Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2227/08.8TBPNF.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE VIGILÂNCIA
INCUMPRIMENTO CONTRATUAL
CONTRATO DE SEGURO
SUBROGAÇÃO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 03/10/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :

1. A natureza sub-rogatória da pretensão da seguradora que pagou os danos verificados na coisa segura, exercida ao abrigo do art. 441º do C.Com., implica que os direitos do segurado no confronto do terceiro, civilmente responsável pelo dano, se transfiram «ex lege» para a seguradora que o ressarciu, a qual sucede, deste modo, numa relação jurídica que permanece objectivamente inalterada - pelo que o direito exercido por sub-rogação contra o responsável civil pelo dano na coisa segurada terá exactamente a mesma natureza que corresponderia à pretensão que ao segurado seria lícito ter deduzido contra esse terceiro responsável.

2. Tal pretensão situa-se no plano da responsabilidade contratual quando o núcleo essencial da matéria litigiosa incide sobre o cumprimento defeituoso de contrato de prestação de serviços de vigilância e segurança, - isto é, das prestações acordadas pelas partes no âmbito de uma concreta relação contratual - imputando-se à empresa de segurança privada a omissão dos deveres de zelo na vigilância do imóvel a que se havia contratualmente obrigado – pelo que, provado pelo credor o incumprimento contratual, se presume a culpa do devedor.

3. A obrigação contratual a que se vinculou a empresa de segurança privada quanto à vigilância e controlo remoto de certo estabelecimento comercial não pode ter-se por adequadamente cumprida quando os funcionários em serviço na central de segurança não diligenciaram pelo atempado visionamento das imagens gravadas através das câmaras de televigilância ali instaladas – de que resultaria a percepção da iminência de um furto com arrombamento naquelas instalações – nem preveniram, com a prontidão indispensável para prevenir o furto, quer o proprietário, quer as autoridades policiais, dos sucessivos e reiterados disparos do sistema de alarme, ao longo de um período temporal de mais de 45 minutos.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


1. AA Companhia de Seguros, S.A. intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum ordinário, contra BB- Serviços de .......... S.A. e Companhia de Seguros CC, S.A.,pedindo a condenação das rés a pagarem-lhe €41 246,95, acrescidos dos juros vincendos e ainda, a partir do trânsito em julgado da condenação, juros à taxa anual de 5%, nos termos do disposto no artigo 829º-A, n.º 4 do CC.
Como fundamento de tal pretensão, alegou que, no exercício da sua actividade de seguradora do ramo “NN....V...”, celebrou com a O....... – O......., Equipamento de Escritório, Ld.ª o contrato de seguro de Multiriscos Comerciante, mediante o qual assumiu os riscos referentes a diversos imóveis pertencentes à O......., tendo-lhe sido apresentada por esta uma participação de sinistro, relatando a ocorrência de um furto por arrombamento na loja existente no imóvel segurado, tendo sido furtadas mercadorias no valor de €57 546,98 e provocados danos no imóvel no valor €475,00, - e tendo a segurada O....... sido ressarcida no valor de €33 021,98.

Porém, a ré BB e a O....... tinham celebrado um contrato de “prestação de serviços”, mediante o qual aquela se obrigou a prestar à segunda os serviços de ligação bidireccional à Central de Recepção de Alarmes, televigilância remota através de CCTV e envio mensal de relatórios de histórico de ocorrências, mediante o pagamento de um preço – assumindo, deste modo, a ré BB perante a O....... as obrigações inerentes a um serviço de monitorização que se processa 24 horas por dia, todos os dias do ano.
No que se reporta à madrugada em que ocorreram os factos mencionados, o sistema de alarme da ré BB foi accionado repetidamente, sendo que o visionamento das câmaras de videovigilância permitiria verificar a presença e actuação de suspeitos junto do armazém objecto de intrusão e assalto – pelo que se impunha que a ré BB tivesse comunicado prontamente às autoridades e ao cliente a ocorrência, de modo a poder ainda ter sido prevenida a consumação do furto: foi, pois, o incumprimento pela ré BB das obrigações de diligência na execução da vigilância contratada que determinaram que o assalto em causa não tivesse sido impedido em tempo, nem evitados os correspondentes prejuízos.
Aduz, ainda, que na data dos factos, a ré CC tinha assumido a responsabilidade emergente dos actos e omissões imputáveis à 1.ª ré, daqui resultando, igualmente, a sua responsabilidade.

Contestou a ré BB, excepcionando a sua ilegitimidade em face do contrato de seguro celebrado com a ré CC, por o valor reclamado estar contido no limite máximo garantido pela apólice em causa e, sem prescindir, impugnou a verificação dos prejuízos.

Também contestou a ré CC, defendendo que não ocorreu qualquer incumprimento por parte da ré BB; que os danos sofridos não se incluem na cobertura do contrato de seguro celebrado com a mesma, por apenas estarem cobertos os prejuízos decorrentes de actos ou omissões cometidos pela segurada no exclusivo exercício das actividades previstas nas alíneas c) e d) do artigo 2º do DL n.º 231/98, de 22/06; que, de qualquer modo, não é indemnizável o reembolso do valor despendido com a realização de peritagem, por falta de nexo causal, e que os juros apenas seriam devidos desde a citação.

Na réplica, a autora respondeu à matéria da excepção e corrigiu o pedido quanto a juros, dizendo que só por lapso mencionou que eram devidos juros contados à taxa comercial, porque queria pedir a condenação em juros de mora, devidos desde a data do vencimento até integral pagamento, à taxa de 4%, nos termos da Portaria 291/03, de 08.04.

No despacho saneador, julgou-se improcedente a excepção de ilegitimidade passiva da ré BB e foi seleccionada a matéria de facto assente e organizada a base instrutória.
Realizada a audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que julgou a acção improcedente.

Inconformada, apelou a autora, tendo a Relação julgado parcialmente procedente o recurso, revogando a sentença recorrida e condenando solidariamente as RR. a pagarem à A. a quantia de €33.021,98, descontando-se na responsabilidade da CC – Mundial o valor da franquia de €498,80, incidindo sobre o valor da condenação juros de mora, à taxa legal anual de 4%, vencidos e vincendos, desde a citação até integral e efectivo pagamento.

2. Inconformadas, recorreram ambas as RR. , encerrando as respectivas revistas com as seguintes conclusões, que lhes definem o objecto:

A 1ª R:
a) Não se pode considerar que a ora recorrente teve um comportamento negligente e culposo;
b) De acordo com o Contrato de Prestação de Serviços em causa, a recorrente estava obrigada aos seguintes serviços: a) Ligação bidireccional à Central de Recepção de Alarmes; b) Televigilância remota através do sistema CCTV; c) Envio mensal de relatórios de histórico de ocorrências;
c) A recorrente apenas deveria forçar o alarme através do sistema de CCTV, no caso do operador detectar alguma anomalia na sequência de accionamento de alarme exterior;
d) Não ficou provado que o operador tivesse detectado qualquer anomalia, ou que tivesse visionado no momento as filmagens das câmaras;
e) Apenas ficou provado que nas filmagens das câmaras exteriores e interiores é possível visualizar determinadas acções desenvolvidas por indivíduos;
f) Pretender que a recorrente, mesmo que não pudesse ou tivesse a possibilidade de visionar qualquer movimento suspeito, teria a obrigação de avisar o cliente e as autoridades, é defender uma interpretação que viola claramente o contrato de prestação de serviços em causa;
g) A actuação da recorrente ao avisar o gerente da loja e a autoridade antes dos assaltantes terem entrado no interior da loja, era de molde a evitar o assalto, se aqueles tivessem actuado diligentemente;
h) Não existe nexo de causalidade entre o facto e o dano;
i) Não foram dados como provados quaisquer factos que possam estabelecer um nexo de causalidade entre a actuação da recorrente e os danos existentes, nem é possível estabelecer um grau de probabilidade razoável;
j) O douto Acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 236°, 483°, 486°, 487° e 563°
do Código Civil.
A 2ª R.:
1 . porque o contrato de seguro é um contrato formal, que deve ser reduzido a escrito num instrumento que constituirá a apólice de seguro;
2 . porque relativamente ao contrato de seguro em causa nos presentes autos, celebrado entre as rés, foi emitida a respectiva apólice, a qual se rege através das condições especiais, particulares e gerais que se mostram juntas a fls. com a contestação da aqui recorrente:
3 . porque dessas condições consta que o seguro apenas garante o ressarcimento de danos decorrentes de actos ou omissões cometidas pela segurada no exclusivo exercício das actividades previstas nas alíneas c) e d) do artigo 2° do Dec. Lei 231/98, de 22 de Julho - cfr. ponto 1., alínea a) das Condições Particulares da Apólice,
4 . mas já não as actividades ou serviços definidos na alínea a) do referido Diploma Legal;
5 . porque, conforme resulta dos autos, o contrato celebrado entre a segurada da autora e a ré BB se traduzia, no essencial, em televigilância remota através de CCTV (Circuito Fechado de Televisão) que consistia num serviço de monitorização das lojas da O.......,
6 . isto é, um serviço que constitui precisamente a actividade prevista na alínea a) do artigo 2o do Dec. Lei 23198, cujo risco não foi transferido para a aqui recorrente;
7 . porque, assim sendo, não pode a aqui recorrente ser responsabilizada pelo ressarcimento de danos resultantes do, pretensamente, deficiente cumprimento contratual por banda da BB do contrato celebrado com a segurada da autora;
8 . porque, mesmo que assim se não entenda, tendo em conta os factos constitutivos do direito que invoca a autora pretende haver o reembolso do que pagou por via do furto ocorrido nas instalações da sua segurada ao abrigo do disposto no artigo 441° do Código Comercial;
9. porque, nesse particular, o direito de reembolso só existe ,
relativamente ao terceiro causador do sinistro, ou seja, relativamente ao autor do furto - cfr. citada disposição,
10 . mas o que sucede é não foi a 1a ré, por si ou através de funcionários seus, quem praticou o furto, mas sim desconhecidos que até hoje e tanto quanto a aqui recorrente sabe não foram identificados,
11 . não assistindo, por tal motivo, à autora o direito a haver das rés qualquer indemnização;
12 . porque, ainda que assim se continue a não entender, a matéria de facto dada como assente não consente a conclusão de que a ré BB agiu com negligência ou que estava obrigada a agir de modo diverso daquele que se apurou;
13 . porque, ao invés, e perante a repetição de accionamento do alarme, a ré BB teve o cuidado de avisar o gerente da loja e alertar a GNR de Penafiel,
14 . nenhuma responsabilidade lhe cabendo pelo facto de os elementos daquela corporação - cujo quartel se situa a escassos 2 km da loja assaltada - terem demorado trinta e cinco minutos a chegar ao local,
15 . nem sendo, por isso, curial nem legítimo estabelecer qualquer nexo causal entre a actuação da ré BB e o dano que se verificou;
16 . ao decidir de modo diverso o, aliás, douto Acórdão em crise fez errada aplicação e interpretação do disposto nos artigos 426°, 427° e 441° do Código Comercial, e artigos 236°, 483°, 487° e 563° do Código Civil

De salientar liminarmente que ao presente recurso, inserido em processo iniciado após 2008, é já inteiramente aplicável o actual regime dos recursos, introduzido pelo DL 303/07 – vigorando, consequentemente, para além dos novos valores das alçadas, aí prescritos, a regra da dupla conforme, como condição de acesso ao STJ, nos termos do art. 721º, nº3: o que torna admissível, no caso dos autos, a interposição do recurso de revista é precisamente a divergência de entendimentos das instâncias acerca do mérito da causa, expressa na frontal contradição de soluções jurídicas ínsitas na sentença proferida em 1ª instância e no acórdão recorrido.

3. As instâncias fizeram assentar a solução jurídica do litígio na seguinte matéria de facto:

A. A Autora é uma sociedade seguradora que se dedica à actividade de seguros e resseguros do ramo “NN....V...”;
B. No exercício da sua actividade a autora celebrou com a O.......- O......., equipamento de Escritório, Lda., o contrato de seguro de Multiriscos

C. Comerciante Mercantile, titulado pela apólice n.º 00000000 em 1 de Maio de 2005, cujas condições gerais se mostram juntas aos autos a fls. 23 e ss. e que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais;
D. Mediante o referido contrato a Autora assumiu o risco adveniente diversos imóveis pertencentes àquela O....... incluindo o imóvel sito no Lugar de Mouta, freguesia de Marecos, Penafiel, e todo o seu conteúdo, nos termos e condições previstas no aludido contrato e declaração de inclusão de imóvel mencionados em B);
E. Durante a vigência do referido acordo a Autora recepcionou nos seus serviços uma participação de sinistro relatando a ocorrência de um furto por arrombamento à loja existente no imóvel referido em C) ocorrido na madrugada dia 31 de Março de 2006, tendo sido furtados do seu interior diversos bens;
F. À data dos factos referidos em D) a 2ª Ré havia, mediante escrito titulado pela apólice n.º 87/ 35.55 assumido a responsabilidade emergente dos actos e omissões cometidas pela 1ª Ré conforme condições particulares juntas aos autos a fls. 194 e ss. e que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais.
G. Na madrugada do dia 31 de Março de 2006 o sistema de alarme da 1ª Ré relativo ao imóvel foi accionado à 1:54h, 1:58h., 2:08h., 2:10h., 2:19h., 2:21h., 2:23h., 2:36h., 2:38h., 2:39h., 2:41h.
H. A 1ª Ré alertou, via telefone, às 2h.41m o gerente da loja e a GNR.
I. Uma vez nas instalações o gerente da loja e a GNR verificaram que:
- existia um rombo numa parede exterior no acesso ao armazém;
- Tentativa de rombo no alçado lateral;
- Diversos artigos espalhados pelo chão;
- estragos em vitrinas de exposição (vidros);
- falta de diversas mercadorias.
J. A Offcep dispunha de alarme com ligação telefónica à 1ª Ré.
K. E de sete câmaras de vídeo vigilância interiores e quatro exteriores, fixas e giratórias com sistema de gravação e pinos no piso à entrada para área de aparcamento.
L. (Sem texto)
M. No dia 31 de Março as instalações da Offcep foram encerradas pelas 22:00h., tendo ficado totalmente desocupadas por volta das 23:00h.
N. Pelas 1h54m. é possível ver na câmara exterior n.º 1 que o portão da obra contígua está fechado.
O. E, pelas 1h.56m. está aberto.
P. Entre as 1:59h e as 2:00h é possível ver dois indivíduos, dirigindo-se para a parte do arrombamento um e o outro a surgir do referido portão e depois um deles a transportar algo que aparenta ser uma prancha e vê-se uma estrutura montada tipo andaime no passeio lateral mirado.
Q. Pelas 02h.31m é possível visualizar outro indivíduo pelo mesmo portão.
R. E, pelas 2h.54m a saída os referidos indivíduos.
S. E, finalmente, pelas 3h.16m é possível visualizar chegada dos agentes da autoridade ao local.
T. Pelas 2h. 50 m é possível ver nas filmagens das câmara interior n.º 2 indivíduos a acenderem as luzes e quatro indivíduos que arrombam as vitrinas e expositores e retiram do seu interior diversos artigos.
U. Pelas 2h.53m é possível ver os ditos indivíduos a arrancar os computadores portáteis expostos nas prateleiras da secção de “tecnologia”.
V. E, pelas 2h.54, as luzes apagam-se.
W. Pelas 2h. 50 m é possível ver nas filmagens das câmara interior n.º 4 indivíduos a acenderem as luzes e três indivíduos que arrombam as vitrinas e expositores e retiram do seu interior diversos artigos.
X. (Sem texto)
Y. Pelas 2h.53 é possível ver os indivíduos a dirigirem-se para as prateleiras da secção de tecnologia.
Z. (Sem texto)
AA.E, pelas 2h.54, as luzes apagam-se.
BB. O mesmo se passando com a câmara n.º 7.
CC. A 1ª Ré e a Offcep haviam celebrado um acordo denominado de “prestação de serviços” mediante o qual aquela se obrigou a prestar à segunda os serviços de legação bidireccional à Central de Recepção de Alarmes, televigilância remota através de CCTV e envio mensal de relatórios de histórico de ocorrências, mediante o pagamento de um preço.
DD. Em consequência do dito acordo a 1ª Ré assumiu perante a Offcep um serviço de monitorização que se processa 24 horas por dia, todos os dias do ano, distinguindo-se os períodos de Loja Aberta e Loja fechada, nos termos do contrato junto de fls. 49 a 52 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
EE.Os registos do relatório da 1ª Ré assinalam que o alarme foi accionado pelo menos três vezes entre as 00:39 e as 00:55h.
FF. Depois de um interregno de cerca de uma hora os registos de accionamento de alarme reiniciaram-se às 1h54m e prosseguiram até às 2h41, nos exactos termos já constantes da alínea F).
GG.Em consequência do furto a parede do imóvel referido em C) de bloco de cimento e revestida exteriormente por chapa ficou estragada.
HH.No interior ficaram partidos vidros de vitrinas.
II. A reparação dos ditos estragos ascendeu à quantia de 475 €.
JJ. O valor das mercadorias furtadas do interior ascendeu à quantia de €57.546,98.
KK.Nos termos do acordo referido em C) a Autora indemnizou a Offcep pelos prejuízos por esta sofridos em consequência do sinistro pelo montante de € 33.021,98.
LL.
4. Importa começar por caracterizar adequadamente a acção interposta pela A. AA no confronto das sociedades ora RR. – podendo afirmar-se que ela se funda decisivamente na figura da sub-rogação, como, aliás, se considera no art. 78º da petição inicial, remetendo para a cláusula 33º da apólice invocada, segundo a qual – e em consonância com o que resultava do art. 441º do C.Com - a seguradora, uma vez paga a indemnização, fica sub-rogada, até à concorrência da quantia indemnizada, em todos os direitos do segurado contra terceiro responsável pelo prejuízo.
Ora, a natureza sub-rogatória da pretensão da seguradora que pagou os danos verificados na coisa segura implica que os direitos do segurado no confronto do terceiro, civilmente responsável pelo dano, se hajam transferido «ex lege» para a seguradora, que sucede, deste modo, numa relação jurídica que permanece objectivamente inalterada. Daqui resulta que o direito exercido por sub-rogação contra o responsável civil pelo dano na coisa segurada terá exactamente a mesma natureza que corresponderia à pretensão que ao segurado era lícito deduzir contra o terceiro responsável – o que nos obriga a questionar a natureza contratual ou extracontratual da responsabilidade civil imputada à R. BB , - questão com reflexo decisivo ao nível da repartição do ónus probatório da culpa , a qual naturalmente se presume se estiver em causa um incumprimento contratual imputado ao lesante.

Ora, na concreta situação dos autos, parece-nos evidente que a acção de indemnização que poderia hipoteticamente ter sido exercitada pela segurada (e lesada) O....... no confronto da R. BB- e em que sucedeu por sub-rogação a ora A. AA, no preciso momento em que pagou a indemnização decorrente da verificação do sinistro – se situaria manifestamente no plano da responsabilidade contratual , já que o núcleo essencial da matéria litigiosa incide precisamente sobre o alegado cumprimento defeituoso do contrato de prestação de serviços de vigilância e segurança – ou seja, de uma prestação acordada pelas partes no âmbito de uma concreta, precisa e bem delimitada relação contratual, imputando-se à BB a omissão dos deveres de zelo na vigilância do imóvel a que se havia contratualmente obrigado. E, sendo esta a natureza objectiva da acção que deteria a segurada sobre o responsável pelos danos, é evidente que ela não é minimamente afectada pela circunstância de, por via sub-rogatória, tal pretensão se haver – no plano estritamente subjectivotransferido para a esfera jurídica da seguradora que assumiu o efectivo ressarcimento dos danos verificados na coisa segura.

Daqui resulta que – provado pelo A./credor um deficiente ou defeituoso cumprimento das obrigações emergentes do contrato de prestação de serviços de segurança privada – se tem de presumir a culpa da R./devedora quanto a tal situação de incumprimento da prestação a que se vinculara, nos termos do art. 799º do CC. – só se exonerando da responsabilidade que lhe assiste se demonstrar que o defeituoso cumprimento das prestações a que se vinculara lhe não são imputáveis.

Ora, na concreta situação dos autos, temos como evidente, face à prova produzida, que a obrigação contratual a que se vinculou a R. BB quanto à vigilância e controlo remoto do estabelecimento comercial em causa não foi adequadamente cumprida, não tendo os funcionários em serviço na central de segurança diligenciado pelo atempado visionamento das imagens gravadas através das câmaras ali instaladas – de que resultaria a percepção da iminência de um furto com arrombamento naquelas instalações – nem tendo prevenido, com a prontidão indispensável para prevenir o furto, quer o proprietário das instalações, quer as autoridades policiais, dos sucessivos e reiterados disparos do sistema de alarme ali instalado, ao logo de um período temporal de mais de 45 minutos.

Concorda-se quanto a este ponto, inteiramente com o acórdão recorrido ao afirmar, nomeadamente, ( apenas se ressalvando que o ónus probatório que se coloca a cargo da R. radica na presunção de culpa prevista no art.799º do CC, e não na configuração da factualidade invocada como factos «impeditivos ou extintivos do direito invocado pela autora») :

Desta sequência factual retira-se de forma clara e inequívoca que a ré BB não alertou o cliente e as autoridades, nem quando recepcionou os três primeiros disparos do alarme, que ocorreram num espaço de 16 minutos, nem quando o alarme tocou repetidamente, no espaço de 46 minutos, onze vezes, se contarmos o período que medeia entre as 01h54m e as 02h41m.

E mais adiante:

Já competia à ré BB alegar e demonstrar que actuou de forma cuidadosa e diligente, não tendo cometido, nem por acção nem por omissão, qualquer acto do qual tenha resultado o prejuízo.
Por isso, a prova de que as imagens não podiam ser visionadas pelo operador da ré BB, porque eram fugazes (por não haver uma monitorização permanente, como decorre da cláusula n.º 3 do contrato mencionado em 2.º lugar), ou por outro motivo qualquer (razoável e probatoriamente demonstrado), do qual resultava que era impossível ao operador do sistema aperceber-se de movimentos suspeitos, competia à ré BB, enquanto facto impeditivo ou extintivo do direito invocado pela autora (artigo 342.º, n.º 2 do CC).
Ora, no caso, o tribunal a quo deu como provado que as câmaras tinham captado imagens de pessoas no exterior do imóvel, mas dentro do perímetro vigiado, a desoras, com a loja fechada, praticando actos que não podem deixar de ser tido como suspeitos, porque desenquadrados de qualquer actividade normal que ocorresse àquela hora e naquele lugar.
Perante estes factos, competia à ré BB provar que não pôde ou não conseguiu ver as imagens ou que, apesar de as ter visto, interpretou-as como inofensivas para a segurança do imóvel e dos bens que tinha sob a sua vigilância.
E isso ficou claramente por demonstrar, não cumprindo o ónus probatório que sobre ela impendia.
Mas mesmo aceitando que não houve incúria no visionamento e interpretação dos sinais de perigo, apesar das imagens revelavam manifestamente o contrário, ainda há que levar em conta que o alarme foi sucessivamente accionado, ao longo de mais de 45 minutos, concretamente, por onze vezes, mesmo desprezando os três primeiros disparos que ocorreram na hora antecedente.
E a questão que tem de se colocar é apenas esta: porque é que operador da central ao aperceber-se do accionamento do alarme, não actuou em conformidade com os procedimentos prescritos no ponto 1 e 3 do Anexo I, relativo à gestão de alarmes? Ou seja, porque é que não fez a verificação através do sistema CCTV e, caso não conseguisse detectar a anomalia que provocou o accionamento do alarme, porque não comunicou de imediato ao cliente e às autoridades?
É que, em nosso entender, não se pode interpretar o que consta do contrato de outra forma.
Ou seja, a interacção do sistema instalado tanto tem de funcionar quando o operador verifica a anomalia através das imagens captadas pelas câmaras, que visiona e interpreta como suspeitas, accionando o alarme com vista a afugentar o perigo, comunicando às autoridades, se verificar que não teve êxito nessa tentativa, como quando o sinal de perigo é desencadeado pela outra componente do sistema, isto é, através do accionamento do alarme, ainda que a anomalia/perigo que o accionou não seja perceptível através de imagens, porque as câmaras não captam a zona em causa ou por muitas outras razões que concretamente possam surgir, como, por exemplo, falta de luz no local onde se verifica a anomalia/perigo que acciona o alarme.
Ora, mesmo que se aceite que o accionamento pontual poderá ter como fonte situações anómalas não tidas como perigo iminente, impondo-se uma ponderação e avaliação em concreto, sob pena de cada accionamento do alarme determinar o contacto do cliente e das autoridades desnecessariamente, a avaliação do perigo perante o accionamento sucessivo do alarme, durante um período tão dilatado como o que se verificou nos autos, não pode ser descurado de forma tão ligeira.
Por outro lado, também se nos afigura irrelevante a questão da inexistência de parâmetro comparativo entre situações passadas e aquela em apreciação, na medida em que é perante o caso presente que tem de se aferir se houve ou não violação do dever de cuidado e diligência.
Por isso, as eventuais negligências passadas, ainda que inconsequentes, como os comportamentos diligentes, com efeitos preventivos, não podem servir de padrão de comparação nesta matéria. Ou seja, cada situação vale por si, e é pelo concreto comportamento adoptado que tem de ser aferida a acção ou omissão do responsável.
Em conclusão, da interpretação das cláusulas escritas no contrato de prestação de serviços em apreciação, o sentido juridicamente relevante para um declaratário normal,
colocado na posição do real declaratário, e em face das circunstâncias apuradas, não poderia deixar de objectivamente ser o de que, mesmo que a ré BB não pudesse ou tivesse a possibilidade de visionar qualquer movimento suspeito, o cumprimento da obrigação assumida era de avisar o cliente e as autoridades num curto espaço de tempo, que seguramente, atenta a natureza dos actos que se visam prevenir, nunca é de molde a ter a duração de cerca de uma hora, após ter sido repetida e sucessivamente accionado o alarme.
Esta também é a interpretação que as regras da normalidade e da experiência determinariam, já que nesta matéria tem de se privilegiar a cautela e a diligência, não sendo crível que à luz desses critérios, se entenda que perante sinais inequívocos, repetidos e sucessivos de iminência de perigo, não se adoptem medidas preventivas imediatas, que afinal, se reconduzem a actos simples, de rápida execução, como sejam fazerem-se uma ou duas chamadas telefónicas.
Por conseguinte, a ré BB ao não adoptar essas medidas, omitiu um dever de cuidado, diligência e de zelo, do qual veio a resultar a violação do direito de propriedade sobre os bens que vigiava e protegia.
Tal comportamento omissivo é negligente e culposo, considerando que para além de um dever geral de diligência inerente ao desempenho deste tipo de actividade, cujo objecto é a protecção de pessoas e bens alheios, bem como a prevenção e dissuasão da prática de actos ilícitos (cfr. artigo 2.º, n.º 3, alínea a) do Decreto-Lei n.º 35/2004, de 21/02), também contratualmente estava obrigada a agir, nos termos acima analisados, de forma a evitar a violação dos direitos da sua cliente.
Não obstante, e inversamente, de modo negligente e descuidado, não seguiu os procedimentos previamente acordados e estabelecidos no contrato com vista a detectar os sinais de intrusão na propriedade que vigiava, não avisando atempadamente a cliente e as autoridades, conforme estava estipulado e que lhe era exigível, em face das circunstâncias concretas, e de que era capaz, sendo tal comportamento merecedor de censura ético-jurídica.
Não oferece, por outro lado, qualquer dúvida que a omissão do tempestivo cumprimento das obrigações contratuais assumidas pela R. BB possa ter funcionado como causa adequada da ocorrência ou do agravamento dos danos sofridos pela lesada , na medida em que não desencadeou prontamente os procedimentos a que se havia vinculado para prevenir ou detectar intrusões - e que plausivelmente poderiam ter impedido a plena consumação do furto; como se afirma no acórdão recorrido, em termos a que inteiramente se adere:

Seguramente se tivesse alertado a cliente e as autoridades logo aos primeiros sinais de perigo, quando o alarme foi accionado ou imediatamente após, num período curto de tempo, o furto não se tinha consumado, já que os intrusos foram sinalizados no exterior entre a 01h59m e as 02h31m (alíneas O) e P) dos factos provados) e só são visualizados dentro da loja às 02h50m (alíneas S) e V) dos factos provados).
5. Resta analisar a argumentação aduzida pela recorrente CC para questionar a sua condenação solidária na indemnização devida à A.

Invoca-se, em primeiro lugar, que não estariam preenchidos os pressupostos da sub-rogação invocada pela A., já que o direito ao reembolso, previsto no art. 441º do C.Com., só existiria relativamente ao terceiro causador do sinistro, ou seja, em relação ao autor do furto ( não estando obviamente em causa, na situação dos autos, o cometimento ou comparticipação no furto por empregados ao serviço da 1ª R., mas apenas, como se viu, a responsabilidade desta sociedade no confronto da empresa lesada, por deficiente cumprimento dos deveres de controlo e vigilância sobre o respectivo estabelecimento, contratualmente acordados).
Está, porém, há muito assente que a sub-rogação se verifica, não apenas em relação ao autor material do facto danoso, mas relativamente a qualquer responsável civil no confronto do segurado ( cfr., v.g., Moitinho de Almeida, O Contrato de Seguro, pag. 221): ora, sendo – como se viu - inquestionável a responsabilidade da R. BB no confronto da segurada O......., nada obsta à sub-rogação da seguradora que, no âmbito de um seguro de danos com aquela empresa celebrado, acabou por suportar o efectivo ressarcimento dos danos conexionados com a ocorrência do sinistro.

Sustenta, em segundo lugar, a Seguradora/R. que a apólice do seguro de responsabilidade civil celebrado com a R. BB não abrangeria o risco decorrente das acções ou omissões imputadas nos presentes autos à sua segurada – por situadas apenas no âmbito de uma actividade de segurança privada consubstanciada na «exploração e gestão de centrais de recepção e monitorização de alarmes de roubo e intrusão, bem como na gestão, manutenção e exploração de sistemas de segurança», prevista na al. a) do art. 2º do DL231/98, então em vigor : na verdade, tal apólice definia como âmbito da cobertura acordada a responsabilidade civil imputável ao segurado por danos que fossem consequência «de actos ou omissões cometidos no exclusivo exercício das actividades previstas nas alíneas c) e d)» do citado art. 2º.

Considera-se, porém, que a circunstância de se ter convencionado a prestação e serviços de televigilância, embora remota, através de câmaras de CCTV, é susceptível de permitir o enquadramento da actividade exercida no âmbito da primeira parte da al. c) do art. 2º do referido diploma legal, por os serviços de segurança privada acordados compreenderem, neste caso, a vigilância de coisas móveis ou imóveis. Ou seja: nesse caso, a actividade exercida não se cinge apenas à exploração e gestão de centrais de recepção ou monitorização de alarmes de intrusão, envolvendo também uma específica actividade de vigilância – embora efectuada à distância - do estabelecimento comercial, susceptível ainda de inclusão no elenco das actividades previstas na al. c) do citado art. 2º, as quais, como se viu, se situam no âmbito das coberturas asseguradas pela apólice.

6. Nestes termos e pelos fundamentos apontados nega-se provimento às revistas.
Custas pelas recorrentes.

Lisboa, 10 de Março de 2011

Lopes do Rego (Relator)
Orlando Afonso
Cunha Barbosa