Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5ª SECÇÃO | ||
Relator: | ISABEL SÃO MARCOS | ||
Descritores: | RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO QUESTÃO NOVA VÍCIOS DO ARTº 410.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO HOMICÍDIO BEM JURÍDICO PROTEGIDO MEDIDA CONCRETA DA PENA | ||
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Data do Acordão: | 12/13/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | JULGADO PARCIALMENTE PROCEDENTE O RECURSO | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL PENAL – PROVA – JULGAMENTO / SENTENÇA – RECURSOS / RECURSOS ORDINÁRIOS / TRAMITAÇÃO / RECURSO PERANTE O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA / PODERES DE COGNIÇÃO. DIREITO PENAL – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA D APENA / DETERMINAÇÃO DA MEDIDA D APENA. | ||
Doutrina: | - Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Parte Geral, Editorial Notícias, p. 227. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 127.º, 379.º, N.º 1, ALÍNEA A), 410.º, N.ºS 2, ALÍNEA C) E 3, 425.º, N.º 5 E 434.º. CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 71.º, N.ºS 1 E 2. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 11-07-2013, PROCESSO N.º 631/06.5TAEPS.G1.S1; - DE 11-07-2013, PROCESSOS N.º 1690/10.1JAPRT.L1.S1; - DE 02-12-2013, PROCESSO N.º 237/12.0GDSTB.E1.S1, - DE 14-05-2014, PROCESSO N.º 42/11.0JALRA.C1.S1; - DE 17-12-2014, PROCESSO N.º 937/12.4JAPRT.P1.S1; - DE 09-02-2017, PROCESSO N.º 21/14.6GBVCT.G1.S1. | ||
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Sumário : | I - O arguido quando interpôs recurso para a Relação, não suscitou a questão sobre a remissão feito no acórdão proferido em 1.ª instância para o relatório de autópsia, pelo que suscitar essa questão agora em recurso constitui uma questão nova. O meio de impugnação das decisões judiciais, que é o recurso, tem por escopo reexaminar, reapreciar, sindicar as questões que já foram objecto de análise e de decisão por parte do tribunal recorrido ou que, podendo e devendo ter sido por ele conhecidas, não foram com vista à detecção e correcção de vícios, omissões ou à escolha da solução jurídica mais adequada ao caso concreto. II - O erro de decisão sobre a matéria de facto (art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP) não se pode confundir com a divergência existente entre a convicção que o recorrente porventura tenha formado sobre a prova produzida em audiência e a convicção que, à luz da livre apreciação da prova (art. 127.º do CPP), o tribunal haja formado a respeito da dita prova, que sempre sobrelevará à daquele. III - Como de forma sistemática vem afirmado a jurisprudência do STJ, pese embora no art. 434.º do CPP se faça menção ao disposto no art. 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP, o conhecimento dos vícios acha-se subtraído à alegação do recorrente e, como tal não pode constituir fundamento do recurso. O que não impede do STJ se pronunciar oficiosamente, o que vale por dizer por sua iniciativa, contanto que resultem do próprio texto da decisão recorrida e como forma de obstar a que seja compelido a aplicar o direito aos factos que, porventura, se revelem manifestamente insuficientes, fundados em errónea apreciação ou assentes em pressupostos contraditórios. IV - Ao tribunal de recurso é licito, em sede de fundamentação, não apenas fazer uso de excertos de outra peça do processo, como não se lhe exige que responda a todos e a cada um dos argumentos ou pormenores da versão que lhe é apresentada pelo recorrente, mas tão só que responda às questões reputadas fundamentais para a decisão. A Relação acolhendo a perspectiva alcançada pelo tribunal de 1.ª instancia, que justificou de forma suficiente, convincente e coerente, ainda que usando parte da motivação alinhada pelo tribunal recorrido, não incorreu na nulidade da decisão por falta de fundamentação, referida na al. a) do n.º1 do art. 379.º do CPP e n.º 4 do art. 425.º do CPP. V - Estabelece o art. 71.º, n.º 1, do CP que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa da agente e das exigências de prevenção, mas também resulta igualmente certo que as circunstâncias referidas no n.º 2 do citado preceito são, para além de outras, todas as que, não tendo já sido valoradas no tipo legal de crime, importa levar em linha de conta na fixação concreta da pena, no âmbito da submoldura definida pelas exigências de prevenção geral e limitadas no seu máximo pela medida da culpa, de sorte que a pena constitui sempre o resultado da avaliação de toso esses factores. VI - Tendo em conta o grau elevado de ilicitude do facto típico, considerando a forma extremamente violenta e dolorosa (murros e pontapés na cabeça, no tórax e nos membros superiores) como executou o homicídio do seu tio, o dolo directo e intenso sabendo da relação de parentesco entre ambos e bem assim da situação de grande debilidade em que se encontrava aquele tio por via do seu estado etilizado e as motivações do arguido no cometimento do crime (mera convicção subjectiva que formara a respeito da responsabilidade (moral) daquele no suicídio da sua progenitora, sem que nada demonstrasse ser certa essa sua convicção, mas tendo também em conta a sua primariedade e sua inserção social, familiar e profissional, afigura-se adequada a pena de 10 anos de prisão pela prática do crime de homicídio simples, do que os 11 anos aplicado pelas instâncias. | ||
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Decisão Texto Integral: |
I. Relatório 1. No Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, Juízo Central Criminal de Coimbra, Juiz 1, o arguido AA foi julgado e, a final, condenado, por acórdão de 08.03.2018, no que releva para o caso aqui em apreciação, pela prática de um crime de homicídio voluntário simples previsto e punido pelo artigo 131.º do Código Penal, na pena de 11 (onze) anos de prisão. 2. Inconformado com esta decisão, o arguido AA interpôs recurso, de facto e de direito, para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por acórdão de 19.09.2018, decidiu, negar provimento ao recurso, confirmando integralmente a decisão recorrida. “1.º O acórdão recorrido padece de omissão de pronúncia por nada decidir quanto à questão da falta de fundamentação decorrente da ausência de explicação relativamente à consideração como circunstância atenuante ou agravante do que figura no n.º 6 da matéria de facto provada. 2.º Assim como não foi proferida decisão sobre a remissão para o relatório de autópsia de folhas 264 a 267. 3.º O tribunal recorrido deveria ter reconhecido a existência de erro notório na apreciação da prova, uma vez que do relatório de autópsia não se extrai que a morte só pode ter acontecido em virtude de homicídio, por as lesões terem sido causa directa e necessária da morte. 4.º A aplicação da pena não é acompanhada do cumprimento do inerente dever de fundamentar, não explicando cabalmente a fixação da pena em 11 anos de prisão. 5.º Mesmo considerando o recorrente como autor de um crime de homicídio, nunca lhe deveria ser aplicada pena superior a 8 anos de prisão, tendo em atenção as circunstâncias que depõem a favor do arguido, incluindo o reduzido grau de ilicitude, o modo de execução, o grau de violação dos deveres, os motivos e a sua conduta. 6.º Por violação dos n.ºs 1 e 2 do artigo 27.º, do n.º 1 do artigo 32.º e do n.º 1 do artigo 205.º da lei fundamental, é inconstitucional a norma constante do n.º 3 do artigo 71.º do código penal, se interpretada no sentido de que o tribunal cumpre o dever de expressamente referir os fundamentos da medida da pena, quando a sentença omite a alusão a algumas das circunstâncias mencionadas no n.º 2 do artigo 71.º do código penal. 7.º Normas jurídicas violadas Do código penal - artigo 40.º - artigo 71.º - artigo 131.º - n.º 1 do artigo 143.º - n.º 1 do artigo 147.º Do código de processo penal - n.º 5 do artigo 97.º - n.º 2 do artigo 374.º - alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º - alínea c) do n.º 2 do artigo 410.º - n.º 4 do artigo 425.º Da constituição - n.ºs 1 e 2 do artigo 27.º - n.º 1 do artigo 32.º - n.º 1 do artigo 205.º
8º Termos em que deve ser dado provimento ao recurso e o acórdão recorrido ser declarado nulo ou, caso assim não se entenda, ser reduzida a pena aplicada ao arguido”. 4. Notificados do motivado e bem assim concluído pelo recorrente, respondeu o Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Coimbra que se pronunciou, em suma, no sentido de que o recurso deverá ser julgado improcedente; 5. Subidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, o Senhor Procurador-Geral-Adjunto, na oportunidade conferida pelo número 1 do artigo 416.º do Código de Processo Penal, emitiu proficiente parecer que concluiu no sentido de que o recurso deverá ser rejeitado quanto à questão reportada à arguida nulidade da decisão por omissão de pronúncia na parte relativa à remissão feita, em sede de indicação dos factos provados, para o relatório de autópsia, e julgado improcedente no demais. 6. Tendo sido observado o disposto no artigo 417.º, número 2, do Código de Processo Penal, retorquiu o arguido AA reiterando a posição assumida no que concerne à invocada falta de fundamentação da medida da pena. 7. Por não ter sido requerida audiência, foi o julgamento do recurso remetido para a conferência [artigo 419.º, número 3, alínea c) do Código de Processo Penal]. Colhidos os “vistos”, realizou-se a conferência, de onde foi tirado o presente acórdão. *** II. Dos Fundamentos II.1 – De Facto A matéria de facto dada como provada foi a seguinte: “1. O arguido AA nasceu a ...1988 e é filho de CC e de .... 2. BB nasceu a ....1961 e é filho de [...] 3. A mãe do arguido, CC, é filha de [...] 4. CC suicidou-se em 02 de Novembro de 2016, sendo que a causa de morte foi asfixia mecânica por constrição extrínseca do pescoço - enforcamento. 5. Em Fevereiro de 2017, o arguido e BB passaram a coabitar a mesma residência, sita na Rua ..., sendo o rés-do-chão ocupado pelo arguido e sua companheira --- e o primeiro andar ocupado por BB e pelo pai do arguido. 6. Na sequência do suicídio de CC, o arguido foi consolidando a convicção de que o seu tio DD tivera responsabilidade na tomada de decisão daquela, passando a dizer-lhe “a culpa foi tua, a culpa foi tua”. 7. DD era alcoólico, sendo desleixado com a sua higiene e apropriava-se das bebidas alcoólicas do arguido e do pai deste, o que deixava o arguido muito perturbado e causava conflitos e discussões no seio familiar. 8. Neste contexto, no dia 24 de Junho de 2017, em hora não concretamente apurada, mas antes das 08.00 horas, o arguido regressou a casa depois de ter participado nos festejos da noite de S. João, já alcoolizado. 9. Aí chegado, o arguido encontrou o seu tio DD com quem travou uma discussão. 10. De seguida, BB saiu daquela residência e dirigiu-se a uma casa devoluta, sita na rua ..., onde se costumava refugiar para consumir bebidas alcoólicas. 11. Nesse dia (24.06.2017), em hora não concretamente apurada, mas antes das 08.26 horas, o arguido, com o propósito de encontrar DD, seu tio, dirigiu-se à referida casa devoluta. 12. Aí chegado, junto da referida casa, o arguido disse para DD: “abre-me a porta que eu hoje mato-te”, “Hoje, vou-te matar meu desgraçado”, após o que acrescentou “mato-te aqui”. 13. De seguida, o arguido entrou na referida casa e encontrou DD. 14. Ato contínuo, no interior da mencionada casa, o arguido dirigiu-se a DD, com o propósito de concretizar o mal anunciado, e desferiu-lhe com força e brutalidade sucessivas e fortes murros e pontapés, na cabeça e no corpo, enquanto dizia que o matava ali. 15. Após o que, o arguido abandonou aquele local, ensanguentado, descalço, em boxers e em tronco nu, deixando no local o seu telemóvel de marca WIKO, com os IMEI´s n.ºs ... e ... e dirigiu-se à sua residência, sita, a poucos metros, na Rua .... 16. Aí chegado, o arguido foi tomar banho e deitou-se para dormir. 17. Na casa devoluta permaneceu prostrado no solo BB que, em consequência de tal agressão, sofreu as lesões descritas no relatório de autópsia de fls. 264 a 267, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, as quais, directa e necessariamente, lhe determinaram a morte. 18. A actuação do arguido foi adequada a causar a morte BB, dada a área do corpo atingida, a natureza e características das lesões, morte esta que sobreveio quase de imediato e verificada, no local em que o mesmo se encontrava, pelas 09.00 horas. 19. BB faleceu no dia 24.06.2017, sendo o seu óbito verificado pelo INEM, às 09.00 horas, no local onde se encontrava. 20. Ao actuar da forma e nas circunstâncias descritas, o arguido agiu de forma livre, deliberada e conscientemente, com o propósito, concretizado, de tirar a vida a BB, seu tio, movido pela convicção da responsabilidade que este tinha no suicídio levado a cabo pela irmã dele, mãe do arguido, e por este ser alcoólico e causar problemas no seio da família, sabendo que ao molestar o corpo e a saúde de BB, como o fez, e ao provocar-lhe as lesões sofridas, determinava a morte do mesmo, o que representou. 21. O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal. Mais de provou: 22. No certificado de registo criminal do arguido nada consta. 23. O arguido é o único filho do casal progenitor. 24. Aquando da sua infância, o pai exercia a actividade de pescador, passando grande parte do tempo ausente da casa de morada de família (chegou a trabalhar na ... e na ...) a progenitora trabalhava como empregada de escritório. 25. É descrita uma dinâmica familiar afectuosa, tendo recaído sobretudo sobre a progenitora, pelas circunstâncias descritas, a responsabilidade pela educação do arguido. 26. A nível económico também é descrita uma situação equilibrada que permitia assegurar as necessidades básicas da família. 27. O agregado nuclear viveu sempre inserido na família alargada materna do arguido, embora vivendo em diferentes andares autónomos da mesma moradia. 28. De referir que, segundo os dados recolhidos, a avó materna do arguido era uma pessoa quezilenta, que tinha um relacionamento difícil quer com o marido quer com os filhos, situação que se veio a agudizar na velhice. 29. A infância do arguido foi marcada, aos quatro anos de idade, pelo suicídio do avô materno. 30. Mais tarde e já na idade adulta, a avó materna ficou acamada e aos cuidados da progenitora do arguido. 31. DD, tio do arguido que nunca chegou a autonomizar-se do agregado familiar de origem, apresentava comportamentos abusivos de bebidas alcoólicas, sob o efeito das quais era conflituoso e apresentava algum desleixo relativamente à sua higiene pessoal, situação que muitas vezes necessitava do apoio da irmã (mãe do arguido). 32. A morte da progenitora de AA, ocorrida por suicídio há pouco mais de um ano (02.11.2016), também foi um acontecimento marcante na vida do arguido. 33. O arguido iniciou a frequência escolar em idade normativa, apresentando um percurso escolar positivo até ao 2º ciclo do ensino básico. 34. A partir do terceiro ciclo começou a apresentar falta de motivação e absentismo, registando várias reprovações no oitavo ano de escolaridade. 35. Abandonou a escola com cerca de quinze anos de idade. 36. Posteriormente frequentou, no âmbito do programa “Forpescas”, curso de formação profissional de “Marinheiro de nível II” que o habilitou com o 9º ano de escolaridade, que concluiu com cerca de 18 anos de idade. 37. Com esta idade e ainda no âmbito do curso, executou um período de estágio em traineiras de pesca e, terminado este, iniciou o seu percurso profissional, como pescador por conta de um armador do Algarve. 38. Apresenta um percurso profissional estável, tendo exercido maioritariamente actividades ligadas à pesca, excepto durante dois períodos em que trabalhou como operário fabril, cerca de nove meses numa empresa conserveira e igual período numa fábrica de plásticos. 39. O arguido refere consumos pontuais de haxixe, em contexto recreativo, circunscritos à juventude. 40. Na idade adulta, consumia bebidas alcoólicas, por vezes em demasia, ao fim de semana, em convívio com os amigos. 41. Anteriormente à prisão, o arguido vivia no rés-do-chão de uma casa pertencente à avó materna (que se encontra actualmente internada num Lar de Idosos), composto por dois quartos, sala, cozinha e casa de banho, na companhia da companheira - ..., de 21 anos de idade e da filha de ambos – ..., nascida em ....2017. 42. À data, o arguido encontrava-se a trabalhar como pescador, auferindo um rendimento que depende da quantidade de pescado, mas que, em média, variava entre € 1.000,00 e €1.300,00 mensais. 43. Devido ao desempenho profissional, habitualmente o arguido estava ausente da casa de morada de família de domingo ao final do dia, até sexta-feira. 44. A companheira do arguido actualmente trabalha como assistente operacional numa escola, mediante contrato semestral, auferindo o salário mínimo nacional. 45. O relacionamento entre o casal é descrito como afectuoso e gratificante para ambos. 46. No andar superior da habitação, igualmente composto por dois quartos, sala, cozinha e casa de banho viviam o progenitor do arguido, de 54 anos de idade, pescador, activo e DD, seu tio paterno. 47. O relacionamento entre os elementos do agregado e DD, após o falecimento da irmã, é descrito como difícil, tendo o progenitor do arguido promovido o seu internamento no Centro de Alcoologia de ... (Hospital ...) para tratamento para a problemática aditiva, onde terá permanecido durante cerca de três semanas, sem resultados positivos. 48. O arguido é descrito como um indivíduo educado e trabalhador e que tem uma imagem positiva no meio. 49. A sua situação jurídico-penal é do conhecimento da população e terá causado consternação e sentimentos de comiseração quer relativamente à morte da vítima, quer relativamente à presente situação jurídico-penal do arguido. 50. Como projecto de vida, o arguido afirma pretender logo que possível voltar a integrar o agregado familiar e inserir-se na vida activa e ter um papel significativo na vida da filha de um ano de idade. 51. O progenitor do arguido e a companheira deste continuam a manifestar disponibilidade para o apoiarem, quer na actual situação, quer quando for restituído ao meio livre. 52. O arguido tem mantido comportamento de acordo com as normas institucionais, não apresentando registo de infracções disciplinares. 53. Apesar de ter manifestado disponibilidade, ainda não foi possível inseri-lo em actividades estruturadas. 54. Em termos ocupacionais, AA pratica desporto no pátio do estabelecimento prisional, lê e assiste a programas de televisão. 55. Recebe visitas regulares da companheira, filha, pai e elementos da família alargada. 56. O arguido identifica como impacto negativo da sua actual situação o facto de não poder conviver diariamente com a filha de um ano de idade”. ** II.2 – De Direito Face à motivação e às conclusões formuladas pelo recorrente [que, salvo as questões de conhecimento oficioso, são, como se sabe, as que definem e delimitam o objecto do recurso (número 1 do artigo 412.º do Código de Processo Penal)], constata-se que as questões que nas mesmas se colocam são as seguintes: A. Nulidade da decisão por alegada omissão de pronúncia visto não se esclarecer na decisão recorrida em que medida foi valorada a convicção do recorrente de que a vítima teria contribuído para a morte, por suicídio, da progenitora daquele e bem assim por não haver apreciado a questão relativa à remissão feita no acórdão proferido em 1.ª instância para o relatório de autópsia; B. Erro notório na apreciação da prova, decorrente da circunstância de o Tribunal de 1.ª instância ter dado como provado que a morte da vítima foi determinada pelas lesões sofridas em consequência da agressão perpetrada pelo arguido, quando tal conclusão não se extrai da prova pericial resultante do relatório de autópsia; C. Nulidade da decisão por falta de fundamentação quanto à medida da pena, derivada da circunstância de o aresto recorrido ter considerado o acórdão proferido em 1.ª instância é conciso na fundamentação, não se encontrando assim perante uma verdadeira falta de fundamentação; D. Medida da pena que, considerando excessiva em face do condicionalismo que depõe em seu benefício, entende dever ser objecto de redução e fixar-se em medida nunca superior a 8 anos de prisão. * 2.1 - Das arguidas nulidades da decisão por omissão de pronúncia 2.1.1 – Quanto à alegada falta de valoração da convicção do recorrente de que a vítima havia contribuído para o suicídio da sua progenitora Como visto, alega o recorrente que no acórdão sob impugnação se incorreu em nulidade por omissão de pronúncia uma vez que não se esclareceu em que medida o Tribunal de 1.ª Instância valorou aquela sua convicção. Mas não é, decididamente, o que decorre do aresto recorrido que, pronunciando-se sobre esta concreta questão em sede de apreciação da arguida nulidade por falta de fundamentação da sentença no que concerne à medida da pena fixada pelo Tribunal de 1.ª Instância, referindo-se à mencionada convicção do recorrente, consignou: “É gratuito afirmar, como o afirma o recorrente, que os sentimentos manifestados «foram os relacionados com revolta exacerbada, reacção excessiva, exasperação desproporcionada e desespero imenso, o que não é susceptível de prejudicar o arguido em sede de pena». Com efeito, estamos deste modo a adjectivar, pura e simplesmente, factos que nem sequer se mostram enunciados entre os provados. Aparte o quadro subjectivo interior do arguido, que só ele conhecerá, não podem tais conclusões ser retiradas daqueles concretos factos provados de onde elas, por presunção judiciária, e por recurso às regras da experiência, poderiam ser extraídas. Com efeito, o que se provou foi que a motivação da conduta do arguido se prendeu com a convicção que formara (e para cuja efectividade não encontramos, em termos de facto provados, qualquer suporte objectivo) de que a vítima, seu tio, fora o causador do suicídio de sua mãe, a que acrescia o desgosto por ele ser alcoólico e causar problemas no seio da família. Mas, mesmo face a este acervo factual torna-se abusivo concluir que tais circunstâncias causaram no arguido um tal estado de (revolta, reacção, exasperação ou desespero) que de alguma forma pudessem justificar a sua conduta; isto, mesmo esquecendo a adjectivação a que o recorrente procede, com a superlativação das suas conclusões. O arguido não agiu debaixo de um qualquer estado de ânimo dominante ou excludente do seu livre arbítrio que de alguma forma possa justificar ou arredar a sua culpa. O arguido, após a discussão que tivera com o tio, referida em 8 e 9, de forma espontânea e sem qualquer outra justificação que não a resultante dos factos que ocorreram anteriormente e a convicção que formara, procurou a vítima na casa devoluta onde ela se abrigava, desde logo anunciando a vontade de a matar, após o que levou a cabo a bárbara agressão (10 a 14) ”. Para, mais adiante, e ora reapreciando a medida judicial da pena fixada pelo Tribunal de 1.ª Instância, referir-se no acórdão recorrido: “Ora, se é verdade que tais sentimentos não são «repugnantes ou desprezíveis», não é menos certo que em caso algum servirão eles de causa de exculpação ou mesmo de diminuição da culpa pois que o arguido agiu baseado em convicções subjectivas que formou, relativamente ao suicídio da mãe, sem qualquer suporte em factos concretos; ou seja, o arguido actuou nesse convencimento mas não se pode afirmar que o que ele conjecturou corresponde efectivamente à realidade, que o comportamento do tio haja tido qualquer efectiva influência na decisão suicida. Por isso, não servindo tal ponto de circunstância agravativa do tipo de homicídio, não milita também, pelas referidas razões, a favor do agente, diminuindo a sua culpa” Ora, tendo, como se vê, o Tribunal recorrido decidido expressa e fundamentadamente essa questão que o recorrente submetera à sua apreciação, importa então concluir que da arguida nulidade por alegada omissão de pronúncia [artigo 379.º, número 1, alínea c), aplicável aos recursos por força do disposto no artigo 425.º, número 4, ambos do Código de Processo Penal] não se mostra inquinado o acórdão sob impugnação. Em consequência improcede, neste segmento, o recurso. * 2.1.1 – Quanto à invocada não apreciação pela Relação da remissão feita, no acórdão proferido em 1.ª Instância, para o relatório de autópsia Trata-se, efectivamente, de “questão nova”, como observa Senhor Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal. Na verdade, como bem resulta das conclusões extraídas da motivação do recurso que, a seu tempo, o arguido e ora recorrente interpôs para o Tribunal da Relação de Coimbra, tal questão não foi então suscitada pelo mesmo. Ora, de acordo com o disposto no número 1 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, os recursos dirigidos a um tribunal superior, maxime ao Supremo Tribunal de Justiça, não se destinando a apreciar questões novas, não visam resolver, em primeira linha, questões que não hajam sido suscitadas e apreciadas nas instâncias. Com efeito, esse meio de impugnação das decisões judiciais, que é o recurso, tem por escopo reexaminar, reapreciar, sindicar as questões que já foram objecto de análise e de decisão por parte do tribunal recorrido ou que, podendo e devendo ter sido por ele conhecidas, não foram, com vista à detecção e correcção de vícios, omissões ou à escolha da solução jurídica mais adequada ao caso concreto. O que bem se compreende já que, a não ser assim, o recurso, ao invés de representar um meio de impugnação e de sindicação das decisões judiciais, constituiria uma forma de vinculação do tribunal de recurso à decisão de questões novas que não foram objecto de apreciação por parte do tribunal recorrido. Daí que, como se considerou no acórdão de 02.12.2013, prolatado no Processo n.º 237/12.0GDSTB.E1.S1, da 5ª Secção, sob pena de violação dos princípios constitucionais relativos ao recurso, designadamente do princípio do duplo grau de jurisdição, não incumba, de facto, ao Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista, conhecer de questões que não tenham sido já apreciadas pelo tribunal de jurisdição inferior. Tudo isto para dizer que, não tendo, como se referiu, o recorrente suscitado a mencionada questão perante o Tribunal da Relação de Coimbra aquando do recurso que para ele interpôs, ao Supremo Tribunal de Justiça sempre se encontra vedado o seu conhecimento. De onde que, com respeito a esta questão, não haja lugar ao conhecimento do recurso. * 2.2 - Do alegado vício da decisão sobre matéria de facto, consistente em erro notório na apreciação da prova 2.2.1 Como se viu, neste conspecto, alega o recorrente que, não se extraindo do relatório de autópsia que a morte de BB, seu tio, tivesse sido determinada pelas lesões sofridas em consequência das agressões por si perpetradas contra o mesmo, deveria a Relação ter reconhecido a existência de tal vício, o que não fez. Ora, no que concerne a esta questão, importa, desde já, fazer dois apontamentos. Prende-se o primeiro com a circunstância de que, tendo tal questão já sido suscitada pelo arguido no recurso que interpôs da decisão proferida em 1.ª Instância, apreciando-a a Relação considerou, com relevância para o caso, assim: “Ora, analisado o arrazoado produzido pelo recorrente nas suas alegações e conclusões deve-se concluir que o que ele faz, ao fim e ao cabo, mais não é do que proceder a um exercício voluntarista de apreciação da prova, contrapondo a sua convicção pessoal à do tribunal. O recorrente mostra discordância relativamente à sua condenação pelo crime de homicídio com base na prova produzida no julgamento, que entende não ter sido a necessária e suficiente para fundamentar o facto provado em 17. Tal, no entanto, a ocorrer, conduziria a erro de julgamento e não a vício a sentença”. Na verdade, com o mencionado erro da decisão sobre matéria de facto não pode confundir-se a divergência existente entre a convicção que o recorrente porventura tenha formado sobre a prova produzida em audiência e a convicção que, à luz da livre apreciação da prova (artigo 127.º do Código de Processo Penal), o tribunal haja formado a respeito da dita prova, que sempre sobrelevará à daquele. O segundo apontamento que se impõe fazer reporta-se aos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça em matéria de facto quando, como no caso vertente, intervém como tribunal de revista. Na verdade, como de forma sistemática vem afirmando a jurisprudência deste Tribunal[1], pese embora no artigo 434.º do Código de Processo Penal se faça menção ao disposto no artigo 410.º, números 2, e 3 do citado diploma, certo é que o conhecimento dos referidos vícios acha-se subtraído à alegação do recorrente e, como tal, não pode constituir fundamento de recurso. O que, obviamente, não impede o Supremo Tribunal de Justiça de pronunciar-se oficiosamente, o que vale por dizer por sua iniciativa sobre os mencionados vícios, contanto que resultem do próprio texto da decisão recorrida e como forma de obstar a que seja compelido a aplicar o direito aos factos que, porventura, se revelem manifestamente insuficientes, fundados em errónea apreciação ou assentes em pressupostos contraditórios[2]. Condicionalismo que, porém, no caso sub juditio entende-se não ocorrer já que, para aplicar o direito, este Supremo Tribunal dispõe da necessária base factual, que deverá ter-se como definitivamente assente. E isto porque, não se detectando a verificação de um qualquer vício de que, porventura afectando a matéria de facto dada como provada, incumbisse oficiosamente conhecer, a mesma revela-se suficiente e adequada para aplicar o direito. De onde que não haja lugar ao conhecimento do recurso também nesta parte. 2.2.2 Não obstante o que se acabou de dizer relativamente à concreta questão colocada pelo recorrente, sempre se dirá, quanto ao eventual erro de julgamento por alegada valoração indevida da prova (problemática a que poderia reconduzir-se o sustentado pelo recorrente), que a prova produzida, analisada e valorada pelo tribunal (nomeadamente a prova pessoal produzida em audiência, com especial enfoque para os depoimentos produzidos pelas testemunhas ... e ... e para as declarações confessórias prestadas pelo arguido quanto aos pontos 8 a 11, 13 e 14 dos factos provados, e bem assim a prova documental atinente ao relatório de autópsia constante de folhas 264 a 267 dos autos), que a dita prova havia naturalmente de conduzir à matéria de facto dada como provada e não provada pelas instâncias e, nos moldes em que foi, à responsabilização do arguido pelo crime de homicídio simples que o mesmo quis praticar e praticou na pessoa do seu tio, a vítima DD. E isto Já porque, se é certo que imediatamente antes da ocorrência do facto ilícito típico o arguido – encaminhando-se para a casa devoluta onde sabia ter a vítima o hábito de se refugiar para consumir bebidas alcoólicas – disse, dirigindo-se à pessoa daquele seu parente, “Abre-me a porta que eu hoje mato-te”, “Hoje vou-te matar, meu desgraçado”, “Mato-te aqui”, não é menos verdade que, entrando na mencionada casa, o arguido – que não o nega – desferiu, com força e brutalidade, sucessivos murros e pontapés na cabeça, tórax e membros superiores e inferiores daquela. Agressões que, tendo ocasionado à vitima DD múltiplas e graves lesões traumáticas, levaram os perigos médicos subscritores do relatório de autópsia a considerar que: “1ª A morte de BB foi devida a lesões traumáticas da face, torácicas e abdominais, complicadas de aspiração de sangue para as vias aéreas. 2ª Tais lesões traumáticas constituíram causa adequada da morte. (…) 7ª O exame post mortem é compatível com uma etiologia homicida”. Já porque, imediatamente após ter perpetrado as ditas agressões, determinadoras das referenciadas lesões traumáticas faciais, torácicas e abdominais, complicadas pela aspiração de sangue para as vias aéreas, o arguido e aqui recorrente, indiferente à sorte da vítima, abandonou o local, ensanguentado, descalço e de tronco nu, e dirigiu-se à sua residência onde, depois de tomar banho, se deitou para dormir. De onde que, não subsistindo dúvidas quanto à intenção que animava o arguido quando procurou a vítima na aludida casa devoluta e bem assim quando a agrediu com força e brutalidade nas referidas zonas do corpo, por claro há-de também ter-se que as múltiplas e graves lesões traumáticas faciais, torácicas e abdominais que lhe provocou com os murros e pontapés que desferiu contra a mesma constituíram causa necessária e suficiente da sua morte, que o posterior comportamento do arguido corrobora. E sendo assim não se divisa a existência de qualquer erro de julgamento por parte das instâncias. * 2.3 - Da invocada nulidade da decisão por falta de fundamentação quanto à determinação da medida judicial da pena Como se viu, alega ainda o recorrente que a Relação incorreu naquele vício ao considerar que o acórdão proferido em 1ª instância cumpriu satisfatoriamente o dever de fundamentação em tal sede ao destacar as circunstâncias relevantes para o apontado fim, sem naturalmente destacar as “conclusões superlativas que refere o recorrente, até porque não resultam provadas do julgamento”. Carece, porém de razão o recorrente. Com efeito, pronunciando-se expressa e fundamentadamente sobre tal questão, a Relação, depois de transcrever o segmento do acórdão proferido em 1.ª instância com relevância para a questão em análise [e onde, a par da ilicitude do facto, da culpa do arguido, do dolo com que actuou, passou a aludir à motivação subjacente à conduta ilícita (a convicção de que para o suicídio da sua progenitora tinham contribuído a vítima, seu tio materno, e os conflitos familiares provocados pelo alcoolismo do mesmo)], consignou: “Muito embora seja concisa a apreciação dos factos provados relevantes para efeitos de imposição de uma pena concreta, cremos poder afirmar que ela é, em simultâneo, completa, pois que destaca aqueles factos mais relevantes, sendo embora certo que o tribunal há-de sempre ter em conta a dinâmica e a envolvência do facto em que se traduz o crime enquanto unidade naturalística complexa. Na sua apreciação, o tribunal destacou factos e circunstâncias atinentes às necessidades de prevenção e de repressão dos crimes, ao grau de ilicitude, ao dolo, à génese do crime e às circunstâncias pessoais e da vida do agente. Tendo-os em consideração, entendeu ser adequada uma pena de 11 anos, dentro de uma moldura que anunciara ser a de 8 a 16 anos de prisão. Cremos que face a tais factos evidenciados se mostram expressamente descriminados os fundamentos da medida da pena, assim se mostrando respeitado o comando da norma do art.º 71.º, 3, do CP, por referência aos seus nºs 1 e 2. Respeitada tal exigência de análise, de igual modo se mostra respeitada a exigência de fundamentação que consta do nº 2 do art.º 374.º do CPP, pois que o acórdão, dessa descrita forma - concisa mas completa - expôs os motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, nesse pormenor. É gratuito afirmar, como o afirma o recorrente, que os sentimentos manifestados «foram os relacionados com revolta exacerbada, reacção excessiva, exasperação desproporcionada e desespero imenso, o que não é susceptível de prejudicar o arguido em sede de pena». Com efeito, estamos deste modo a adjectivar, pura e simplesmente, factos que nem sequer se mostram enunciados entre os provados. Aparte o quadro subjectivo interior do arguido, que só ele conhecerá, não podem tais conclusões ser retiradas daqueles concretos factos provados de onde elas, por presunção judiciária, e por recurso às regras da experiência, poderiam ser extraídas. Com efeito, o que se provou foi que a motivação da conduta do arguido se prendeu com a convicção que formara (e para cuja efectividade não encontramos, em termos de facto provados, qualquer suporte objectivo) de que a vítima, seu tio, fora o causador do suicídio de sua mãe, a que acrescia o desgosto por ele ser alcoólico e causar problemas no seio da família. Mas, mesmo face a este acervo factual torna-se abusivo concluir que tais circunstâncias causaram no arguido um tal estado de (revolta, reacção, exasperação ou desespero) que de alguma forma pudessem justificar a sua conduta; isto, mesmo esquecendo a adjectivação a que o recorrente procede, com a superlativação das suas conclusões. O arguido não agiu debaixo de um qualquer estado de ânimo dominante ou excludente do seu livre arbítrio que de alguma forma possa justificar ou arredar a sua culpa. O arguido, após a discussão que tivera com o tio, referida em 8 e 9, de forma espontânea e sem qualquer outra justificação que não a resultante dos factos que ocorreram anteriormente e a convicção que formara, procurou a vítima na casa devoluta onde ela se abrigava, desde logo anunciando a vontade de a matar, após o que levou a cabo a bárbara agressão (10 a 14). Prossegue o recorrente pondo em questão a validade da interpretação dada ao art.º 71.º, 3, do CP, a que atrás fizemos referência, no sentido de que a sentença cumpre o dever de expressamente referir os fundamentos da medida da pena quando omita a alusão a algumas das circunstâncias mencionadas no seu n.º 2. Fulmina tal interpretação de inconstitucionalidade e invoca, para se fundamentar, as normas dos artºs 27.º, 1 e 2, 32.º, 1 e 205º, todos da nossa lei suprema. A norma do art.º 27.º, 1 da CRP estabelece o direito de todos à liberdade e à segurança resultando do seu nº 2 que ninguém pode ser privado da liberdade, ainda que parcialmente, a não ser «em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punível por lei com pena de prisão». O art.º 32.º, 1, da CRP, estatui sobre as garantias do processo criminal, v.g. as de defesa, incluindo o recurso. Já a norma do seu art.º 205.º, 1, impõe um especial dever de fundamentação das decisões judiciais que não sejam de mero expediente. A questão da pretensa violação do dever de fundamentação foi já por nós atrás analisada e, assim sendo, para aí remetemos por razões de economia e desnecessidade. A fundamentação constante do aresto recorrido satisfaz as exigências da lei ordinária pois que destaca as circunstâncias relevantes para efeitos de fixação dos factos, da sua integração jurídica e da determinação da medida da pena. A previsão exemplificativa da norma do art.º 71.º, 2 do CP (repare-se no uso do adjectivo ‘nomeadamente’) manda atender, no desempenho desta última operação, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do crime deponham a favor do arguido ou contra ele, sejam as que disjuntivamente enumera sejam quaisquer outras alegadas ou que tenham resultado da discussão da causa. Foi o que fez o tribunal recorrido, que destacou as circunstâncias relevantes para o efeito, não referindo aquelas conclusões superlativas que refere o recorrente, até porque não resultaram do julgamento. A questão de pretensa violação da norma constitucional que assegura o direito à liberdade do arguido mais não é do que isso: uma questão inexistente. Com efeito, a sua actual situação de reclusão resulta de uma das situações excepcionais previstas do nº 3 desse art.º 27.º, v.g. da sua al. b), sendo que decorre ainda o seu julgamento, ainda que em fase de recurso, razão pela qual se mostram também respeitadas as normas dos artºs 27.º, 2 e 32.º, 1 da mesma compilação essencial. A análise do seu actual recurso traduz-se, mais uma vez, na afirmação das suas garantias de defesa, nelas incluído o direito ao recurso. Assim sendo não ocorre qualquer inconstitucionalidade, por violação dessas garantias, face à interpretação que damos àquelas normas de direito ordinário”. Improcede, pois, ainda nesta parte, o recurso. * 2.4 – Da Pena Como já referido, para a hipótese de não merecer provimento o recurso quanto às questões antes apreciadas, sustenta o recorrente que a pena a aplicar-lhe pelo mencionado crime de homicídio, previsto e punido pelo artigo 131.º do Código Penal, não deverá ser superior a 8 (oito) anos de prisão, tendo em atenção o circunstancialismo que depõe em seu benefício, como seja o reportado ao reduzido grau de ilicitude, ao modo de execução do crime, ao grau de violação dos deveres, aos motivos e à sua conduta. Será assim? É o que vamos ver … 2.4.1 Como se sabe, a fixação da medida concreta da pena é determinada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (artigo 71.º, número 1, do Código Penal), sendo que, de harmonia com o que dispõe o artigo 40.º do mesmo diploma legal, visando a aplicação da pena a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (número 1), em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (número 2). De que decorre que, se a aplicação da pena é determinada pela necessidade de proteger os bens jurídicos, e já não pela ideia de retribuição da culpa e do facto, toda a pena visa finalidades exclusivas de prevenção geral e especial, sendo que, dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva, devem sempre ponderar as exigências de prevenção especial, vistas como a necessidade de socialização do agente, o que vale por dizer de prepará-lo para, no futuro, não cometer outros crimes. Significa isto que a reintegração do agente na sociedade, fornecendo uma outra vertente de prevenção, aqui de prevenção especial ou de socialização, que tem a ver com razões de política criminal, assenta no objectivo de reinseri-lo na sociedade, no sentido de evitar que ele cometa novos crimes, isto é que ele respeite os valores jurídicos tutelados pela lei penal, e já não no sentido de obter a sua regeneração. Assim, se é certo que uma e outra das aludidas finalidades (a tutela dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade) visadas com a aplicação das penas e das medidas de segurança concorrem para um único objectivo, que mais não é que o de evitar a lesão ou perigo de lesão de bens jurídicos, consubstanciado na prática de crimes definidos nos respectivos tipos legais, não menos verdade resulta que a função de cada qual é, porém, delimitada por exigências próprias, de sorte que à primeira sempre cabe a primazia de, no quadro de valores traçado pela moderna política criminal, transposto para o artigo 40.º do Código Penal, definir a medida da tutela dos bens jurídicos. Medida da tutela dos bens jurídicos que é referenciada por um ponto óptimo, consentido pela culpa, e por um ponto mínimo, ainda suportável pela necessidade comunitária de reafirmar a validade da norma jurídica violada com a prática do crime. Daí que, como refere Figueiredo Dias[3], seja entre esses dois limites, máximo e mínimo que, tanto quanto possível, devem satisfazer-se as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização, incumbindo a esta determinar em último termo a medida da pena, evitando, em toda a extensão possível (...) a quebra da inserção social do agente e dando azo à sua reintegração na sociedade. De outro modo, se é verdade que, como estabelece o artigo 71.º, número 1, do Código Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, resulta igualmente certo que as circunstâncias referidas no número 2 do citado preceito são, para além de outras (posto que a enumeração ali gizada é meramente exemplificativa), todas as que, não tendo já sido valoradas no tipo legal de crime, importa levar em linha de conta na fixação concreta da pena, no âmbito da submoldura definida pelas exigências de prevenção geral e limitadas no seu máximo pela medida da culpa, de sorte que a pena constitui sempre o resultado da avaliação de todos esses factores. Sendo que, entre os mesmos factores a que a lei (artigo 71.º, número 2, do Código Penal) manda atender, destacam-se: i) os factores relativos quer à execução do facto (e respeitantes ao tipo de ilícito, à gravidade das suas consequências, e bem assim ao grau de violação dos deveres impostos ao agente) quer ao tipo de culpa (e atinentes à intensidade do dolo ou da negligência, aos sentimentos manifestados pelo agente no cometimento do crime e aos fins ou motivos que o determinaram); ii) os factores relativos à personalidade do agente (as suas condições pessoais e situação económica, a sua sensibilidade à pena e a susceptibilidade de ser por ela influenciado); iii) os factores que, respeitantes à conduta do agente, se tenham manifestado antes e depois da prática do facto ilícito típico. 2.4.2 Retendo então tudo isto, cabe ora apurar se a pena de 11 (onze) anos de prisão aplicada ao arguido AA se representa, no âmbito da respectiva moldura abstracta [situada entre 8 (oito) e 16 (dezasseis) anos de prisão], proporcional à sua culpa e adequada a satisfazer as necessidades de prevenção, geral e especial. Ora, neste conspecto, importa ter presente, designadamente: i) o grau elevado de licitude do facto típico, considerando a forma extremamente violenta e dolorosa (patente nas muitas e graves lesões traumáticas sofridas pela vítima em resultado das agressões perpetradas, a murro e a pontapé, pelo arguido na cabeça, no tórax e nos membros superiores daquela) como o mesmo foi executado; ii) o dolo directo e intenso com que actuou o arguido que, firme no propósito insistentemente anunciado de tirar a vida a DD, nele persistiu, vencendo as contra motivações éticas e morais decorrentes da relação de parentesco existente entre ambos e bem assim da situação de grande debilidade em que se encontrava aquele seu tio por via do seu estado etilizado; iii) as motivações do arguido no cometimento do crime que vitimou o seu tio, a quem, por via da mera convicção subjectiva que formara a respeito da responsabilidade (moral) daquele no suicídio da sua progenitora, tirou sem mais a vida, sem que nada demonstrasse ser certa essa sua convicção; iv) a grande exigibilidade que reclamam as necessidades de prevenção geral, atendendo à frequência como se verificam comportamentos ilícitos do tipo que, consabidamente causadores de intolerável perda de vidas humanas e de profundo sofrimento e bem assim geradores de grande repúdio e consternação à comunidade, demandam particular firmeza por parte das instâncias formais de controlo no sentido de reprimi-los; v) a intensidade de que se revestem as necessidades de prevenção especial posto que, apesar de ser primário, o arguido, que apenas assumiu em parte a sua responsabilidade no cometimento dos factos, não emitiu nem nessa ocasião nem posteriormente sinais de arrependimento pela sua conduta, o que indicia que ainda não interiorizou a culpa; vi) as condições pessoais do arguido, nomeadamente as referentes à já mencionada primariedade aquando da prática do crime, à sua idade (na actualidade conta 30 anos), inserção social, familiar e profissional (tendo companheira e uma filha de tenra idade, possui hábitos estáveis de trabalho e uma situação económica modesta), ao comportamento que, ajustado às regras institucionais estabelecidas, vem mantendo em reclusão, e o apoio que lhe dispensam o progenitor e a companheira. Fazendo o balanço de tudo isto e do mais que para trás se disse, julga-se que, no âmbito da respectiva moldura abstracta, a pena de 11 (onze) anos de prisão aplicada ao arguido AA revela-se algo excessiva e, como assim, exige que seja objecto da devida correcção, por forma a fixar-se em 10 (dez) anos de prisão. Pena que, tendo-se por proporcional à culpa do arguido, adequada a garantir a protecção do bem jurídico tutelado pela norma violada e bem assim a não comprometer a sua reintegração social, cumpre ainda de forma satisfatória os critérios definidos nos artigos 40.º, e 71.º, do Código Penal. Procede assim, parcialmente neste segmento, o recurso. * 2.5 - Da invocada violação de normas de direito constitucional, penal, e processo penal Como visto, remata o recorrente a sua alegação dizendo que o tribunal recorrido incorreu em violação de diversas normas de direito ordinário [tais sejam as normas dos artigos 40.º, 71.º, 131.º, 143.º, número 1, e 147.º, número 1, do Código Penal, 97.º, número 5, 374.º, número 2, 379.º, número 1, alínea c), 410.º número 2, alínea c), e 425.º, número 4, do Código de Processo Penal] e também de direito constitucional, nomeadamente as dos artigos 27.º, números 1, e 2, 32.º, número 1, e 205.º, número 1 da Constituição da República Portuguesa. Porém, limitando-se a produzir tais afirmações, não densifica o recorrente esse seu entendimento, o que determina o não conhecimento do recurso nessa parte, nos termos do disposto na alínea b) do número 2 do artigo 641.º do Código de Processo Civil de 2013, aqui aplicável por força do estatuído no artigo 4.º, do Código de Processo Penal. Para além de que, tendo sido consideradas as referidas normas, hipoteticamente violadas, a propósito das várias questões suscitadas pelo arguido, a questão aqui em análise ficou prejudicada pela solução dada àquelas (artigo 608.º, número 2, do Código de Processo Civil). Acresce que alguns dos mencionados preceitos e princípios estruturantes do nosso ordenamento jurídico representam-se patentemente estranhos ao objecto do recurso aqui em apreciação, como sejam os dos artigos 27.º, números 1, e 2, e 32.º, número 1 da Constituição, que respectivamente asseguram o direito à liberdade e segurança e as garantias de defesa em processo criminal, incluindo o recurso. Termos por que, em conclusão, se entende não haver lugar ao conhecimento da mencionada questão reportada à alegada violação dos referenciados princípios e preceitos de direito constitucional, penal e processo penal. *** III. Decisão Termos em que se acorda, na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: 1.º Julgar parcialmente procedente o recurso do arguido AA e, pela prática do crime de homicídio voluntário, previsto e punido pelo artigo 131.º do Código Penal, condená-lo na pena de 10 (dez) anos de prisão; 2.º Julgar no mais improcedente o recurso e, em resultado disso, manter o acórdão recorrido nessa parte. Sem custas por não serem devidas (artigo 513.º, número 1, do Código de Processo Penal). Lisboa, 13 de Dezembro de 2018 Os Juízes Conselheiros Isabel São Marcos (Relatora) Helena Moniz -------------------
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