Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
072357
Nº Convencional: JSTJ00006149
Relator: MENERES PIMENTEL
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
EFICÁCIA DO NEGÓCIO
LOTEAMENTO URBANO
ALVARÁ
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ198711190723571
Data do Acordão: 11/19/1987
Votação: MAIORIA COM 2 DEC VOT E 6 VOT VENC
Referência de Publicação: DR N9 IS 1988/01/12, PÁG. 102 A 105 - BMJ Nº 317, PÁG. 105
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO.
Decisão: UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO DO STJ. MARIA DO PATROCINIO F E P OLIVEIRA IN NOVO REGIME JURIDICO LOTEAMENTOS URBANOS PAG95.
Área Temática: DIR CIV - DIR OBG.
Legislação Nacional: CPC67 ARTIGO 763 N3 ARTIGO 766 N3.
CCIV66 ARTIGO 280 ARTIGO 294 ARTIGO 401 N1 ARTIGO 410 N1 ARTIGO 413.
DL 289/73 DE 1973/06/06 ARTIGO 1 ARTIGO 27 N1 N2.
DL 194/83 DE 1983/05/17 ARTIGO 8 N2.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ PROC71266 DE 1984/04/26.
ACÓRDÃO STJ DE 1980/10/15 IN BMJ N300 PAG381.
ACÓRDÃO STJ DE 1981/03/31 IN BMJ N305 PAG288.
Sumário :
Na vigencia do Decreto-Lei n. 289/73, de 6 de Junho, e valido o contrato-promessa de compra e venda de terreno compreendido em loteamento sem alvara, a menos que no momento da celebração desse contrato haja impossibilidade de obtenção do alvara, por haver lei, regulamento ou acto administrativo impeditivo da sua emissão.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em plenario, no Supremo Tribunal de Justiça:

A recorreu para o tribunal pleno, nos termos do artigo 763 do Codigo de Processo Civil, do acordão proferido neste Tribunal em 26 de Abril de 1984, proferido na revista n. 71266 da 1 Secção, com o fundamento de estar ele em oposição com o Acordão deste mesmo Supremo de 15 de Outubro de 1980, publicado no Boletim, n. 300, pagina 381, sobre a mesma questão de direito: são, ou não, nulos os contratos-promessa de compra e venda de terreno compreendido em loteamento ainda não titulado por alvara? E, de facto, enquanto na decisão recorrida a resposta foi negativa, no acordão indicado como estando em oposição ela foi afirmativa e, deste modo, foi ali ja dado valido o contrato-promessa, enquanto no ultimo foi ele declarado nulo, julgamentos contraditorios proferidos, qualquer deles, quando vigorava o Decreto-Lei n. 289/73, de 6 de Junho, que no seu artigo 27 previa expressamente esta materia.
Esta oposição entre os dois acordãos foi reconhecida pela respectiva secção, como se ve do Acordão de 10 de Janeiro de 1985, a folhas 20 destes autos, o qual mandou, por isso, prosseguir os autos.
O recorrente, na sua alegação, formulou a conclusão seguinte:
Face ao disposto no n. 1 do artigo 401 do Codigo Civil, não podera deixar de se considerar nulo, por impossibilidade (legal) originaria da prestação, o contrato-promessa de compra e venda que tenha por objecto talhão de terreno resultante de uma operação de loteamento sem estar o respectivo alvara aprovado.
O recorrido não contra-alegou e o Excelentissimo Magistrado do Ministerio Publico, no seu douto parecer, defende a confirmação do acordão recorrido, sugerindo se lavre assento, para o qual propõe a seguinte redacção:
Na vigencia do Decreto-Lei n. 289/73, de 6 de Junho, e valida a promessa de compra e venda de terrenos compreendidos em loteamento sem alvara, excepto quando, no momento da celebração do contrato, haja impossibilidade de obtenção de alvara, por haver lei, regulamento ou acto administrativo impeditivo da sua emissão.
O artigo 766, n. 3, do Codigo de Processo Civil dispõe que, embora reconhecida preliminarmente a existencia da oposição, isso não impede decisão em contrario do tribunal pleno, ao apreciar o recurso. Contudo, porque e patente a oposição do acordão recorrido com o referido de 15 de Outubro de 1980, não nos deteremos mais nesta materia, dando definitivamente como assente a existencia da oposição.
Tudo visto.
O artigo 27 do Decreto-Lei n. 289/73 estabelece:
1 - As operações de loteamento referidas no artigo 1, bem como a celebração de quaisquer negocios juridicos relativos a terrenos, com ou sem construção, abrangidos por tais operações, so poderão efectuar-se depois de obtido o respectivo alvara, sem prejuizo do disposto no n. 2 do artigo 21.
2 - Nos titulos de arrematação ou outros documentos judiciais, bem como nos instrumentos notariais relativos aos actos ou negocios referidos no numero anterior, devera sempre indicar-se o numero e data do alvara de loteamento em vigor, sem o que tais actos serão nulos e não podem ser objecto de registo.
O problema que logo se levanta equaciona-se deste modo: o n. 1 do artigo 27 aplica-se a todo e qualquer negocio juridico implicando imediata divisão em lotes de qualquer area de um ou varios predios, situados em zonas urbanas ou rusticas e destinados, imediata ou subsequentemente, a construção (artigo 1 desse decreto-lei) ou abrangera igualmente "todos os demais negocios juridicos que apresentassem uma relação de qualquer natureza com a globalidade do predio ou com os lotes nele constituidos, edificados ou não?" (O Novo Regime Juridico dos Loteamentos Urbanos, de Maria do Patrocinio Paz Ferreira e Luis Perestrelo de Oliveira, pagina 95).
E foi na resposta a esta pergunta que os tribunais começaram a divergir, como são paradigma os dois acordãos em causa: o recorrido e o indicado como em oposição a ele.
Ora, não se compreende que a nulidade sancionada pelo n. 2 do artigo 27 abrangesse qualquer hipotese que, directa ou mediatamente, implicasse a divisão em lotes do predio ou predios.
Com efeito, como referem os autores citados, pode surgir "uma vasta gama de negocios juridicos que, embora relativos a terrenos abrangidos por uma operação de loteamento urbano, nenhuma relevancia adquiriam em face da finalidade do preceito" (ob. cit., pagina 95). E esta vem indicada no relatorio do decreto: para alem de "defender os compradores menos cautelosos, pretende ainda evitar a criação de nucleos habitacionais contrarios a um desenvolvimento urbano racional".
Entre esses negocios juridicos sem relevancia para isso, temos os simples contratos-promessa, uma vez que estes são uma mera convenção obrigacional de prestação de facto, sendo certo que (Acordão deste Supremo de 31 de Março de 1981, no Boletim, n. 305, pagina 288) o n. 2 do artigo 27 so comina nulidade para os actos ou negocios juridicos referidos no n. 1 quando constantes dos "titulos de arrematação ou outros documentos judiciais, bem como nos instrumentos notariais relativos a actos ou negocios referidos no numero anterior", isto e, quando tenham efeitos reais.
A nulidade so abrange esses actos, ficando os restantes, logo os contratos-promessa não constantes desses instrumentos, como no caso dos autos, que não implicam qualquer divisão de terreno, unicamente sujeitos as sanções do artigo 30 desse decreto-lei, não sendo despiciendo recordar o que Galvão Teles (Direito das Obrigações, 4 edição, pagina 77) pertinentemente escreve:
O contrato-promessa e o contrato prometido são distintos e com efeitos diversos e estão por isso sujeitos a regimes diferentes, salvas as disposições comuns dos contratos em geral.
Não tem os contratos-promessa como o dos autos, constando apenas de documento particular de natureza unicamente obrigacional, repete-se, qualquer eficacia real (artigo 413 do Codigo Civil, na primitiva redacção). No momento desta convenção, na qual se promete a celebração de novo contrato, pode este não ser possivel, mas vir a se-lo no momento da celebração do contrato prometido.
Trata-se de interpretação tendo hoje a apoia-la o n. 2 do artigo 8 do Decreto-Lei n. 194/83, de 17 de Maio, ao estabelecer que "a menção do numero e data do alvara de loteamento exigida pelo n. 2 do artigo 27 do Decreto-Lei n. 289/73, de 6 de Junho, e feita em face do respectivo alvara, que para o efeito, sera exibido, e so tem lugar nos instrumentos notariais se os actos ou contratos por ele titulados estiverem abrangidos pelo artigo 1 do mesmo decreto", isto e, que tenham "por objecto ou simplesmente tenham como efeito a divisão em lotes de qualquer area de um ou varios predios [...] e destinados imediata ou subsequentemente a construção [...]", disposição esta parecendo ter evidente natureza interpretativa (O Novo Regime Juridico dos Loteamentos Urbanos, cit, pagina 99) e impõe a interpretação restritiva do acordão recorrido.
Alem de que, serem os escopos do decreto, alias ja acima referido, a defesa dos compradores menos cautelosos, e, assim na interpretação propugnada, totalmente assegurada, conduzindo a contraria ao manifesto prejuizo do promitente comprador, recebendo, somente e futuramente, quanto prestara, enquanto o promitente vendedor conservaria o seu terreno, bem sempre valorizavel, ao mesmo tempo a pretendida defesa do desenvolvimento urbanistico racional, com tal interpretação, não pode sofrer qualquer desvio.
E não venha dizer-se se tal contrato-promessa, sem efeitos reais, contrario ao disposto no artigo 280 do Codigo Civil - "e nulo o negocio juridico cujo objecto de seja [...] contrario a lei [...]". Com efeito, Vaz Serra, na Revista da Legislação e de Jurisprudencia, ano 104, pagina 9, distingue entre impossibilidade originaria e superveniente, acrescentando:
Mas a impossibilidade so e originaria, no caso de contrato, quando exista no momento da conclusão deste; ora, se uma coisa somente pode ser objecto de contrato com aprovação de uma autoridade, não ha impossibilidade originaria do objecto na data da conclusão do contrato, apenas se tornando impossivel a prestação quando a aprovação for recusada, a não ser que logo de principio pudesse contar-se com essa aprovação.
Assim, não pode falar-se em impossibilidade legal quando a data da realização da promessa não e impossivel vir a obter, aquando do contrato definitivo, o alvara do loteamento, a esta mesma conclusão conduzindo o que se le em Almeida Costa (Direito das Obrigações, 23 ed., pagina 469), Galvão Teles (Direito das Obrigações, 24 ed., pagina
34) e Pessoa Jorge (Direito das Obrigações, pagina 91).
Consequentemente, nega-se provimento ao recurso, com custas pelo recorrente, formulando-se o seguinte assento:
Na vigencia do Decreto-Lei n. 289/73, de 6 de Junho, e valido o contrato-promessa de compra e venda de terreno compreendido em loteamento sem alvara, a menos que no momento da celebração desse contrato haja impossibilidade de obtenção do alvara, por haver lei, regulamento ou acto administrativo impeditivo da sua emissão.

Lisboa, 19 de Novembro de 1987

- Antonio Carlos Vidal de Almeida Ribeiro - Licinio Adalberto Vieira de Castro Caseiro - Augusto Tinoco de Almeida - Aurelio Pires Fernandes Vieira - Julio Carlos Gomes dos Santos - Fernando Pinto Simões - Manuel Augusto Gama Prazeres - Claudio Cesar Gama Vieira - Antonio de Almeida Simões - João Alcides de Almeida - João de Deus Pinheiro Farinha - Jose Alfredo Soares Manso Preto - João Augusto Pacheco e Melo Franco - Pedro Augusto Lisboa de Lima Cluny - Silvino Alberto Villa-Nova - Antonio Judice de Magalhães Barros Baião - Antonio Alexandre Soares Tome - Salviano Francisco de Sousa - Mario Sereno Cura Mariano - Cesario Dias Alves - Jorge de Araujo Fernandes Fugas - Antonio Poças - Frederico Carvalho de Almeida Batista [vencido. Ao contrato-promessa são, em regra, aplicaveis as disposições legais relativas ao contrato prometido (artigo 410 do Codigo Civil), consequentemente a celebração de um contrato definitivo proibido por lei, no tocante ao seu objecto, e nula. Por isso, de harmonia com o disposto no artigo 27 do Decreto-Lei n. 289/73, e nulo o contrato-promessa aludido nos autos, de compra e venda de terreno compreendido em loteamento sem alvara, situação que não pode ser objecto legal do contrato prometido] -
- João Solano Viana (vencido, pelas razões constantes do voto do Excelentissimo Conselheiro Frederico Batista ) -
- Joaquim Augusto Roseira de Figueiredo (vencido, nos termos da declaração que junto) - Joaquim Jose Rodrigues Gonçalves (vencido, pelas razões do voto do Excelentissimo Conselheiro Frederico Batista) - Jose Manuel Meneres Sampaio Pimentel (vencido, nos termos da declaração anexa) - Jose Manuel de Oliveira Domingues (vencido, nos termos da declaração junta pelo Excelentissimo Conselheiro Joaquim Figueiredo).
Declaração de voto (processo n. 72357):
O artigo 27, n. 1, do Decreto-Lei n. 289/73 proibe a celebração de quaisquer negocios juridicos relativos a terrenos abrangidos por operações de loteamento antes de obtido o respectivo alvara. Os negocios juridicos celebrados contra disposição legal de caracter imperativo (preceptivo ou proibitivo) são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei (artigo 294 do Codigo Civil). No caso vertente não resulta da lei outra solução.
São diferentes as previsões dos dois numeros daquele artigo 27 e mais amplo o cmpo de aplicação do n. 2, pois a nulidade que ai se comina atinge mesmo a hipotese de ja haver alvara (desde que nos documentos em referencia se não indiquem os seus numeros e data). A disposição do artigo 8, n. 2, do Decreto-Lei n. 194/83 poderia ser (E não me parece que seja) interpretativa do n. 2 do artigo27 do Decreto-Lei n. 289/73, mas não do seu n. 1.
De qualquer maneira, haveria sempre que ter em consideração o chamado "principio da equiparação", estabelecido pelo artigo 410, n. 1, do Codigo Civil: a convenção pela qual alguem se obriga a celebrar certo contrato são aplicaveis as disposições legais relativas ao contrato prometido. O que, no dizer do Professor Almeida Costa (Revista de Legislação e de Jurisprudencia, ano 116, pagina 381), significa que o contrato-promessa se encontra, por via de regra, submetido (tambem) as normas que sejam especificas do contrato prometido. Mesmo o Professor Galvão Teles, que entende ser infeliz e inadequada a formula do artigo 410, n. 1, que o contrato - promessa e o contrato prometido "estão sujeitos a regimes diferentes, salvas as disposições comuns aos contratos em geral", reconhece que "se se prometer um contrato que, atentas as disposições legais aplicaveis ao caso, for invalido (por uma razão de ordem objectiva, e não apenas respeitantes a pessoa do promitente), sera nulo o contrato-promessa" (Direito das Obrigações, 4. ed., pagina 77).
Pelas razões expostas, votei se concedesse provimento ao recurso, lavrando-se assento em que se adoptasse a doutrina do Acordão de 15 de Outubro de 1980.
- Joaquim Augusto Roseira de Figueiredo.
Declaração de voto:
Em coerencia com o entendimento que segui na votação do assento de 21 de Julho proximo passado, tambem agora teria dado provimento ao recurso.
O douto acordão socorre-se, por mais de uma vez, do livro Doutores Maria do Patrocinio Paz Ferreira e Luis Perestrelo de Oliveira, O Novo Regime Juridico dos Loteamentos Urbanos, designadamente a pagina 95. Com o devido respeito pelos referidos juristas, o raciocinio por eles desenvolvido esta viciado. Depois de afirmarem certeiramente que o artigo 27 do Decreto-Lei n. 289/73, de 6 de Junho, constituia a "peça-chave da operacionalidade do diploma, permitindo uma reacção eficaz contra os loteamentos urbanos ilegais "; depois de reconhecerem que
"as proibições" nele contidas se fundamentaram "em razões de interesse e ordem publica", o que conduziria a nulidade (absoluta) dos negocios juridicos celebrados com violação das tais "proibições" - terminam por dizer que a "letra do n. 1 do preceito ia mais longe do que estava na sua ratio". Justificando esta surpreendente conclusão, propõem esta interpretação: "so os negocios que implicavam directa ou mediatamente a divisão do predio estavam na sua mira, porque prejudiciais ao interesse publico, sendo os demais indiferentes ao escopo do preceito".
Ora, o apontado vicio consiste no seguinte esquecimento: desde o inicio da vigencia do Codigo Civil de 1966 (muito antes do diploma objecto da interpretação do presente assento) tornou-se possivel a realização coactiva (especifica) da obrigação de contratar quando a obrigação proviesse de um contrato-promessa (conforme Antunes Varela, principal responsavel pelo referido Codigo, em Revista de Legislação e de Jurisprudencia, ano 120, pagina 74). Assim, e impossivel, ao que parece, sustentar não constituir um contrato-promessa de compra e venda de um imovel um negocio juridico susceptivel de "implicar" mediatamente a divisão do predio.
De resto, o diploma de 1973 continuou a criminalizar as condutas que infringirem as suas proibições, pelo que continuo a não entender como e que uma infracção penal não gera a nulidade absoluta do negocio que lhe subjaz.
- Jose Manuel Meneres Sampaio Pimentel.