, RLJ, 126º, págs. 365 e 372/373). Lisboa, 19 de Novembro de 2002 Silva Paixão Armando Lourenço Azevedo Ramos |