Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1.ª SECÇÃO | ||
Relator: | JORGE DIAS | ||
Descritores: | TRANSFERÊNCIA BANCÁRIA CULPA ÓNUS DA PROVA FALSIFICAÇÃO TAXA DE JURO MORA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVA PERICIAL DECLARAÇÕES DE PARTE DEPOIMENTO DE PARTE CONFISSÃO PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DIREITO PROBATÓRIO MATERIAL LAPSO MANIFESTO CORREÇÃO DE ERROS FORMAIS | ||
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Data do Acordão: | 06/20/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
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Sumário : | I - O conteúdo de um relatório pericial não constitui prova plena. Conforme art. 389.º do CC, a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal, pronunciando-se no mesmo sentido o art. 489.º do CPC. II - Da apreciação livre das provas produzidas no processo pode resultar, ou não, a fundamentação da matéria de facto que compete analisar, tudo dependendo da convicção que tais provas mereçam por parte do julgador. III - Não se verificando no acórdão impugnado ofensa de uma certa disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, o eventual erro na apreciação das provas não pode ser objeto de recurso de revista. IV - Para que o depoimento de parte tenha valor de confissão é necessário que o juiz dite para a ata a declaração confessória e concluída a assentada a mesma seja lida à parte depoente, que a confirmará ou fará as retificações necessárias, tudo como preceitua o referido art. 463.º do CPC. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, 1ª Secção Cível. Autora: AA, divorciada, residente na Rua ..., contribuinte fiscal nº...13; Réu: BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S.A., sociedade aberta NIPC ...82, com sede na ...; Intervenientes Principais: BB, casado, contribuinte n.º ...73, portador do Bilhete de Identidade n.º ...79, de 23/05/2006, residente na Rua ...; e CC, casada, contribuinte n.º ...68, portadora do Bilhete de Identidade n.º ...05, de 18/05/2006, residente na Rua ... Intervenientes Acessórios: DD, casada, contribuinte n.º ...21, portadora do Bilhete de Identidade n.º ...98, residente na... EE, casado, contribuinte n.º ...30 portador do Bilhete de Identidade n.º ...62, residente na ... FF, solteiro, maior, contribuinte n.º ...60, residente na Rua .... * A autora intentou esta ação contra o Réu, e pediu a condenação deste no pagamento do valor da transferência de €52.325,00, realizada sem a sua autorização ou a dos seus pais, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, calculados à taxa comercial sobre a quantia transferida desde essa data até efetivo e integral pagamento, quantificando os vencidos em €12.862,00. Peticionou, ainda, a atribuição de uma compensação, a título de danos não patrimoniais, em quantia não inferior a €15.000,00. Como fundamento, alegou, em síntese, a realização abusiva pelo banco réu de uma transferência bancária de conta de que é contitular para conta de terceiro, por carecido de autorização. Sustenta tal pretensão na violação do contrato de depósito bancário, por comportamento grosseiramente negligente dos deveres contratuais que impendem sobre o banco, razão pela qual lhe imputa a obrigação de restituir o montante indevidamente transferido, os juros moratórios respetivos e, bem assim, de compensá-la pelos danos de natureza não patrimonial sofridos. * O réu Banco Comercial Português, SA-Sociedade Aberta contestou arguindo a ilegitimidade ativa da autora, requereu o chamamento dos contitulares da conta sacada, negando, quanto ao mais, a factualidade em que a autora estriba a sua pretensão e alegando que a transferência em causa nos autos foi autorizada e realizada a pedido da autora. Concluiu, pois, pela inexistência da obrigação de indemnizar por responsabilidade civil contratual ou extracontratual, bem como pela inexigibilidade dos juros nos termos peticionados, mais aduzindo o abuso de direito de ação pela autora, atenta a dilação entre o momento em que constatou a realização da transferência e a propositura da ação, sem reclamação e, bem assim, a prescrição do direito invocado, nos termos do disposto no artigo 324.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários, por a autora ter tido conhecimento da realização da transferência em finais de Julho/início de Agosto de 2008 e só ter intentado a ação decorridos mais de 2 anos, mesmo que, no seu entender, seja considerada a responsabilidade civil extracontratual, nos termos do disposto no artigo 498.º, n.º 1, do CC. * BB e CC, intervenientes principais, apresentaram articulado próprio, aderindo aos fundamentos da ação, designadamente quanto à falta de autorização para a transferência realizada pelo banco réu. Mais deduziram pedidos autónomos, requerendo a condenação do banco réu no pagamento aos chamados da quantia de € 52.325,00, acrescida de juros de mora e de indemnização pela privação do mencionado valor desde a data da transferência até efetivo e integral pagamento, que computaram em € 16.296,73, devendo o respetivo valor ser compensado no crédito de que goze o banco réu relativamente aos chamados. Subsidiariamente, peticionaram a condenação do banco réu no pagamento aos chamados e à autora da quantia de € 52.325,00, acrescida de juros de mora e de indemnização pela privação do mencionado valor desde a data da transferência até efetivo e integral pagamento, que computou em € 16.296,73, devendo o respetivo valor ser compensado no crédito de que goze o banco réu relativamente aos chamados, concluindo como na petição inicial da autora. * FF, DD e EE, apresentaram contestação, pugnando pela improcedência da ação, referindo que o valor pedido pelo trespasse foi de 80.000,00€, tendo a Ré anuído reduzir esse valor para 72.325,00€, com a condição da A. liquidar os respetivos impostos, designadamente o imposto de selo. * Foi realizada a audiência prévia, tendo sido fixado o valor da causa, proferido despacho saneador, relegando para final o conhecimento das exceções invocadas, fixado o objeto do litígio e delineados os temas da prova. * Realizou-se audiência de discussão e julgamento, vindo a ser proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente, por não provada, e consequentemente absolveu o Banco Comercial Português SA-Sociedade Aberta dos pedidos contra si deduzidos. Inconformada a autora interpôs recurso de apelação, sendo decidido pelo Tribunal da Relação, após deliberação: “Em conformidade com o exposto, acordam os Juízes que integram esta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em revogar a sentença proferida, condenando, em consequência, o Banco réu no pagamento aos intervenientes principais da quantia de € 52.325,00, acrescida de juros de mora e de indemnização pela privação do mencionado valor desde a data da transferência até efectivo e integral pagamento, a ser eventualmente compensado no crédito de que goze o banco réu relativamente aos referidos chamados, no mais ficando prejudicados os demais pedidos. Custas a cargo do recorrido.” * Agora inconformado com o decidido pela Relação, interpõe recurso de Revista para este STJ, o réu que, formula as seguintes conclusões: “1. O Tribunal da Relação de Guimarães transformou uma decisão de absolvição do réu/recorrente “BCP” numa decisão de condenação, com base na alteração da matéria de facto em violação de regras de Direito Probatório, o que é sindicável por V. Exas., ao abrigo do art. 674.º n.º 3 do CPC. 1.1. A questão de facto com maior relevância no desfecho da causa consiste em saber se a autora/recorrida AA concedeu, ou não, autorização para a transferência da quantia de € 52.325,00 (cinquenta e dois mil, trezentos e vinte e cinco euros), através da assinatura de um formulário de autorização de transferência. 1.2. A verificação da genuinidade de uma determinada assinatura exige o recurso a conhecimentos especiais e, por essa razão, nos presentes autos foram realizadas duas perícias, que concluíram, com o maior grau de certeza possível, ter sido elaborada pelo punho da autora/recorrida AA a assinatura que consta do referido formulário de autorização de transferência – cfr. relatórios periciais, juntos aos autos a 2 de maio de 2017 e 2 de novembro de 2017, com as referências eletrónicas nºs 5466566 e 6216245. 1.3. A valia probatória destas duas perícias não pode ser afetada por uma perícia realizada num outro processo judicial, onde não foi parte e onde não teve qualquer intervenção o réu/recorrente “BCP”, sob pena de ser violado o art. 421.º n.º 1 do Código de Processo Civil, bem como o direito fundamental a um processo justo e equitativo, previsto no art. 20.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa. 1.4. Em claro desrespeito da proibição contida no art. 421.º n.º 1 do CPC, a Relação de Guimarães serviu-se dessa outra perícia para descredibilizar e afastar as conclusões inequívocas das duas perícias realizadas nos presentes autos. 1.5. Além disso, no confronto entre as duas perícias realizadas nos presentes autos e o conteúdo das declarações de parte da autora/recorrida AA e dos chamados à autoria BB e CC, foi concedida total prevalência a este último meio de prova. 1.6. As declarações de parte não são suficientes, por si só, para firmar a convicção sobre a veracidade de um determinado facto (devendo ser interpretado restritivamente o art. 466.º n.º 3 do CPC, como é defendido pela generalidade da doutrina e da jurisprudência), nem poderão infirmar as conclusões das duas perícias realizadas nos presentes autos. 1.7. A proibição resultante do art. 421.º n.º 1 do CPC obriga à eliminação dos seguintes pontos da matéria de facto: “26. No âmbito de tal denúncia criminal foram efetuados exames periciais à letra do documento – requisição de transferência -, mediante recolha de autógrafos à ora autora e ainda a DD e GG (funcionário do BCP na Agencia de ...) nos quais se concluiu como “muitíssimo provável que a escrita suspeita da assinatura aposta na requisição de transferência nacional s/ind de n.º de fls (doc.1 deste relatório) não seja da autoria de AA.” 27. Isto porque, segundo aquela perícia “…a assinatura suspeita apresentar traçado lento, inseguro e com paragens, indiciando tentativa de imitação”. 28. Consta ainda, de tal relatório pericial “Da analise pericial comparativa da amostra problema, assinatura suspeita aposta na requisição de transferência nacional, com a dos autógrafos da sua titular, AA, conclui-se, conforme relatório do exame nº..., ter sido obtida por imitação”. 29. Tal relatório pericial, foi realizado no Laboratório da Policia Cientifica da Policia Judiciária em Lisboa”. 1.8. A conjugação da proibição do art. 421.º n.º 1 do CPC com a interpretação correta do art. 466.º n.º 3 do CPC obriga, por sua vez, a considerar como não provados os seguintes factos: "33 – Nem os pais da autora, nem esta, autorizaram a transferência aludida em 16, da qual apenas tiveram conhecimento depois de concretizada. 34 - Após tal transferência, quer a autora, quer os seus pais, procuraram junto da ré obter uma explicação que justificasse a transferência operada, respeitante a tal montante, atento a que, a mesma, foi realizada sem o conhecimento e autorização daqueles. 35 - Aquando do referido em 20, após questionado pela autora para que é que tinha que assinar aquele documento, pelo GG foi dito que seria para formalizar a transferência efectuada à data de 4/07/2008, para lhe poder entregar tal documento, em conformidade com o que estava a ser requerido. 36 - O negócio da aquisição da lavandaria não veio a ser concretizado. 37 - A autora não assinou a requisição da transferência. 38 - A assinatura constante nesse documento, não foi aí aposta pelo punho da autora, tendo sido efectuada por outrem. 39 - Aquele documento em que, alegadamente foi baseada a transferência “foi feito” muito posteriormente." 1.9. Por outro lado, a Relação de Guimarães não respeitou a força probatória da confissão judicial escrita produzida pela autora/recorrida na sua petição inicial, onde reconheceu que celebrou com a interveniente acessória DD um negócio que tinha o valor global de € 72.325,00 (setenta e dois mil, trezentos e vinte e cinco euros) – cfr. art. 10.º da petição inicial. 1.10. A existência deste negócio é desfavorável à autora/recorrida, uma vez que revela a razão de ser da transferência da quantia de € 52.325,00 (cinquenta e dois mil, trezentos e vinte e cinco euros). 1.11. Na sua contestação, o réu/recorrente aceitou esta confissão da autora/recorrida – cfr. arts. 73.º a 76.º da contestação -, que, assim, se tornou irretratável (art. 465.º n.º 1 do CPC), não restando outra alternativa que não seja considerar como provado o seguinte facto: "12. O negócio realizado entre a autora e os pais desta e a DD foi ajustado pelo valor de 72.325 €". 1.12. Por uma questão de coerência, o mesmo facto terá de desaparecer do elenco de factos não provados, mais especificamente do ponto xviii). 1.13. A autora/recorrida confessou, igualmente, em depoimento de parte, que explorou o estabelecimento comercial objeto de trespasse nos dois anos seguintes à celebração do negócio, isto é, entre 4 de julho de 2008 e 4 de julho de 2010. 1.14. Estando em causa um facto desfavorável à autora, a sua confissão determina que seja dado como provado o seguinte: “Nos dois anos seguintes ao negócio celebrado a 4 de julho de 2008 - cfr. facto provado sob o n.º 10 - a autora explorou o estabelecimento comercial de lavandaria.” 1.15. O Supremo Tribunal de Justiça tem legitimidade para alterar a matéria de facto nos termos preconizados, já que foram violadas regras relativas à força probatória de um determinado meio de prova (art. 674.º n.º 3 do CPC). 1.16. A consideração como não provados dos factos sob os nºs 33 a 39 afasta, por si só, qualquer tipo de responsabilidade civil por parte do réu/recorrente “BCP”, pois, não se provando que a autora/recorrida AA não autorizou a transferência, não existirá qualquer ilícito, nem qualquer tipo de incumprimento contratual. 1.17. Ainda que se entenda que os factos nºs 33 a 39 deverão manter-se como provados – hipótese que não se aceita – a alteração ao facto provado sob o n.º 12 servirá, igualmente, para afastar qualquer incumprimento imputável ao réu/recorrente “BCP”. 1.18. A transferência de € 52.325,00 (cinquenta e dois mil, trezentos e vinte e cinco euros) é justificada pelo negócio celebrado entre a autora/recorrida AA e a interveniente acessória DD e que tinha como valor global a quantia de € 72.325,00 (setenta e dois mil, trezentos e vinte e cinco euros). 1.19. Transferência que respeitou também a vontade dos chamados à autoria BB e CC, que reconheceram ter contraído um financiamento junto do réu/recorrente, no valor de € 80.000,00 (oitenta mil euros), para poderem pagar o preço acordado de € 72.325,00 (setenta e dois mil, trezentos e vinte e cinco euros) – cfr. factos provados sob os nºs 1 a 6 e 14. 1.20. Sabendo deste facto, o réu/recorrente respeitou a vontade dos titulares da conta bancária com o NIB ...05, isto é, a autora e os chamados à autoria. 1.21. A autora/recorrida reconheceu ter tido conhecimento da transferência, na pior das hipóteses, no dia 9 de julho de 2008 - cfr. facto provado sob o n.º 31 – e não exigiu a restituição da quantia transferida, tendo explorado o estabelecimento comercial de lavandaria até meados do ano de 2010. 1.22. O comportamento da autora/recorrida não poderá deixar de ser entendido como um ato de ratificação da transferência realizada, ou, no mínimo, como um reconhecimento do seu interesse na concretização da transferência (art. 770.º, als. b) e d) do Código Civil). 1.23. Neste caso, a prestação feita a terceiro libera o réu/recorrente "BCP" da sua obrigação de entregar outro tanto do mesmo género, emergente do contrato de depósito bancário celebrado com a autora e os chamados à autoria (art. 770.º, als. b) e d) do Código Civil). 1.24. Não havendo ilícito, nem qualquer tipo de incumprimento, não existirá responsabilidade civil do réu “BCP”, que, assim, terá de ser absolvido dos pedidos contra si formulados. 1.25. Na hipótese de se manter a matéria de facto firmada pela Relação de Guimarães, continuará a não ser possível condenar o réu/recorrente “BCP”, porque não existe qualquer facto que permita presumir a sua culpa, não se sabendo quem fez a transferência e em que circunstâncias (nomeadamente quem teria falsificado a assinatura da autora/recorrida). 1.26. Pelo contrário, sabemos que existe um formulário de autorização de transferência, que contém uma assinatura imputada à autora/recorrida e que 4 (quatro) peritos do Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária concluíram, com o maior grau de certeza possível, não ter sido falsificada. 1.27. Ainda que se entenda que a assinatura da autora/recorrida foi falsificada (o que não admitimos), não era exigível ao réu “BCP” que detetasse esta eventual e suposta falsificação, quando 4 (quatro) peritos do Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária não detetam qualquer falsificação. 1.28. Por isso, caso fosse possível presumir a sua culpa, o réu “BCP” sempre teria ilidido esta presunção, como lhe permite o art. 799.º n.º 1 do Código Civil. 1.29. A título subsidiário, para acautelar a hipótese de se entender que o réu “BCP” deverá ser condenado – o que não se admite -, invoca-se a nulidade do acórdão recorrido, por não ter esclarecido, como era sua obrigação, a taxa de juro aplicável ao cálculo dos juros de mora (art. 615.º n.º 1, al. d) do CPC). 1.30. Nulidade que só poderá ser sanada com a aplicação da taxa de juro prevista para os juros legais (art. 559.º do Código Civil), que é, atualmente, de 4%. 1.31. Juros que terão de ser contados desde a data de citação para os presentes autos (11 de novembro de 2015), uma vez que não foi demonstrada qualquer interpelação extrajudicial do réu/recorrente “BCP” (art. 805.º n.º 1 do CC). 1.32. Em conclusão, o Tribunal da Relação de Guimarães alterou a matéria de facto provada em violação de regras de Direito Probatório que fixam a força probatória de determinados meios de prova. 1.33. Tendo alterado, erradamente, a matéria de facto, a Relação de Guimarães cometeu a injustiça de condenar o réu/BCP, que se limitou a executar a transferência bancária que lhe foi solicitada pela autora e pelos chamados à autoria. 1.34. Mesmo que tivesse apreciado corretamente a prova produzida, os factos provados não eram suficientes para condenar o réu/recorrente “BCP”. 1.35. Desta forma, o acórdão recorrido viola os arts. 421.º n.º 1, 465.º n.º 1, 466.º n.º 3, 607.º n.º 5 e 615.º n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil e os arts. 352.º, 358.º n.º 1, 389.º, 487.º n.º 2, 770.º, als. b) e d), 799.º nºs 1 e 2 e 805.º n.º 1 do Código Civil. TERMOS EM QUE SE REQUER A V. EXAS. QUE SEJA REVOGADO O ACÓRDÃO OBJETO DE RECURSO, SUBSTITUINDO-O POR OUTRO QUE JULGUE IMPROCEDENTE A PRESENTE AÇÃO.” Respondem a autora e os intervenientes principais, concluindo: “A. apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinad (artigo 674.º/3 CPC); B. O Tribunal a quo, na apreciação da prova, não violou qualquer disposição legal expressa de exigência de certa espécie de prova ou que fixe a força de determinado meio de prova. C. Consequentemente, não cabe no âmbito deste recurso a reapreciação das provas, pelo que deve considerar-se como definitivamente fixada a matéria de facto. Sem prescindir, D. Na hipótese, meramente académica, de que fosse entendido que cabe no âmbito deste recurso de revista a reapreciação da matéria de facto, não existe qualquer razão para alterar esta matéria tal como foi fixada pelo Tribunal da Relação de Guimarães. E. O Tribunal a quo fez uma apreciação irrepreensível de todas as provas produzidas em audiência de julgamento na primeira instância, desde a prova documental e pericial até à prova testemunhal e por declarações de parte, comparando o teor das mesmas, apontando contradições nos depoimentos, fazendo uso das presunções judiciais, retiradas dos factos conhecidos e da experiência de vida. F. Nas presunções judiciais, o Tribunal da Relação partiu de factos-base provados e usou raciocínio lógico no respeito do art.º 349.º do CC. G. Não pretendendo ser prolixos, e atendendo à bondade e correção do raciocínio constante do acórdão recorrido, para ele nos permitimos remeter e nele nos louvamos. H. Não tem qualquer razão o Banco recorrente ao invocar que não foi apreciada a culpa deste na efetivação da ordem de transferência, já que o Tribunal a quo enfrentou essa questão, constatando, por um lado, que existe uma culpa presumida, que não foi afastada, para além de que refere que nem sequer foi cumprida a exigência da própria instituição de a ordem de transferência dever ser autorizada por dois funcionários. I. Não existe a invocada nulidade por omissão de pronúncia, sendo certo que o recorrente confunde duas questões distintas, por um lado, a questão da determinação da natureza da taxa de juro, se a civil se comercial, por outro lado, a questão da data de constituição em mora; J. Só na primeira se poderia falar de omissão de pronúncia, mas não na segunda; K. Sendo verdade que a decisão não determina, forma expressa, qual a taxa de juro aplicável, se a civil se a comercial, também é verdade que essa determinação surge de forma implícita; L. O pedido dos recorridos é que o banco seja condenado a pagar juros de , pelo que, quando o tribunal condena no pagamento de juros, sem qualquer qualificativo, deve entender-se que serão os juros comerciais, tal como foi pedido pelos recorridos e, portanto, implicitamente, houve pronúncia sobre a questão, não havendo, por isso, qualquer nulidade. M. Não houve omissão de pronúncia relativamente ao momento a partir do qual se deve contar a taxa de juro, sendo que resulta expressamente da decisão impugnanda que é o momento da transferência, ou seja, 4.07.2008. Aqui poderá discordar-se da decisão, mas não invocar uma nulidade por omissão de pronúncia, como faz o recorrente. N. Relativamente a esta questão da data de constituição em mora, que abrange não só o pagamento de juros, mas também a indemnização pela privação do o tribunal decidiu expressamente que tal indemnização e juros se deve calcular desde a data de efetivação da transferência até efetivo e integral pagamento. O. Esta decisão, para além de não configurar qualquer nulidade, não merece o facto ilícito (art.º 562.º CC) terá de considerar a data da prática do facto ilícito, ou seja, da transferência, por outro lado, vindo a obrigação de indemnizar de um facto ilícito, existe mora independentemente de interpelação (art.º 805.º/2/b CC). P. Sendo assim, o Réu/Requerente não tem razão ao invocar a nulidade da sentença baseando-se no disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. d). Q. O acórdão recorrido não violou qualquer disposição legal, nomeadamente o disposto nos arts. 421.°/1, 465.º/1, 466.º/3, 607.º/5 e 615/1/d) do Código de Processo Civil e nos arts. 352.º, 358.º/1, 389. °, 487. °/2, 770. °/b) e d), 799. °/1 e 2 e 805.º/1 do Código Civil. R. O douto acórdão recorrido fez uma correta aplicação e interpretação da lei e, por isso, não merece qualquer censura. Nos termos expostos, e nos mais de direito que V. Exas. mui doutamente suprirão, decidindo confirmar o douto acórdão recorrido, farão, como sempre, inteira e sã Justiça.” * O recurso foi admitido. Cumpre apreciar e decidir. * A matéria de facto apurada nas Instâncias é a seguinte: “Factos provados 1. Por escritura outorgada à data de 02 de julho de 2008, no Cartório da Notária HH, sito na Av. ...., na cidade de ..., foi celebrado um Contrato de Mútuo com Hipoteca entre os pais da ora autora – BB e CC - e o réu “Banco Comercial Português S.A.”. 2. Tal escritura, foi lavrada no Livro de Notas para Escrituras Diversas nº 105 –A de fls. 11 a fls12 verso e com o documento complementar que instruiu a mesma – Documento Complementar Elaborado Nos Termos do Número dois do Artigo Sessenta e quatro do Código do Notariado, e que faz parte integrante da aludida escritura. 3. Atenta a escritura outorgada, o réu concedeu um empréstimo aos pais da autora, supra identificados, no montante de €80.000,00 (oitenta mil euros). 4. (alterado pelo Tribunal da Relação) -Tal empréstimo, foi creditado na conta solidária, da qual era titular a autora e seus pais, aberta naquela supra identificada instituição bancária – BCP - na Agência de ..., na cidade de ...”. 5. Conta essa a que correspondeu o NIB ...05. 6. O aludido empréstimo contraído junto do BCP, pelos pais da autora, foi efectuado com o objectivo, da ora autora, adquirir uma lavandaria, lavandaria esta, que se situava na Rua ..., na cidade de ..., e se denominava “Lavandaria T...”. 7. A autora pretendia exercer uma actividade económica a fim de prover ao seu sustento, bem como, do seu agregado familiar, dado que nessa data se encontrava desempregada. 8. Foi um funcionário do banco réu quem forneceu à autora o contacto da proprietária da referida lavandaria. 9. Eram proprietários da dita lavandaria, DD e seu marido EE, casados sob o regime da comunhão geral de bens. 10. Em 04 de julho de 2008 a autora celebrou com os referidos DD e marido o contrato de trespasse de estabelecimento comercial junto a fls. 474-477. 11. Na mesma data – 04 de julho de 2008- a autora outorgou contrato de arrendamento não habitacional, com aqueles DD e EE, tendo-se obrigado a pagar mensalmente a quantia de €450,00, a titulo de renda, até ao dia 8 do mês àquele a que respeitasse. 12. (alterado pelo Tribunal da Relação) -O negócio realizado entre a A. e a DD foi ajustado pelo valor de 20.000,00€. 13. A lavandaria encontrava-se instalada no imóvel inscrito sob o artigo matricial urbano nº1, e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ... da União das freguesias de .... 14. A fim de ser formalizado o dito negócio e obtido o crédito bancário com tal propósito, foi efectuada a escritura referida em 1. 15. No dia 03 de julho de 2008, a quantia mutuada foi creditada na aludida conta. 16. (alterado pelo Tribunal da Relação) -“No dia 04 de Julho de 2008, foi efectuada uma transferência no valor de €52.325,00 (cinquenta e dois mil trezentos e vinte e cinco euros), pertencente aos pais da A., da dita conta para uma outra conta, com o NIB ...60 5, titulada por FF” 17. Por carta registada com aviso de recepção, datada de 14 de maio de 2010, o pai da autora solicitou ao réu cópia do documento que tinha autorizado tal transferência. 18. A carta referida em 17 não obteve resposta escrita. 19. Por carta datada de 5/07/2010, a autora, através de mandatário, solicitou cópia do documento que autorizou a transferência. 20. Em 14/07/2010, a autora foi procurada, no seu posto de trabalho, sito àquela data, na Rua de ..., por um funcionário do BCP da Agencia de ... – GG -, o qual, se muniu da carta referenciada em 19, bem como, de um impresso daquela instituição, para transferência bancária, sugerindo à autora a sua assinatura. 21. A autora não assinou o impresso referido em 20. 22. A autora, através de mandatário, enviou ao banco réu a carta junta a fls. 67-68, com o teor que dela consta. 23. No dia 15/07/2010, a Agência do BCP em ...remeteu cópia da requisição transferência ao mandatário da autora. 24. Posteriormente, o mandatário da autora recepcionou informação, por carta datada de 6/8/2010, do BCP – Direção de Banca Direta – Centro de Atenção ao Cliente -, a qual dizia que o documento que havia sido solicitado já tinha sido entregue e que demoraram na sua obtenção e envio por ter sido necessária a sua pesquisa no arquivo central, sendo um documento que data de 2008. 25. Foi apresentada denúncia criminal contra incertos nos Serviços do Ministério Publico de ... à data de 3/5/2011, que correu termos sob o nº1138/11.4..., nos Serviços do Ministério Público de ..., na ....ª Secção de Processos. 26. No âmbito de tal denúncia criminal foram efetuados exames periciais à letra do documento – requisição de transferência -, mediante recolha de autógrafos à ora autora e ainda a DD e GG (funcionário do BCP na Agencia de ... nos quais se concluiu como “muitíssimo provável que a escrita suspeita da assinatura aposta na requisição de transferência nacional s/ind de n.º de fls (doc.1 deste relatório) não seja da autoria de AA.” 27. Isto porque, segundo aquela perícia “…a assinatura suspeita apresentar traçado lento, inseguro e com paragens, indiciando tentativa de imitação”. 28. Consta ainda, de tal relatório pericial “Da analise pericial comparativa da amostra problema, assinatura suspeita aposta na requisição de transferência nacional, com a dos autógrafos da sua titular, AA, conclui-se, conforme relatório do exame nº..., ter sido obtida por imitação”. 29. Tal relatório pericial, foi realizado no Laboratório da Policia Cientifica da Policia Judiciária em Lisboa. 30. O inquérito aludido veio a ser arquivado, por se ter considerado inexistirem indícios suficientes da prática por qualquer dos arguidos de um qualquer crime. 31. A autora obteve o extrato bancário de fls. 61-62, em 09/07/2008. 32. FF não teve qualquer intervenção no negócio de trespasse da lavandaria. Provados pelo Tribunal da Relação: 33 – Nem os pais da autora, nem esta, autorizaram a transferência aludida em 16, da qual apenas tiveram conhecimento depois de concretizada. 34 - Após tal transferência, quer a autora, quer, os seus pais, procuraram junto da ré, obter uma explicação que justificasse a transferência operada, respeitante a tal montante, atento a que, a mesma, foi realizada sem o conhecimento e autorização daqueles. 35 - Aquando do referido em 20, após questionado pela autora para que é que tinha que assinar aquele documento, pelo GG foi dito que seria para formalizar a transferência efectuada à data de 4/07/2008, para lhe poder entregar tal documento, em conformidade com o que estava a ser requerido. 36 - O negócio da aquisição da lavandaria não veio a ser concretizado. 37 - A autora não assinou a requisição da transferência. 38 - A assinatura constante nesse documento, não foi aí aposta pelo punho da autora, tendo sido efectuada por outrem. 39 - Aquele documento em que, alegadamente foi baseada a transferência “foi feito” muito posteriormente. * Factos não provados i)Os funcionários do banco réu, sugeriram, que a autora, negociasse tal lavandaria, atento até que mantinham com a sua proprietária uma boa relação de amizade. ii) (alterado pelo Tribunal da Relação) -“que o valor de 52.500,00€ respeitasse ao valor devido pela aquisição do imóvel, onde a lavandaria se encontrava instalada”. iii), iv), v) (Passaram a provados pelo Tribunal da Relação) vi) (alterado pelo Tribunal da Relação) -O BCP nada esclareceu. vii), viii), ix) Passaram a provados pelo Tribunal da Relação) x) Enquanto estava em negociações com a dita DD, a autora requereu junto da Camara Municipal Licença de Utilização do espaço em seu nome, atento o negócio que a autora pretendia fazer – aquisição do imóvel -, sendo certo que, o mesmo não possuía Licença de Utilização. xi) A referida DD, foi protelando a realização e concretização do negócio alegando sempre desculpas e mais desculpas, ou porque estava com problemas de saúde, ou, porque estava a reunir outra documentação necessária, ou, porque o marido estava em .... xii) Devido a tal transferência a autora viu-se impedida de realizar outros negócios que se propunha. xiii)Tal transferência, ocasionou dores de cabeça e preocupações à autora e aos pais desta. xiv)Toda esta situação causou mau estar à autora, perturbação psicológica, pois, a autora está a pagar um dinheiro do qual não usufruiu. xv) A autora, não dorme de noite. xvi) A autora sente uma grande angústia. xvii) A autora sente-se incomodada com toda a situação descrita. xviii (aditada pelo acórdão da Relação) -“O negócio realizado entre a A. e os pais desta e a DD foi ajustado pelo valor de 72.325,00€”. xix (aditado pelo Tribunal da Relação) -“Que a conta referenciada no ponto 16, dos factos provados, fosse também titulada por DD”. * Conhecendo: Questão prévia: O acórdão da Relação alterou o facto 16 dos provados por duas vezes. Uma primeira vez retirando a interveniente acessória DD da contitularidade da conta e uma segunda vez acrescentando que a conta donde foi efetuada a transferência da quantia indicada de €52.325,00 pertencente aos pais da autora. Porém, nesta segunda alteração, e por lapso, voltou a ser incluída como contitular da conta para onde foi efetuada a transferência, a referida interveniente acessória. O que originava contradição com a al.) xix dos factos não provados aditada pela Relação na sequência da alteração excluindo esta interveniente da contitularidade da conta. Entendemos que se trata de lapso entendível que pode ser corrigido por este Tribunal, sem que a tal se oponha o disposto nos arts. 682º e 683º, do CPC, pelo que procedemos à correção. * Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações – artigo 635º, nº 3 a 5 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as questões a decidir respeitam: - Impugnação da matéria de facto provada, pontos 12, 26 a 29 e 33 a 39: - Valor probatório da prova pericial. - Valor probatório das declarações de parte. - A confissão em depoimento de parte. - Direito aplicável em função da alteração dos factos 26 a 29 e 33 a 39, passando de provados a não provados. - Direito aplicável em função da alteração do facto 12, passando de provado a não provado. - A não prova da culpa do réu e ausência de presunção de culpa. - Omissão da taxa de juro aplicável e data da constituição em mora. * Como o recorrente conclui, “A questão de facto com maior relevância no desfecho da causa consiste em saber se a autora/recorrida AA concedeu, ou não, autorização para a transferência da quantia de € 52.325,00 (cinquenta e dois mil, trezentos e vinte e cinco euros), através da assinatura de um formulário de autorização de transferência.” Concluindo ainda: “Em conclusão, o Tribunal da Relação de Guimarães alterou a matéria de facto provada em violação de regras de Direito Probatório que fixam a força probatória de determinados meios de prova.” - Valor probatório da prova pericial. Conforme art. 674º, nº 3 do CPC, “3 - O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.” Aqui estaria em causa a força de determinado meio de prova. O conteúdo de um relatório pericial não constitui prova plena. Conforme art. 389º do Código Civil, a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal. E no mesmo sentido se pronuncia o art. 489º, do CPC. Assim o entendeu este Coletivo no Ac. de 27-09-2022, proferido no Proc. nº 10217/20.6T8LSB.L2.S1. E refere o Ac. deste STJ, de 12-11-2002, no Proc. nº 04B2977 que: “III - A força probatória da prova pericial - relatório técnico de dois peritos do Instituto Português de Cartografia e Cadastro emitido, a solicitação do tribunal, para esclarecimento do laudo divergente de perito em perícia colegial - está sujeita à livre apreciação do juiz (artigo 389.º do Código Civil), pelo que, a decisão de facto eventualmente conflituante com o relatório, não constitui violação do n.º 1 do artigo 371.º, excluindo a verificação da hipótese delineada na segunda parte do n.º 2 do artigo 722.º do Código de Processo Civil”. E no sentido do que vimos afirmando, o Ac. deste STJ de 23-06-2021, no Proc. nº 199/07.5TTVCT-E.G1.S1, ao referir: “I - O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa escapa ao âmbito dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça (artigos 674º, nº 3, e 682º, nº 2, do Código de Processo Civil), estando-lhe vedado sindicar a convicção das instâncias pautada pelas regras da experiência e resultante de um processo intelectual e racional sobre as provas submetidas à apreciação do julgador. II - Só relativamente à designada prova vinculada ou tarifada, ou seja, nos casos em que a lei exige certa espécie de prova para a demonstração do facto ou fixa a força de determinado meio de prova, quando está em causa um erro de direito (arts. 674.º, n.º 3, e 682.º, nº 2), pode o Supremo Tribunal de Justiça exercer os seus poderes de controlo em sede de recurso de revista III – A prova pericial está sujeita à livre apreciação pelas instâncias, cabendo a estas, no âmbito dos seus poderes para julgar a matéria de facto, fixar livremente a força probatória da prova pericial, nos termos dos artigos 389º do Código Civil e 489º do Código de Processo Civil”. E refere o art. 489º do CPC que tendo sido efetuadas duas perícias, a segunda não invalida a primeira, sendo uma e outra livremente apreciadas pelo tribunal. O acórdão recorrido encontra-se fundamentado e apenas se verifica a divergência do recorrente que não se conforma com essa fundamentação. Da apreciação livre das provas produzidas no processo pode resultar, ou não, a fundamentação da matéria de facto que compete analisar, tudo dependendo da convicção que tais provas mereçam por parte do julgador. Conforme determina o art. 413º, do CPC, com a epigrafe “provas atendíveis” toda a prova deve ser aproveitada para a decisão do caso independentemente de quem deva ou não produzi-la. Entendemos inexistir falta ou insuficiência da fundamentação da matéria de facto, resultando do acórdão recorrido os motivos que levaram à convicção do tribunal e à consequente alteração da matéria de facto. Conforme art. 674º nº 3 do CPC, porque não se verifica no acórdão impugnado ofensa de uma certa disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, eventual erro na apreciação das provas não pode ser objeto de recurso de revista. “Não ocorreu, neste domínio, erro suscetível de sindicância deste Tribunal Supremo e também não se descortina qualquer violação das regras de direito probatório, soçobrando tudo o que os recorrentes alegaram e concluíram a tal propósito. Há que manter intocável, por isso, a materialidade fáctica dada por assente pela Relação” – ac. do STJ de 19-01-2017, proferido no proc. nº 841/12.6TBMGR.C1.S1. Não se verificando qualquer das exceções previstas na parte final desta norma - nº 3 do art. 674º do CPC –, a fundamentação alegada pelo recorrente não pode ser objeto do recurso de revista. “Nada havendo a censurar à legalidade da decisão recorrida, não pode o STJ apreciar o seu acerto ou o erro de julgamento que lhe é imputado” - Revista n.º 232/13.1TBLMG.C1.S1 - 1.ª Secção, de 04-07-2017. “II - O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista salvo havendo "ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe força de determinado meio de prova" (artigo 674.º/3 do CPC) III - Não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões da Relação previstas nos nºs 1 e 2 do artigo 662.º do CPC que, com base numa indispensável análise da prova produzida, registada ou gravada, considerem que se impõe ou que não se impõe a alteração da matéria de facto, a produção de novos meios de prova, a anulação da decisão de 1ª instância ou a fundamentação de algum facto essencial (artigo 662.º/4 do CPC)”. – Revista nº1345/13.5TVLSB.L1.S1, de 03-05-2018. Assim que improcede o recurso quanto a esta questão. - Valor probatório das declarações de parte. O acabado de referir em relação à prova pericial tem aplicação em relação à prova por declarações de parte, pois conforme nº 3 do art. 466º, do CPC, “o tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão”. Sendo apreciadas livremente pelo tribunal, não se enquadram as declarações de parte no nº 3 do art. 674º, do CPC, não podendo ser objeto de recurso de revista. Pelo que, também, improcede o recurso quanto a esta questão. - A confissão em depoimento de parte. Conforme art. 155º, nº 1, do CPC, o depoimento de parte é sempre gravado, mas apesar da gravação não é dispensável a redução a escrito do depoimento, como determina o art. 463º, do CPC, relativamente à parte em que seja confessório, ou na parte em que narre factos ou circunstâncias que impliquem indivisibilidade da declaração confessória, nos termos preceituados no art. 360º, do Cód. Civil. Assim que não basta alegar a existência de “depoimento prestado na sessão de julgamento realizada em 02/10/2018, que se encontra registado no sistema digital H@bilus Media Studio de "00:00:01 a 01:31:17”. Era necessário que o juiz ditasse para a ata a declaração confessória e concluída a assentada a mesma fosse lida ao depoente, que a confirmaria ou faria as retificações necessárias, tudo como preceitua o referido art. 463º, do CPC. Assim que não há nos autos prova por confissão da parte, mas apenas declarações de parte, a valorar nos termos sobreditos. * Deste modo, deve manter-se a matéria de facto nos termos decididos pelo Tribunal da Relação dado não se verificar ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, não sendo competência deste STJ imiscuir-se na forma como o Tribunal da Relação apreciou e valorou a prova, tendo por base a sua convicção livremente formada. Como dissemos no Ac. deste STJ de 23 03-2021, no Proc. nº 215/10.3TVPRT.P1.S3, “I- Em relação à matéria de facto, o Tribunal de revista apenas ajuíza se o Tribunal da Relação, no desempenho daquela sua função, observou, quer a disciplina processual a que aludem os arts. 640 e 662, nº 1, quer o método de análise crítica da prova prescrito no art. 607, nº 4, aplicável por força o disposto no art. 663, nº 2, todos do CPC, não podendo imiscuir-se na valoração da prova feita pelo Tribunal da Relação, segundo o critério da sua livre e prudente convicção. II- Não é da competência do STJ, sindicar o erro na livre apreciação das provas, a não ser quando, nos termos do artigo 674, n.º 3, do CPC, a utilização desse critério de valoração ofenda uma disposição legal expressa que exija espécie de prova diferente para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova. III- O art. 662 do CPC, evidencia que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis. IV- O Tribunal da Relação apenas fez uso das suas competências ao analisar toda a prova produzida e após prudente ponderação concluir pelos factos que teve por provados e os não provados, alterando-os quando e se necessário.” * Alega o recorrente a ausência de prova de culpa do réu e ausência de presunção de culpa. A transferência bancária deve ocorrer por iniciativa do titular ou contitular da conta, ou seja, o ordenador que ordena ao banco que transfira um certo montante para uma outra conta, do mesmo titular ou de terceiro, aberta no mesmo ou noutro banco. Face aos factos dados como provados pelo Tribunal da Relação: “37 - A autora não assinou a requisição da transferência. 38 - A assinatura constante nesse documento, não foi aí aposta pelo punho da autora, tendo sido efectuada por outrem. 39 - Aquele documento em que, alegadamente foi baseada a transferência “foi feito” muito posteriormente.” Dúvidas não existem de que existe culpa na atuação do funcionário (colaborador) do banco réu/recorrente e, consequentemente, deste. No caso concreto, sendo o devedor um banco há que levar em linha de conta, para além de um dever geral de diligência, o dever acessório de competência técnica que é transversal a toda a atividade bancária, não sendo específico da execução de transferência bancária, que exige cuidados e cautelas que o banqueiro deve observar na execução de qualquer ato ou operação bancária, quer no serviço de pagamentos, quer nas transferências de fundos, como determinam os arts. 73º e 74º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro (na sua redação atual). Por força destes deveres, o banco deve, em princípio, controlar, tão rigorosamente quanto possível, a ordem de pagamento do ordenador; caso não o faça, deve, em princípio, assumir a responsabilidade por esse facto. Este dever tem ainda a virtualidade de dar, em abstrato, a medida a diligência exigível ao banqueiro no cumprimento das obrigações que para ele emergem, v.g., da execução transferência bancária. Ao banqueiro será exigível, designadamente na área da execução da transferência bancária, elevados níveis de competência técnica e de organização. A bitola do esforço exigível é, por isso, mais exigente que a comum: requer um esforço acrescido, por se dirigir a uma entidade altamente qualificada e especializada. Ao lesado compete provar a culpa do autor da lesão, conforme art. 487º do Cód. Civil. E ficando provado que o documento em que, alegadamente, foi baseada a transferência “foi feito” muito posteriormente, só pode concluir-se que o banco réu procedeu à transferência sem qualquer ordem do titular da conta. E que a “falsificação” da ordem de transferência que veio a ser feita, já a transferência havia sido efetuada, apenas teria a virtualidade de aparentar uma legalidade que não se verificava quando da transferência e que não exclui a culpa, mas antes a agrava ou transforma a atuação em intencional e dolosa. E no caso concreto apurou-se que a assinatura na ordem de transferência não foi aposta pela autora. Refere o Ac. do STJ de 14-01-2021, no Proc. nº 1497/14.7T8LSB.L2.S1 que, “Tendo sido formulado um pedido indemnizatório contra a entidade bancária que aceitou uma transferência, com fundamento em que a ordem de transferência não foi emitida pelo titular da conta de origem e que a conta de destino não pertencia ao indicado beneficiário dessa transferência, a falta de prova da “falsificação” da ordem de transferência impede a procedência da ação, uma vez que esse era um elemento essencial da causa de pedir, sem o qual se abre uma diversidade de hipóteses, que corresponderiam a outras tantas e diferentes causas de pedir que o tribunal não pode preencher.” Porém, como já referimos, no caso em análise foi feita a prova da “falsificação” da ordem de transferência, ao provar-se que a autora não assinou a requisição da transferência e a assinatura constante nesse documento, não foi aí aposta pelo punho da autora, tendo sido efetuada por outrem, e que o documento em que, alegadamente foi baseada a transferência “foi feito” muito posteriormente. Pelo que não se verifica a causa de exclusão da responsabilidade civil, alegada pela recorrente. - Omissão da taxa de juro aplicável e data da constituição em mora. O acórdão recorrido condenou o Banco réu no pagamento “da quantia de € 52.325,00, acrescida de juros de mora e de indemnização pela privação do mencionado valor desde a data da transferência até efectivo e integral pagamento”, dispositivo retificado no acórdão que conheceu da nulidade arguida, indicando como taxa de juro a taxa legal. Manteve o início da mora na data da efetivação da transferência, entendendo e bem que não se verificava a necessidade de interpelação, por a obrigação provir de facto ilícito. Tal como preceituam os arts. 805º e 806º, do Cód. Civil. Fundamenta o Ac. que conheceu da nulidade arguida, nos termos seguintes, com que se concorda: “E, nos termos do art. 559.º, n.º 1, do CC, os juros legais e os estipulados sem determinação de taxa ou quantitativo são os fixados em portaria conjunta dos Ministros da Justiça e das Finanças e do Plano (Portaria nº 291/2003). Como convém a este título referir, a obrigação de pagamento de juros comerciais respeita à natureza do acto como comercial ou não, entendendo-se que a razão de ser da existência de juros moratórios comerciais não se relaciona com o devedor mas antes com o credor, radicando a razão de ser “na necessidade de compensar especialmente as empresas pela imobilização de capitais, pois que, para elas o dinheiro tem um custo mais elevado do que em geral, na medida em que deixam de o poder aplicar na sua actividade, da qual extraem lucros, ou têm mesmo de recorrer ao crédito bancário” (Acórdão deste STJ de 09-07-2014, Proc. 433682/09). Acresce, tal como resulta do n.º 1 e 2, do art. 806.º, do Cód. Civil, respeitante às obrigações pecuniárias, em princípio, a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora., sendo os juros devidos os juros legais, salvo se antes da mora for devido um juro mais elevado ou as partes houverem estipulado um juro moratório diferente do legal, o que não ocorreu no presente caso. Por outro lado, como resulta da al. b), do art. 805.º, do mesmo diploma, atinente ao momento da constituição em mora, há mora do devedor, independentemente de interpelação, se a obrigação provier de facto ilícito, tal como se considerou verificar-se no caso da actuação do Banco R. perante a factualidade dado como provada. Daqui decorre que o facto de não se ter feito constar expressamente na decisão final que a contabilização dos juros de mora em que o Banco R. foi condenado deveriam ser efectuados segundo a taxa legal aplicável, não importa qualquer nulidade, na medida em que tal resulta da própria lei, como sendo devidos os juros legais quando se trata de uma obrigação pecuniária.” * Face ao que exposto ficou temos como improcedentes as conclusões do recurso de revista, devendo o mesmo ser julgado improcedente. * Sumário elaborado ao abrigo do disposto no art. 663 nº 7 do CPC: I- O conteúdo de um relatório pericial não constitui prova plena. Conforme art. 389º, do Código Civil, a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal, pronunciando-se no mesmo sentido o art. 489º, do CPC. II- Da apreciação livre das provas produzidas no processo pode resultar, ou não, a fundamentação da matéria de facto que compete analisar, tudo dependendo da convicção que tais provas mereçam por parte do julgador. III- Não se verificando no acórdão impugnado ofensa de uma certa disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, o eventual erro na apreciação das provas não pode ser objeto de recurso de revista. IV- Para que o depoimento de parte tenha valor de confissão é necessário que o juiz dite para a ata a declaração confessória e concluída a assentada a mesma seja lida à parte depoente, que a confirmará ou fará as retificações necessárias, tudo como preceitua o referido art. 463º, do CPC. Decisão: Tendo em conta o exposto, acordam neste STJ e 1ª Secção em: -Julgar improcedente o recurso e negando-se a revista. -As custas do recurso ficam a cargo do recorrente. Lisboa, 20-06-2023
Fernando Jorge Dias – Juiz Conselheiro Relator Jorge Arcanjo – Juiz Conselheiro 1º adjunto Manuel Aguiar Pereira – Juiz Conselheiro 2º adjunto |