Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6ª SECÇÃO | ||
Relator: | GRAÇA AMARAL | ||
Descritores: | RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE DECLARAÇÃO RECEPTÍCIA PRAZO DE CADUCIDADE ÓNUS DE ALEGAÇÃO PEDIDO IMPLÍCITO IMPUGNAÇÃO PROPOSITURA DA ACÇÃO PROPOSITURA DA AÇÃO PRESSUPOSTOS EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA EXCEPÇÃO PERENTÓRIA RÉPLICA ACÇÃO DE SIMPLES APRECIAÇÃO AÇÃO DE SIMPLES APRECIAÇÃO EFICÁCIA CARTA REGISTADA | ||
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Data do Acordão: | 07/04/2019 | ||
Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | REVISTA PROVIDA | ||
Área Temática: | DIREITO FALIMENTAR – EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA / RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE / FORMAS DE RESOLUÇÃO E PRESCRIÇÃO DO DIREITO / IMPUGNAÇÃO DA RESOLUÇÃO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / CONTESTAÇÃO / RÉPLICA. | ||
Doutrina: | - Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição, Quid Juris, p. 510 e 511; - Gravato de Morais, Resolução em benefício da massa insolvente, Almedina, Coimbra, 2008, p. 161; - Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 4.ª edição, Almedina, Coimbra, 2012, p. 223. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CRIE): - ARTIGOS 123.º, N.º 1 E 125.º. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 584.º, N.º 2. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 08-09-2015, PROCESSO N.º 2299/09.8TBBCL-M.G1.S1; - DE 18-10-2016, PROCESSO N.º 7/13.8TBFZZ-G.E1.S1; - DE 03-07-2018, PROCESSO N.º 232/12.9TBTCS-AK.C2.S1; - DE 18-09-2018, PROCESSO N.º 195/14.6TYVNG-E.P1.S1. | ||
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Sumário : |
I - A declaração de resolução do negócio em benefício da massa insolvente assume a natureza de declaração unilateral receptícia, pelo que e em princípio, produzirá efeitos quando chegue ao poder do respectivo destinatário. II - A carta registada com aviso de recepção enquanto veículo através do qual a declaração de resolução é comunicada ao destinatário consubstancia apenas a forma de expedição da declaração de resolução. Assim, a eficácia da declaração de resolução não depende da recepção formal da carta que a contém, sendo atingida sempre que se mostre apurado que o destinatário dela tomou conhecimento independentemente do meio por que este foi obtido. III - São de caducidade os prazos estipulados no n.º1 do artigo 123.º do CIRE (em dissonância do que consta da epigrafe do preceito), iniciando o prazo de seis meses não com o mero conhecimento do acto ou negócio, mas com o conhecimento dos pressupostos necessários para a existência do direito (potestativo) de resolução. IV – O prazo de dois anos previsto no artigo 123.º, n.º1, do CIRE, constitui não só pressuposto do exercício do direito de resolver o negócio, mas concomitantemente, enquanto prazo-limite assume relevância jurídica como condição de eficácia da declaração de resolução, uma vez que a lei expressamente estatui que a mesma não pode ser levada a cabo pelo administrador nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência. V - O exceder do prazo de dois anos fixado no artigo 123.º, do CIRE, constituindo pressuposto e condição de eficácia da declaração de resolução impede que a mesma seja eficaz se não tiver chegado à esfera jurídica do respectivo destinatário dentro do prazo de dois anos fixado na lei. VI - Tendo a autora tomado conhecimento da declaração de resolução quatro anos após a declaração da insolvência, ultrapassado o prazo limite de dois anos, não pode a mesma considerar-se eficaz, produzindo os seus efeitos, designadamente no sentido de fazer iniciar o prazo de três meses estatuído no artigo 125.º, do CIRE, para a propositura da acção de impugnação. VII - A caducidade do direito de resolver o negócio, constituindo uma excepção de direito material com efeitos extintivos do direito de resolução, porque referente a matéria não excluída da disponibilidade das partes, carece de ser arguida nos articulados da acção para poder ser conhecida. VIII - Sendo de qualificar a acção de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente de simples apreciação negativa, a arguição da caducidade do direito de resolução pode ter lugar na réplica (cfr. artigo 584.º, n.º 2, do CPC). IX - Ainda que não tenha sido formulado expressamente o pedido de declaração de caducidade do direito de resolução, sendo invocada, na réplica, a preclusão do prazo de dois anos que a lei estabelece para o administrador da insolvência resolver o negócio, há que considerar que a arguição implícita da excepção se mostra suficiente para que poder ser conhecida pelo tribunal com todas as consequências legais daí decorrentes. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça,
I – relatório
4. Fixado valor da acção foi proferido saneador que julgou improcedente a excepção de erro na forma de processo e relegou para sentença o conhecimento da excepção de caducidade do direito de acção. Foi fixado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova.
5. Realizado julgamento foi proferida sentença (datada de 17-07-2018) que julgou a acção improcedente por caducidade do direito de impugnação da Autora.
6. Inconformada apelou a Autora, tendo o Tribunal da Relação do Porto proferido acórdão (07-12-2018) que julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença.
7. A Autora veio interpor recurso de revista excepcional, nos termos do disposto no artigo 672.º, n.º1, alíneas a), b) e c), do Código de Processo Civil[1], o qual foi admitido (acórdão da Formação de fls. 248/251) com fundamento na verificação do pressuposto ínsito na alínea a) do n.º1 do artigo 672.º do CPC.
8. A Recorrente formulou as seguintes conclusões (que, por súmula, se indicam):
9. Nas contra alegações a Ré defendeu a inadmissibilidade da revista e a improcedência do recurso.
II – APRECIAÇÃO DO RECURSO De acordo com o teor das conclusões das alegações (que delimitam o âmbito do conhecimento por parte do tribunal, na ausência de questões de conhecimento oficioso – artigos 608.º, n.º2, 635.º, n.4 e 639.º, todos do CPC) mostram-se submetida à apreciação deste tribunal as seguintes questões: 1 Os factos provados 1. Por escrito exarado por oficial público, na 1ª Conservatória do Registo Predial de Coimbra, em 12.01.2012, CC – , S.A. e BB, Lda. declararam vender e a autora declarou comprar, pelo preço de €85.000, a fracção autónoma “...”, correspondente ao primeiro andar esquerdo tipo, T-três, e estacionamento na cave com a letra “F”, situada em ..... lote ..... freguesia ..., concelho de Coimbra, do prédio descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o nº 0000 – cf. doc. de fls. 7-9, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 2. Do escrito referido em 1) consta: «as sociedades que a primeira representa vende à segunda a fracção autónoma supra identificada, pelo preço de oitenta e cinco mil euros, que já recebeu» – cf. doc. de fls. 7-9, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 3. A administradora da insolvência remeteu à autora uma carta, datada de 20.06.2013, registada com aviso de recepção, para a Rua ..... , ........... 3020-113 Coimbra. 4. A carta referida em 3) foi devolvida à administradora da insolvência, com a menção de “objecto não reclamado”. 5. Na carta referida em 3), a administradora da insolvência declarou resolvido o acordo referido em 1), com os fundamentos constantes de fls. 43-43 v.º – cf. doc. de fls. 43-43 v.º, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 6. No escrito referido em 1) consta como compradora a autora, residente na ......, nº ...., Coimbra. 7. Na presente acção, a autora indicou como sua residência a Rua ..... lote............., 3020-113 Coimbra. 8. Em 11 de Julho de 2016, a administradora da insolvência remeteu à autora uma carta, na qual fez constar que «sou a solicitar a V. Exa. se digne exercer o direito de preferência/licitação que lhe assiste enquanto comproprietária da fracção autónoma designada pela letra “F” (…)» – cf. docs. de fls. 48, 48 v.º e 49-49 v.º, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 9. A autora recebeu a carta referida em 8) em Julho de 2016. 10. A autora teve conhecimento do averbamento, no registo predial, do cancelamento parcial da aquisição da fracção autónoma identificada em 1) a seu favor entre os dias 12 e 19 de Julho de 2016. 11. A autora tomou conhecimento do teor da carta referida em 3) entre os dias 12 e 19 de Julho de 2016. 12. A presente acção foi proposta em 23 de Janeiro de 2017. 13. Na data indicada em 1), a fracção autónoma identificada em 1) tinha o valor de cerca de €80.000. 14. Relativamente ao preço indicado em 1), a autora pagou à insolvente a quantia de €60.000. 15. Relativamente ao preço indicado em 1), a autora não pagou a quantia de €25.000. 16. EE e Outros requereram a declaração de insolvência de BB, Lda., mediante petição inicial apresentada no tribunal em 14.02.2012. 17. Por sentença proferida em 20.06.2012, transitada em julgado, foi declarada a insolvência de BB, Lda. Secundando a sentença, o acórdão recorrido julgou improcedente a presente acção de impugnação destinada a impedir o efeito extintivo do negócio (compra e venda de metade indivisa de uma fracção urbana) objecto da resolução em benefício da BB, DD, Lda. com fundamento na caducidade do direito de impugnar, por decurso do prazo de três meses previsto no artigo 125.º, do CIRE. Considerou o tribunal recorrido que a Autora, quando da interposição da presente acção (em 23-01-2018), já havia esgotado o prazo (três meses) que a lei concede para o efeito, uma vez que resultou provado que tinha tomado conhecimento do teor da carta de resolução, pelo menos, em 19-07-2016 (pelo que lhe cabia ter instaurado a acção até 19-10-2016). Encontra-se esta decisão sustentada, em linhas gerais, no seguinte raciocínio: - a resolução em benefício da massa insolvente constitui uma declaração unilateral receptícia que só se torna eficaz quando chega ao poder do destinatário ou é dele conhecida; - a declaração de resolução por parte da Sra. Administradora da Insolvência dirigida à Autora por carta de 20-06-2013 apenas foi por esta conhecida em 19-07-2016, iniciando-se a partir desta data o prazo (caducidade) de três meses previsto no artigo 125.º, do CIRE; - ao propor a presente acção de impugnação em 23-01-2017 a Autora ultrapassou o prazo legal de que dispunha para o efeito e, como tal, encontra-se o seu direito (de impugnar a resolução do negócio) extinto por decurso do prazo; - o direito de resolver em benefício da massa insolvente por parte do administrador da insolvência caduca nos seis meses seguintes ao conhecimento do acto e depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência (artigo 123.º, n.º 1, do CIRE); - a caducidade do direito de resolução, por não se reportar a direitos indisponíveis, não pode ser conhecida oficiosamente, cabendo à parte excepcioná-la em momento processual oportuno, no caso, na réplica (por estar em causa acção de simples apreciação negativa); - arguida a excepção de caducidade apenas nas alegações da revista mostra-se a mesma extemporânea e, como tal, impeditiva de ser conhecida pelo tribunal; - embora no caso a resolução tenha sido realizada mais de dois anos após a declaração de insolvência, a extemporaneidade da arguição da caducidade do direito de resolução impede que possa ser conhecida e declarada nos autos. Insurge-se a Recorrente reiterando, em sede de revista, o posicionamento em que alicerçou o recurso de apelação e que assenta, essencialmente, em duas ordens de argumentos:
2.1 Da caducidade do direito da Autora de impugnar a resolução Como havia defendido na apelação, a Autora considera que, no caso, a declaração de resolução do negócio, materializada na carta de 20-06-2013, que a Administradora da Insolvência expediu, mas que não foi recebida pelo seu destinatário é, por isso, ineficaz; como tal, não podia ser convolada com o conhecimento posterior que dela teve por ter sido ultrapassado o prazo de dois anos que a lei concede para a sua efectivação. Segundo a Recorrente, a eficácia da comunicação resolutiva posteriormente conhecida pelo destinatário encontrar-se-ia dependente de chegar ao poder deste nos dois anos posteriores à declaração de insolvência. Há que lhe dar razão.
2.1.1 Em termos gerais, a ineficácia do acto jurídico (conceito vasto que abarca, por isso, a invalidade) reconduz-se a uma impossibilidade/incapacidade decorrente de qualquer motivo (intrínseco ou extrínseco ao mesmo) de aquele não poder produzir todos os efeitos que se destinaria a desencadear. No caso, está em causa a (in)eficácia da declaração de resolução em benefício da BB, Lda.[2] emitida pela Administradora da Insolvência através de carta de 20-06-2013, registada com aviso de recepção, a qual não foi recepcionada pela Autora por facto que não lhe pode ser imputado, como resulta assente nos autos. Não assume controvérsia a caracterização da declaração de resolução do negócio enquanto declaração unilateral receptícia porquanto a mesma, porque dirigida a alguém[3], só se efectiva mediante declaração à outra parte não se bastando, por isso, com a manifestação de vontade por parte do administrador da insolvência pois que apenas produzirá efeitos quando chegue ao poder do respectivo destinatário[4], isto é, só nessa altura se considera eficaz. Nestas circunstâncias a eficácia da declaração da resolução nada tem a ver com qualquer vício de forma ou irregularidade na sua formação, situando-se apenas no plano externo quanto à produção dos efeitos procurados com a sua emissão: de se dirigir e ser conhecida pelo respectivo destinatário. Assim sendo, a eficácia da declaração de resolução é atingida sempre que se encontre demonstrada tal finalidade, isto é, quando se mostre apurado que o destinatário dela tomou conhecimento independentemente da (não) recepção formal da carta que a contém[5]. Neste sentido o n.º3 do artigo 224.º do Código Civil, desvaloriza a recepção mediante a prova da falta de conhecimento não culposa por parte do destinatário. Assim e à partida, o conhecimento da declaração de resolução pela Autora por forma diversa da carta (missiva de 20-06-2013, emitida pela Administradora da Insolvência que, sublinhe-se, não pode ser tida como recebida, como concluíram as instâncias), não obstaria à eficácia da declaração de resolução por constituir mera formalidade de atingir o conhecimento do destinatário. Consequentemente, demonstrado no processo que a Autora, embora não tenha recepcionado a carta, tomou conhecimento do seu teor (cfr. n.º 11 dos factos provados), não pode deixar de se considerar que a declaração de resolução do negócio chegou ao poder/conhecimento do respectivo destinatário pelo menos desde 19-07-2016 e, nesse sentido, atingiu o fim a que se encontrava destinada: chegar ao conhecimento do destinatário, no caso, da Autora, ainda que por forma diversa. Todavia, a questão que se coloca é a de saber se a partir dessa data – 19-07-2016 – se iniciou o prazo para a propositura da acção ao abrigo do disposto no artigo 329.º, do Código Civil[6].
2.1.2 Defende a Autora que a eficácia da declaração se encontra condicionada ao limite temporal de dois anos e, nessa medida, considera que o conhecimento que teve do teor da carta de declaração de resolução, porque ocorrido quatro anos após a declaração de insolvência, não opera para efeitos de contagem do início do prazo (de três meses) de caducidade previsto no artigo 125.º, do CIRE. Cremos que lhe assiste razão. Na sequência do referido, a declaração de resolução enquanto declaração receptícia atingirá, em princípio, todos os seus efeitos (torna-se eficaz) quando, por qualquer meio/forma, é conhecida pelo destinatário. A lei, porém, quis estabelecer um prazo (objectivo) limite para o seu exercício: dois anos após a declaração de insolvência[7]. Dispõe o n.º1 do artigo 123.º do CIRE, que a “resolução pode ser efetuada pelo administrador da insolvência por carta registada com aviso de receção nos seis meses seguintes ao conhecimento do ato, mas nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência.”. Embora a epígrafe do preceito refira prescrição do direito, temos por adequado o entendimento[8] que considera estarem em causa prazos de caducidade (do direito potestativo à resolução do negócio)[9]. Relativamente ao prazo de seis meses, no que toca à questão do termo inicial do referido prazo e ao ónus de prova do mesmo, tem vindo a ser entendimento desta 6ª Secção que o conhecimento do acto a que alude citado artigo l23.º, n.º 1, do CIRE, não se basta com o mero conhecimento do acto ou negócio, implicando também o conhecimento dos pressupostos necessários para a existência do direito de resolução, cabendo ao impugnante da resolução a alegação e prova dos factos extintivos do direito à resolução, ou seja, da factualidade que integra a caducidade[10]. Se é certo que o prazo de seis meses constitui pressuposto do exercício do direito de resolver o negócio e, nesse sentido, assumem cabimento as considerações feitas no acórdão recorrido quanto à sua caracterização e efeitos - “é elemento exterior e independente desse acto que não transporta para o acto qualquer vício. O seu efeito é apenas o da fixação de um limite temporal para o exercício de um direito, a partir do qual o direito se extingue por se entender, legalmente, que o deixar passar do prazo manifesta um desinteresse pelo direito que justifica a sua extinção atenta a necessidade de assegurar a paz jurídica dos interessados.”-, não podemos acompanhar tal entendimento no que se reporta ao prazo de dois anos tal como o legislador o quis caracterizar, ou seja, como prazo limite inultrapassável. Trata-se não só de um pressuposto do exercício do direito de resolver o negócio mas, concomitantemente, enquanto prazo-limite, terá de assumir relevância jurídica como condição de eficácia da declaração de resolução uma vez que, nos termos da lei, não pode ser levada a cabo pelo administrador nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência (sublinhado nosso). Temos pois de concluir que o exceder do prazo fixado no artigo 123.º, do CIRE, para o exercício do direito de resolução do negócio por parte do administrador da insolvência constituindo pressuposto e condição de eficácia da declaração de resolução impede que a mesma, relativamente à Autora, se tenha tornado eficaz pois não chegou à sua esfera jurídica dentro do prazo de dois anos fixado na lei. Consequentemente, tendo a Autora tomado conhecimento da declaração de resolução em 19-07-2016 (quatro anos após a declaração da insolvência), uma vez ultrapassado o prazo limite de dois anos, não pode tal declaração considerar-se eficaz por forma a produzir todos os seus efeitos, designadamente no sentido de fazer iniciar o prazo de três meses estatuído no artigo 125.º, do CIRE, para a propositura da acção de impugnação. Assim sendo, embora a presente acção tenha sido proposta (em 23-01-2017) decorridos mais de três meses desde o conhecimento da declaração de resolução pela Autora, atenta a ineficácia da declaração, não se encontra caducado o direito da Autora impugnar a resolução.
2.2 Da caducidade do direito de resolver o negócio A decisão recorrida afastou o conhecimento da caducidade do direito de resolver o negócio por decurso do prazo previsto no artigo 123.º, do CIRE, por a Autora não a ter arguido no momento processualmente devido (até à réplica), mas apenas em sede de recurso. Defende, porém, a Recorrente que procedeu à invocação de tal excepção ainda que de forma imperfeita não estando, por isso, o tribunal impedido de a conhecer. Também quanto a este aspecto se impõe dar-lhe razão. Como concluiu o acórdão recorrido, a caducidade do direito de resolver o negócio, constituindo uma excepção de direito material com efeitos extintivos do direito de resolução, porque referente a matéria não excluída da disponibilidade das partes, carecia de ser arguida nos articulados da acção para poder ser conhecida (cfr. artigo 333.º, do Código Civil). Estando em causa acção de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente, que tem vindo a ser pacificamente qualificada pela Jurisprudência como uma acção de simples apreciação negativa[11], a arguição da caducidade do direito de resolução podia ter lugar na réplica (cfr. artigo 584.º, n.º 2, do CPC). Contrariamente ao concluído pelo tribunal a quo[12], embora a Autora tenha (na réplica) colocado ênfase na defesa da ineficácia da declaração de resolução, não acompanhamos a conclusão de que não dedicou qualquer artigo à invocação da caducidade do direito de resolução. Na verdade, analisada a posição da Autora, há que concluir que para além do vício que atribuiu à declaração resolutiva – ineficácia do acto resolutivo –, não deixou de fazer referência expressa (já no artigo 13.º da petição e em Y) do articulado de fls. 60/62) aos efeitos do decurso do prazo previsto no artigo 123.º, do CIRE, ainda que sob a veste de “preclusão do prazo de dois anos estabelecido no n.º1 do art. 123. in fine do C.I.R.E., ser restituído definitivamente o imóvel apreendido para a massa sob a verba n.º3 à esfera jurídica da ora A.”. Consideramos pois que, ainda que não tenha formulado expressamente o pedido de declaração de caducidade do direito de resolução, a invocação da preclusão do prazo de dois anos que a lei estabelece para o administrador da insolvência resolver o negócio, traduzindo a arguição implícita da caducidade do direito de resolução, mostra-se suficiente para que, neste âmbito, possa ser conhecida com todas as consequências legais pois que o tribunal a quo concluiu que quando a Autora teve conhecimento “do teor da declaração o que ocorreu em 19-07-2016. E, nessa altura, já tinham decorrido de facto já bem mais que os dois anos previstos no artigo 123.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”, sendo que “a ultrapassagem desse prazo conduz à caducidade do direito de resolução”. Verificando-se que no caso sob apreciação a declaração de resolução foi conhecida/comunicada à Autora mais de dois anos após a declaração de insolvência, para além da sua ineficácia nos termos acima decididos, não produziu efeito face à caducidade do direito de resolver, que se mostra implicitamente suscitada pela interessada na presente acção de impugnação. Procedem, assim, as conclusões das alegações.
IV. DECISÃO Custas (da acção e recurso) pela massa insolvente. Graça Amaral (Relatora) Henrique Araújo (com Declaração de Voto) Maria Olinda Garcia DECLARAÇÃO DE VOTO Quem for afectado pelo acto resolutivo em benefício da massa, tem o direito de impugnar a resolução, através de acção proposta contra a massa insolvente, nos termos do artigo 125º do CIRE, conquanto que o faça no prazo de três meses, aí estabelecido. Este é um prazo de caducidade, pelo que, decorrido, extingue-se o direito de acção, devendo em consequência ter-se como definitivamente verificada a resolução. [1] Doravante CPC [9] Cfr. entre outros Acórdãos do STJ de 18-10-2016, Processo n.º 7/13.8TBFZZ-G.E1.S1, de 03-07-2018, Processo n.º 232/12.9TBTCS-AK.C2.S1, [10] Cfr. Acórdão de 18-09-2018, Processo n.º 195/14.6TYVNG-E.P1.S1. |