Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
Relator: | RICARDO COSTA | ||
Descritores: | CONTRATO DE MÚTUO DÍVIDA LIQUIDÁVEL EM PRESTAÇÕES EXIGIBILIDADE INTERPELAÇÃO VENCIMENTO ANTECIPADO DECLARAÇÃO TÁCITA PRESCRIÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 05/29/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | REVISTA IMPROCEDENTE. | ||
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Sumário : | I. O art. 781º aplica-se a obrigações instantâneas com cumprimento fraccionado ou repartido em que o objecto mediato global está previamente determinado e o seu cumprimento se divide no tempo futuro em sucessivas “prestações” periódicas; prescreve-se que a falta de pagamento de uma das prestações (incumprimento), imputável ao devedor (mora solvendi), faz decair o benefício do prazo estabelecido a favor do devedor (art. 779º, 1.ª parte, CCiv.). II. Se acontecer assim tal incumprimento, verifica-se (em termos correctivos) a exigibilidade antecipada de todas as prestações vincendas (caducidade do prazo que ainda não se tinha vencido), atribuindo ao credor o poder-faculdade de, uma vez faltado o devedor ao pagamento de uma prestação, reclamar o cumprimento imediato da obrigação integral (de todas as prestações) em falta antes do tempo ou, em alternativa, de não exigir, mantendo os prazos iniciais das prestações; na ausência de interpelação, ainda que se tenha verificado tal incumprimento, as prestações seguintes continuam a vencer-se na data prevista e o devedor não fica constituído em mora (por outras palavras, a data do vencimento não passa a ser a data da primeira “prestação” faltosa). Esta é mais uma hipótese de exigibilidade antecipada a acrescer às que estão previstas no 780º do CCiv. (agregadas na perda de confiança do credor na capacidade de cumprimento do devedor). III. A norma do art. 781º do CCiv. é supletiva. IV. O vencimento de todas as prestações, exigíveis antecipadamente, depende de o credor reclamar junto do devedor a correspondente realização através da respectiva interpelação para cumprimento imediato (direito potestativo modificativo para conversão em obrigação pura), condição para que o devedor fique adstrito a realizar a obrigação integral em falta (resultante das prestações vincendas exigíveis, acrescidas das prestações vencidas anteriormente) desde a data do vencimento imediato (necessidade-regra de interpelação para a conversão da exigibilidade antecipada em vencimento imediato). V. No caso de mútuo oneroso com amortização-reembolso convencionado em “prestações” (quotas ou fracções) restitutórias, tal interpelação, por força do regime do art. 781º do CCiv. ou de cláusula contratual que, nessa lógica de vencimento adoptada pela lei para a caducidade do prazo, reconheça ao credor o direito de considerar o vencimento imediato das prestações vincendas e sucessivas ao primeiro incumprimento (sem acordo das partes sobre o vencimento automático), poderá ser feita, expressa ou tacitamente (art. 217º, 1, CCiv.), durante o decurso do período previsto para o reembolso do mútuo (e antes da propositura da acção destinada ao exercício do direito de crédito vencido antecipadamente e interruptiva da prescrição aplicável). VI. Ocorrendo o vencimento antecipado na data correspondente ao incumprimento da primeira prestação (mora convertida objectivamente em incumprimento por força da interpelação para esse efeito), o prazo de prescrição aplicável, nos termos do art. 310º, e), do CCiv., começa a contar na data desse vencimento e em relação a todas as «quotas de amortização do capital pagáveis com juros» exigíveis até ao fim do contrato e assim vencidas antecipadamente (nos termos do segmento uniformizador do AUJ n.º 6/2022). | ||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 592/22.3T8PRT-A.P2.S1 Revista – Tribunal recorrido: Relação do Porto, … Secção Acordam na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça I) RELATÓRIO 1. A «Caixa Geral de Depósitos, S.A.», entretanto sucedida nos autos pela «Hefesto STC, S.A.» por habilitação legal fundada em cessão de créditos e aplicação do DL 42/2019 (cfr. requerimento de 30/6/2022, ref.ª CITIUS 42737319, e consignação de 4/7/2022, ref.ª CITIUS .......76), instaurou acção executiva sumária para pagamento de quantia certa contra «Ideável Investimentos Imobiliários, S.A.», sendo atribuído à execução o n.º 592/22.3T8PRT. A Exequente apresentou os seguintes títulos e alegação/pedido no requerimento executivo: (i) contrato de mútuo com hipoteca e fiança (operação de crédito n.º PT ...............91), no qual a Executada figura como mutuária, celebrado em 12/8/2003, com valor mutuado e entregue de € 450.000, a amortizar em 12 meses, prorrogados, com a última prestação paga em Janeiro de 2016; peticiona o capital vencido de € 69.837,45, acrescido de juros desde 12.02.2016, à taxa contratual de 7,1050%, acrescida da sobretaxa de 3%, sendo os vencidos em 04.01.2022 de € 29.554,67, totalizando o valor em dívida de € 100.310,46; (ii) contrato de mútuo com hipoteca e pacto de preenchimento de livrança (operação de crédito n.º PT ...............91), no qual a Executada figura como mutuária, celebrado em 20/4/2010, com valor mutuado e entregue de € 249.110,17, a amortizar em 10 anos, com a última prestação paga em novembro de 2015; peticiona o capital vencido de € 159.659,74, acrescido de juros desde 20.01.2016, à taxa contratual de 7,2050%, acrescida da sobretaxa de 3%, sendo os vencidos em 4/1/2022 de € 59.061,77, totalizando o valor em dívida de € 221.855,32. O pedido global ascende a € 322.165,78. 2. A Executada veio, neste apenso, deduzir oposição mediante Embargos de Executado, requerendo a extinção da execução, alegando e peticionando em síntese: a prescrição do direito de crédito exequendo, uma vez que o incumprimento e o vencimento antecipado datam de janeiro de 2016 e a presente execução apenas foi instaurada em 2022, sendo de 5 anos o prazo de prescrição; inexigibilidade da obrigação exequenda, uma vez que os documentos juntos não permitem verificar o cálculo da dívida e os juros são excessivos. A Exequente e Embargada apresentou Contestação, sustentando: verificou-se a interrupção da prescrição no quinto dia subsequente à apresentação da execução; a Exequente já havia reclamado créditos no processo de insolvência do administrador da embargante, o qual também garantiu a dívida exequenda; tendo sido considerado o vencimento antecipado do capital vincendo, aplica-se o prazo de prescrição ordinário de 20 anos; o cálculo da dívida está espelhado nas notas de débito, tais como os juros. 3. Foi realizada audiência prévia e proferido saneador-sentença. Interposto recurso, foi revogado. Prosseguidos os autos, foi proferido despacho saneador, com fixação do objecto do litígio (“Da prescrição da obrigação exequenda. / Da inexigibilidade da obrigação exequenda.”). 4. Realizada audiência de julgamento, o Juiz ... do Juízo de Execução ... proferiu sentença (3/7/2023), julgando “parcialmente procedentes os embargos de executado, e, em conformidade, por via da prescrição parcial dos créditos exequendos relativamente à executada/embargante, absolvo esta parcialmente do pedido executivo: - Relativamente ao primeiro contrato referido nos factos provados, quanto aos juros de mora peticionados como vencidos até 5 anos e 160 dias antes de 11.01.2022; - Relativamente ao segundo contrato referido nos factos provados, quanto às prestações contratuais de capital e de juros vencidas até 5 anos e 160 dias antes de 11.01.2022, sendo os embargos improcedentes quanto ao remanescente peticionado”. Foi fixado o valor da causa, com trânstio em julgado: € 322.165,78. 5. A Executada e Embargante «Ideável» interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, que conduziu a ser proferido acórdão (8/1/2024) que julgou parcialmente a apelação, revogando-se a decisão proferida pelo tribunal a quo e, em conformidade, julgando “parcialmente procedentes os embargos de executado, absolvendo-se a embargante do pedido, por prescrição dos seguintes créditos invocados pela exequente e embargada: - Todos os atinentes ao segundo contrato; - Os atinentes aos juros (e encargos e comissões conexas) até 5 anos e 160 dias após 14/02/2016 relativos ao montante ainda em dívida de 69837,45 Euros, que será acrescido dos juros convencionados e legais até integral pagamento”. 6. Inconformada, a Exequente e Embargada «Hefesto» interpôs recurso de revista para o STJ nos termos do art. 671º, 1, do CPC, finalizando as suas alegações com as seguintes Conclusões: A) O Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa de 08.01.2024 julgou parcialmente procedenteaApelaçãodaEmbarganteIdeável,InvestimentosImobiliáriosS.A.e,napartecom interesse para o presente recurso de Revista, decidiu que: “(…) absolvendo-se a embargante do pedido, por prescrição dos seguintes créditos invocados pela exequente e embargada: - Todos os atinentes ao segundo contrato; (…)”; B) A presente Revista apenas versa sobre a questão de, no seu entender e no que respeita ao 2º contrato, não existirem razões para ter sido alterada asentença proferida em 03.07.2023 pela 1.ª instância e que relativamente a este contrato havia decidido que: “Relativamente ao segundo contrato referido nos factos provados, quanto às prestações contratuais de capital e de juros vencidas até 5 anos e 160 dias antes de 11.01.2022. (…)”; C) AdiscordânciadaRecorrente prende-setãosomentecomainterpretaçãodadaaoartigo781.º do Código Civil no sentido de ter considerado que o contrato PT ...............91 se considerou vencido antecipadamente de forma automática e independentemente de qualquer interpelação da credora, já que tal estaria estipulado nas condições contratuais; D) O Tribunal da Relação de Lisboa considerou aplicável à operação de crédito PT...............91 o prazo de prescrição de 5 anos, quer ao quanto ao capital, quer quanto aos juros, nos termos das alíneas d) e e) do artigo 310.º do Código Civil, facto que aqui não é colocado em causa; E) AdiscordânciadaRecorrenteprende-secomainterpretaçãoquefoidadaàaplicaçãodoartigo 781.º do Código Civil, no sentido de ter considerado que ocorreu a resolução contratual do contrato PT ...............91 em novembro de 2015 e que, por essa razão, toda a dívida resultante desse contrato já se encontrava prescrita aquando da execução instaurada pela exequente CGD a 11 de janeiro de 2022; F) O Tribunal de 1.ª instância, na sua sentença de 03 julho de 2023, proferida após a produção de prova em audiência de discussão e julgamento e a devida análise de toda a prova documental constante nos autos, decidiu quanto ao contrato PT ...............91, que: “(…) Em face do exposto, vistos os princípios expostos e as indicadas normas jurídicas, julgo parcialmente procedentes os embargos de executado, e, em conformidade, por via da prescriçãoparcialdoscréditosexequendosrelativamenteàexecutada/embargante,absolvo esta parcialmente do pedido executivo: (…) - Relativamente ao segundo contrato referido nos factos provados, quanto às prestações contratuais de capital e de juros vencidas até 5 anos e 160 dias antes de 11.01.2022, sendo os embargos improcedentes quanto ao remanescente peticionado. (…)”; G) A data supra referida de “11.01.2022” corresponde precisamente ao 5º dia subsequente ao envioajuízodorequerimentoexecutivo,únicoeventoqueficoudemonstradoconstituircausa de interrupção de prescrição (cfr. artigo 323.º n.º 1 e n.º 2 do Código Civil); H) O contrato PT ...............91 foi celebrado a 20 abril de 2010, pelo prazo de 10 anos, ou seja, seria amortizado em 120 prestações mistas de capital e juros; I) De acordo com o plano financeiro, e mesmo após a alteração contratual que não alterou o prazo inicial, a última prestação deste contrato vencer-se-ia em março de 2020; J) O Tribunal a quo, no seu Acórdão de 08 janeiro de 2024, não efetuou uma correcta aplicação do regime jurídico decorrente do artigo 781.º do Código Civil, no sentido de considerar que bastava o não pagamento de uma prestação para que o contrato se considerasse integralmente vencido, sem necessidade da parte credora (à data a Caixa Geral de Depósitos S.A.) remeter qualquer comunicação/notificação à devedora nesse sentido; K) No Documento Complementar ao Instrumento Avulso do Notariado Privativo da Caixa Geral de Depósitos S.A., formalizado a 20 abril de 2010 quanto à operação PT ...............91, consta a Cláusula 17.ª intitulada “INCUMPRIMENTO/EXIGIBILIDADE ANTECIPADA” que estipula: “(…) A Caixa poderá considerar antecipadamente vencida e exigir o seu imediato pagamento (…)”; L) Essa faculdade foi conferida no interesse da parte credora que a poderia ou não exercer; M) Naalteraçãocontratualformalizadapelaspartes,areferidaCláusula17.ªfoi,tambémela,alvo de alterações, porém, no essencial, em nada afectou a essência da mesma; N) Ou seja, verificada alguma das situações elencadas, a primitiva credora Caixa Geral de Depósitosteriaa faculdade, casoopretendesse, deconsiderarintegralmente vencida a dívida; O) Mas o exercício de tal faculdade, de acordo com as mais elementares regras da boa-fé e lealdade que regemas relaçõescontratuais bem como os princípios da certezae da segurança jurídicas, nunca poderia dispensar uma prévia interpelação/comunicação aos devedores nos termos do artigo 224.º do Código Civil; P) Pelo que não pode a ora Recorrente concordar com a interpretação do Tribunal a quo quando explana que “(…) a exigibilidade imediata de todas as obrigações em caso de qualquer incumprimento contratual (como obviamente é o não pagamento tempestivo de uma prestação) estava, neste caso, contratualmente prevista, não sendo assim necessária “uma comunicação de vencimento imediato das prestações subsequentes”, pois que uma cláusula negociada entre as partes, ao abrigo da liberdade contratual, implica que o contrato seja pontualmentecumprido, nos termos do art. 405.º, n.º 1, edo art. 406.º, n.º 1, do C.C. (…)”; Q) Aliás, tivesse a primitiva credora Caixa Geral de Depósitos intentado a acção executiva em 2016, antes de se encontrarem vencidas as prestações subsequentes do contrato PT00352508002023691 – que terminaria em março de 2020 – sem fazer prova da interpelação à devedora com a declaração de resolução antecipada do contrato, certamente seria alvo de embargos com fundamento que as referidas prestações ainda não se encontravam vencidas.” 7. A Executada e Embargante apresentou contra-alegações, pugnando pela confirmação do acórdão recorrido, concluindo como segue: “1. Discorda o Apelante da decisão recorrida relativamente ao facto de ter sido declarada a prescrição total (capital e juros) relativo ao 2.º contrato peticionado no requerimento executivo (operação de crédito sob a referência nº PT ...............91). 2. Prendendo-se a sua discordância com “a interpretação que foi dada à aplicação do artigo 781.º do Código Civil, no sentido de ter considerado que ocorreu a resolução contratual do contrato PT ...............91 em novembro de 2015 e que, por essa razão, toda a dívida resultante desse contrato já se encontrava prescrita aquando da execução instaurada pela exequente CGD a 06 de janeiro de 2022”. 3. Contudo, e no seguimento do decido pelo Tribunal a quo, entendemos, censura que o recorrente faz à douta sentença recorrida não tem qualquer fundamento, quer de facto quer de direito. 4. Em síntese, e no que ao que está posto em crise importa, resulta provado dos autos que: (1). A exequente deduziu execução, na forma sumária, em 06.01.2022. (6). Foi apresentado, como segundo título executivo, o contrato de “mútuo com hipoteca e pacto de preenchimento de livrança” junto como documento 5 do requerimento executivo, outorgado em 20.04.2010, no qual a CGD figura como mutuante e primeira outorgante e a executada figura como mutuária e segunda outorgante, representada por AA, contendo as cláusulas constantes de tal documento, com o respetivo documento complementar associado, com o teor que aqui se dá por reproduzido. (7). Tal contrato foi objeto das alterações constantes do segundo documento 5 junto com o requerimento executivo, com data de 17.05.2012, com o teor que aqui se dá por reproduzido. (8). E esse mesmo contrato foi objeto das alterações constantes do terceiro documento 5 junto com o requerimento executivo, com data de 21/10/2015, com o teor que aqui se dá por reproduzido, constando do mesmo, além do mais, o seguinte: (10). As prestações do segundo contrato apresentado como título executivo deixaram de ser pagas em novembro de 2015, ainda que a credora tenha considerado o incumprimento apenas a partir de janeiro de 2016. (11). No âmbito do processo de insolvência n.º 6123/21.5..., do juízo de comércio de ..., o acima referido AA foi declarado insolvente, por sentença de 21.09.2021, conforme anúncio junto com a contestação. (12). Tendo a CGD reclamado os créditos exequendos, que vieram a ser reconhecidos por sentença de 19.01.2022 junta como documento 3 dacontestação. (13). A CGD remeteu à executada, por intermédio de advogado, o escrito junto como documento 8 do requerimento executivo, datado de 19.11.2019 (respeitante ao segundo contrato), com o teor que aqui se dá por reproduzido(..) (17). No segundo contrato, factos n.º 6 a n.º 8, a cláusula17.ª, respeitante ao incumprimento / exigibilidade antecipada de toda a dívida em caso de incumprimento, nunca foi alterada, tal como resulta da cláusula 6.ª, al. a), da alteração de 20/05/2012. 5. Relativamente ao segundo contrato – no qual as prestações de capital e juros deixaram de ser pagas em Novembro de 2015, sendo que o requerimento executivo deu entrada em juízo aos 06/01/2022 – bem considerou o douto Acórdão posto em crise: (…) “As obrigações emergentes deste segundo contrato se encontram todas prescritas nos termos do disposto no art. 310.º, al. e, do C.C., uma vez decorridos, sobre novembro de 2015, 5 anos.” 6. Citando o tribunal a quo, na sua motivação, o modelar acórdão de uniformização de jurisprudência (A.U.J.) n.º 6/2022, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça (10) aos de 30/06/2022 e publicado no D.R. n.º 184/2022, que se reproduz parcialmente: (…) 7. Mais refere o Douto Acórdão posto em crise que; “Importa notar que o vencimento antecipado, a exigibilidade imediata de todas as obrigações em caso de qualquer incumprimento contratual (como obviamente é o não pagamento tempestivo de uma prestação) estava, neste caso, contratualmente prevista, não sendo assim necessária “uma comunicação de vencimento imediato das prestações subsequentes”, pois que uma cláusula negociada entre as partes, ao abrigo da liberdade contratual, implica que o contrato seja pontualmente cumprido, nos termos do art. 405.º, n.º 1, e do art.º 406.º, n.º 1, do C.C”. 8. Concluindo o Douto Acórdão, em face da factualidade provada nos autos – o vencimento automático das prestações vincendas em caso de incumprimento foi convencionado, que “todas as obrigações emergentes do segundo contrato encontram-se prescritas, nos termos do disposto no art. 310.º, al. e, do C.C”. 9. Em face da factualidade emergente dos autos, é incontornável que o direito de crédito executado relativamente ao segundo contrato podia e devia ter sido exercido a partir de Novembro de 2015 (data do incumprimento) sendo manifesto que estava prescrito à data da instauração da execução (06/01/2022). 10. E que resulta claramente do que alega no teor do requerimento executivo – vencimento das prestações com reporte as ultimas prestações pagas em Novembro de 2015 e Fevereiro de 2016. 11. Sustentando documentalmente o que alega nos documentos 4 e 7 juntos com o requerimento executivo – Notas de Débito das quais a exequente arroga-se titular de um credito de € 322.165,78, sendo € 221.855,32 a titulo de capital e o remanescente a titulo de juros que calcula desde 20.01.2016 e 12.02.2016. 12. O que evidentemente não ocorreria caso não considerasse antecipadamente vencidas – com reporte a essas datas – todas as prestações vincendas. 13. Pelo que, para além do mais e pelo exposto, o presente recurso não pode proceder mantendo-se integralmente a douta sentença ora recorrida.” ∗ Colhidos os vistos nos termos legais, sendo regular a instância recursiva, cumpre apreciar e decidir. II) APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTOS 1. Objecto do recurso Atentas as Conclusões delimitadoras da revista para a identificação da questão recursiva (arts. 635º, 2 a 4, 639º, 1 e 2, CPC), a Exequente e Embargada, enquanto credora mutuante (em rigor, cessionária da originária credora), aqui Recorrente, cinge a sua impugnação à decisão sobre o segundo contrato de mútuo hipotecário celebrado com a Executada e Embargante (contrato PT ...............91), outorgado em 20/4/2010 e alterado em 17/5/2012 e 6/10/2015 – factos provados 6., 7. e 8. –, segmento relativamente ao qual a 1.ª instância decidiu absolver “quanto às prestações contratuais de capital e de juros vencidas até 5 anos e 160 dias antes de 11.01.2022”, enquanto a Relação decidiu absolver “por prescrição” todos os créditos correspondentes, depois de considerado o momento relevante do incumprimento total do contrato em Novembro de 2015. A questão recursiva cinge-se à prescrição enquanto excepção peremptória extintiva dos créditos não satisfeitos desse segundo contrato (arts. 576º, 3, 579º, CPC; 303º CCiv.), tendo em linha de conta a interpretação e a aplicação do art. 781º do CCiv. relativamente a esse contrato no que toca ao vencimento antecipado das prestações de amortização do capital mutuado e ao momento relevante para o início da contagem do prazo de prescrição. 2. Factualidade Foram considerados provados pelas instâncias os seguintes factos: 1. A exequente deduziu execução, na forma sumária, em 06.01.2022, 2. Alegando o que consta do requerimento executivo, que aqui se dá por reproduzido, 3. Foi apresentado, como primeiro título executivo, o contrato de “empréstimo de 450.000 euros… (com hipoteca e fiança)” junto como documento 1 do requerimento executivo, outorgado em 12.08.2003, no qual a CGD figura como mutuante e primeira outorgante e a executada figura como mutuária e segunda outorgante, representada por BB e CC – figurando ainda DD e EE e marido AA como fiadores, representados no ato pelo também representante da executada -, contendo as cláusulas constantes de tal documento, com o respetivo documento complementar associado, com o teor que aqui se dá por reproduzido, constando do mesmo, além do mais, o seguinte: (…) 4. Tal contrato foi objeto da alteração constante do documento 2 junto com o requerimento executivo, com data de 14.05.2012, com o teor que aqui se dá por reproduzido, constando da mesma, além do mais, o seguinte: (…) 5. E esse mesmo contrato foi objeto das alterações constantes do documento 3 junto com o requerimento executivo, com data de 10.08.2015, com o teor que aqui se dá por reproduzido, constando da mesma, além do mais, o seguinte: (…) 6. Foi apresentado, como segundo título executivo, o contrato de “mútuo com hipoteca e pacto de preenchimento de livrança” junto como documento 5 do requerimento executivo, outorgado em 20.04.2010, no qual a CGD figura como mutuante e primeira outorgante e a executada figura como mutuária e segunda outorgante, representada por AA, contendo as cláusulas constantes de tal documento, com o respetivo documento complementar associado, com o teor que aqui se dá por reproduzido, constando do mesmo, além do mais, o seguinte: (…) 7. Tal contrato foi objeto das alterações constantes do segundo documento 5 junto com o requerimento executivo, com data de 17.05.2012, com o teor que aqui se dá por reproduzido, constando do mesmo, além do mais, o seguinte: (…) 8. E esse mesmo contrato foi objeto das alterações constantes do terceiro documento 5 junto com o requerimento executivo, com data de 21/10/2021, com o teor que aqui se dá por reproduzido, constando do mesmo, além do mais, o seguinte: (Modificado pela Relação.) (…) 9. As prestações do primeiro contrato apresentado como título executivo deixaram de ser pagas em 14 de fevereiro de 2016. (Modificado pela Relação.) 10. As prestações do segundo contrato apresentado como título executivo deixaram de ser pagas em novembro de 2015, ainda que a credora tenha considerado o incumprimento apenas a partir de janeiro de 2016. (Modificado pela Relação.) 11. No âmbito do processo de insolvência n.º 6123/21.5..., do juízo de comércio de ..., o acima referido AA foi declarado insolvente, por sentença de 21.09.2021, conforme anúncio junto com a contestação, 12. Tendo a CGD reclamado os créditos exequendos, que vieram a ser reconhecidos por sentença de 19.01.2022 junta como documento 3 da contestação. (Modificado pela Relação.) 13. A CGD remeteu à executada, por intermédio de advogado, o escrito junto como documento 8 do requerimento executivo, datado de 19.11.2019 (respeitante ao segundo contrato), com o teor que aqui se dá por reproduzido, com o seguinte teor: (…)
(…) 14. A executada foi citada na execução mediante carta registada com AR cuja receção se mostra assinada em 02.02.2022, conforme AR junto na execução em 09.02.2022. 15. O primeiro contrato, referido nos factos n.º 1 a n.º 5, previa o incumprimento / exigibilidade antecipada na cláusula 13.ª (em caso de incumprimento de qualquer obrigação contratual), que como tal se manteve na alteração de 20/05/2012, sendo que tal cláusula também não foi alterada aos 10/08/2015. (Aditado pela Relação.) 16. Neste primeiro contrato, o montante de 69837,45 Euros foi autonomizado na alteração datada de 10/08/2015 [na cláusula 3.ª al. a)], designado como “capital de pagamento diferido”, que seria a pagar na íntegra no final do prazo do contrato, aos 10/08/2016, acrescido dos respetivos juros e encargos. (Aditado pela Relação.) 17. No segundo contrato, factos n.º 6 a n.º 8, a cláusula 17.ª, respeitante ao incumprimento / exigibilidade antecipada de toda a dívida em caso de incumprimento, nunca foi alterada, tal como resulta da cláusula 6.ª, al. a), da alteração de 20/05/2012. (Aditado pela Relação.) Acrescenta-se ainda oficiosamente nesta instância, em face da consulta dos documentos juntos ao requerimento executivo (arts. 607º, 4, 663º, 2, 679º, CPC): 18. A dívida dada em execução em função do incumprimento do segundo contrato ascende ao montante de € 221.855,32, nela se comportando as prestações convencionadas até 27/2/2020 (prestação 82), de acordo com o constante do documento 7 do requerimento executivo. 3. Fundamentação de direito 3.1. A sentença de 1.ª instância fundamentou assim a sua decisão quanto à prescrição dos créditos resultantes do incumprimento do segundo contrato de mútuo: “(…) os contratos de mútuo alegados/provados – previstos e regulados, além do mais, pelo art. 1142.º e ss. do CC e pelos próprios contratos, nos termos do art. 405.º do CC – constam como celebrados em 2003 e 2010, com previsão, pelo menos inicialmente, de reembolso do capital mutuado em prestações mensais/trimestrais sucessivas de capital e juros. Face à natureza dos contratos iniciais e das cláusulas neles inseridas, a obrigação da mutuária traduzia-se na amortização do capital, ao longo do prazo definido, sendo aquela amortização pagável com juros. Destarte, seguindo a previsão contratual inicial, o prazo de prescrição dos créditos da exequente decorrentes desses contratos de mútuo era de 5 anos, nos termos do art. 310.º, als. d) e e), do CC, pois cada prestação do mútuo correspondia a quota de amortização de capital pagável com juros (…). De facto, no caso, não se aplica aos contratos iniciais o prazo ordinário de 20 anos previsto no art. 309.º do CC, mas sim o prazo reduzido previsto no acima citado art. 310.º do CC. E, na verdade, não está em causa a situação prevista na al. g) do art. 310.º do CC (prestações periodicamente renováveis), enquadrando-se antes a situação dos autos, de forma clara, na al. e) do mesmo preceito legal, estando em causa “quotas de amortização do capital pagáveis com os juros”, de acordo, aliás, com os típicos contratos bancários de mútuo onerosos. Acresce ainda que, apesar de se tratar de questão que não encontrava unanimidade na doutrina/jurisprudência, o presente tribunal, seguindo o que agora se revela jurisprudência uniformizada e tendencialmente unânime, entende que, mesmo que tivesse ocorrido o vencimento antecipado de todas as prestações dos contratos de mútuo antes dos prazos totais destes, tal seria irrelevante para a definição do prazo de prescrição aplicável. (…) Além disso, apesar de recente, foi já proferido Acórdão Uniformizador de Jurisprudência sobre a matéria, tendo sido decidido pelo STJ, no processo n.º 1736/19.8T8AGD, por acórdão de 30.06.2022, disponível no site do STJ, o seguinte: “I - No caso de quotas de amortização de capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos…em relação ao vencimento de cada prestação. II – Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art. 781.º… o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quantias assim vencidas”. E, na verdade, tendo presente o fundamento da previsão de um prazo curto de prescrição (5 anos) para as situações em que se verifica a obrigação de pagamento de quotas de amortização do capital com juros (art. 310.º, al. e), do CC), desvirtuaria o espírito do legislador admitir que o mero incumprimento da obrigação de pagamento de alguma ou algumas dessas quotas ou a perda de garantias, ainda que legitimando o vencimento antecipado do capital vincendo (art. 781.º do CC), transformasse o prazo curto de prescrição no prazo ordinário de 20 anos. Por outro lado, ao considerar/declarar, de forma legítima, o vencimento antecipado das prestações vincendas e, por isso, podendo, a partir daí, exigir o pagamento total do contrato de forma antecipada, o prazo de 5 anos de prescrição passa a contar-se desde a data desse vencimento antecipado. (…) Revertendo ao caso dos autos, importa, em primeiro lugar, verificar que, de facto, inexiste qualquer declaração de vencimento antecipado dos contratos, mesmo verificando-se o início do incumprimento em 2016, não se podendo deduzir tal declaração do mero facto de a exequente peticionar juros desde 2016, pois, mesmo no quadro do pagamento das prestações dos mútuos, os juros eram devidos, nos termos contratuais. E, na verdade, o vencimento antecipado dos contratos seria uma prerrogativa da mutuante, que, caso a pretendesse usar, teria de o declarar à contraparte, mediante declaração recetícia (arts. 224.º e 781.º do CC), sem que existisse, em termos contratuais ou legais, qualquer automaticidade desse vencimento antecipado. Acresce que o prazo total dos dois contratos, mesmo contando com as alterações, decorreu em data anterior à execução e, inclusive, à própria declaração de insolvência do fiador (sendo que, em rigor, a insolvência do fiador também não implicaria o vencimento antecipado da obrigação do mutuário), pois o primeiro contrato foi celebrado, em 12.08.2003, por 12 anos, com prorrogação por mais um ano na segunda alteração (ou seja, com final previsto para 2016), e o segundo contrato foi celebrado, em 20.04.2010, por 10 anos (ou seja, com final previsto para 2020). Assim sendo, o que poderá ser exigido na execução é apenas o pagamento das prestações acordadas nos contratos, sem se considerar qualquer vencimento antecipado. Isto posto, cabe verificar se se verifica ou não a prescrição de alguma das prestações contratuais, considerando as vencidas com o início do incumprimento reportado à prestação de fevereiro de 2016, quanto ao primeiro contrato referido nos factos provados, e janeiro de 2016, quanto ao segundo contrato referido nos factos provados.”; “Quanto ao segundo contrato, o mesmo manteve, até ao fim, não obstante as alterações, o mesmo regime de amortização do capital com juros em quotas periódicas, de tal forma que ao mesmo se continua a aplicar o prazo de 5 anos de prescrição, como acima referido. De qualquer modo, seguindo o raciocínio de que não se verificou o vencimento antecipado, o que se mostra prescrito são as prestações contratuais de capital e de juros vencidas mais de 5 anos antes da interrupção da prescrição associada ao 5º dia subsequente à interposição da execução (art. 323.º, n.º 2, do CC), com suspensão do prazo durante o regime excecional da Covid-19 (…). Quanto a causas interruptivas da prescrição, importa ter em conta que é irrelevante a interrupção de prescrição que se tenha verificado relativamente ao fiador de um dos contratos (por força da reclamação de créditos em processo de insolvência do mesmo), desde logo porque a interrupção ou suspensão da prescrição contra o fiador não produz efeitos contra a executada, enquanto mutuária, como resulta expressamente do art. 636.º do CC. E, na verdade, não se pode surpreender qualquer conduta abusiva da executada em invocar a prescrição, mesmo que a mesma seja representada pelo fiador, nada obstando até que, por decisão discricionária do fiador e representante da executada, o mesmo decida apenas invocar a prescrição em nome da sociedade que representa, aceitando a afetação do seu património pessoal, enquanto fiador, ao pagamento da dívida. Quanto a causas suspensivas da prescrição ocorridas antes da interposição da execução, apenas se surpreende a que decorre do regime de exceção associado à pandemia da COVID-19, entre 09.03.2020 e 02.06.2020 – 86 dias –, e entre 22.01.2021 e 05.04.2021 – 74 dias –, por força da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03 e das suas sucessivas alterações, até à Lei n.º 13-B/2021, de 05.04. Assim sendo, em suma: (…) - quanto ao segundo contrato referido nos factos provados, mostram-se prescritas as prestações contratuais de capital e juros vencidas até 5 anos e 160 dias antes de 11.01.2022 (5º dia subsequente à interposição da execução e causa interruptiva da prescrição). Os embargos são, pois, parcialmente procedentes, nesta parte, devendo a exequente atualizar/liquidar a quantia exequenda em conformidade com a redução decorrente da prescrição parcial.” (sublinhado nosso). ∗ Como e por que mudou a Relação o sentido decisório? Transcreve-se: “A questão (e não razões ou argumentos) a decidir é a de saber se os créditos apresentados à execução estão prescritos, se o prazo de prescrição aplicável é o ordinário, de 20 anos, previsto no art.º 309.º do Código Civil (C.C.), ou o de 5 anos, previsto no art. 310.º, al. e), do C.C., e se tal prazo é aplicável igualmente às prestações que sejam de considerar vencidas nos termos do disposto no art.º 781.º do C.C. (…) (…) comecemos pelo segundo contrato (factos n.º 6.º a 8.º, 10.º e 17.º), no qual as prestações de capital e juros deixaram de ser pagas em novembro de 2015, sendo que o requerimento executivo deu entrada em juízo aos 06/01/2022. Sem considerandos desnecessários há que atentar no acórdão de uniformização de jurisprudência (A.U.J.) n.º 6/2022, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça aos de 30/06/2022 e publicado no D.R. n.º 184/2022. Como consta do relatório desse acórdão, “[o] entendimento do acórdão recorrido, de considerar aplicável no caso o prazo prescricional de cinco anos nos termos do artigo 310.º, alínea e), do Código Civil, se mostrar consentâneo com o posicionamento que este tribunal tem vindo reiteradamente a defender em situações similares às dos presentes autos, dado estarem em causa contratos de mútuo onerosos em que a obrigação de restituição do capital mutuado foi fraccionada (prestações) o que consubstancia um acordo de amortização em que cada uma das prestações mensais devidas é uma quota de amortização do capital (ainda que integrada por duas fracções: uma de capital e outra de juros), não relevando para o enquadramento em termos de prescrição a circunstância do direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento. Mais se entendeu que, nesse sentido, o que releva para efeitos de enquadramento do regime prescricional não é a forma por que a obrigação exequenda se mostra titulada, mas a estrutura do direito de crédito da Embargada decorrente do facto de estar em causa uma obrigação de reembolso de dívida que foi objecto de um plano de amortização, composto por diversas quotas, que compreendem uma parcela de capital e outra de juros e que traduzem a existência de várias prestações periódicas, com prazos de vencimento autónomos. Esta prescrição destina-se a evitar a ruína do devedor, pela acumulação da dívida, derivada designadamente de quotas de amortização de capital pagável com juros. Numa situação destas, a exigência do pagamento de uma só vez, decorridos demasiados anos, poderia provocar a insolvência do devedor a viver dos rendimentos, nomeadamente do trabalho, e que o legislador, conhecedor das opções possíveis, quis prudentemente prevenir, colocando no credor maior diligência temporal na recuperação do seu crédito”. Para efeito de determinação do prazo de prescrição aplicável não é relevante o disposto no art. 781.º do C.C., no tocante ao vencimento imediato das prestações subsequentes à verificação do incumprimento, pois que tal (o montante em dívida) nada tem a ver com o prazo de prescrição, ou seja, dentro do prazo aplicável, o de 5 anos, o credor pode exercer o seu direito de crédito na íntegra, no que se incluem as prestações consideradas vencidas por força da referida norma (sem prejuízo de, nos casos em que tal releve, os juros inicialmente estipulados terem de serem reduzidos proporcionalmente, em função do vencimento antecipado da dívida de capital). Como referido no já citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (S.T.J.), “[a] natureza da obrigação não se altera perante o vencimento imediato com a perda do benefício do prazo, ou seja, o regime de prescrição estabelecido na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil, mantém aplicação atenta a circunstância do direito de crédito se encontrar vencido na totalidade em consequência do incumprimento contratual” – neste mesmo sentido, o parecer do Ministério Público em tal acórdão, no sentido de dever fixar-se a seguinte jurisprudência: “[p]erante o vencimento imediato de todas as quotas de amortização do capital, com perda do benefício do prazo, nos termos do artigo 781.º do CC, ao respetivo crédito aplica-se o regime de prescrição de cinco anos estabelecido na alínea e) do artigo 310.º, do Código Civil”. Este parecer foi acolhido pelo S.T.J., como referido em II da fundamentação de Direito, “[p]ara efeitos de prescrição, o vencimento ou exigibilidade imediata das prestações, por força do disposto no artigo 781.º do Código Civil, não altera a natureza das obrigações inicialmente assumidas. [Como] se escreveu no Ac. S.T.J. 29/9/2016, n.º 201/13.1TBMIR-A.C1.S1 (Lopes do Rego), por explícita opção legislativa, o artigo 310.º alínea e) do Código Civil considera que a amortização fraccionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição, situação que foi equiparada à das típicas prestações periodicamente renováveis”. E, na parte IV da fundamentação de Direito, tal é reiterado, ao afirmar-se que “[p]ode [apontar-se] unanimidade nas apontadas decisões, em vista de afastar a aplicação do prazo prescricional ordinário, do artigo 309.º do Código Civil, à quantia resultante do vencimento antecipado das prestações, por via do exercício do direito a que se reporta o artigo 781.º do Código Civil. Nesse sentido, pode também dizer-se que o Supremo Tribunal de Justiça tem aceite que: - No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação. - Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º do Código Civil, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo «a quo» na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas”. A final, é fixada a seguinte uniformização de jurisprudência: “«I – No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação». II – Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo «a quo» na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas” – não podíamos estar mais de acordo. (…) pelo que as obrigações emergentes deste segundo contrato se encontram todas prescritas nos termos do disposto no art. 310.º, al. e), do C.C., uma vez decorridos, sobre novembro de 2015, 5 anos. Como observado na sentença recorrida, “[q]uanto a causas suspensivas da prescrição ocorridas antes da interposição da execução, apenas se surpreende a que decorre do regime de exceção associado à pandemia da COVID-19, entre 09.03.2020 e 02.06.2020 – 86 dias –, e entre 22.01.2021 e 05.04.2021 – 74 dias –, por força da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03 e das suas sucessivas alterações, até à Lei n.º 13-B/2021, de 05.04”, num total de 160 dias. No entanto, tendo em conta que o requerimento executivo data de 06/01/2022, já tinham à data decorrido mais do que 5 anos e 160 dias após o incumprimento. (…) importa notar que o vencimento antecipado, a exigibilidade imediata de todas as obrigações em caso de qualquer incumprimento contratual (como obviamente é o não pagamento tempestivo de uma prestação), estava, neste caso, contratualmente prevista, não sendo assim necessária “uma comunicação de vencimento imediato das prestações subsequentes”, pois que uma cláusula negociada entre as partes, ao abrigo da liberdade contratual, implica que o contrato seja pontualmente cumprido, nos termos do art. 405.º, n.º 1, e do art. 406.º, n.º 1, do C.C. Neste sentido, parece-nos oportuno citarmos Ana Afonso, “[a] consequência deste artigo 781.º não é a automática constituição do devedor em mora pela totalidade das prestações em falta. Trata-se de uma hipótese de perda do benefício do prazo em que se concede ao credor a possibilidade de exigir antecipadamente o cumprimento de todas as prestações e, deste modo, constituir o devedor em mora quanto às prestações vincendas. Se o credor quiser usar o benefício que a lei lhe concede terá de manifestar a sua vontade, interpelando o devedor para cumprir imediatamente todas as prestações vincendas. Este é o entendimento que domina na doutrina – sublinhe-se, porém, a leitura contrária, conquanto crítica, de GALVÃO TELLES, 1997:260 e 271. Não sendo uma norma imperativa, é possível convencionar o vencimento automático das prestações vincendas, independentemente de ter havido interpelação, conforme decidiu o Ac. STJ 21.11.2006” [Cf. Ana AFONSO, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, AA.VV., Lisboa, Universidade Católica Portuguesa, Faculdade de Direito, Universidade Católica Editora, 2021, p. 1071 (maiúsculas no original; interpolação e itálico nosso).]. E, como vimos, assim foi, o vencimento automático das prestações vincendas em caso de incumprimento foi convencionado. Desta forma, todas as obrigações emergentes do segundo contrato encontram-se prescritas, nos termos do disposto no art. 310.º, al. e), do C.C.” ∗ Assim, verifica-se que a pretensão da Recorrente em afastar a prescrição integral contende desde logo com a necessidade ou não de interpelação-comunicação prévia do credor ao devedor para fazer valer o vencimento automático e imediato de todas as prestações em falta no caso de exigibilidade antecipada de todas as prestações do mútuo perante a falta de realização de uma delas, por aplicação do art. 781º do CCiv.; sendo esse momento do vencimento o que conta para início da contagem da prescrição, assumido que está o regime do art. 310º, e), do CCiv. (prescrição de 5 anos) para a acumulação das «quotas de amortização do capital» por perda do benefício do prazo. Note-se que o acórdão recorrido, para assumir o vencimento imediato de todas as prestações a amortizar no mútuo hipotecário, salvaguarda-se na previsão convencional desse vencimento automático das prestações vincendas em falta, independentemente de tal interpelação para cumprimento, depois de exigíveis pelo incumprimento de uma das prestações repartidas da obrigação integral. Quid juris? 3.2. O art. 781º do CCiv. prescreve: «Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas.» A previsão refere-se às obrigações a prazo (art. 777º, 1.ª parte, CCiv.), por serem liquidáveis em prestações sucessivas (um só débito com vencimentos diferentes, diferidos e escalonados no tempo), ainda que com objecto globalmente fixado desde a constituição da dívida – em rigor, obrigação instantânea com cumprimento fraccionado ou repartido em que o objecto mediato global está previamente determinado e o seu cumprimento se divide no tempo futuro em sucessivas “prestações” periódicas –, em que a exigibilidade ou imposição de cada uma das “prestações” ao devedor não lhe pode ser colocado antes de chegada certa data1. Prescreve-se que a falta de pagamento (não sendo integral ex vi art. 763º, 1, do CCiv.) de uma das prestações (incumprimento), imputável ao devedor (mora solvendi)), faz decair o benefício do prazo estabelecido a favor do devedor (art. 779º, 1.ª parte, CCiv.). Se acontecer assim tal incumprimento, verifica-se (em termos correctivos da lei) a exigibilidade antecipada de todas as prestações vincendas (caducidade do prazo que ainda não se tinha vencido), atribuindo ao credor o poder-faculdade de, uma vez faltado o devedor ao pagamento de uma das prestações convencionadas, reclamar potestativamente o cumprimento imediato da obrigação integral (de todas as prestações futuras em falta) antes do tempo, através de interpelação ao devedor, ou, em alternativa, de não exigir, mantendo os prazos iniciais das prestações. Estamos perante um benefício atribuído por lei ao credor, que a lei concede mas não decreta por si só – o benefício de modificar uma obrigação a prazo numa obrigação pura é um benefício que cabe ao credor decidir na sua auto-determinação quanto à natureza do vencimento e suas consequências. Por outras palavras, cabe ao credor exercer ou não esse direito potestativo modificativo que sujeita o devedor a ver necessariamente produzida na sua esfera jurídica a consequência ditada pelo art. 781º do CCiv. Na ausência dessa interpelação a cargo da iniciativa do credor, ainda que se tenha verificado tal incumprimento de uma das prestações programadas para liquidação, as prestações seguintes continuam a vencer-se na data prevista e o devedor não fica constituído em mora – por outras palavras, a data do vencimento não passa a ser a data da primeira “prestação” faltosa; com a interpelação, o crédito pode ser exigido todo ele desde a data da falta da primeira “prestação” faltosa. Desta forma, estaremos perante mais uma hipótese de exigibilidade antecipada a acrescer às que estão previstas no 780º do CCiv. (agregadas na perda de confiança do credor na capacidade de cumprimento do devedor). Em suma. O vencimento de todas as prestações, exigíveis antecipadamente, depende de o credor reclamar junto do deveddor a correspondente realização através da respectiva interpelação para cumprimento imediato, condição para que o devedor fique adstrito a realizar a obrigação integral em falta (resultante das prestações vincendas exigíveis) em razão do vencimento antecipado.2 Porém, a norma de perda de benefício do prazo consagrada no art. 781º do CCiv. é supletiva. Logo, está disponível para ser afastada por vontade das partes ao abrigo do art. 405º, 1, do CCiv., convencionando-se, em especial, o vencimento imediato e automático das restantes prestações vincendas em falta sem necessidade de interpelação na pessoa do devedor (para converter a exigibilidade em vencimento do vincendo)3. 3.3. Um mútuo oneroso cuja amortização-reembolso é convencionado ser feito em “prestações”(-parcelas) restitutórias ingressa necessariamente na previsão do art. 781º como fundamento possível de perda do benefício do prazo (ainda que a prestação-obrigação, sendo unitária, tenha uma função de amortização e outra função de remuneração do capital mutuado: mista ou híbrida). No entanto, se o credor exigir do devedor o seu pagamento antecipado, não pode exigir o pagamento dos juros remuneratórios originariamente associados ao montante das prestações objecto do vencimento antecipado. Isto é, há que separar a obrigação de capital (quantia mutuada) e a obrigação de juros remuneratórios (que se vence à medida em que o tempo a faz nascer pela disponibilidade do capital mutuado) e as respectivas fracções de pagamento4, não sendo legítimo ao credor que antecipa a exigibilidade da dívida total pretender o pagamento do rendimento correspondente ao que falta pagar (e que o mutuário poderia beneficiar durante o tempo restante e vencimento posterior), que é o preço do seu diferimento no tempo, uma vez que cessa por sua iniciativa essa disponibilidade e tais juros não chegam a constituir-se – neste sentido, o AUJ n.º 7/2009 do STJ, de 25/3/2009 (“No contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao artigo 781.º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados”)5. No entanto, também esta não aplicação do art. 781º do CCiv. a tais juros remuneratórios das prestações vincendas e antecipadamente vencidas pode ser afastada por vontade das partes, pois ainda nesta componente de regulação sobreleva a natureza supletiva da norma. De todo o modo, esta não é questão recursiva que seja de apreciação nesta instância. Pois bem. Há que resolver a questão recursiva, subsumindo os factos apurados ao regime jurídico que se julgue adequado (art. 682º, 1, CPC), e assumindo a liberdade de indagação, interpretação e aplicação conferida pelo art. 5º, 3, do CPC. 3.4. O que nos dizem os factos provados quanto à relação contratual dos autos correspondente ao segundo contrato de mútuo – factos provados 6. a 8. (incluindo as alterações) e 17. – é que as partes, na respectiva cláusula 17.1.a) (v. ainda a cláusula 6.ª da primeira alteração), convencionaram, em benefício do credor, o direito de “considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento no caso de: a) Incumprimento pela PARTE DEVEDORA/CLIENTE ou por qualquer dos restantes contratantes de qualquer obrigação decorrente deste contrato” – a cláusula determina que “A CAIXA poderá considerar” (faculdade que ingressa na esfera jurídica da sua sucessora-cessionária, aqui Recorrente). Estamos perante uma cláusula de previsão do vencimento imediato e automático das prestações cujo prazo ainda não se vencera em caso de incumprimento de uma das “prestações” em liquidação ao longo do tempo do contrato – assim foi plasmado como cláusula “respeitante ao incumprimento/exigibilidade antecipada de toda a dívida em caso de incumprimento” no facto provado 17 (aditado pela Relação). Vejamos o que exprime essa cláusula. Não resulta dela que esse vencimento resulte automaticamente da ocorrência objectiva do incumprimento de uma das obrigações fraccionadas. Antes dela resulta que a credora mutuante “poderá considerar” tal exigibilidade e vencimento antecipado em seu proveito e no seu interesse; ora, se poderá considerar, sem se impor à outra parte por mero efeito da cláusula, tal consagra a faculdade de a activar e a impor inelutavelmente à contraparte devedora por expressão da sua vontade. Não se prevê qualquer dispensa de “aviso” ou “admonição” para esse efeito de vencimento automático e imediato de tudo o que falta cumprir a cargo do devedor. Por isso, a conversão da exigibilidade antecipada em vencimento imediato de toda a dívida restante dependerá da concretização dessa faculdade no exercício de uma comunicação do credor devedor através de interpelação ao devedor para o efeito: esta é a interpretação que merece tal cláusula à luz das regras gerais interpretativas do art. 236º e 238º, 1, do CCiv., em face da supletividade do art. 781º do CCiv. e da aplicação da teoria da impressão do destinatário nos negócios formais (sentido com «um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento»). Isto é, o seu sentido é, em concreto, que a exigibilidade antecipada e vencimento imediato de todas as prestações vincendas (à data da reacção do credor após o primeiro incumprimento do “plano” de amortização e das restantes prestações vencidas e não pagas) corresponderá a e dependerá de uma manifestação declarativa do credor lesado com o incumprimento e actuante tendo em vista, não sendo paga uma só das fracções de pagamento vencidas, o vencimento automático e imediato de todas as outras fracções por vencer respeitantes ao capital mutuado; tem que o declarar para que, não sendo paga a prestação que deveria ser paga e não foi, automaticamente se vencem todas as restantes (naturalmente no momento dessa declaração e consideradas fora desse efeito as prestações já vencidas, que contam apenas para o pressuposto de não cumprimento de uma das prestações). Logo, esta concreta disciplina contratual, tal como está, confirma apenas e tão-só a mais adequada e razoável interpretação da lógica de exigibilidade e vencimento predispostos pelo art. 781º do CCiv. – não afasta a necessidade-regra de interpelação para a conversão da exigibilidade antecipada em vencimento imediato de todo o programa de débito remanescente, pois nada traz de novo ao regime do art. 781º do CCiv. Isto é, no espaço de supletividade do art. 781º do CCiv., não se convencionou por acordo das partes (art. 405º, 1, CCiv.) o vencimento imediato e automático das prestações vincendas com o incumprimento de uma delas, “conferindo-se apenas ao Mutuante o direito de provocar esse vencimento, quando ocorra o incumprimento de uma dessas prestações, o que terá de ser efetuado através da comunicação aos mutuários do exercício desse direito”6. Assim sendo. 3.5. Provou-se que: “As prestações do segundo contrato apresentado como título executivo deixaram de ser pagas em novembro de 2015, ainda que a credora tenha considerado o incumprimento apenas a partir de janeiro de 2016” – facto provado 10. Em 19/11/2019, a credora comunicou à devedora, aqui Executada, a situação de incumprimento e o recurso à via judicial para cobrança coerciva dos créditos devidos, em caso de falta de regularização no prazo de 15 dias – facto provado 13 –, nos seguintes termos: “Na qualidade de mutuários/titulares das operações identificadas (…), informamos V. Exa. de que a Caixa Geral de Depósitos irá recorrer à via judicial para cobrança coerciva dos respetivos créditos, face ao incumprimento que registam e ao insucesso da via negocial, caso tal situação persista após esta interpelação. Assim e salvo de no prazo de 15 dias as referidas dívidas forem regularizadas ou liquidadas, não nos restará outra alternativa senão a de instaurar a competente ação executiva contra V. Exa. e respetivos Fiadores/Avalistas (…)” – esta comunicação é junta no requerimento executivo que desencadeou a acção executiva. Apesar de interpelada a Executada sobre o incumprimento e para proceder ao pagamento das prestações em dívida, a Exequente veio deduzir execução em 6/1/2022 (facto provado 1.), apresentando, “como segundo título executivo, o contrato de “mútuo com hipoteca e pacto de preenchimento de livrança” junto como documento 5 do requerimento executivo, outorgado em 20.04.2010, no qual a CGD figura como mutuante e primeira outorgante e a executada figura como mutuária e segunda outorgante, representada por AA” (facto provado 6.). “A executada foi citada na execução mediante carta registada com AR cuja receção se mostra assinada em 02.02.2022, conforme AR junto na execução em 09.02.2022” – facto provado 14. 3.6. Ficou provado nos autos que, confrontado com a falta de pagamento das prestações acordadas para o segundo contrato, ainda durante o decurso do período previsto para o reembolso do total do segundo mútuo (cfr. facto provado 6: 10 anos após 20/4/2010) e antes da propositura da presente acção executiva, a Exequente (no caso, a sua cedente-“antecessora” «Caixa Geral de Depósitos») tinha comunicado o incumprimento das prestações não pagas à devedora e solicitado o respectivo cumprimento num prazo de 15 dias, sob pena de instauração de acção executiva para exercício do direito de crédito não satisfeito. Nessa comunicação não se encontra uma declaração de vencimento imediato de toda a dívida, em função do demonstrado no facto provado 10. Em termos explícitos, esta comunicação serviu como interpelação para (intimação ao) cumprimento em razão da mora do devedor, convertendo esta em incumprimento definitivo relativamente às prestações vencidas e não pagas desde Novembro de 2015 após o prazo suplementar fixado (como peremptório) pelo credor (sem necessidade de cominação), com a consequente resolução (antecipadamente declarada) do contrato após o decurso desse prazo (fundamento da acção executiva anunciada) – arts. 805º, 2, a), 801º, 2 (“impossibilidade” abrangendo “incumprimento”), 808º, 1, 432º e ss, 436º, 1, do CCiv. Se assim é, tendo em conta a cláusula 17.1.a) e os factos provados 17. e 18., julgamos que, ainda que tal interpelação com esse conteúdo não seja expressa, não podemos deixar de integrar esta declaração no âmbito de uma dívida liquidável em prestações. E assim considerar realizada de forma tácita, ao abrigo do art. 217º, 2.ª parte, do CCiv., uma interpelação de vencimento imediato das prestações vincendas e exigíveis antecipadamente para o segundo contrato (facto provado 13.), tendo em conta a manifesta concludência da declaração feita (também para efeito resolutivo com fonte legal) em face da faculdade oferecida pela cláusula contratual de vencimento imediato das prestações vincendas, em aplicação do esquema de vencimento do art. 781º do CCiv. Recordemos o que este normativo dispõe: uma perda do benefício do prazo. Isto é: o credor não pode exigir que o devedor realize a prestação devida antes de chegada a data para a sua realização. Perante um incumprimento parcial – de uma das fracções de pagamento devido – e a entrada em mora do devedor, a perda do benefício permite ao credor exigir ao devedor a realização da prestação global em falta de uma forma imediata, estando inerente a perda de interesse em manter o contrato. Não há um efeito ope legis. A obrigação modifica-se pela vontade potestativa do credor e, com ela, passa a ser uma obrigação pura. Ora, com a comunicação feita, ainda que o seu conteúdo directo seja o de interpelar para cumprimento de todas as prestações vencidas e não pagas nessa data, o fim subjacente a esse cumprimento pretendido implica e torna cognoscível a dedução, com elevada probabilidade e verosimilhança, de o declarante estar igualmente a interpelar para vencimento imediato de todas as prestações em falta7. Em particular, é muito importante dar significado ao anúncio da instauração da acção executiva, com a qual a credora pretenderá obter o cumprimento coercivo de todas as prestações vencidas e a vencer, e manifesta estar perdido o interesse objectivo que tinha na realização futura e no prazo convencionado das prestações vincendas (art. 808º, 1 e 2, CCiv.: incumprimento da obrigação), assim antecipadamente vencidas após o incumprimento parcialmente relevante. E verificar que o documento 7 do requerimento executivo, justificativo do facto provado 18., faz coincidir o montante dado à execução com todas as prestações até 27/2/2020. E, assim sendo, não há como deixar de fazer actuar tal vencimento em função do incumprimento da primeira prestação em Novembro de 2015 (ao qual se seguiu o incumprimento de todas as sucessivas prestações já vencidas à data), porque só esse incumprimento originário (seguido dos restantes) legitima a exigibilidade antecipada e o vencimento imediato de tudo o que faltava cumprir em regime de prestações convencionadas pelas partes até ao fim do contrato. Assim, há que interpretar tal comunicação (também) como interpelação junto do devedor mutuário em mora para o exercício do direito de considerar antecipadamente vencida toda a dívida, o qual lhe era conferido exercer pela referida cláusula contratual 17.1.a), em conjugação com o art. 781º do CCiv. Ademais, com tal interpretação do sentido de tal declaração não se pode afirmar que o vencimento antecipado e imediato de todas as prestações vincendas tenha ocorrido apenas com a citação para execução (desde logo porque foi instaurada a acção depois de terminado o prazo de cumprimento do contrato). Ou seja. Havia que interpelar o devedor para fazer aplicar a cláusula 17.1.a) e suscitar a convocação do efeito da previsão do art. 781º do CCiv. – como sustenta a Recorrente, ainda que sob ângulo distinto de análise. Houve interpelação do devedor para esse efeito através de declaração tácita de vencimento antecipado e imediato – ponto em que falece a posição da Recorrente. 3.7. Neste contexto, tem aplicação – que se segue e aplica – o segmento normativo ditado pelo Ac. do STJ de 30/6/2022/AUJ n.º 6/2022 (em julgamento ampliado de revista)8: “II – Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art. 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.” Ou seja, antecipadamente vencida toda a obrigação, o «tempo devido» de não realização da prestação vinculada, para efeitos de constituição em mora do devedor (art. 804º, 2, do CCiv)., coincide com a data do incumprimento da primeira prestação em liquidação por fracções, que tornou admissível desencadear a aplicação do art. 781º do CCiv: como sintetiza a doutrina, “a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas (781.º). Nessa altura, o crédito pode, todo ele, ser exigido, assim se iniciando a prescrição (306.º/1)”9. Logo, é com esse vencimento da obrigação global – com a interpelação sucessiva para vencimento ou com a cláusula contratual de vencimento imediato sem interpelação –, antecipadamente imputado à data do primeiro incumprimento do programa contratual baseado em fracções da obrigação total devida, que se afere a data de início da mora convertida objectivamente em incumprimento imputável ao devedor (arts. 804º, 2, 781º, 805º, 1, 808º, 1 e 2, CCiv.) e a contagem do termo inicial, enquanto data a partir da qual o direito podia ser exercido, da prescrição da dívida (art. 306º, 1, 1.ª parte, CCiv.). Vejamos ainda melhor a “ratio” a ter em conta. Esta é a solução que mais coerência dá ao benefício concedido ao credor nos termos do art. 781º do CCiv.: o credor, no seu pleno arbítrio, escolhe o que fazer e, se interpela para vencer antecipada e imediatamente tudo o que falta realizar como prestações fraccionadas, tem que actuar diligentemente a seguir para evitar que, se partir para o cumprimento coercivo por via judicial, possa ser paralisada a sua pretensão por via da prescrição. Isto é, se, com a interpelação para vencimento imediato, deixa de se pressupor que as prestações de amortização, após o incumprimento originário, se vencem no prazo inicialmente convencionado no programa contratualmente diferido no tempo de reembolso de capital e juros, o exercício do seu poder não pode ser atribuído e usufruído sem articulação com a contagem do prazo prescricional em função desse vencimento antecipado e referido ao incumprimento da prestação que gera a interpelação; por força da sua escolha, a partir da interpelação (necessária, como vimos, para levar à aplicação do art. 781º ou de cláusula contratual equiparada), sobre o credor incide o ónus de exercício do direito de crédito não satisfeito de forma tempestiva, evitando a invocação de excepção peremptória impeditiva baseada em prescrição. 3.8. No processo em que foi proferido o AUJ, a cláusula contratual em causa era análoga: à credora ficou reconhecido o direito de considerar o empréstimo vencido se a parte devedora deixasse de cumprir alguma das obrigações resultantes deste contrato. O que motivou a seguinte fundamentação no aludido AUJ (sublinhado nosso): “Note-se que a norma do art. 781.º do Código Civil não se constitui como norma imperativa, mas existindo, como existe, nos contratos de mútuo dos autos uma cláusula no sentido de que à credora fica reconhecido o direito de “considerar o empréstimo vencido se a parte devedora deixar de cumprir alguma das obrigações resultantes deste contrato”, concedia-se à mutuante a possibilidade de actuar o vencimento do direito à totalidade das prestações convencionadas pelo simples facto de intentar acção executiva contra os mutuários, como intentou. Não existe, desta forma, nos contratos dos autos, qualquer cláusula de vencimento automático, apenas a reprodução do esquema de vencimento das prestações que a doutrina associa ao disposto no art. 781.º do Código Civil.”; “Importa pois aquilatar, neste momento, se a prescrição incide sobre cada uma das prestações de capital (tendo como termo inicial o vencimento dessas mesmas prestações de acordo com o plano de reembolso inicialmente gizado pelas partes) ou, no reverso, se a prescrição se reporta à integralidade da obrigação em dívida (tendo como termo inicial a data do incumprimento pelo devedor, enquanto data a partir da qual o direito podia ser exercido – art. 306.º n.º 1 1.ª parte do Código Civil). Na hipótese dos autos, continuariam a ter um prazo pré-fixado antes da citação para a acção executiva e, seguindo tal critério, não se encontrariam prescritas parte das prestações que integravam a quantia total por via da perda de benefício do prazo – designadamente as quantias integrando prestações vencidas há menos de 5 anos, à data da interrupção da prescrição – art. 323.º n.º 1 CCiv (…). Desta forma, a integral procedência da prescrição deveria pressupor que as prestações de amortização, considerado o seu prazo inicial convencionado de vencimento, se encontrassem já igualmente prescritas, considerando o prazo de 5 anos, do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, na data em que a prescrição se mostrar interrompida. (…) Nesse sentido, pode também dizer-se que o Supremo Tribunal de Justiça tem aceite que: (…) - Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art. 781.º do Código Civil, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.” 3.9. O acórdão recorrido considerou que “as obrigações emergentes deste segundo contrato se encontram todas prescritas nos termos do disposto no art. 310.º, al. e), do C.C., uma vez decorridos, sobre novembro de 2015, 5 anos. Como observado na sentença recorrida, “[q]uanto a causas suspensivas da prescrição ocorridas antes da interposição da execução, apenas se surpreende a que decorre do regime de exceção associado à pandemia da COVID-19, entre 09.03.2020 e 02.06.2020 – 86 dias –, e entre 22.01.2021 e 05.04.2021 – 74 dias –, por força da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03 e das suas sucessivas alterações, até à Lei n.º 13-B/2021, de 05.04”, num total de 160 dias. No entanto, tendo em conta que o requerimento executivo data de 06/01/2022, já tinham à data decorrido mais do que 5 anos e 160 dias após o incumprimento, encontrando-se prescritas”. Não é questão recursiva qualquer outra questão, pelo que: i. sendo lícita uma cláusula de vencimento automático e imediato da dívida remanescente uma vez verificado o incumprimento de uma das fracções de amortização do capital e juros do segundo mútuo contratado; ii. sem prejuízo de tal licitude, verificando-se que em concreto tal cláusula não contempla a automaticidade de tal vencimento e não dispensa a interpelação do devedor para desencadear a sua aplicação nos termos do art. 781º do CCiv.; iii. tendo ocorrido interpelação antes de esgotado o prazo de amortização total do mútuo contraído, tacitamente declarando o vencimento imediato das prestações vincendas e (incluindo as já vencidas e não pagas) subsequentes à primeira prestação não cumprida, uma vez feita a comunicação para incumprimento definitivo e conjugada com a cláusula contratual de atribuição de tal faculdade de vencimento antecipado ao credor; iv. sendo a data relevante do incumprimento de todas as prestações (vencidas não pagas e vincendas após interpelação para vencimento) a data do incumprimento da primeira prestação não realizada e geradora da exigibilidade antecipada e vencimento imediato da obrigação global remanescente; v. tendo ocorrido mais de 5 anos (prazo legal de prescrição) e 160 dias (suspensão legal do prazo legal de prescrição) entre a data relevante para mora do devedor em face do vencimento da dívida não paga e globalmente exigível – Novembro de 2015 – e a data relevante da citação da acção executiva, que interrompe a prescrição – 11/1/2022 –, nos termos dos arts. 306º, 1, 1.ª parte, 323º, 1 e 2, e 310º, e), do CCiv.; vi. quando a Embargante foi citada da acção executiva, já tinha decorrido o prazo relevante para a prescrição das obrigações antecipadamente exigíveis e vencidas em Novembro de 2015 para o segundo contrato de mútuo, pelo que o crédito relativo a todas as prestações desde então e devidas até ao fim do contrato (Fevereiro-Abril de 2020) se encontravam prescritas; merece ser sufragado o acórdão recorrido, ainda que com fundamentação diversa e adicional, improcedendo a pretensão recursiva expressa no resultado a que aspiravam as Conclusões da Recorrente. III) DECISÃO Em conformidade, julga-se improcedente a revista. Custas nesta instância pela Recorrente. STJ/Lisboa, 29 de Maio de 2024 Ricardo Costa (Relator) Leonel Serôdio Rosário Gonçalves (após redistribuição) SUMÁRIO DO RELATOR (arts. 663º, 7, 679º, CPC).
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1. ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, Volume II, 7.ª ed., Almedina, Coimbra, 1997 (reimp. 2009), pág. 42.↩︎ 2. V., por ex., na doutrina quase unânime, VASCO LOBO XAVIER, “Venda a prestações: algumas notas sobre os artigos 934.º e 935.º do Código Civil”, RDES, n.os 1 a 4, 1974, nt. 4 – págs. 201-202, FERNANDO PESSOA JORGE, Direito das obrigações, 1.ª Volume, AAFDL, Lisboa, 1975-1976, págs. 316 e ss, ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, Vol. II citr., págs. 52-54, ALMEIDA COSTA, Direito das obrigações, 12.ª ed., Almedina, Coimbra, 2009, págs. 1017-1018 (e nt. (1)), MANUEL JANUÁRIO GOMES, Assunção fidejussória de dívida. Sobre o sentido e o âmbito da vinculação como fiador, Almedina, Coimbra, 2000, pág. 955, JORGE RIBEIRO DE FARIA, Direito das obrigações, II Volume, Almedina, Coimbra, 2001, pág. 325 e nt. (1), JOSÉ CARLOS BRANDÃO PROENÇA, Lições de cumprimento e não cumprimento das obrigações, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, págs. 83, 84-87, LUÍS MENEZES LEITÃO, Direito das obrigações, 12.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019 (reimp.), pág. 166, MIGUEL BRITO BASTOS, O mútuo bancário. Ensaio sobre a estrutura sinalagmática do contrato de mútuo, Coimbra Editora, Coimbra, 2015, págs. 205 e ss, em esp. nt. 432, ANA PRATA, “Artigo 781º”, Código Civil anotado, coord.: Ana Prata, Volume I (Artigos 1.º a 1250.º), Almedina, Coimbra, 2019, pág. 1015, ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, “Artigo 777.º”, págs. 973-975, “Artigo 781.º”, págs. 984-985, 986, Código Civil comentado, II, Das obrigações em geral (artigos 397.º a 873.º), coord.: A. Menezes Cordeiro, Almedina, Coimbra, 2021. Na jurisprudência do STJ, sem esgotamento, v. Acs. de 15/3/2005, processo n.º 282/05, 21/11/2006, processo n.º 3420/06, 16/11/2006, processo n.º 2911/06, 17/5/2007, processo n.º 204/07, 11/3/2010, processo n.º 1268/07, 25/5/2017, processo n.º 1244715, 27/2/2018, processo n.º 21299/10, 19/2/2019, processo n.º 522/17, 21/1/2021, processo n.º 845/19, e de 29/9/2022, processo n.º 971/19 (in www.dgsi.pt ou, para os sumários dos inéditos, in www.stj.pt).↩︎ 3. V., exemplificativamente, os Acs. do STJ de 7/5/2009, processo n.º 3989/08, e de 16/6/2020, processo n.º 23762/15 (in www.stj.pt).↩︎ 4. PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, “Artigo 781º”, Código Civil anotado, Volume II (Artigos 762.º a 1250.º), Coimbra Editora, Coimbra, 1997, pág. 32, JORGE RIBEIRO DE FARIA, ob. cit., pág. 327, ANA PRATA, “Artigo 781º”, loc. cit., pág. 1016.↩︎ 5. Publicado in DR, 1.ª Série, n.º 86, de 5/5/2009, págs. 2530 e ss.↩︎ 6. Neste sentido, Ac. do STJ de 19/1/2013, processo n.º 4288/21, in www.dgsi.pt (com destaque nosso).↩︎ 7. V. CARLOS MOTA PINTO, Teoria geral do direito civil, 4.ª ed. por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra, Coimbra, 2005, págs. 422-423.↩︎ 8. Processo n.º 1736/19.8T8AGD-B.P1.S1, publicado in DR, 1.ª Série, n.º 184, de 22/9/2022, págs. 5 e ss.↩︎ 9. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, “Artigo 307.º”, Código Civil comentado, I, Parte geral (artigos 1.º a 396.º), coord.: A. Menezes Cordeiro, Almedina, Coimbra, 2020, pág. 889.↩︎ |