Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | CATARINA SERRA | ||
| Descritores: | RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA RECURSO DE REVISTA NULIDADE DE ACÓRDÃO OMISSÃO DE PRONÚNCIA LAPSO MANIFESTO ALEGAÇÕES DE RECURSO JUNÇÃO FOTOGRAFIA PROVA DOCUMENTAL RECIBO DE QUITAÇÃO FALTA DE PROVISÃO INDEFERIMENTO | ||
| Data do Acordão: | 11/06/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | INDEFERIDA | ||
| Sumário : | I. Existe razão para a reforma se, por lapso manifesto do juiz, não tiverem sido considerados documentos constantes do processo que, só por si, implicassem necessariamente decisão diversa da proferida. II. Uma fotografia alegadamente integrante das alegações de recurso de apelação não é um “documento junto aos autos” nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 376.º do CC, pelo que não há motivo para reforma da decisão, em recurso de revista, de inaplicabilidade desta norma. | ||
| Decisão Texto Integral: |
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 1. Notificados do Acórdão proferido por este Supremo Tribunal em 18.09.2025, que deu provimento ao recurso interposto por Cimonag – Construção e Imobiliária, Lda., vieram os recorridos, AA e Outros, reclamar para a conferência, “nos termos do disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 615º, aplicável por força do nº 1 do artigo 666º, 685º e 616º, todos do CPC”. Os recorridos / ora reclamantes alegam, em síntese, que “houve lapso manifesto do Juiz, e o acórdão igualmente padece de erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos”. O lapso manifesto do juiz residiria, em primeira linha, no facto de, no entender dos reclamantes, constarem do processo documentos que, só por si, implicariam uma decisão diversa da proferida. Quanto à alegação (subsidiária) de erro na determinação da norma aplicável, prende-se ela com o artigo 376º do Código Civil, que, segundo os reclamantes, deveria ter sido aplicada. 2. No exercício do seu direito ao contraditório, respondeu a recorrente / ora reclamada, contrapondo, no essencial, o seguinte: - relativamente ao alegado lapso manifesto, que “os requerentes defendem-se por recurso à colagem informática de uma fotografia de um suposto documento que outrora protestaram juntar, tendo sido notificados para o efeito em duas distintas ocasiões – em 17.12.2013. e 23.01.2014 – para o fazer e que, para além de tal não ter acontecido, tampouco os requerentes vieram, em sede própria contra-alegar o procedente recurso de Revista – e não o fizeram porque tal documento, na verdade, não existe”. - relativamente ao alegado erro na determinação da norma aplicável que “[o]s Autores pretendem retirar de uma confissão os efeitos probatórios de um documento, pelo que não ocorreu – para além da inexistência de manifesto lapso exigido pelo número 2 do artigo 616.º do CPC - qualquer erro na determinação da norma aplicável, na qualificação jurídica dos factos, ou tampouco constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, de per si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida”. * O fundamento normativo invocado pelos reclamantes para a presente reclamação é o artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC. Dispõe-se neste preceito: “É nula a sentença quando: (…) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. Nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, cumpriria, pois, saber se o Acórdão seria nulo por omissão ou por excesso de pronúncia. Sendo do conhecimento geral em que consiste a omissão e o excesso de pronúncia, não se vê como é que os “lapsos manifestos” que os reclamantes imputam ao Acórdão pudessem alguma vez consubstanciar tais vícios. Nem os reclamantes fazem, na verdade, qualquer tentativa para o explicar. Resta concluir que a reclamação não está correctamente enquadrada. Seja como for, tendo presente o disposto no artigo 616.º do CPC, veja-se se existe alguma razão para a reforma do Acórdão. Dispõe-se no artigo 616.º, n.º 2, do CPC: “Não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz: a) Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos; b) Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida”. Os reclamantes alegam, em primeiro lugar, que, contrariando o que se afirma na nota de rodapé 39 do Acórdão reclamado, o documento em causa (recibo de quitação) consta do processo, pretendendo que se configura a hipótese prevista na al. b) do n.º 2 do artigo 616.º do CPC. A referida nota de rodapé está localizada no Acórdão no fim da frase seguinte: “Não resta senão concluir que o artigo 376.º do CC não é aplicável e, por conseguinte, não pode ser fundamento para o aditamento do facto provado 25) à decisão sobre a matéria de facto”. Na referida nota de rodapé diz-se o seguinte: “Para a conclusão de violação do artigo 376.º do CC é suficiente que o facto provado 25) tenha sido dado como provado sem referências à existência de qualquer documento particular. De qualquer forma, diga-se que se procurou através da plataforma Citius – num processo composto de um número de peças especialmente elevado, em virtude, nomeadamente, da sua antiguidade (o processo remonta a 2013) – o recibo de quitação que os autores protestaram juntar aos autos como documento n.º 5, na sua réplica de 24.10.2013 (cfr. artigo 62.º) – sem êxito. Encontrou-se dois despachos relevantes – um de 17.12.2013, notificando os autores para a junção dos documentos que protestou juntar em 10 dias , e outro de 23.01.2014, renovando o despacho anterior – o que, pelo menos, comprova que não houve cumprimento do protestado nem do requerido pelo tribunal em primeiro despacho. Os autores tão-pouco vieram contra-alegar no presente recurso, pelo que não existe indicação de que, apesar das aparências, esteja junto aos autos tal documento”. É de manter, na íntegra, esta nota de rodapé. Perante o teor da alegação dos reclamantes [“Ora, tal não corresponde à verdade, porque o documento em causa (recibo de quitação) encontra-se integrado nas alegações dos ora recorridos para o tribunal da Relação de Coimbra”] e a fotografia que de seguida “colam” na presente reclamação, dir-se-ia até que aquilo que se conclui nesta nota de rodapé sai reforçado. É que a fotografia que os recorrentes “colam”, alegando que integrava as alegações de apelação, não é nem alguma vez poderia ser considerada um documento junto aos autos. E não é nem alguma vez pode ser considerada um documento junto aos autos, desde logo, porque é uma fotografia e uma fotografia – ainda por cima pouco nítida – não é um documento. Mesmo que fosse um documento, a sua junção teria de ser requerida e, depois, aceite pelo Tribunal, o que não aconteceu. Ao contrário do que alegam os reclamantes, o documento em causa (recibo de quitação) não está junto aos autos. Por este motivo, não existe, em suma, qualquer lapso – nem lapso manifesto nem outro qualquer – no que toca aos documentos a considerar para a decisão, não se configurando a hipótese prevista no artigo 616.º, n.º 2, al. b), do CPC. Chegados aqui, torna-se (ainda mais) fácil (voltar a) explicar por que razão não se verifica, tão-pouco, a hipótese prevista na al. a) da norma. Como já se explicou no Acórdão ora impugnado, “se é possível retirar-se do documento particular em que se exterioriza, normalmente, o recibo de quitação a prova de que a outra parte pagou, a verdade é que não é possível retirar-se da confissão / declaração confessória de emissão do recibo a mesma consequência, porque, neste último caso, o artigo 376.º do CC, sobre a força probatória dos documentos particulares, não se aplica”. Não existe, em suma, qualquer lapso – nem lapso manifesto nem outro qualquer – no que toca à inaplicabilidade da norma do artigo 376.º do CC. A aplicabilidade da norma foi apreciada e rejeitada pelos fundamentos expostos no Acórdão, pelo que também por aqui inexiste motivo para a reforma e tem de soçobrar a presente reclamação. * DECISÃO Pelo exposto, indefere-se a presente reclamação. * Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC. * Catarina Serra (relatora) Fernando Baptista Orlando Nascimento |