Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6ª SECÇÃO | ||
Relator: | FONSECA RAMOS | ||
Descritores: | CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO MANDATO EXTINÇÃO DO CONTRATO INCUMPRIMENTO TREINADOR DE FUTEBOL CLÁUSULA DE EXCLUSIVIDADE ABUSO DE DIREITO | ||
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Nº do Documento: | SJ | ||
Data do Acordão: | 02/08/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | ||
Doutrina: | - Brandão Proença, in “A Resolução do Contrato no Direito Civil”, 1982, págs. 63 e 70/1. - Heinrich Ewald Hörster, in “A Parte Geral do Código Civil Português -Teoria Geral do Direito Civil” – págs. 433 e segs.. - Januário da Costa Gomes, in “Em Tema de Revogação do Mandato Civil”, Almedina, Coimbra, 1989, pág. 29. - Mota Pinto – “Teoria Geral do Direito Civil” – 4ª edição por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto – Coimbra Editora – Maio 2005, pág. 413 e segs.. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 217º, Nº1, 762º, Nº1, 1154º, 1156º, 1167º, 1171º | ||
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Sumário : | I) - Ao contrato de treinador profissional de futebol celebrado entre o Autor e uma SAD, por se tratar de um contrato inominado de prestação de serviço, aplica-se o regime do art. 1167º do Código Civil, por força do art.1156º do mesmo diploma –“As disposições sobre o mandato são extensivas, com as devidas adaptações, às modalidades do contrato de prestação de serviço que a lei não regule especialmente”. II) – O contrato de mandato (prestação de serviço), como negócio típico de cooperação entre pessoas, assenta numa relação de confiança. É um contrato intuitu personnae. III) – A cessação da relação obrigacional de prestação de serviço (mandato) opera-se, em primeiro lugar, pelo cumprimento do programa obrigacional, podendo cessar, ainda, por revogação, distrate, denúncia, caducidade, resolução e por “situações de inexecução subjectiva”, como ensina Brandão Proença, in “A Resolução do Contrato no Direito Civil”, 1982. IV) - A cláusula de exclusividade aposta num contrato implica que o obrigado assuma uma prestação a favor de outrem, sem possibilidade de coexistência de vínculos da mesma natureza. V) – O Autor, ao ter na vigência do contrato com a Ré, celebrado, sem o conhecimento desta e durante o período de vigência do contrato, um outro contrato com entidade terceira, em regime de exclusividade para prestação de serviços incompatíveis física e juridicamente com o compromisso anterior, e ao ter deixado de comparecer no local de trabalho, exprimiu de forma concludente (tacitamente) a sua vontade de pôr termo ao contrato celebrado com a recorrida. VI) – Neste circunstancialismo, a sua pretensão de obter da recorrida a remuneração de serviços que não podia prestar, por via de tal cláusula de exclusividade, exprime uma clara violação das regras da boa-fé, sendo clamorosamente ofensiva do sentido de justiça e do cumprimento diligente e sem mácula do contrato, exprimindo abuso do direito. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA, intentou em 22.02.2007, na comarca de Vila Franca de Xira – 2º Juízo Cível – acção declarativa de condenação com processo ordinário, contra: BB-“A... Futebol SAD”. Pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 133.152,72, acrescida de juros vincendos. Alegou para tanto, e em síntese, ter celebrado com a Ré, em 9.02.2005, um contrato de prestação de serviço por cinco anos, mediante a contrapartida mensal de € 5.833,33 que a Ré incumpriu, ao deixar de lhe pagar, em Abril daquele ano, a remuneração acordada, correspondendo o pedido às remunerações em dívida e respectivos juros. A Ré contestou e deduziu reconvenção, pedindo que se declare a resolução do contrato de prestação de serviços celebrado com o Autor, por ter ocorrido uma alteração das circunstâncias que tornaram impossível a prestação do Autor, uma vez que este passou a prestar serviços a outra entidade desportiva e o Réu deixou de ter actividade desportiva profissional. Na réplica, o Autor manteve a posição do articulado inicial, e ampliou o pedido de condenação da Ré, com fundamento nas prestações entretanto vencidas, para a quantia de € 307.517,16, acrescida de juros vincendos. *** A final, foi proferida sentença que decidiu: I) - Julgar improcedente o pedido reconvencional e absolver o Autor do pedido; II) - Julgar a acção parcialmente procedente, condenando a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 34.999,98 com juros de mora. *** Ambas as partes apelaram, para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por Acórdão de 27.5.2010 – fls. 355 a 369 –, julgou improcedentes as apelações e confirmou a sentença recorrida. *** Inconformado, o Autor recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça e, alegando, formulou as seguintes conclusões: a) Pelo menos até Novembro de 2007, as partes não puseram expressamente termo ao contrato de prestação de serviços em apreço nos autos, celebrado em 9 de Fevereiro de 2005, para vigorar entre 1 de Julho de 2004 e 1 de Julho de 2009. b) A douta sentença de 1ª instância concluiu que o Autor tinha direito a receber todas as prestações vencidas até ao final do contrato, no valor de € 5.833,33 € (+ IVA) cada, desde o mês de Abril de 2005 inclusive, até ao dia 1 de Julho de 2009, acrescidas dos respectivos juros de mora, à taxa legal. c) Não se verificou qualquer alteração de circunstâncias que justificasse a resolução do contrato e, a existir qualquer fundamento, a resolução não podia operar, uma vez que a Ré já se encontrava em mora no pagamento das retribuições mensais. d) Ainda que sem justa causa para o efeito, a Ré resolveu o contrato de prestação de serviços em apreço por via da contestação apresentada nos presentes autos. e) Até à apresentação da contestação, e mesmo depois de interpelada extrajudicialmente, a Ré nunca manifestou qualquer intenção em não cumprir o contrato por força de qualquer incompatibilidade com outro vinculo do Autor, nem por força de qualquer impossibilidade do Autor em efectuar a sua prestação, ou mesmo por força de qualquer alteração das circunstâncias, assim como, nunca manifestou intenção em resolver o contrato, nem nunca negou a existência do direito do Autor De qualquer forma, f) O Autor nunca manifestou expressa ou tacitamente, antes pelo contrário, qualquer vontade em fazer cessar o contrato de prestação de serviços celebrado com a Ré. g) Não se mostram provados quaisquer factos concretos que permitam concluir pela incompatibilidade e pela impossibilidade prática de manutenção, em simultâneo, do vínculo de prestação de serviços com a Ré e do vínculo laboral com a CC-S...SAD. h) O contrato de trabalho celebrado com a CC-S...SAD em 21.1.2005 terminou em 30.06.2006. i) Esse carácter de exclusividade, que apenas abrangia o exercício de qualquer outra actividade laboral, excluindo assim a prestação de serviços, para além de ter vigorado apenas durante pouco mais de oito meses, dizia respeito apenas à relação laboral do Autor com a CC-S...SAD, cabendo apenas a esta avaliar e julgar qualquer incumprimento da mesma. j) Perante inequívocos comportamentos posteriores, adoptados quer pelo Autor, quer pela própria Ré, em sentido totalmente antagónico (conforme documentos juntos aos autos pelo Autor com a réplica sob docs. 1 e 3), não se pode concluir que a celebração do contrato de trabalho com a CC-S...SAD tenha constituído qualquer exteriorização de vontade do Autor em fazer cessar o contrato de prestação de serviços celebrado com a Ré. Em suma, k) A celebração desse contrato de trabalho não consubstancia qualquer declaração tácita de extinção do contrato de prestação de serviços então vigente, verificando-se assim uma errada interpretação e aplicação do disposto no art. 217° do Código Civil. Por outro lado, l) Não se mostram provados factos concretos que sustentem a aplicabilidade do instituto do abuso do direito, previsto no art. 334º do Código Civil — disposição igualmente violada. Com efeito, m) Com base na doutrina, na vasta jurisprudência e na própria fundamentação da douta sentença de 1ª instância, que o acórdão recorrido corroborou, o instituto do abuso do direito assenta privilegiadamente no princípio da tutela da confiança. Ora, n) Os factos que resultam dos autos não demonstram que o Autor tenha gerado na Ré qualquer confiança de que não exerceria o seu direito, e que justifique uma maior protecção jurídica, designadamente, em detrimento do reconhecido direito do Autor em receber as retribuições que lhe são devidas. o) Não se pode considerar digna de tutela qualquer confiança da Ré no não exercício do direito do Autor, porquanto, os documentos já referidos demonstram claramente que a intenção do Autor sempre foi exercer o seu direito, primeiro, extrajudicialmente, e ainda na vigência do contrato de trabalho com a CC-S...SAD; e depois judicialmente, ainda na vigência do contrato de prestação de serviços. p) A partir de Junho de 2005, se o Autor não prestou mais serviços à Ré, foi apenas porque esta não os solicitou, mas aquele sempre manteve a sua disponibilidade para o efeito, conforme obrigação que resulta da prestação de serviços, na modalidade de avença. q) Não se mostra provado que o Autor tenha recusado prestar quaisquer serviços ou que não os tenha prestado por força da execução de qualquer outro contrato. Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o acórdão recorrido, substituindo-se por outro que julgue a acção totalmente procedente e condene a Recorrida na totalidade do pedido destes autos, designadamente, que condene também a Ré no pagamento ao Autor das retribuições de Outubro de 2005 até ao final do contrato, no valor global de €. 262,499,85 € (duzentos e sessenta e dois mil quatrocentos e noventa e nove euros e oitenta e cinco cêntimos), acrescido dos juros de mora, contados, à taxa legal, desde a data de vencimento das prestações até efectivo e integral pagamento. A Ré contra-alegou, pugnando pela confirmação do Acórdão. *** Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que as Instâncias consideraram provados os seguintes factos: 1) - Por escrito datado de 09.02.2005, que epigrafaram de “contrato de prestação de serviço”, AA, com primeiro outorgante, e BB-A... Futebol SAD, como segundo outorgante, celebraram o acordo cujos termos constam do documento nº1 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido. 2) - No referido acordo, o Autor AA obrigou-se a prestar ao BB-A... Futebol SAD, para apoio e desenvolvimento do objecto desta, os serviços de consultoria e assessoria técnica de que a SAD necessite e lhe solicite, pelo período de cinco anos, com início em 01.07.2004, mediante a remuneração mensal ilíquida de € 5.833,33. Nos termos da cláusula 2ª do contrato, os serviços a prestar pelo Autor ao BB-A... SAD, abrangem: a) Observação de atletas/jogadores profissionais de futebol ou jogadores amadores de outras equipas ou sociedades desportivas, em vista da sua possível contratação, transferência ou empréstimo pela SAD ou em vista da sua possível cedência pela SAD, bem como em vista de outra finalidade; b) Acompanhamento, aconselhamento, apoio ou orientação de jogadores profissionais de futebol da SAD, bem como de jogadores, em todos os escalões do Futebol Clube de Alverca, em vista da sua formação, orientação ou da sua possível profissionalização, bem como qualquer outra finalidade que a SAD lhe indique; c) Apoio e colaboração com o treinador de futebol principal da equipa técnica da SAD, designada e exemplificativamente, observação dos jogadores das equipas adversárias. 3) - Na cláusula 6ª do contrato, as partes consignaram que “a denúncia, rescisão ou revogação do presente contrato, confere sempre o direito a indemnização não inferior ao período de duração em falta, salvo caso de justa causa.” 4. Por escrito de 21.10.2005, que as partes epigrafaram de “Contrato de Trabalho Desportivo de Treinador de Futebol”, o Autor AA, adiante designado por Treinador, e CC-“S... – Sociedade Desportiva de Futebol, SAD”, fizeram constar: “É celebrado o presente contrato de Trabalho Desportivo de Treinador que se regerá pelas cláusulas seguintes: Pelo presente contrato, a CC-S...SAD contrata o Treinador para exercer, de forma exclusiva e sob a sua direcção, as funções de treinador principal da equipe de futebol profissional sénior; A CC-S...SAD obriga-se a pagar ao Treinador, durante a vigência do presente contrato, a remuneração anual ilíquida de € 50.000,00, a qual será paga através de 9 prestações mensais, a primeira no montante de € 2.000,00 e as restantes em 8 prestações mensais, sucessivas e iguais no montante ilíquido de € 6000,00 (…); As remunerações vencem-se no dia 5 de mês seguinte àquele a que disserem respeito; Ao Treinador é assegurado o período de férias previsto no CTT aplicável; O presente contrato tem início na presente data e termo no dia 30-06-2006, caducando, sem mais, uma vez expirado o prazo; Ao treinador é vedado na vigência do contrato o desempenho de qualquer actividade laboral remunerada, salvo se houver convenção em contrário ou autorização expressa do CC-S...SAD; (…)”. 5) - Por escrito datado de 21.10.2005, que epigrafaram de “Aditamento ao Contrato de Trabalho Desportivo de Treinador Profissional”, a CC-S...SAD e o Autor, acordaram nos termos do documento de fls. 194 e 195, cujo teor aqui se dá por reproduzido. 6) - O Autor não informou a Ré, em momento anterior ou posterior a 21 de Outubro de 2005, da celebração do acordo com o CC-S...SAD, referido supra em 4). 7) - Pela apresentação de 07.01.2000, encontra-se averbada na matrícula ... da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, a inscrição do BB-A... Futebol SAD, cujo objecto “é a participação numa modalidade, nomeadamente futebol, em competições desportivas de carácter profissional, promoção e organização de espectáculos desportivos e fomento ou desenvolvimento de actividades relacionadas com a prática dessa modalidade.” 8) - Pela inscrição 1, encontra-se averbada na matrícula ... da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, a inscrição da firma CC-“S... Sociedade Desportiva de Futebol, SAD” sociedade anónima, cujo objecto “é a participação nas competições profissionais de futebol, promoção e organização de espectáculos desportivos e o fomento ou desenvolvimento das actividades relacionadas com a prática desportiva profissionalizada na modalidade futebol.” 9) - Pela Ap. nº 0... de 04.06.2007, encontra-se registada na Conservatória do Registo Automóvel de Lisboa, a propriedade do veículo de marca A..., matrícula ...-...-ZE, a favor de DD, e a seguinte inscrição: proprietários anteriores: EE-S..., SA, registo de propriedade nº 0... em 26.11.04, FF-M... Aluguer e Comércio de Automóveis SA, registo de propriedade nº 0... em 16.12.2004. 10) - A partir do mês de Abril de 2005 (inclusive), a Ré não entregou ao Autor as quantias aludidas no contrato e referidas supra no nº2. 11) - A partir do mês de Junho de 2005 (inclusive) o Autor não prestou/entregou à Ré e a mesma não lhos solicitou, o aludido na cláusula 2ª do escrito. 12) - A partir do mês de Junho de 2005 (inclusive), o Autor não compareceu nas instalações da SAD ou no complexo desportivo. 13) - Desde o mês de Junho de 2005 (inclusive), a Ré deixou de poder participar e não o fez, em competições profissionais de futebol. 14) - Desde o mês de Junho de 2005 (inclusive), a Ré deixou de poder promover ou organizar espectáculos desportivos ou actividades relacionadas com a prática desportiva personalizada (queria-se dizer profissionalizada) da modalidade de futebol. 15) - O referido nos dois números anteriores foi comunicado pela Ré ao Autor. 16) - Desce o dia 21 de Outubro de 2005, que o Autor exerce a actividade profissional no CC-S...SAD, de forma exclusiva. 17) - Desde Abril de 2005, que o Autor deixou de entregar ou apresentar declaração na Repartição de Finanças qualquer declaração referente à prestação dos serviços aludidos no escrito que celebrou com a Ré. 18) - A Ré facultou ao Autor o veículo aludido supra em 9), que esteve na posse do mesmo até ao ano de 2007. 19) - Incumbia à Ré o pagamento das prestações mensais devidas pela locação de tal veículo, o que deixou de fazer no ano de 2006. 20) - Por carta de 31.01.2007, o Réu enviou ao Autor certificado internacional de seguro automóvel referente ao veículo supra referido. Fundamentação: Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que – em regra – se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber se o recorrente pôs termo ao contrato celebrado com a recorrida, e se age com abuso do direito ao exigir o pagamento integral da remuneração com ela acordada, mesmo depois de ter, em regime de exclusividade, celebrado um contrato com entidade terceira. Vejamos. O Autor, em 9.2.2005, pelo período de cinco anos, com início em 1.7.2004, celebrou com a recorrida um contrato pelo qual se obrigava a prestar serviços de consultoria e assessoria técnica de que a SAD necessitasse e lhe solicitasse, pelo período de cinco anos, mediante a remuneração mensal ilíquida de € 5.833,33. Nos termos da cláusula 2ª do contrato, os serviços a prestar pelo Autor à “BB-A... SAD”, abrangiam: a) Observação de atletas/jogadores profissionais de futebol ou jogadores amadores de outras equipas ou sociedades desportivas, em vista da sua possível contratação, transferência ou empréstimo pela SAD ou em vista da sua possível cedência pela SAD, bem como em vista de outra finalidade; b) Acompanhamento, aconselhamento, apoio ou orientação de jogadores profissionais de futebol da SAD, bem como de jogadores, em todos os escalões do Futebol Clube de Alverca, em vista da sua formação, orientação ou da sua possível profissionalização, bem como qualquer outra finalidade que a SAD lhe indique; c) Apoio e colaboração com o treinador de futebol principal da equipa técnica da SAD, designada e exemplificativamente, observação dos jogadores das equipas adversárias”. Em 21.10.2005, o Autor, sem que tivesse sido posto termo àquele contrato por denúncia, rescisão ou revogação como previa a cláusula 6ª que rege sobre as consequências, na perspectiva do direito de indemnização em caso de cessação do contrato por algum daqueles meios, prevendo que, não existindo justa causa, o rompimento implicava o direito a indemnização não inferior ao período de duração em falta, celebrou um contrato de trabalho desportivo de Treinador de Futebol com o “CC-S...-Sociedade Desportiva de Futebol SAD”, para “ para exercer, de forma exclusiva e sob a sua direcção, as funções de treinador principal da equipe de futebol profissional sénior”. O Autor não informou a Ré da celebração deste contrato. A Recorrida, desde Abril de 2005 (inclusive), não procedeu ao pagamento da quantia acordada a título de remuneração devida pela actividade do Autor. Este, por sua vez, desde Junho de 2005 (inclusive) deixou de comparecer nas instalações da SAD do Alverca ou no complexo desportivo. Desde aquele mês de Junho de 2005, a Ré deixou de poder promover ou organizar espectáculos desportivos ou actividades relacionadas com a prática desportiva profissionalizada, factos que foram comunicados ao Autor. Desde Abril de 2005, o Autor deixou de entregar ou apresentar na Repartição de Finanças qualquer declaração referente à prestação dos serviços contratados com a Ré. Ora é neste quadro factual que o Autor reclama o direito a receber da Ré as remunerações contratuais estipuladas até ao termo do contrato – 1.7.2009 – sustentando que não cessou a relação jurídico-contratual celebrada com a recorrida. Não dissentem as partes que, entre o Autor e a recorrida, foi celebrado um contrato de prestação de serviço na modalidade de avença – art. 1154º do Código Civil – competindo ao Autor, como treinador de futebol, prestar serviços de consultoria e assessoria técnica envolvendo – a) observação de atletas/jogadores profissionais de futebol ou jogadores amadores de outras equipas ou sociedades desportivas, em vista da sua possível contratação, transferência ou empréstimo pela SAD ou em vista da sua possível cedência pela SAD, bem como em vista de outra finalidade; b) acompanhamento, aconselhamento, apoio ou orientação de jogadores profissionais de futebol da SAD, bem como de jogadores, em todos os escalões do GG-Futebol Clube de A..., em vista da sua formação, orientação ou da sua possível profissionalização, bem como qualquer outra finalidade que a SAD lhe indique; c) apoio e colaboração com o treinador de futebol principal da equipa técnica da SAD, designada e exemplificativamente, observação dos jogadores das equipas adversárias”. Por se tratar de um contrato inominado de prestação de serviço, aplica-se o regime do art. 1167º – obrigações do mandante – do Código Civil por força do art.1156º do mesmo diploma –“As disposições sobre o mandato são extensivas, com as devidas adaptações, às modalidades do contrato de prestação de serviço que a lei não regule especialmente”. Na bem elaborada sentença da 1ª Instância considerou-se que, em princípio, o Autor teria direito a receber a remuneração acordada com a Ré desde Abril de 2005, mas ponderando que após Junho desse ano o Autor celebrou, em regime de exclusividade, um contrato com a CC-S...SAD e soube nesse mês que a recorrida deixara de poder participar em competições profissionais de futebol e de poder promover espectáculos desportivos ou relacionados com a prática desportiva profissionalizada de futebol, considerou a aplicação ao contrato de prestação de serviço do regime previsto para a extinção do mandato, concluindo que o contrato caducou por declaração de vontade tácita do Autor. Januário da Costa Gomes, in “Em Tema de Revogação do Mandato Civil”, Almedina, Coimbra, 1989, pág. 29, ensina: “O artigo 1174º não é taxativo na enumeração das causas da caducidade; não alude desde logo ao decurso do prazo, quando o mandato tenha sido conferido por tempo determinado. Também a verificação de uma condição resolutiva ou a certeza de não verificação da condição suspensiva se não encontram previstas; no entanto, o mandato não deixa de caducar nestes casos por aplicação das regras gerais. Também não existe qualquer alusão à caducidade do submandato em consequência da extinção do contrato principal. (…). […] Também não se encontra prevista a causa de caducidade resultante do facto de a obrigação de uma das partes de tomar impossível por caso fortuito ou de força maior: é chamada caducidade por inexecução, uma das especialidades dos contratos bilaterais estabelecida no art. 795º […] não existe, por parte da lei, o propósito de, através das figuras previstas, esgotar todas as causas possíveis de cessação do mandato.” (sublinhado nosso) Não constituindo a impossibilidade da Ré poder prosseguir com a sua participação em competições profissionais de futebol e de poder promover espectáculos desportivos ou relacionados com a prática desportiva profissionalizada de futebol, caso fortuito ou de força maior, [a Ré nada alegou a esse propósito], tudo levando a crer que a impossibilidade se deveu a impedimentos regulamentares, releva, sobretudo, a actuação do Autor para ajuizar sobre a forma como executou o contrato com a Ré. Como é sabido, as partes na execução do contrato devem agir de boa-fé – art. 762º, nº1, do Código Civil – ou seja, com lisura, decência e respeito pelos interesses da contraparte, estando vinculadas a deveres acessórios de conduta onde avulta o dever de informação das circunstâncias relevantes para a manutenção da confiança, valor caro no domínio da fides contratual. A proibição de alterum non ladere (2). O contrato de mandato (prestação de serviço), como negócio típico de cooperação entre pessoas, assenta numa relação de confiança. É um contrato intuitu personnae. A cessação da relação obrigacional de prestação de serviço (mandato) opera-se, em primeiro lugar, pelo cumprimento do programa obrigacional. Mas, para além desse modo normal de cessação do vínculo, o contrato de prestação de serviços pode cessar pela ocorrência de factos jurídicos (lato sensu) extintivos não expressamente previstos na remissão para o regime legal do contrato de mandato que, por não se reconduzirem ao integral cumprimento das obrigações decorrentes do contrato são, diríamos, atípicos. Aqui a pertinência da Lição do Professor de Brandão Proença, in “A Resolução do Contrato no Direito Civil”, 1982, págs. 63 e 70/1: “O fundamento ético-jurídico e o interesse económico-social do cumprimento recíproco do contrato ou da sua estabilidade, referidos genericamente nos arts. 406°, 1, 1ª parte, e 762°, do Código Civil, podem ser postos em crise por situações de inexecução “subjectiva” ou em hipóteses objectivamente “injustas”, é também à luz da consideração que “a racionalidade do instituto resolutivo está decisivamente conexionada com as incidências contratuais (éticas) ao princípio da boa-fé na dupla direcção em que é afirmada (as obrigações de lealdade e de cooperação, integrantes de um verdadeiro dever de cumprir “qua tale”) que deve aferir-se da justeza da aplicação do instituto”. (destaque e sublinhado nosso). O mandato pode cessar por revogação, distrate, denúncia, caducidade e por resolução. Ao lado dos casos de revogação tácita (art. 1171º Código Civil), o mandato pode ser revogado por qualquer das formas de celebração negocial admitidas no Código Civil - (arts. 224º segs.). O Autor parece retirar relevância ao facto de, na vigência do contrato com a Ré, ter celebrado com a “CC-S...SAD”, em 21.10.2005, um contrato de treinador de futebol em regime de exclusividade. A cláusula de exclusividade aposta num contrato implica que o obrigado assuma uma prestação semelhante ou afim a favor de outrem. Tal cláusula, desde logo, tornou inviável senão impossível jurídica e factualmente, a manutenção do contrato de prestação de serviço com a Ré; ademais, se a Ré deixou de pagar a remuneração a partir de Abril de 2005, também o Autor, a partir de Junho de 2005, deixou de lha oferecer (mesmo antes de ter celebrado o contrato com a CC-S...SAD). Houve, pelo menos, recíproca mora no cumprimento das recíprocas prestações coenvolvidas no sinalagma contratual, que o contrato bilateral e oneroso postula. Ao Autor, agindo segundo o padrão exigido pela boa-fé na execução do contrato – art. 762º, nº1, do Código Civil – competia ter informado a Ré que se vinculara ao CC-S...SAD, em regime de exclusividade, o que importaria a impossibilidade superveniente, culposa, de oferecer a sua prestação, sendo que essa impossibilidade radicou na sua vontade porque podia e deveria ter rescindido o contrato com a recorrida, por ter celebrado um outro que lhe proibia (por via de tal cláusula) continuar a prestar os seus serviços à recorrida. Com o devido respeito, não parece defensável que o recorrente sustente que o vínculo contratual com a Ré perdurou apesar do novo contrato, por não ter sido cessado por iniciativa de qualquer das partes. Não pode ignorar-se que o Autor, em Junho de 2005, foi informado, pela Autora que não poderia prosseguir com a sua actividade no futebol profissional, o que revela que neste aspecto a Ré agiu com lisura; mas o Autor, sabendo que estava vinculado a outra entidade em regime de exclusividade, entende que poderiam coexistir as duas vinculações. Deveria tê-lo provado o que não almejou; bem ao invés provou-se que o Autor deixou de comparecer nas instalações da recorrida e no seu complexo desportivo a partir de Junho de 2005 (inclusive) – item 12) dos factos provados. Concluímos assim, acompanhando as Instâncias, que o Autor resolveu o contrato através de uma declaração negocial tácita – art. 217º, nº1, do Código Civil. Segundo Mota Pinto – “Teoria Geral do Direito Civil” – 4ª edição por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto – Coimbra Editora – Maio 2005, pág. 413 e segs. “Pode definir-se a declaração de vontade negocial como o comportamento que, exteriormente observado, cria a aparência de exteriorização de um certo conteúdo de vontade negocial caracterizando, depois, a vontade negocial como a intenção de realizar certos efeitos práticos, com ânimo de que sejam juridicamente tutelados e vinculantes”. O Professor Heinrich Ewald Hörster, in “A Parte Geral do Código Civil Português-Teoria Geral do Direito Civil” – págs. 433 e segs., ensina: “A declaração negocial é tácita quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, “a” revelam, referindo-se o “a” à vontade (art. 217º, nº1, 2ª alternativa). Uma declaração tácita é portanto uma manifestação indirecta da vontade que se baseia num comportamento concludente do declarante. O comportamento destina-se principalmente (ou simultaneamente) a um outro fim, mas permite a conclusão no sentido da existência de uma dada vontade negocial. O comportamento declarativo não aparece como visando directamente — de uma maneira frontal – a exteriorização da vontade que se considera declarada por essa forma […]”. O Autor, ao ter na vigência do contrato com a Ré, celebrado, sem o conhecimento desta e durante o período de vigência do contrato, um outro contrato com entidade terceira, em regime de exclusividade para prestação de serviços incompatíveis física e juridicamente com o compromisso anterior, e ao ter deixado de comparecer no local de trabalho, exprimiu de forma concludente e tacitamente a sua vontade de pôr termo ao contrato celebrado com a recorrida. Nem se diga – [disso o Autor não fez qualquer prova] – que o primeiro contrato subsistia, por a Ré não lhe ter solicitado os serviços envolvidos na previsão contratual. Se do contrato constasse alguma cláusula em que a prestação do Autor, apenas e tão só, seria devida quando solicitada, essa argumentação seria relevante, mas a natureza do contrato, o complexo de deveres envolvidos na prestação do Autor, não se compaginam com essa perspectiva, basta atentar na Cláusula 2ª do acordo. Por alguma coisa os treinadores de futebol – tão dependentes da roda da fortuna – mantêm uma relação de indispensável proximidade (3), ou com o “acompanhamento, aconselhamento, apoio ou orientação de jogadores profissionais de futebol da SAD, bem como de jogadores, em todos os escalões, do GG-Futebol Clube A..., em vista da sua formação, orientação ou da sua profissionalização”. com os Clubes ou SAD,s que é postulada pela assistência aos treinos, pela observação e acompanhamento dos jogadores, para já não falar na actividade que lhes compete na competição (jogos, etc.), o que é público e notório. Sustenta o recorrente que não é abusiva do direito – art. 334º do Código Civil – a sua pretensão de exigência do pagamento de todas as remunerações até ao final do prazo por que foi celebrado o contrato, que considera em vigor, por nenhuma das partes lhe ter posto termo. Salvo melhor opinião, não só o Autor resolveu o contrato tacitamente, a partir da data em que celebrou um contrato de trabalho, em regime exclusividade com o CC-S...SAD, na vigência do contrato que o vinculava à recorrida, como a sua pretensão de obter também da recorrida a remuneração de serviços que não podia prestar por via de tal cláusula exprimem uma clara violação das regras da boa-fé. A sua conduta é clamorosamente ofensiva do sentido de justiça e do cumprimento diligente e sem mácula do contrato. Neste quadro e tendo ainda em conta que, apesar da extinção do vínculo contratual, o Autor, sponte sua, não entregou à Ré um automóvel que lhe foi cedido em regime de leasing, mesmo apesar da Ré ter deixado de pagar, em 2006, as respectivas rendas (contratualmente a seu cargo), só vindo a fazer a entrega do automóvel em 2007, quando desde Junho de 2005 nenhuns serviços lhe prestava, o que evidencia que a exigência remuneratória nos termos peticionados, colide com o sentimento de justiça, devendo tal pretensão ser detida pela invocação do instituto do abuso do direito (4). Pelo quanto dissemos a pretensão recursiva do recorrente não pode vingar. Decisão. Nestes termos nega-se a revista. Custas pelo Autor/recorrente. Supremo Tribunal de Justiça, Lisboa, 8 de Fevereiro de 2010. Fonseca Ramos (Relator) Salazar Casanova Azevedo Ramos _________________________________________ (1) Relator – Fonseca Ramos. Ex.mos Adjuntos. Conselheiro Salazar Casanova. Conselheiro Azevedo Ramos. (2) Digesto,1.1,10,1. (3) Não se acompanha a argumentação do Autor quando afirma, pág. 426 das alegações – “Não se vislumbra qualquer incompatibilidade (teórica ou prática) entre o exercício das funções de treinador de futebol com a “observação de atletas/jogadores profissionais ou jogadores amadores de outras equipas, clubes ou sociedades desportivas”, ou com o “acompanhamento, aconselhamento, apoio ou orientação de jogadores profissionais de futebol da SAD, bem como de jogadores, em todos os escalões, do Futebol Clube A..., em vista da sua formação, orientação ou da sua profissionalização”. (4) O art. 334º do Código Civil, acolhe a concepção objectiva do abuso do direito, segundo a qual não é necessário que o titular do direito actue com consciência de que excede os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico ou social do direito. A lei considera verificado o abuso, prescindindo dessa intenção, bastando que a actuação do abusante, objectivamente, contrarie aqueles valores. Como ensina o Professor Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, 7ª edição, pág. 536: - “Para que o exercício do direito seja abusivo, é preciso que o titular, observando embora a estrutura formal do poder que a lei lhe confere, exceda manifestamente os limites que lhe cumpre observar, em função dos interesses que legitimam a concessão desse poder. É preciso, como acentuava M. de Andrade, que o direito seja exercido”, em termos clamorosamente ofensivos da justiça”. – cfr. neste sentido, entre muitos, os Acs. deste Supremo Tribunal de Justiça, de 7.1.93, in BMJ 423-539 e de 21.9.93, in CJSTJ, 1993, III, 19. |