Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4.ª SECÇÃO | ||
Relator: | CHMABEL MOURISCO | ||
Descritores: | REVISTA EXCECIONAL OPOSIÇÃO DE JULGADOS JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO | ||
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Data do Acordão: | 10/28/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA EXCECIONAL | ||
Decisão: | REJEITADA A ADMISSÃO DA REVISTA | ||
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Sumário : |
Não existe fundamento para a admissibilidade do recurso de revista excecional, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil, quanto o substrato factual apurado nos Acórdãos recorrido e fundamento, dada a sua diferença, não permite equacionar a contradição invocada pela recorrente, suscetível de fundamentar o pedido de revista excecional. Chambel Mourisco | ||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 1429/18.3T8VLG.P1.S1 (Revista excecional) - 4ª Secção CM/LD/JG
Acordam na formação a que se refere o n.º 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
1. AA(A.), intentou, mediante o formulário a que aludem os arts 98º-C e 98º-D, do Código de Processo do Trabalho, a presente ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, contra Coresa – Conserveiros Reunidos, S.A. N(R.), requerendo que seja declarada a ilicitude ou irregularidade do despedimento, com as legais consequências. 2. Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença, que julgou ilícito o despedimento do A. promovido pela R., tendo esta sido condenada em diversas quantias. 4. A R. veio interpor recurso de revista excecional, invocando o disposto no art.º 672.º n.º 1 alínea c) do Código de Processo Civil, tendo formulado as seguintes conclusões: «A – A montante do presente recurso existe, a priori, a chamada “dupla conforme”, que funciona como instrumento de filtragem das situações que permitem a revista, fundado na opção legislativa de que se duas instâncias e quatro juízes decidiram todos no mesmo essencial sentido, então deverá ter ocorrido o chamado “bom julgamento”.
B - Vem a Empregadora solicitar a apreciação do presente recurso de revista excecional, com o seguinte fundamento: da existência de contradição na mesma questão fundamental de direito entre o Acórdão recorrido e o Acórdão desse mesmo Tribunal da Relação do Porto, de 05/12/2016, proc. N.º 3809/15.7T8BRG.P1 (JERÓNIMO FREITAS), que aqui funcionará como acórdão-fundamento; C- E o recurso a este tipo excecional de revista justifica-se porque, para além da ponderação de algumas especificidades recursais características da natureza do Direito do Trabalho, quer ao nível substantivo, quer ao nível adjetivo, estão preenchidos os seus requisitos fundamentais. A saber: 1º - Ambos os acórdãos recaem sobre a mesma questão fundamental de direito que é a da densificação e preenchimento do conceito legal de justa causa de despedimento do trabalhador previsto no art.º 351.º/1 do CT, tendo em conta o disposto no n.º 3 desse mesmo dispositivo, quando estão em causa a violação de especiais deveres de confiança e lealdade característicos de determinadas funções laborais, que se encontram genericamente previstos nas alíneas c), e) e f) do art.º 128.º do CT, isto é, dos deveres de realizar o trabalho com zelo e diligência, de cumprir ordens ou instruções do empregador respeitantes à execução ou disciplina no trabalho e de guardar lealdade ao empregador. “In casu” estamos em presença das funções comerciais de vendedor, fundamentais para a Recorrente (e para a empregadora no acórdão-fundamento) porque é uma empresa de natureza comercial, atividade que é exercida no terreno através dos seus vendedores, contratando diretamente com os clientes, a quem cabe em primeira mão realizar o ato comercial de venda, sem qualquer controlo direto da sua hierarquia; 2º- Existe contradição entre a resposta dada pelo acórdão recorrido e pelo acórdão-fundamento, este último já transitado em julgado. No primeiro, não obstante se ter assumido que foram praticados comportamentos suscetíveis de corroer o dever de lealdade, entende-se não estar preenchido o conceito de justa causa de despedimento, considerando que é exigível a prova de factualidade em termos análogos à exigida para o preenchimento dos tipos criminais também decorrentes desses comportamentos, e, concomitantemente, exigindo à entidade empregadora a manutenção do contrato de trabalho do trabalhador, e o segundo invoca, identifica e aplica o direito face a esse mesmo especial dever de lealdade e confiança, fator determinante para a consideração do preenchimento conceito de justa causa de despedimento, no segmento da inexigibilidade da manutenção da relação de trabalho, sem que se torne necessário o preenchimento de factualidade em moldes análogos à que é exigida no foro criminal; 3º - Oposição entre os referidos Acórdãos, uma vez que o sentido das decisões foi diametralmente oposto, num considerando-se o despedimento lícito, e no outro o despedimento ilícito; 4.º - A questão de direito sobre a qual se verifica esta oposição, acima melhor identificada, é a questão essencial em ambos os processos e determinante e decisiva para o seu resultado; 5º - A divergência verifica-se relativamente à aplicação mesmo quadro normativo, “in casu” a subsunção jurídica da mesma materialidade essencial ao conceito de justa causa de despedimento previsto n art.º 351.º do Código do Trabalho ponderados os circunstancialismos referidos no n.º 3 desse mesmo normativo, quando é violado o dever de lealdade e confiança previstos nas alíneas c), e) e f) do art.º 128.º do CT, isto é, dos deveres de realizar o trabalho com zelo e diligência, de cumprir ordens ou instruções do empregador respeitantes à execução ou disciplina no trabalho e de guardar lealdade ao empregador; 6º- Não existe acórdão de uniformização de jurisprudência sobre a questão jurídica em causa.
D- Também estão preenchidos os pressupostos de recurso de revista “normal”, previstos no art.º 629.º/1 do CPC, designadamente os respeitantes: (i) à natureza ou conteúdo da decisão, uma vez que se trata de um Acórdão de uma Relação proferido sobre uma decisão da 1ª instância, que conhece do mérito da causa (art.º 671.º/1 do CPC); (II) ao valor do processo ou da sucumbência, uma vez que o processo é de valor superior à alçada da Relação (€ 141.682,60) e a Recorrente sucumbiu no valor de € 27.201,24 (sem prejuízo da ulterior atualização do valor da pensão em razão da data do trânsito da decisão final), bem como no valor de € 2.352,63 a título de férias não gozadas e de proporcionais de férias e de subsídios de férias e de Natal, e ainda das quantias correspondente às retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde trinta dias antes da data da instauração da ação até ao trânsito da decisão final, deduzida das quantias que o autor recebeu e/ou venha a receber a título de subsídio de desemprego, importância essa a liquidar através do competente incidente; finalmente, sem prejuízo de quantias a pagar a título de trabalho suplementar, a apurar em execução de sentença e juros de mora; (iii) – à legitimidade, uma vez que a Recorrente é a parte principal na causa que ficou vencida (art.º 631.º do CPC). E- Existem, como é sabido, atividades profissionais subordinadas que são caracterizadas pela necessidade de existência de um especial dever de confiança e lealdade, num grau superior ao legalmente exigido para os contratos de trabalho em que esse dever existe em grau, digamos, “normal”. A jurisprudência e a doutrina têm identificado múltiplas situações em que esse fator é determinante para a subsunção jurídica do conceito de justa causa de despedimento, ao caso concreto, nomeadamente no segmento da “inexigibilidade”, para o empregador, da manutenção da relação de trabalho. F - Na categoria de contratos de trabalho onde é exigido um especial dever de confiança também se devem inscrever aqueles em que o os trabalhadores desenvolvem funções comerciais de vendedor, por serem fundamentais para as entidades patronais que sejam empresas de natureza comercial e que exercem a sua atividade no terreno através dos seus vendedores, trabalhadores que contratam diretamente com os clientes, a quem cabe em primeira mão representar a sua entidade empregadora e realizar o ato comercial de venda, sem qualquer controlo direto da sua hierarquia. G - E esta tipologia de situações, de origem e natureza, como se vê, muito diversa, tem em comum aquela que é a questão fundamental de direito que, na opinião da Recorrente, merece uma maior clarificação, nomeadamente porque existem dos Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto que estão em contradição, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito: o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento acima referido. H - O acórdão recorrido, na sua fundamentação da sua decisão, considera que a factualidade provada, não obstante apta para corroer a confiança necessária à manutenção do contrato de trabalho do trabalhador despedido, entende que não o é para justificar o seu despedimento, porque não se provou, concretamente, ter o trabalhador carregado para a sua viatura a mercadoria “desaparecida”. I - E este tipo de interpretação normativa, na opinião da Recorrente, tem, desde logo, duas consequências, que impõem a intervenção do STJ, porque contraditórias com as constantes do acórdão fundamento: a)- Não pondera com a devida profundidade a existência, nestas relações laborais, de um especial dever de lealdade e confiança; b)- Impõe às empregadoras, ao nível da imputação objetiva dos factos ao agente, que só considerem estar preenchido o conceito de justa causa de despedimento, na medida em que, no foro criminal, também o esteja o tipo criminal que também seja suscetível de preencher (“in casu” o crime de abuso de confiança). J - O trabalhador Recorrido está acusado, em sede criminal, pelo DIAP da Secção de Santo Tirso, de um crime de abuso de confiança, p.p. pelo art.º 205.º/1 e 4-a) e 202.º/a), ambos do Código Penal, com julgamento marcado para o próximo dia 18 de fevereiro de 2021. K - Para o esclarecimento da questão fundamental de direito levantada, caberá responder à seguinte questão: qual é a influência que a reconhecida especial relação de lealdade e confiança característica de determinadas atividades profissionais subordinadas tem no preenchimento do conceito de justa causa de despedimento, e que poderão ditar o despedimento destes trabalhadores, mesmo quando, ao nível da imputação objetiva, não se provou toda a factualidade que é exigida para o preenchimento dos tipos criminais que também possam decorrer desses comportamentos. L - E esta é a questão fundamental de direito que, salvo melhor opinião e sempre com o devido respeito, merece a intervenção esclarecedora e normalizadora do Supremo Tribunal de Justiça. M - Do cotejo e análise da materialidade apurada em cada um dos processos judiciais relativos ao acórdão recorrido e ao acórdão-fundamento, resulta que, em ambos os acórdãos: a)- Os empregadores são empresas que comercializam produtos alimentares; b)- Os empregadores desenvolvem a sua atividade de forma direta através da sua força de vendas, dividindo em regiões as zonas do território nacional em que o negócio é prosseguido pela sua força de vendas; c)- Os trabalhadores despedidos, em ambos os Acórdãos, exercem a função de vendedor. d)- Os trabalhadores despedidos adotaram comportamentos para os quais não estavam autorizados pelas suas chefias, desobedecendo a regras básicas da atividade desenvolvida pelos respetivos empregadores, que deles eram bem conhecidas: no caso do acórdão recorrido o trabalhador solicitou a um cliente a devolução de mercadoria “para desenrascar outros clientes”, assinando uma das respetivas (3) notas de devolução, decisão para a qual necessitava de autorização da sua chefia, não se sabendo do paradeiro dessa mercadoria; no caso do acórdão-fundamento o trabalhador ofereceu produto sem solicitar autorização à sua chefia, e vendeu produto a entidades que já não desenvolviam atividade comercial ou vendeu produto sem promover a respetiva faturação, não se sabendo, ao certo, onde está a maioria da mercadoria ou quem com ela ficou; e)- Os trabalhadores tinham conhecimento de que esses comportamentos só poderiam ser por eles assumidos após obtenção de autorização das respetivas hierarquias; f)- Os trabalhadores não têm qualquer passado disciplinar; g)- Ainda hoje se desconhece o destino da mercadoria que “desapareceu”; h)- As entidades empregadoras ficaram prejudicadas patrimonialmente no valor das referidas mercadorias cujo paradeiro se desconhece; i)- Os trabalhadores também estavam acusados de outras infrações de pequeno valor patrimonial, mas também elas suscetíveis de abalar a relação de confiança que deve existir entre as partes; j)- Os trabalhadores adotaram comportamentos que são também suscetíveis de configurar responsabilidade criminal; k)- Os trabalhadores defendem-se alegando que estão, de alguma forma, a ser objeto de uma “tramoia” (acórdão-recorrido) ou ”confabulação” (acórdão-fundamento) por parte de clientes ou colegas de trabalho; l)- Os clientes da empregadora, e outros trabalhadores da empregadora encarregues de esclarecer o sucedido, imputam ao trabalhador a prática desses comportamentos violadores das regras internas da empresa;
m)- Em ambos os acórdãos os trabalhadores confessam ter assinado ou emitido os documentos que materialmente os ligam aos atos de que foram acusados, ainda que lhes pretendam dar explicações que consideram inócuas para efeitos disciplinares; n)- Em ambos os acórdãos o preenchimento (ou não) do conceito de justa causa passa necessariamente por uma especial ponderação, no quadro de gestão da empresa, do tipo de funções que estes trabalhadores desempenham, do grau de lesão dos interesse do empregador, ao caráter da relação entre a partes, ou entre o trabalhador e os seus companheiros e a outras circunstâncias que foram consideradas relevantes, tudo nos termos do art.º 351.º/3 do CT; N - Em ambos os Acórdãos a questão fundamental de direito é a mesma: da densificação e preenchimento do conceito legal de justa causa de despedimento do trabalhador previsto no art.º 351.º/1 do CT, tendo em conta o disposto no n.º 3 desse mesmo dispositivo, quando está em causa a violação de especiais deveres de confiança e lealdade característicos de determinadas funções laborais, que se encontram genericamente previstos nas alíneas c), e) e f) do art.º 128.º do CT, isto é, dos deveres de realizar o trabalho com zelo e diligência, de cumprir ordens ou instruções do empregador respeitantes à execução ou disciplina no trabalho e de guardar lealdade ao empregador. “In casu” estamos em presença das funções comerciais de vendedor, fundamentais para os empregadores porque são empresas de natureza comercial, atividade que é exercida no terreno através dos seus vendedores, contratando diretamente com os clientes, a quem cabe em primeira mão realizar o ato comercial de venda, sem qualquer controlo direto da sua hierarquia. O - Estão em causa comportamentos que, indiciariamente, para além configurarem violações de obrigações de natureza laboral, são suscetíveis de poderem configurar crime (no caso sub judice, crime de abuso de confiança), que já foi objeto de acusação por parte do Procuradoria da República da Comarca do Porto, DIAP – Secção de Santo Tirso, processo n.º 480/18.8T9STS, junto aos autos em ambas as instâncias), e altamente suscetível de criar no espírito da entidade empregadora a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do trabalhador, e tornar inexigível a manutenção da relação laboral. P - Nestes casos, o segmento da “inexigibilidade” da manutenção do contrato de trabalho é muito mais sensível, deixando de existir, com mais facilidade e naturalidade, o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral. Q - E dessa especialidade só o acórdão-fundamento retira como consequência a consideração de que se deve considerar preenchido o conceito de justa causa de despedimento, criando uma contradição entre as duas decisões que merece, no nosso ponto de vista, uma ação uniformizadora do Colendo Supremo Tribunal de Justiça. R - No acórdão recorrido o Tribunal “a quo”, aderindo à fundamentação da 1ª instância, dá-se como provado que: a)- O trabalhador, por diversas vezes (3 vezes em três meses sucessivos), solicitou ao cliente da empregadora SANER a entrega de diversa mercadoria “para desenrascar outros clientes”; b)- Fez esse pedido, nomeadamente, em reunião presencial com o Diretor Comercial da SANER (cliente da Recorrente), diretamente ao mesmo, como consta expressamente do seu depoimento; c)- O trabalhador assinou, facto que reconheceu em depoimento de parte, pelo menos uma das guias de devolução que foram emitidas pela SANER com a entrega dessa mercadoria; d)- O responsável do cliente da empregadora (Pedro Portugal, Diretor Comercial da SANER) afirma, perentoriamente, que foi o trabalhador da CORESA Borges (ora Recorrido) que levantou essa mercadoria, que só ele pode levantar mercadoria e que só há memória na SANER de ter sido ele a levantar a referida mercadoria; e)- O Diretor Comercial da CORESA, ora Recorrente, tomou diversas iniciativas para tentar esclarecer o sucedido, despistando qualquer hipótese de poder estar em transitários ou ter sido objeto de outros destinos comercias, como ações de “sell-out”, ou ter sido levantada por outros trabalhadores da Recorrente, só restando a explicação de que foi o trabalhador que levantou essas mercadorias, como perentoriamente afirma o responsável comercial da Cliente da Recorrente; f)- O computador pessoal que estava distribuído ao Recorrido e estava à sua responsabilidade não foi devolvido à empresa; g)- Uma pen de dados que lhe estava distribuída ao recorrido e estava à sua responsabilidade, não foi devolvida à empresa; h)- O trabalhador era perfeitamente conhecedor que só com autorização da sua chefia é que podia levantar mercadoria dos clientes, autorização que nunca foi pedida ou existiu; i)- O Recorrido se esquivou a responder à nota de culpa ou esclarecer o sucedido, evitando contactos com a entidade patronal e quaisquer notificações no âmbito do procedimento disciplinar. S - É totalmente desconsiderado pelo acórdão recorrido o fator, determinante, que se trata de uma profissão sujeita a especiais deveres de lealdade e confiança, suscetíveis de corroer, com mais facilidade, o substrato de confiança que deve presidir a estes contratos de trabalho, tornando a relação de trabalho inexigível. T - E é aqui que, salvo melhor opinião, a solução consagrada na alínea c) do n.º1 do art.º 672.º do CPC tem inteiro acolhimento, uma vez que esse dispositivo valora a mera contradição entre o acórdão da Relação de que se pretende interpor recurso e o acórdão-fundamento, “in casu” também do douto Tribunal da Relação do Porto, relativamente à mesma questão de direito que foi essencial para ambos os arestos em confronto. Não é considerada necessária a verificação de uma identidade integral entre os objetos de cada um dos processos em confronto, “bastando que seja comum a questão sobre que incidiram respostas divergentes e que se mostrou fulcral para cada um dos resultados” (neste sentido, ANTÓNIO ABRANTES GERALDES, in “Recursos em Processo Civil”, 6ª edição, Almedina, pág. 441). U - Em concreto não é necessário que se prove factualidade de onde decorra ter‑se o trabalhador apropriado da mercadoria que “desapareceu”, que está na sua posse por a ter sido visto a carrega-la para o seu veículo, nos moldes em que essa imposição ocorre, por exemplo, para prova dos respetivos crimes no foro criminal. É unicamente necessário que adote comportamentos de onde se possa deduzir, com segurança, ainda que de factos não provados, que possa ter furtado ou abusado a confiança do empregador. V - Salvo melhor opinião, e sempre com o devido respeito, o acórdão recorrido, sustentando a fundamentação da 1ª instância, exige que se prove factualidade necessária ao preenchimento do crime de abuso de confiança, para que se encontre preenchido o conceito de justa causa de despedimento e seja inexigível ao empregador a manutenção da prestação de trabalho. Tese que é contraditória com a defendida no acórdão-fundamento, ao bastar-se pela prova de que o comportamento provado, ainda que não abranja toda a factualidade necessária para preencher os respetivos tipos criminais, é suficiente para corroer o substrato de confiança que deve presidir ao contrato de trabalho, sobretudo nas relações laborais caracterizadas por especiais deveres de lealdade e confiança, como é o caso dos vendedores. 4. Foi proferido despacho liminar, no qual se considerou: que o recurso é tempestivo; que o recorrente tem legitimidade; que se verificam os requisitos do valor da ação e da sucumbência e ainda a existência de dupla conforme. 5. Distribuído o processo a esta formação, cumpre indagar se estão preenchidos os pressupostos para a admissibilidade da revista excecional referidos na alínea c) do n.º 1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil. A revista excecional é um verdadeiro recurso de revista concebido para as situações em que ocorra uma situação de dupla conforme, nos termos do artigo 671.º, n.º 3, do Código de Processo Civil. A admissão do recurso de revista, pela via da revista excecional, não tem por fim a resolução do litígio entre as partes, visando antes salvaguardar a estabilidade do sistema jurídico globalmente considerado e a normalidade do processo de aplicação do Direito. A recorrente indicou como Acórdão fundamento o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 5 de dezembro de 2016, proferido no Proc. n.º 3809/15.7T8BRG.P1. ̶ Ambos os acórdãos recaem sobre a mesma questão fundamental de direito que é a da densificação e preenchimento do conceito legal de justa causa de despedimento do trabalhador previsto no art.º 351.º/1 do CT, tendo em conta o disposto no n.º 3 desse mesmo dispositivo, quando estão em causa a violação de especiais deveres de confiança e lealdade característicos de determinadas funções laborais, que se encontram genericamente previstos nas alíneas c), e) e f) do art.º 128.º do CT, isto é, dos deveres de realizar o trabalho com zelo e diligência, de cumprir ordens ou instruções do empregador respeitantes à execução ou disciplina no trabalho e de guardar lealdade ao empregador; ̶ No caso estamos em presença das funções comerciais de vendedor, fundamentais para a Recorrente (e para a empregadora no acórdão-fundamento) porque é uma empresa de natureza comercial, atividade que é exercida no terreno através dos seus vendedores, contratando diretamente com os clientes, a quem cabe em primeira mão realizar o ato comercial de venda, sem qualquer controlo direto da sua hierarquia; ̶ Existe contradição entre a resposta dada pelo acórdão recorrido e pelo acórdão-fundamento, este último já transitado em julgado. ̶ No primeiro, não obstante se ter assumido que foram praticados comportamentos suscetíveis de corroer o dever de lealdade, entende-se não estar preenchido o conceito de justa causa de despedimento, considerando que é exigível a prova de factualidade em termos análogos à exigida para o preenchimento dos tipos criminais também decorrentes desses comportamentos, e, concomitantemente, exigindo à entidade empregadora a manutenção do contrato de trabalho do trabalhador; ̶ O segundo invoca, identifica e aplica o direito face a esse mesmo especial dever de lealdade e confiança, fator determinante para a consideração do preenchimento conceito de justa causa de despedimento, no segmento da inexigibilidade da manutenção da relação de trabalho, sem que se torne necessário o preenchimento de factualidade em moldes análogos à que é exigida no foro criminal. Nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 20/2020, de 1 de maio, declaro que os Exmos. Juízes Conselheiros adjuntos António Leones Dantas e Júlio Manuel Vieira Gomes votaram em conformidade.
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