Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1.ª SECÇÃO | ||
Relator: | MARIA JOÃO VAZ TOMÉ | ||
Descritores: | PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA LEGALIDADE OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS MENOR PRESSUPOSTOS PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE | ||
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Data do Acordão: | 03/09/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
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Sumário : | I. Num processo de jurisdição voluntária, em virtude da sua especial função de controlar a aplicação do direito substantivo e adjetivo, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça pressupõe que a decisão recorrida não se haja fundado em critérios de conveniência e oportunidade . II. O art. 2004.º do CC assume um papel central na disciplina do instituto dos alimentos, precisamente porque estabelece os pressupostos objetivos (encontrando-se o seu pressuposto subjetivo – o vínculo entre alimentante e alimentando – previsto no art. 2009º, ou no art. 495º, n.º 3, do CC) da correspondente obrigação. III. Pode dizer-se que, em geral, a necessidade e os recursos são simultaneamente pressupostos da constituição e da permanência da obrigação de alimentos, de um lado e, de outro, critérios de determinação do respetivo quantum. IV. O princípio da proporcionalidade, além da consideração das necessidades do alimentando, pressupõe uma apreciação comparativa dos rendimentos de ambos os progenitores. Apenas o respeito do princípio da proporcionalidade consente a realização do princípio cardinal da igualdade dos progenitores constitucionalmente consagrado. V. Não se viola o princípio da proporcionalidade quando se determinam as necessidades da menor com base nas despesas normais de crianças da mesma idade e se considera a situação económica dos progenitores. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, I - Relatório
1. AA intentou ação de regulação das responsabilidades parentais relativas à sua filha BB contra CC, Pai da menor, alegando que os progenitores não são casados e não vivem juntos. 2. No decurso do processo, os progenitores acordaram sobre o exercício das responsabilidades parentais, residência da menor e direito de visitas do progenitor não guardião, acordo que foi homologado por sentença – cf. termos de fls. 172-4. Não conseguindo acordar sobre a obrigação de alimentos, a ação prosseguiu em ordem à sua fixação. 3. Foi determinada uma prestação de alimentos provisória no montante de € 125. 4. Os progenitores alegaram, arrolaram testemunhas e juntaram documentos. 5. Foram solicitadas informações bancárias, para as quais se recorreu ao incidente de quebra do sigilo bancário. 6. Após a realização de audiência de discussão e julgamento, foi proferida decisão que, julgando procedente o pedido de regulação das responsabilidades parentais, estabeleceu o seguinte: “1) A título de prestação de alimentos devidos à BB, o pai CC pagará a quantia mensal de 250€ (duzentos e cinquenta euros) até ao dia 8 de cada mês por depósito ou transferência bancária para conta a indicar pela mãe, sendo este valor devido desde Setembro de 2015 (e tendo em conta os valores que o progenitor entretanto pagou no âmbito da decisão provisória); 2) A prestação alimentar supra estabelecida será anualmente actualizada, com início em Janeiro de 2021, de acordo com os índices de inflação publicados pelo INE ou entidade que o substitua por referência ao ano transacto; 3) As despesas escolares, incluindo ATL, e de saúde, médicas e medicamentosas relativas à menor, incluindo com óculos, consultas, meios complementares de diagnóstico e cirurgias, não cobertas por seguro de saúde ou suportadas pelo Serviço Nacional de Saúde, serão suportadas em idêntica proporção por ambos os progenitores, devendo o progenitor proceder ao respectivo pagamento após a comunicação da respectiva factura e juntamente com a transferência da prestação de alimentos do mês seguinte; 4) julgar improcedente, por não provado, o pedido de condenação da autora como litigante de má-fé”. 7. Inconformado, o progenitor interpôs recurso de apelação. 8. A progenitora e o Ministério Público contra-alegaram, pugnando pela manutenção do decidido. 9. Por acórdão de 14 de julho de 2020, o Tribunal da Relação decidiu o seguinte: “Termos em que, julgando aa apelação parcialmente procedente, fixa-se a pensão devida pelo progenitor à menor no valor de € 175,00, no mais se mantendo a decisão recorrida. Custas por apelante e apelada, na proporção do decaimento”.
10. Inconformada, a progenitora interpôs recurso de revista, apresentando as seguintes Conclusões: “1. Atenta a matéria de facto que está definitivamente assente o Tribunal da Relação do ...... entendeu alterar a decisão da 1ª instância e baixar o valor da prestação de alimentos de € 250,00 mensais para € 175,00 mensais. A aqui recorrente não pode concordar de forma alguma com a referida decisão. 2. Como consta da sentença da 1ª Instância “ Como sabemos o direito e o dever dos pais de educação e manutenção dos filhos (artigo 36.º, 5, da Constituição da República Portuguesa) constitui um verdadeiro direito-dever subjectivo e não uma simples garantia institucional ou uma simples norma programática, integrando o chamado poder paternal (que é uma constelação de direitos e deveres, dos pais e dos filhos, e não um simples direito subjectivo dos pais perante o Estado e os filhos) (acórdão da Relação do Porto de 28/09/2010, processo n.º 3234/08.6TBVCD, consultado em www.dgsi.pt). 3. Este direito-dever de educação e manutenção dos filhos designa-se actualmente de responsabilidades parentais, na sequência da entrada em vigor da Lei 61/2008, que substituiu a expressão legal ‘poder paternal’ por ‘responsabilidades parentais’. 4. Ora, o direito e dever de manutenção – o específico aspecto da responsabilidade parental que nos interessa para esta decisão – envolve especialmente o “dever de prover ao sustento dos filhos, dentro das capacidades económicas dos pais, até que eles estejam em condições (ou tenham obrigação) de o fazer” – aí radica, encontrando o seu fundamento, a obrigação de alimentos por parte do progenitor que não vive com os filhos. 5. O conteúdo e extensão deste dever é delineado qualitativamente, pois devem os progenitores propiciar aos filhos as condições económicas adequadas ao seu crescimento sadio e equilibrado, ao seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral e social, direito inerente a todas as crianças (artigo 27.º, da Convenção sobre os Direitos da Criança). 6. A lei ordinária, para lá de conferir especial e acrescida protecção a esta obrigação (atente-se na circunstância de o direito a alimentos ser indisponível, imprescritível, impenhorável, bem assim como na circunstância de ser insusceptível de compensação (artigos 2008.º, 853.º e 298.º, 1 do Código Civil (CC), possibilitando-se que a execução por crédito de alimentos incida sobre vencimento ou prestação social inferior ao valor do salário mínimo nacional, sendo tutelado penalmente o cumprimento da obrigação), densifica-a de forma cuidada. 7. No exercício desse poder-dever, os pais devem, de acordo com as suas possibilidades, prover ao sustento, segurança, saúde e educação dos filhos, promover o seu desenvolvimento físico, intelectual e moral e proporcionar-lhes adequada instrução geral e profissional (artigo 1878.º, 1 e 1885.º, 1 e 2, do Código Civil). 8. De acordo com o estabelecido no artigo 2004º do Código Civil, são os alimentos fixados em função das necessidades do alimentando, possibilidades do alimentante e possibilidades do alimentando prover à sua subsistência. 9. O legislador não nos diz o que sejam as necessidades do alimentando, tratando-se de um conceito propositadamente aberto para permitir abranger tudo o que for indispensável ao sadio e harmonioso desenvolvimento físico, psíquico e social do alimentando. Assim, por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, compreendendo, ainda, “os alimentos, a instrução e a educação do alimentado, no caso de este ser menor” (artigo 2003.º, do Código Civil). 10. Já a medida da necessidade é definida por múltiplos factores, designadamente a situação social, idade, estado físico e de saúde, proventos e possibilidades de angariar sustento da pessoa que há-de receber os alimentos (artigo 2004.º, 2, do CC), não interessando neste caso a consideração do artigo 2004.º, 2, do CC, a possibilidade do alimentando prover à sua subsistência, pois que a BB tem 12 anos de idade e não está demonstrado que tenha rendimentos que possam ser aplicados na satisfação das suas necessidades. 11. Assim, são as necessidades do alimentando a primeira medida da obrigação, necessidades, como resulta do artigo 2004.º, 1, do CC, que traçam o limite máximo da obrigação alimentar, não existindo esta para lá das referidas necessidades e mesmo que as possibilidades do devedor sejam mais que suficientes para ir além de uma tal medida. 12. Por seu turno, na fixação dos alimentos deve atender-se às possibilidades, aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los, assentando a medida das possibilidades basicamente nos rendimentos do obrigado e sendo ainda integrada pelos seus encargos. 13. Não existe pois entre nós um modelo para fixação de alimentos a menores, ao contrário do que vai sucedendo em diversos países nomeadamente nos Estados Unidos da América, onde a mais usada é a de Melson, segundo a qual, para o cálculo da pensão, parte-se primeiro do rendimento líquido dos pais estabelecendo uma reserva mínima de auto-sobrevivência dos mesmos; estabelece-se de seguida um cálculo quanto às necessidades básicas da criança; encontrado o rendimento mínimo dos pais, este só poderá registar aumento se as aludidas necessidades da criança se encontrarem satisfeitas (Maria Clara Sotomayor, Regulação do Exercício do Poder Paternal nos Casos de Divórcio, Almedina, Coimbra, 2000, 3ª Edição, a págs. 189/195). 14. Ora, estas fórmulas podem e devem ser utilizadas para garantir a uniformidade de critérios, mas apenas como princípio de orientação (assim se decidiu, por exemplo, no acórdão da Relação do Porto de 28/06/2016, processo n.º 3850/11.9TBSTS-A.P1, consultado em www.dgsi.pt), mas não dispensam um momento de equidade. 15. Por outro lado, e pese embora os alimentos a fixar tenham de ser proporcionais às possibilidades do obrigado, o entendimento é o de que até que as necessidades básicas das crianças sejam satisfeitas os pais não devem reter mais rendimento do que o requerido para providenciar às suas necessidades de auto-sobrevivência. O que bem se compreende, pois que se assim não fosse, bastaria ao devedor de alimentos assumir os encargos voluptuários e desnecessários que lhe aprouvesse para ficar desobrigado de prestar alimentos, o que a ética e o direito obviamente não aceitam (acórdão da Relação do Porto de 28/06/2016 acima citado). 16. Desta forma, a medida da contribuição de cada progenitor deve encontrar-se na capacidade económica de cada um para prover às necessidades do filho, sendo certo que estas necessidades sobrelevam a disponibilidade económica dos pais, no sentido de que o conteúdo da obrigação de alimentos que lhes compete cumprir não se restringe à prestação mínima e residual de dar aos filhos um pouco do que lhes sobra, mas antes no de que se lhes exige que assegurem as necessidades dos filhos menores com prioridade sobre as próprias e se esforcem em obter meios de propiciar aos filhos menores as condições económicas adequadas ao seu sadio, harmonioso e equilibrado crescimento. 17. Finalmente, o princípio da igualdade dos cônjuges estabelecido no artigo 36.º, 3, da CRP, constitui expressão qualificada do princípio da igualdade de direitos e deveres dos homens e mulheres (artigo 13.º, da CRP), abrangendo, incontestavelmente, a educação e manutenção dos filhos, pelo que se conclui que as responsabilidades parentais cabem a ambos os progenitores, em condições de plena igualdade. 18. Tal não significa, porém, no que especificamente concerne à obrigação alimentar, que cada progenitor contribua com metade do necessário ao sustento e manutenção dos filhos. Sobre cada progenitor impende o dever/responsabilidade de assegurar, na medida das suas possibilidades, o necessário ao sustento e manutenção do filho, sendo que o princípio constitucional da igualdade de deveres se realiza através da proporção da contribuição, pelo que cada um deles deverá contribuir em função (proporção) das suas capacidades económicas. 19. De todo modo, sempre tendo presente que, neste domínio todas as decisões são tomadas tendo em conta o superior interesse da criança, conceito que, aplicado em concreto, pretende assegurar um desenvolvimento harmónico da criança, tendo em conta as suas necessidades, bem como a capacidade dos pais para as satisfazer e ainda os valores dominantes no meio comunitário que os envolve. “ 20. Ora o acórdão recorrido entende que em face das regras de experiência comum e apesar de não ter provado as concretas despesas especificas com a BB que o valor mensal com gastos com alimentação, vestuário, calçado e lazer rondará os € 230,00 mensais. 21. Sendo certo que conforme consta dos factos provados ( artigo 5º e 6º dos factos provados ) as despesas com o alojamento da aqui recorrente e da sua filha ascendem a € 1.320,00 mensais , sendo € 520 de renda da sua habitação e € 800,00 com alimentação, água, luz, internet, tv, despesas de transporte. 22. E parte destas despesas terão forçosamente que ser imputadas ao facto de a aqui recorrente viver 365 dias por ano com a BB, dado que infelizmente a menor tem-se recusado a conviver com o pai, nomeadamente pernoitando com o mesmo ou indo de férias com o mesmo ! 23. Indo para uma regra de experiência comum vemos que estas despesas com o alojamento da menor poderão ser consideradas em 1/3 pelo que em face das despesas comprovadas nos autos temos um valor de € 440,00. 24. O valor aproximado mensal das despesas com a BB rondará por isso os € 570,00 mensais. 25. Está também comprovado nos autos que o recorrido aufere um rendimento mínimo mensal da ordem dos € 3.000,00 e a aqui Recorrente um rendimento mensal liquido da ordem dos € 1.200,00 ( sendo certo que actualmente tem um salário liquido inferior pois mudou de emprego e aufere um valor liquido de cerca de € 1.000,00 ). 26. Convém não escamotear um facto que ainda está pendente de decisão na 1ª instância e diz respeito à eventual condenação como litigante de má fé do progenitor dado que o mesmo de forma deliberada procurou omitir os seus rendimentos mensais com vista a desonerar-se ao pagamento de uma pensão justa e adequada para a sua filha menor ! 27. É manifesto que a capacidade contributiva do progenitor é bem superior à da aqui Recorrente, não se percebendo nem entendo por isso a pensão de alimentos fixada para o progenitor de € 175,00 - que corresponde a menos de um terço das despesas mensais da BB ! 28. Ou seja o Pai que aufere 2 vezes mais rendimentos que a mãe paga um terço das despesas da menor e a progenitora paga dois terços das mesmas ! 29. Em face dos elementos constantes dos autos deve por isso a pensão de alimentos devida pelo progenitor à menor ser fixada num valor mensal de € 350,00 suportando igualmente o progenitor 50% das despesas escolares, incluindo ATL, e de saúde, médicas e medicamentosas relativas á menor, incluindo com óculos, consultas, meios complementares de diagnóstico e cirurgias, não cobertas por seguro de saúde ou suportados pelo SNS. 30. Ou caso se entenda que a pensão de alimentos devida pelo progenitor seja fixada nos € 250,00 mensais decididas pela 1ª instancia deve o mesmo suportar 2/3 das despesas escolares, incluindo ATL, e de saúde, médicas e medicamentosas relativas á menor, incluindo com óculos, consultas, meios complementares de diagnóstico e cirurgias, não cobertas por seguro de saúde ou suportados pelo SNS. 31. Violou assim o acórdão recorrido o vertido nos artigos 1878º nº 1, 1885 nº 1 e 2, 2003º e 2004º do Código Civil. TERMOS em que deve revogar-se o acórdão recorrido por tal ser de JUSTIÇA”. II – Questões a decidir Decorre da conjugação do disposto nos arts. 608.º, n.º 2, 609.º, n.º 1, 635.º, n.º 4, e 639.º, do CPC, que são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o respetivo thema decidendum. Impõe-se ainda ao Tribunal ad quem apreciar as questões de conhecimento oficioso que resultem dos autos. Após a análise da (in)admissibilidade do recurso, impõe-se, se for caso disso, apreciar se, na fixação do quantum da obrigação de alimentos, o Tribunal da Relação do ....... violou o princípio da proporcionalidade legalmente consagrado no art. 2004.º, n.º 1, do CC. III – Fundamentação A) De Facto 1. O Tribunal de 1.ª Instância considerou provados os seguintes factos: “1) A BB nasceu a ... de Maio de 2007, sendo filha de AA e de CC. 2) Os progenitores não se encontram unidos pelo matrimónio e não residem juntos. 3) A menor reside com a mãe, que assegura todas as suas necessidades, cuidando da sua alimentação, conforto e segurança. 4) A AA trabalha por conta de outrem, tendo auferido em Abril de 2018 a quantia líquida de 1.281,37€. 5) A AA reside numa casa arrendada pela qual paga 520€ mensais de renda. 6) A AA tem como despesas mensais mais significativas (valores aproximados): a) 120€ - gastos com eletricidade, gás e água. b) 500€ - alimentação. c) 125€ - calçado e vestuário. d) 80€ - relativos a combustíveis. e) 100€ - TV+Internet+Telefone f) 30€ - dispêndios com saúde. 7) A AA tem despesas mensais específicas com vestuário, calçado, alimentação, educação, saúde e diversão da BB. 8) CC é ............ de empresa de transportes rodoviários e de mercadorias T.........., S.A., constando dos recibos de vencimento de Fevereiro de 2018, Março de 2018, Abril de 2018, Junho de 2018, Julho de 2018 e Agosto de 2018 que auferiu, respectivamente,1.842€, 1858€, 1850€, 1.850,50€, 3.692,50€ e 1.850,50€ líquidos. 9) CC tem, pelo menos, um imóvel arrendado pelo qual recebe renda mensal. 10) CC tem como despesas mensais mais significativas (em valores aproximados): a) 100€ - consumos de água, eletricidade, gás b) 321€ - crédito habitação c) 200€ - crédito automóvel d) 401€ - crédito pessoal e) 280€ - (outro) crédito pessoal f) 70€ - telecomunicações g) 20€ - combustível automóvel h) 25€ - transportes i) 20€ - seguro de saúde j) 50€ - refeições fora de casa l) 80€ - gastos pessoais m) 105€ (1/12) - seguros de vida, automóvel e multirriscos. 11) CC paga, para três outras filhas que tem, duas prestações mensais de 100€ e uma de 125€ e contribui com 99€ para o jardim escola da mais nova e, até Agosto de 2018, ainda com o valor de cerca de 180€ (2x90€, não sendo sempre neste montante) para as propinas das filhas mais velhas, tendo em alguns meses outras despesas de saúde e escolares, se bem que estas já não com a regularidade daquelas. 12) No ano de 2017, CC declarou para efeitos de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares o montante de 42.000€. 13) No extracto da conta superordenado n.º ..........31 do Banco Santander Totta, titulada por CC foram depositados com a indicação “Orden. T.........., S.A.”, os valores de 2.975,55€ (a 2017/03/01), 3.154,25€ (a 30/03/2017), 2.886,20€ (a 28/04/2017), 2.868,90€ (a 31/05/2018), 4.256,94€ (a 30/06/2017), 2.997,55€ (a 31/07/2017), 3.086,90€ (a 31/08/2017), 3.444,30€ (a 29/09/2017), 2.908,20€ (a 31/10/2017), 6.073,80€ (a 01/12/2017), 3.343,98€ (a 19/12/2017), 1.842€ (a 19/02/2018, 28/02/2018), 3.109,55€ (a 29/03/2018), 3.101,40€ (a 30/04/2018), 3.061,80€ (a 30/05/2018), 1.850,50€ (a 29/06/2018, 31/08/2018 e 28/09/2018), 3.692,50€ (a 31/07/2018), 1.853,25€ (a 31/10/2018), 3.694,24€ (a 30/11/2018) e 1.852,24€ (21/12/2018). 14) No extracto da conta superordenado n.º ...........31 do Banco Santander Totta, titulada por CC, entre 01/02/2017 e 31/12/2018 constam diversas transferências de valores a seu favor (entre essas com carácter regular mensal de DD no valor de 505€ e de EE em valores entre 600€ e 700€), depósitos em numerários, levantamentos e 8 pagamentos, exibindo essa conta um saldo inicial de 11.511,23€ e um saldo final de 3.174,09€, tudo conforme termos de fls. 312/344, cujo teor aqui se dá por reproduzido. 15) Na conta à ordem n.º ........67 do Banco CTT, titulada por CC mostrava-se depositada a 31/12/2018 a quantia de 200€. 16) No extracto da conta n.º .............98 do Banco Santander Totta, titulada por CC foram depositados com a indicação “Orden. T.........., S.A.”, os valores de 1.864,24€ (a 31/01/2019 e 28/02/2019) e 1.764,24€ (a 29/03/2019). 17) No extracto da conta n.º ............98 do Banco Santander Totta, titulada por CC, entre 01/01/2019 e 29/03/2019 constam diversas transferências de valores a seu favor (entre essas com carácter regular mensal de DD no valor de 505€ e de EE em valores entre 600€ e 700€), depósitos em numerários, levantamentos e pagamentos, exibindo essa conta um saldo inicial de 3.174,09€ e um saldo final de 24.293,47€, tudo conforme termos de fls. 437/453, cujo teor aqui se dá por reproduzido. 18) Da participação de óbito de FF e relação de bens apresentada ao serviço de finanças constam como beneficiários GG e AA e como bens as quinze verbas que constam de fls. 374-5, cujo teor aqui se dá por reproduzido. 19) Mostra-se inscrita a favor do CC a fracção autónoma identificada pela letra A do prédio urbano sito em ............, na ........., composto de rés-do-chão e andar, em regime de propriedade horizontal, destinado a duas habitações, inscrito na matriz predial urbana n.º ..... da ........., com o valor patrimonial determinado em 2016 de 122.137,31€. Factos não provados (com relevância para a decisão) 20) Sem prejuízo do referido em 7), as despesas da AA com calçado e vestuário da BB ascendem a 90€ mensais. 21) Sem prejuízo do referido em 7), as despesas da AA com alimentação da BB ascendem a 100€ mensais. 22) Sem prejuízo do referido em 7), as despesas da AA com diversão da BB ascendem a 20€ mensais. 23) CC tem actualmente quatro viaturas, uma delas de marca ......... 24) CC tem uma casa em ........ e tem uma casa de férias na marina de ...... 25) O ordenado líquido de CC é de 1.850€. 26) Sem prejuízo do referido em 9), pelo arrendamento de um imóvel CC recebe 400€ de renda. 27) Sem prejuízo do referido em 11), CC paga 425€ de prestação alimentar a três outras filhas que tem, comparticipando ainda com mais 300€ para as propinas da faculdade e 124€ para o jardim de infância que frequentam”.
2. O Tribunal da Relação alterou a matéria de facto, nos seguintes moldes: “Assim, o ponto 11 da matéria de facto provada passa a ter a seguinte redacção: 11) CC paga, para três outras filhas que tem, duas prestações mensais de 150€ e uma de 125€ e contribui com 99€ para o jardim escola da mais nova e, até Agosto de 2018, ainda com o valor de cerca de 180€ (2x90€, não sendo sempre neste montante) para as propinas das filhas mais velhas, tendo em alguns meses outras despesas de saúde e escolares, se bem que estas já não com a regularidade daquelas.” “Assim, o ponto 18 da matéria de facto provada passa a ter a seguinte redacção: 18) Da participação de óbito de FF e relação de bens apresentada ao serviço de finanças constam como beneficiários GG e AA, com uma quota de ½ cada, e como bens as quinze verbas que constam de fls. 374-5, cujo teor aqui se dá por reproduzido, correspondendo a quota da apelada a 110.454,35€, para além de diversos outros valores mobiliários.” B) De Direito (In)admissibilidade do recurso 1. Estamos no âmbito de um processo tutelar cível que, conforme o art. 12.º do RGPTC, é qualificado como processo de jurisdição voluntária. Essa qualificação implica a aplicação das regras estabelecidas para a jurisdição voluntária, que se afastam, em aspetos muito relevantes, do regime em geral aplicável aos processos cíveis, segundo os arts. 986.º e ss do CPC . 2. O preceito do art. 988.º, n.º 2, do CPC, veda o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça para apreciação de “resoluções proferidas segundo critérios de conveniência ou oportunidade”, ou seja, nos termos previstos no art. 987.º, do mesmo corpo de normas. 3. No âmbito de um processo de jurisdição voluntária, em virtude da sua especial função de controlar a aplicação do direito substantivo e adjetivo, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça pressupõe que a decisão recorrida não se haja fundado em critérios de conveniência e oportunidade . 4. O art. 2004.º do CC assume um papel central na disciplina do instituto dos alimentos, precisamente porque estabelece os pressupostos objetivos (encontrando-se o seu pressuposto subjetivo – o vínculo entre alimentante e alimentando – previsto no art. 2009º, ou no art. 495º, n.º 3, do CC) da correspondente obrigação. Os elementos constitutivos da fattispecie desta norma são a necessidade do alimentando e os meios do alimentante. 5. É necessária a verificação cumulativa de ambos os requisitos - a necessidade do alimentando e a possibilidade de prestação do alimentante - para que se constitua a obrigação legal de alimentos. A lei consagra, outrossim, no art. 2004.º, n.º 1, um princípio de proporcionalidade. 6. De um lado, a obrigação de alimentos pressupõe a existência de uma situação de necessidade do alimentando que se traduz na impossibilidade de prover, total ou parcialmente, à sua subsistência com os seus rendimentos, o seu património e a sua capacidade de trabalho. 7. O conceito de necessidade é um conceito jurídico “indeterminado” ou relativo, que há-de implementar-se, à luz do princípio da solidariedade familiar, atendendo à pessoa do alimentando e às suas circunstâncias concretas. 8. De outro lado, a obrigação de alimentos pressupõe que o alimentante disponha de meios para os prestar. Trata-se de saber se este se encontra em condições de efetuar a prestação alimentar. 9. O conceito de “meios” é, também, “indeterminado” ou relativo. Na sua implementação, suscita-se a questão de saber se devem ter-se em conta apenas os rendimentos que o alimentante aufira reiteradamente (periodicamente ou não) do trabalho ou do capital ou, diferentemente, se devem considerar-se também outros elementos como a titularidade de direitos patrimoniais suscetíveis de alienação. Em qualquer caso, parece que a alienação de direitos patrimoniais deve ser excecional, pois é com base nos rendimentos que, por via de regra, se determina o montante dos meios ou recursos de uma pessoa para satisfazer as suas necessidades ordinárias e as da sua família nuclear e, assim, também aquelas de outros sujeitos. 10. Em vista da determinação dos “meios” do alimentante, afigura-se igualmente necessário levar em linha de conta os seus encargos. É capaz de prestar alimentos quem não põe em perigo os seus próprios alimentos com a prestação dos mesmos a terceiro. Devem, pois, levar-se em linha de conta as obrigações de alimentos do alimentante perante outras pessoas, designadamente filhos. 11. Pode dizer-se que, em geral, a necessidade e os recursos são simultaneamente pressupostos da constituição e da permanência da obrigação de alimentos, de um lado e, de outro, critérios de determinação do respetivo quantum. 12. A obrigação de alimentos visa, pois, prover a “tudo o que é indispensável ao sustento, habitação, vestuário” (art. 2003.º, n.º 1, do CC), compreendendo também o que é “necessário à instrução e educação do alimentando no caso de este ser menor” (art. 2003.º, n.º 2, do CC). 13. O legislador define o objeto da obrigação de alimentos (“sustento, habitação e vestuário”) e estabelece o critério (“o que é indispensável”), em conjugação com o disposto no art. 2004.º, do CC, para a determinação da sua medida. Este critério de indispensabilidade delimita o âmbito das despesas a considerar em vista do “sustento, habitação e vestuário”. 14. Está em causa uma obrigação de alimentos perante uma filha menor – emergente das responsabilidades parentais (art. 1878.º do CC) que, para os progenitores, decorrem do art. 1874º, do CC, como efeito essencial da filiação jus-atendível. 15. Nos termos do artigo 1878.º, n.º 1, CC, “compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela sua segurança e saúde, provar ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar seus bens”. Está em causa não apenas a satisfação das necessidades básicas, mas a promoção do desenvolvimento físico, psíquico, intelectual e moral das crianças. 16. Nas últimas décadas, a figura da criança na sociedade modificou-se profundamente. Passou-se da imagem de um “filho objeto/dependente”, uma espécie de propriedade dos progenitores, para a de um “filho sujeito/independente” tendo direitos próprios. Para esse efeito foi especialmente relevante a Convenção sobre os Direitos da Criança (adotada pelas Nações Unidas a 20 de novembro de 1989), ratificada por Portugal. A Convenção funda-se no princípio segundo o qual o “interesse superior” da criança deve ser sempre levado em devida linha de conta em todas as decisões que lhe respeitem. Não se trata somente de proteger a criança enquanto membro mais vulnerável da sociedade, mas também de a reconhecer como pessoa independente, com aspirações, vontade e direitos próprios. 17. Tendo a filiação biológica (ou a adoção) como fundamento, além do princípio da solidariedade familiar, a responsabilidade dos progenitores pela conceção e nascimento dos filhos, independentemente da relação afetiva e do convívio (in)existente entre os progenitores e os filhos (art. 1917.º do CC), dispõe de um conteúdo especial, mais intenso e extenso. O estado civil dos progenitores não afeta essa obrigação. 18. No caso de o progenitor-devedor dispor de parcos recursos económicos, a necessidade da criança pode não ser totalmente satisfeita. A este é sempre assegurado o mínimo vital previsto no direito executivo: princípio da intangibilidade do mínimo vital do devedor (art. 738.º, n.º 4, do CPC). De resto, trata-se de um princípio aplicável a todas as obrigações de alimentos previstas no direito da família. 19. In casu, o Requerido/Recorrido CC, além da BB, tem três filhas. Nenhuma das obrigações que sobre si recaem pode ser preterida em prol da BB. Nos termos do art. 2009.º, al. c), do CC, a obrigação de alimentos impende sobre os parentes na linha reta ascendente, como corolário do dever recíproco de assistência entre pais e filhos. Está em causa o princípio da igualdade de tratamento dos filhos. Com efeito, no caso de filhos nascidos de várias relações, matrimoniais ou não, o montante da obrigação de alimentos é fixado com observância do princípio da igualdade de tratamento entre si, que não impõe que o montante dos alimentos seja igual para todos eles. O respetivo quantum depende das necessidades concretas de cada um deles assim como dos recursos do outro progenitor. 20. Tanto o Tribunal de 1.ª Instância como o Tribunal da Relação do ......... determinaram corretamente o an da obrigação de alimentos, uma vez que se encontravam preenchidos os respetivos pressupostos objetivos e subjetivo. 21. Verificados os pressupostos da obrigação de alimentos (necessidade e recursos), a medida da prestação alimentar será determinada à luz de um princípio de proporcionalidade entre a necessidade do alimentando e os recursos do alimentante. 22. No caso sub judice, a única questão suscitada pela Requerente/Recorrente, AA suscetível de ser apreciada pelo Supremo Tribunal de Justiça, é a de saber se o Tribunal da Relação do ......... observou o critério da proporcionalidade consagrado no art. 2004.º, n.º 1, do CC. Por seu turno, no que respeita estritamente à determinação do montante da obrigação de alimentos do Requerido/Recorrido CC perante a filha menor BB, não se trata de matéria de que o Supremo Tribunal de Justiça possa conhecer. 23. É que a determinação do quantum da obrigação de alimentos tem lugar com base em juízos de conveniência e oportunidade, balizados pelo juízo de legalidade inerente ao art. 2004.º do CC . Perante a regra plasmada no art. 988.º, n.º 2, do CPC, em ação de regulação das responsabilidades parentais, a fixação do montante da obrigação de alimentos perante filho menor decorre de juízos de conveniência e oportunidade. Deste modo, o juízo assim formulado é da competência exclusiva do Tribunal da Relação, estando vedado ao Supremo Tribunal de Justiça o conhecimento do recurso. É que não é sindicável por este Tribunal o juízo das Instâncias, de conveniência e oportunidade, sobre as concretas necessidades do alimentando e os concretos meios do alimentante, expresso precisamente na fixação judicial do quantum da obrigação de alimentos, que é indissociável das circunstâncias do caso concreto e de um juízo de equidade. É uma decisão que, não se baseando em critérios de estrita legalidade, é orientada pela equidade e assenta em juízos de conveniência e oportunidade [1]. O juiz atua como um árbitro a quem é conferido o poder de julgar ex aequo et bono. 24. Deste modo, apenas se admite o recurso na parte em que a Requerente/Recorrente AA alega a violação do princípio da proporcionalidade, consagrado no art. 2004.º, n.º 1, do CC, por parte do Tribunal da Relação do ....... (In)observância ou não do princípio da proporcionalidade 1. Não se trata, nesta parte, da apreciação do modo como o Tribunal da Relação do ........ aplicou critérios de conveniência ou oportunidade, porquanto, nesta parte, a decisão não foi tomada ao abrigo do art. 987.º do CPC. 2. Também o Supremo Tribunal de Justiça não está agora a escolher soluções mais convenientes ou oportunas, intimamente ligadas à apreciação da situação de facto em que a menor e os seus progenitores se encontram. 3. O princípio da proporcionalidade, além da consideração das necessidades do alimentando, pressupõe uma apreciação comparativa dos rendimentos de ambos os progenitores. Apenas o respeito do princípio da proporcionalidade consente a realização do princípio cardinal da igualdade dos progenitores constitucionalmente consagrado. 4. O princípio da proporcionalidade reveste-se de características específicas no direito da família. Não intenciona nem uma mera operação aritmética e nem uma divisão em partes iguais do montante dos alimentos. Oferece antes um critério elástico, que exprime a própria função de garantia da satisfação das necessidades do alimentando. Tendencialmente, produz efeitos exclusivamente nas relações internas dos progenitores. 5. De acordo com a decisão do Tribunal de 1.ª Instância: “Já quanto à capacidade económica do progenitor, o devedor dos alimentos, provou-se que é diretor de uma empresa de transportes rodoviários e de mercadorias, consta do eu recibo de vencimento um valor inferior àquele que efectivamente recebe, auferindo vencimentos em montantes próximo de 3.000€, tem ainda, pelo menos, um prédio (cujo valor não se apurou) arrendado e recebe com caracter regular e mensal, as quantias de 505€ e entre 600€/700€, podendo um destes montantes (ou os dois) ser referente à renda e é proprietário de uma outra habitação avaliada em 2016 no montante de 122.137,31€. Por outro lado, tem como despesas mensais mais significativas (em valores aproximados), 1.672€ em consumos de água, eletricidade, gás, créditos que paga, telecomunicações, combustível, transportes, seguros e ainda gastos pessoais e com refeições fora de casa. A estes montantes acresce que paga, a três outras filhas que tem, duas prestações mensais de 100€ e uma de 125€ e contribui com 99€ para o jardim escola, num total de 424€, não contando nesta altura o valor das propinas das filhas mais velhas considerando que não as paga mais. Sopesando a situação económica de cada um, face aos seus rendimentos, bens e despesas, conclui-se que é superior a capacidade de contribuição do progenitor, auferindo vencimento e tendo outros rendimentos e património superior ao da progenitora. Neste quadro, temos por equitativa e adequada, a prestação mensal de 250€ (duzentos e cinquenta euros), a pagar até ao dia 8 de cada mês por depósito ou transferência bancária para conta titulada pela mãe, a actualizar em Janeiro de cada ano de acordo com o índice de preços ao consumidor publicado pelo INE ou entidade que o substitua por referência ao ano transacto. Nos termos do artigo 2006.º, do Código Civil, este montante é devido desde a proposição da acção, ou seja, desde Setembro de 2015, naturalmente que devendo ter em conta os valores que o progenitor entretanto pagou no âmbito da decisão provisória sobre os alimentos. Além disso, todas as despesas escolares, incluindo ATL, e de saúde, médicas e medicamentosas relativas à menor, incluindo com óculos, consultas, meios complementares de diagnóstico e cirurgias, não cobertas por seguro de saúde ou suportadas pelo Serviço Nacional de Saúde, serão suportadas em idêntica proporção por ambos os progenitores, devendo o progenitor proceder ao respectivo pagamento após a comunicação da respectiva factura e juntamente com a transferência da prestação de alimentos do mês seguinte.”
6. Por seu turno, o Tribunal da Relação do ...... alterou os pontos 11 e 18 da matéria de facto provada: “11) CC paga, para três outras filhas que tem, duas prestações mensais de 150€ e uma de 125€ e contribui com 99€ para o jardim escola da mais nova e, até Agosto de 2018, ainda com o valor de cerca de 180€ (2x90€, não sendo sempre neste montante) para as propinas das filhas mais velhas, tendo em alguns meses outras despesas de saúde e escolares, se bem que estas já não com a regularidade daquelas.” “18) Da participação de óbito de FF e relação de bens apresentada ao serviço de finanças constam como beneficiários GG e AA, com uma quota de ½ cada, e como bens as quinze verbas que constam de fls. 374-5, cujo teor aqui se dá por reproduzido, correspondendo a quota da apelada a 110.454,35€, para além de diversos outros valores mobiliários.”
7. Segundo o Tribunal Recorrido: “À falta de elementos concretos, há que atender às regras de experiência comum, tendo como referência as despesas normais para crianças desta idade. Embora não se tenha provado o alegado pela apelada, no seu articulado de fls. 177 e ss., apresentado em 25.05.2018 — onde referiu, nos artigos 11.º a 13.º, o montante de € 100,00 para alimentação, € 90,00 para vestuário e calçado, e € 20,00 para lazer, num total de € 210,00 —, este montante pode ser considerado um parâmetro para a fixação da pensão de acordo com a equidade. Passados dois anos, podemos apontar para um valor na ordem dos €230,00, a suportar por ambos os progenitores, em medida ligeiramente superior para o apelante, pela sua capacidade financeira superior e por a progenitora contribuir para o alojamento e cuidados da menor”.
8. Decidiu que: “Assim, afigura-se equilibrado que o apelante contribua com a quantia mensal de € 175,00, no mais se mantendo a decisão recorrida”. 9. Não parece que o Tribunal da Relação do ...... tenha violado o princípio da proporcionalidade, consagrado no art. 2004.º, n.º 1, do CC e, por conseguinte, diferentemente do alegado pela Requerente/Recorrente AA, “o princípio da igualdade dos cônjuges estabelecido no artigo 36.º, 3, da CRP” que “constitui expressão qualificada do princípio da igualdade de direitos e deveres dos homens e mulheres (artigo 13.º, da CRP), abrangendo, incontestavelmente, a educação e manutenção dos filhos, pelo que se conclui que as responsabilidades parentais cabem a ambos os progenitores, em condições de plena igualdade.” 10. O Tribunal, na determinação das necessidades da BB, levou em conta regras da experiência comum, tomando como referência as despesas normais de crianças da mesma idade. Considerou, depois, a situação económica dos progenitores. 11. Além do mais, verifica-se a existência de proporcionalidade entre o montante atribuído pelo Tribunal de 1.ª Instância e a quantia conferida pelo Tribunal da Relação do ......, tendo em conta a alteração da matéria de facto efetuada pelo último. 12. Por outro lado, não parece que Tribunal, no exercício do seu amplo poder de apreciação, em ordem à determinação do montante da obrigação de alimentos, tenha levado em conta fatores sem pertinência jurídica, desconsiderado elementos essenciais e fixado, de acordo com as regras da experiência, um quantum claramente inadequado às circunstâncias. 13. Refira-se ainda que não resulta dos autos que o Requerido/Recorrido CC tenha pré-ordenado a sua conduta – v.g., porventura redução dos rendimentos do trabalho, contração de crédito bancário – à modificação in pejus da respetiva situação patrimonial com vista a de si alijar a obrigação de alimentos perante a filha BB. 14. Por último, importa recordar que, de acordo com a sua natureza alimentar ou assistencial, a obrigação de alimentos encontra-se sujeita a modificações. A cláusula rebus sic stantibus ou princípios da relatividade e da variabilidade prevalecem sobre a força do caso julgado da decisão judicial (art. 619.º, n.º 2, do CPC) – podendo dizer-se que esta transita em julgado relativamente à situação de facto existente no momento em que é proferida – que tenha fixado o montante da obrigação de alimentos e sobre o princípio pacta sunt servanda (no caso de acordo). A determinação do quantum dos alimentos, judicial ou negocial, é sempre provisória. Trata-se de um princípio de ordem pública. Baseando-se na situação atual (ou previsível) dos sujeitos, a obrigação de alimentos é passível de modificação em virtude da alteração daquela situação. Trata-se, em geral, de um renascer constante do princípio da solidariedade familiar. O art. 2012.º do CC não consagra, como requisito da sua aplicação, ao contrário do art. 437.º, o carácter substancial da alteração das circunstâncias. A pensão de alimentos é, pela sua própria natureza, essencialmente variável. Independentemente do modo da fixação do seu quantum – judicial ou convencional –, ela é sempre provisória. Em princípio, o aumento da pensão de alimentos tem lugar no caso de o alimentando piorar de circunstâncias e de o alimentante dispor de recursos suficientes, de um lado e, de outro, de as necessidades do alimentando não encontrarem satisfação cabal e o alimentante beneficiar entrementes de um acréscimo patrimonial. IV - Decisão Nos termos expostos, julga-se improcedente o recurso interposto por AA, confirmando-se o acórdão do Tribunal da Relação do ..... . Custas pela Requerente/Recorrente.
Lisboa, 9 de março de 2021. Sumário: 1. Num processo de jurisdição voluntária, em virtude da sua especial função de controlar a aplicação do direito substantivo e adjetivo, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça pressupõe que a decisão recorrida não se haja fundado em critérios de conveniência e oportunidade .2. O art. 2004.º do CC assume um papel central na disciplina do instituto dos alimentos, precisamente porque estabelece os pressupostos objetivos (encontrando-se o seu pressuposto subjetivo – o vínculo entre alimentante e alimentando – previsto no art. 2009º, ou no art. 495º, n.º 3, do CC) da correspondente obrigação. 3. Pode dizer-se que, em geral, a necessidade e os recursos são simultaneamente pressupostos da constituição e da permanência da obrigação de alimentos, de um lado e, de outro, critérios de determinação do respetivo quantum. 4. O princípio da proporcionalidade, além da consideração das necessidades do alimentando, pressupõe uma apreciação comparativa dos rendimentos de ambos os progenitores. Apenas o respeito do princípio da proporcionalidade consente a realização do princípio cardinal da igualdade dos progenitores constitucionalmente consagrado. 5. Não se viola o princípio da proporcionalidade quando se determinam as necessidades da menor com base nas despesas normais de crianças da mesma idade e se considera a situação económica dos progenitores. Este acórdão obteve o voto de conformidade dos Excelentíssimos Senhores Conselheiros Adjuntos António Magalhães e Fernando Dias, a quem o respetivo projeto já havia sido apresentado, e que não o assinam por, em virtude das atuais circunstâncias de pandemia de covid-19, provocada pelo coronavírus Sars-Cov-2, não se encontrarem presentes (art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, que lhe foi aditado pelo DL n.º 20/2020, de 1 de maio). Maria João Vaz Tomé (relatora) ______ [1] Cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de novembro de 2009 (Lopes do Rego), proc. .º 110-A/2002.L1.S1; de 31 de maio de 2011 (Gregório Silva Jesus), proc. n.º 724-A/1999.G1.S1; de 12 de maio de 2016 (Silva Gonçalves), proc. n.º 2808/07.7TMLSB-B.L1-A.S1; de 11 de maio de 2017 (Helder Roque), proc. n.º 19233/09.8T2SNT-G.L1.S1. |