Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | FERREIRA DE SOUSA | ||
Descritores: | MARCAS IMITAÇÃO CONFUSÃO SINAL DISTINTIVO | ||
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Nº do Documento: | SJ200305080039687 | ||
Data do Acordão: | 05/08/2003 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL LISBOA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 134/02 | ||
Data: | 04/09/2001 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA. | ||
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Sumário : | I - No âmbito da protecção do direito à marca, o que está em causa não é a confusão dos produtos ou a confusão directa de actividades, mas sim a que possa ocorrer entre sinais distintivos. Ou seja, haverá risco de erro ou confusão sempre que a semelhança possa dar origem a que um sinal seja tomado por outro. II - No caso de marcas mistas, isto é, compostas simultaneamente por elementos figurativos e nominativos, a experiência demonstra que o elemento nominativo é, em regra, o mais importante para a apreciação do risco de confusão. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - RELATÓRIO – 1.º “ Empresa-A, S.A. veio recorrer do despacho do Sr. Chefe de Divisão de Marcos do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) que recusou o registo da marca nacional n.º 318.334 – MARBELO – ( mista) destinada a assinalar “ cigarros, tabacos, artigos para fumadores e fósforos”, com fundamento na imitação da marca nacional n.º 167.497 - MARLBORO - . já antes registada. No essencial, a recorrente entende que a decisão proferida deve ser revogada porque as marcas registanda e registada são, gráfica e foneticamente, muito diferente e ainda porque não pode haver imitação entre marcas mistas e marcas meramente nominativas. 2.º A recorrida “ Philips Morris Products INC”, titular do registo anterior da marca Marlboro, na oposição deduzida pugna pela manutenção da decisão por entender que existe semelhança gráfica e fonética ou, pelo menos, concorrência desleal. 3 .º O Tribunal de Comércio de Lisboa, por sentença exarada a fls.88/94, julgou o recurso totalmente improcedente, mantendo o despacho recorrido. 4.º Inconformada com tal decisão, apelou a requerente “Empresa-A, S A” e a Relação de Lisboa, por douto acórdão de fls. 137 a 144 considerou improcedente a apelação, confirmando a sentença proferida por entender que pode verificar-se efectivo risco de confusão ou associação entre as marcas, face ás seguintes razões com base no art. 193.º, nºs 1 e 2 do C.P.I.: a) A marca “ Marlboro “ tem prioridade de registo sobre a marca “ Marbelo”; b) Há afinidade de produtos uma vez que ambas as marcas assinalam “cigarros”; c) Existe semelhança gráfica, figurativa ou fonética dessas marcas que é susceptível de induzir facilmente o público consumidor, sobretudo o menos atento, em erro ou confusão aquando da aquisição do respectivo produto; d) A marca “ Marlboro” goza de grande prestígio nacional e internacional. 5.º Deste acórdão pediu revista a “Empresa-A, SA”, terminando as alegações com estas CONCLUSÕES: a) A correcta aplicação dos critérios legais que permitem integrar o conceito de imitação previsto no art.193.º do C.P.I. importa a consideração de que nunca é possível a confusão entre uma marca meramente nominativa e entra que pelo menos seja conjuntamente figurativa, em especial quando o desenho que a caracteriza não exprima designação fonética. b) Impõe ainda que a análise de risco de confusão entre duas marcas se deve reportar aos elementos com eficácia distintiva, sendo que não só no caso das marcas nominativas, como também no caso das marcas nominativas, como também no caso de marcas mistas, compostas simultaneamente por elementos figurativos e nominativos, em regra ( mas não necessariamente, no caso das marcas mistas ) é o elemento nominativo o mais importante para a apreciação do risco de confusão; c) A marca nº 167.497 da recorrida, que esteve na base da recusa do registo da marca ora recorrente, é meramente nominativa e simples composta apenas pela expressão MARLBORO, que não oferece aspecto geral próprio de qualquer palavra portuguesa ou mesmo latina, antes consistindo em mera expressão de fantasia, com individualidade, mas sem qualquer conotação ideológica ou correspondência ortográfica ou semântica com palavras da língua portuguesa; d) A marca da ora recorrente é mista e complexa, composta pela expressão MARBELO, apresentada com um particular tipo de caracteres tipográficos, e por sinais figurativos ou emblemáticos, sendo ainda reivindicada a utilização de uma específica combinação de cores, caracterizando-se, na sua parte nominativa, pela justaposição de duas palavras da língua portuguesa de uso corrente – MAR e BELO – com uma evidente carga ideológica, induzindo uma relação com a origem dos produtos a que a mesma se destina ( Ilha da Madeira e Arquipélago dos Açores). e) Não é crível que um consumidor português ( o registo requerido pela ora recorrente é nacional, isto é, tem por objecto o território português), por desatento que seja, confunda uma expressão constituída por duas palavras com significado e de uso corrente na sua própria língua e uma expressão de pura fantasia que “ nada quer dizer”; f) Deste modo, quer pela aplicação do critério referido na conclusão 1.ª – confronto entre o aspecto geral, designadamente gráfico, das duas marcas - , quer pela aplicação do critério referido na conclusão 2.ª – confronto entre a parte nominativa de cada uma das marcas-, não pode deixar de concluir-se que entre as duas marcas em confronto não se verifica a semelhança gráfica, figurativa, fonética nem muito menos ideológica que induza facilmente o consumidor – mesmo o mais desatento – em erro ou confusão, não sendo de admitir que o consumidor não distinga as duas senão depois de exame atento ou confronto, nem sendo de admitir que o mesmo possa assumir tratar-se a marca registanda uma variante da marca da ora recorrida; g) Não sendo confundíveis entre si, igualmente não procede o entendimento segundo o qual a coexistência das marcas no mercado iria criar a possibilidade de ocorrência de concorrência desleal. h) Assim sendo, ao negar provimento ao recurso, corroborando a recusa do registo nº 318334, por julgar verificados todos os requisitos de imitação de marcas previstos no art.193.º do C.P.I., o acórdão recorrido violou o preceituado na al. c) do nº 1 do referido art.193.º, bem como na al., m) do nº 1 do art.º 189.º do C.P.I. e, indirectamente o preceituado no n.º 4 do art. 187.º do C.P.I. 6.º Contra-alegou a recorrida que concluiu no sentido de ser julgada improcedente a revista e mantido o acórdão impugnado. 7.º Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir: II- FUNDAMENTAÇÃO – A) DE FACTO Consideraram as instâncias por provada a seguinte matéria de facto: 1- Em 18 de Julho de 1996 a recorrente ,” Empresa-A, SA” requereu, junto do INPI, o registo da marca nacional nº 318334 “MARBELO” (mista) , destinada a assinalar “ cigarros, tabaco, artigos para fumadores e fósforos”; 2- A referida marca reivindica “ letras a preto sob fundo branco; brasão dourado; riscas largas a encarnado e riscas finas a branco”; 3- O Sr. Chefe de Divisão do Serviço do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, por decisão datada de 15 de Março de 1999, recusou aquela protecção, após ter concluído pela susceptibilidade de confusão com a marca nacional nº 167.497” “MARLBORO”; 4- A marca nacional nº 167.497 “MARLBORO” (nominativa) destinada a assinalar “ cigarros”, encontra-se registada, desde 1951, a favor da empresa recorrida” Philip Morris Products, Inc”. 5- A marca “MARLBORO” é mundialmente conhecida e prestigiada; algumas das embalagens utilizadas para comercializar os produtos assinalados pela marca “ MARLBORO” apresentam um elemento figurativo angular de cor vermelha. B) DE DIREITO 1.º Delimitando-se o âmbito do recurso pelas conclusões das alegações (art.ºs 684 nº 3 e 690.º, nº 1 do C.P.Civil) vemos ter sido suscitada a questão de saber se a marca registanda “MARBELO” constitui imitação da marca registada “ MARLBORO”; havendo perigo de confusão no mercado entre ambas. 2.º “ A propriedade industrial desempenha a função social de garantir a lealdade da concorrência pela atribuição de direitos privativos no âmbito do presente diploma ( as patentes, os modelos de utilidade, os modelos e desenhos industriais, as marcas, as recompensas, o nome e a insígnia do estabelecimento, as denominações de origem e os logótipos), bem como pela repressão da concorrência desleal”: art. 1.º do Cód. Prop Ind. (CPI ) uma vez registados, estes direitos privativos gozam do direito à defesa da exclusividade do seu uso, que indirectamente garante a lealdade da concorrência. - A marca constitui um sinal distintivo do comércio que tem por função distinguir produtos ou serviços de um comerciante, em relação aos demais: cfr. Carlos Olavo, in “ Propriedade Industrial”, pág. 37 a 39. No mesmo sentido vai Ferrer Correia ( in “Lições de Direito Comercial”, 1965, 1.º vol.p.330) ao definir a marca como num meio de recomendação do produto à cliente e que tem por objectivo diferenciar o produto no mercado de modo a permitir aos consumidores a sua identificação. Diz o art. 165.º, nº 1 do C.P.I. que “ a marca pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas”. Decorre deste preceito que é possível fazer uma distinção entre marcas nominativas, figurativas ou mistas , simples ou complexas. Marcas nominativas serão aquelas que integram um sinal ou um conjunto de sinais nominativos, estando essencialmente em causa num determinado fonema; marcas figurativas serão aquelas em que se usa dada figura ou emblema, encontrando-se fundamentalmente em jogo um desenho; as marcas mistas integram simultaneamente elementos nominativos e elementos figurativos; as marcas podem ainda distinguir-se em simples quando compostos por um único elemento, nominativo ou figurativo, ou complexos, quando formadas por uma pluralidade de elementos, quer sejam todos nominativos, quer sejam todos figurativos, quer se trate de uma combinação de elementos nominativos e figurativos: Carlos Olavo, ob.cit. p.38. Importa também precisar que no âmbito da protecção do direito à marca, o que está em causa, não é a confusão dos produtos ou a confusão directa de actividades, mas sim a que possa ocorrer entre sinais distintivos, ou seja, haverá risco de erro ou confusão sempre que a semelhança possa dar origem a que um sinal seja tomado por outro. Como ensina Ferrer Correia ob.cit. p.347 , a imitação de uma marca por outra existirá quando, postas em confronto, elas se confundam. Mas existirá ainda quando tendo-se à vista apenas a marca a constituir, se deva concluir que é susceptível de ser tomada por outra de que se tenha conhecimento. Na composição das marcas vigora o princípio da liberdade limitado, porém, por duas ordens de razões: uma delas diz respeito aos sinais em si mesmo considerados e à susceptibilidade que tenham de constituir uma marca ( limites intrínsecos); outra, diz respeito aos sinais confrontados em situações anteriores, caso de existência de marcas anteriormente registadas para produtos ou serviços afins (limites extrínsecos) : cfr. Ac. R. Lisboa de 19/03/2002, C.J.II. 85. Quanto a este último aspecto relativamente à existência de direitos anteriores, estabelece o art.189.º, nº 1, al. m) do C.P.I.que a marca não pode conter, em todos ou alguns dos seus elementos “ reprodução ou imitação no todo ou em parte de marca anteriormente registada por outrem, para o mesmo produto ou serviço ou produto ou serviço similar ou semelhante, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor”. Por seu turno, o art. 193.º, nº 1 do mesmo diploma preceitua que “ a marca registada considera-se imitada ou usurpada, no todo ou em parte, por outra quando, cumulativamente: a) A marca registada tiver prioridade; b) Sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou de afinidade manifesta: c) Tenham tal semelhança gráfica figurativa ou fonética que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão ou que compreenda um risco de associação com a marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não possa distinguir as duas marcas senão depois de exame atento ou confronto”. Consagram-se, assim, nesta última alínea, em sintonia com o estabelecido na al. m) do art. 189.º, os princípios da novidade e especialidade da marca “ A novidade da marca significa que esta não pode ser idêntica nem semelhante a outra anteriormente registada para produtos iguais ou afins, isto é, que o sinal não esteja a ser empregue como marca na mesma actividade. São dois portanto, os requisitos que excluem a novidade da marca, um dos quais se reporta aos sinais em confronto e o outro aos produtos ou serviços a que os sinais se destinam no que toca ao primeiro dos indicados requisitos, exige a lei que os sinais em confronto sejam idênticos ou por tal forma semelhantes que possam induzir em erro ou confusão o consumidor. No que toca ao segundo requisito, é ainda necessário que os sinais distintivos em causa se reportem aos mesmos produtos ou serviços ou a produtos ou serviços semelhantes: é o chamado princípio da especialidade das marcas” – vide Carlos Olavo, ob.cit.; p 50; Na aferição da novidade importa não esquecer que a comparação que define a semelhança verifica-se entre um sinal e a memória que o consumidor possa ter de outro. Com efeito, e como escreve Ferrer Correia, ob.cit. pag. 347. “o consumidor quando compra determinado produto marcado com um sinal semelhante a outro que já conhecia, não tem à vista ( em regra) as duas marcas, para fazer delas um exame comparativo. Compra o produto por se ter convencido de que a marca que o assinala é aquela que retinha na memória”. Por isso, é por intuição sintética e não por dissecação analítica que deve proceder-se à comparação das marcas, ( cfr.ac.S.T.J. de 03/11/81, B.M.J.311, 401), já que o que interessa ter em conta é a impressão global do conjunto dos elementos que constituem a marca; e não as diferenças que possam oferecer os diversos pormenores, para aferir da existência de imitação, pois é essa impressão de conjunto que sensibiliza o consumidor. Assim, e quanto às marcas nominativas, como refere Carlos Olavo, ob. Cit.p.52, a semelhança fonética adquire particular importância pois os fonemas são retidos pela memória mais rapidamente que a grafia. Há que ter em atenção a força distintiva dos sinais em causa na apreciação do risco de confusão, uma vez que os sinais fortes estão, por natureza, especialmente vocacionados para perdurarem na memória do público ( mesmo autor e obra, p.54 ). Saliente-se a terminar estas considerações de ordem jurídica que no caso de marcas mistas, isto é, compostas simultaneamente por elementos figurativos e normativos, a experiência demonstra que o elemento nominativo é, em regra, o mais importante para a apreciação do risco de confusão: vide Ac.S.T.J. de 24/05/90, B.M.J.397, 506. 3.º Por isto, vejamos. Sabemos que a marca “MARLBORO” está registada desde 1951 a favor da recorrida, gozando, portanto, da prioridade registo anterior, relativamente à marca registanda “ MARBELO” da recorrente. Ambas as marcas destinam-se a assinalar cigarros, pelo que há manifesta semelhança ou afinidade dos produtos assinalados por qualquer das marcas em confronto. Verificados o 1.º e o 2.º requisitos da imitação de marca previstos no indicado art. 193.º, 111. als. a) e b), apuremos se preenchido se mostra também o 3.º requisito – constante da al.c) – como se considerou no acórdão recorrido. Lembremos reportar-se este requisito à existência de semelhança gráfica, figurativa ou fonética da marca registanda que induza facilmente em erro ou confusão o consumidor, ou crie um risco de associação com a marca registada. Confrontando as respectivas marcas, verifica-se que enquanto a marca registada “MARLBORO” é simplesmente nominativa já a marca registanda “ MARBELO” é mista, porque composta por elementos nominativos e figurativos: letras a preto sob fundo branco; brasão a dourado; riscas largas a encarnado e riscas finas a branco; Na análise comparativa das duas marcas temos que não há semelhanças, ao menos evidentes, do ponto de vista fonético, gráfico e figurativo que induzam facilmente o consumidor médio em erro ou confusão. Na verdade e começando pelo aspecto fonético, ressalta que as expressões “MARLBORO” e “MARBELO” têm sons algo diferenciados. No aspecto gráfico a marca registanda caracteriza-se pela justaposição de duas palavras da língua portuguesa de uso corrente –MAR e BELO -.Já a marca registada constitui uma mera expressão de fantasia, sem qualquer correspondência ortográfica, semântica ou ideológica com a língua portuguesa, como salienta a recorrente. Integram ainda a marca “MARBELO” sinais figurativos ou emblemáticos – brasão, riscas largas e riscas finas – em combinação específica de cores Deste modo; considerando o conjunto dos elementos das duas marcas e confrontando nomeadamente a parte nominativa de cada uma delas, não pode deixar de concluir-se que as diferenças que apresentam são suficientes para que sejam distinguidas facilmente pelo público consumidor. Assim, não é crível que o consumidor ( médio) por desatento que seja, corra o risco de confundir com facilidade ou de associar, não as distinguindo, as marcas registada e registanda, senão depois de exame atento. Aliás e é importante salientar, os produtos objecto das marcas em causa destinam-se a consumidores habituais e específicos que conhecem, no caso especial da “MARLBORO” , de renome e prestígio mundial, bem a marca, não sendo nada provável que comprem cigarros da marca “ MARBELO” convencidos que são daquela outra marca ou uma variante da mesma. São, por conseguinte, distintas a marca registanda e a marca registada. III – DECISÃO – Nestes termos, acorda-se em conceder a revista, revogando-se o decidido nas instâncias, bem como o despacho do Chefe de Divisão de Marcas do Instituto Nacional da Propriedade Industrial de 15/03/99, que recusou o registo da marca nacional nº 318.334 “ MARBELO”. Custas pela recorrida, nas Instâncias e no Supremo. Lisboa, 8 de Maio de 2003 Ferreira de Sousa Quirino Soares Neves Ribeiro |