Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05A4270
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: RIBEIRO DE ALMEIDA
Descritores: ACESSÃO INDUSTRIAL
REQUISITOS
ALVARÁ
CADUCIDADE
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
ACTUALIZAÇÃO DA INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: SJ200607060042706
Data do Acordão: 07/06/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : I - A aquisição por acessão industrial imobiliária não é de funcionamento automático, antes dependendo da manifestação de vontade do beneficiário, no sentido de pretender exercer o correlativo direito potestativo.
II - São requisitos substantivos (cumulativos) da acessão industrial imobiliária, in casu: a) a incorporação da construção em terreno alheio; b) com materiais pertencentes ao seu autor; c) de boa fé; d) e que o valor trazido pelas obras ao prédio seja maior do que o valor que este tinha antes.
III - Apesar de não resultar dos autos a existência de qualquer autorização expressa dos autores para que o Estado construísse a escola nos seus terrenos, a autorização, com o significado de permissão, não tem de provir de uma manifestação de vontade expressa, podendo ser dada de forma tácita, nomeadamente, pelo comportamento concludente do proprietário - art. 217.º, n.º 1, do CC.
IV - Decorrendo dos factos provados que existiu um acordo entre os AA e a CMSintra para a aprovação e concessão de alvará para loteamento dos prédios e que no âmbito do mesmo estava prevista a cedência à CM de uma parcela de terreno para equipamento de utilização colectiva, aquando e no pressuposto da concessão do alvará para loteamento dos prédios, é esta situação de facto a que verdadeiramente releva para efeitos da boa fé a que alude o art. 1340.º.
V - Tendo a boa fé persistido durante todo o período da incorporação, a falta de preenchimento posterior da condição para a concretização do negócio entre a CMS e os AA não invalida a existência do consentimento tácito para a cedência efectiva do terreno, já que tal consentimento configura precisamente a declaração tácita que pode decorrer de negócio translativo nulo por vício de forma, (falta da escritura pública de cedência à CMSintra que, por seu turno, cederia ao Estado).
VI - Apesar de os terrenos dos autores estarem situados em zona classificada pelo PDM como urbana e de a CMSintra ter licenciado a operação de loteamento, como não emitiu o competente alvará de loteamento ocorreu a caducidade do referido licenciamento.
VII - O regime aplicável à construção da escola numa parcela de terreno dos autores, não é o imposto para o regime dos loteamentos urbanos, pura e simplesmente porque o loteamento não existe, enquadrando-se, ao invés, na excepção prevista no art. 2.º, n.º 1, do DL 400/84, que prevê a possibilidade do destaque de uma única parcela de prédio inscrito na matriz.
VIII - O destaque da parcela onde a escola está implantada é também legalmente admissível por força do disposto no art. 1377.º, al. c), do CC, que exceptua da proibição do fraccionamento de prédios rústicos os casos em que o mesmo tiver por fim a construção.
IX - O valor da justa indemnização tem de ser encontrado no âmbito do instituto da acessão que expressamente se refere ao valor que o prédio tinha antes de nele ser incorporada a obra, momento em que se afere a indemnização, correspondente ao valor do terreno à data da construção.
X - Esta obrigação de indemnizar é uma dívida de valor, imposta ao adquirente da parcela de terreno onde as obras se encontram incorporadas, donde resulta que o montante a pagar por este deva corresponder ao referido valor da parcela devidamente actualizado segundo os índices de inflacção.
XI - Se normas de interesse e ordem pública impõem a existência de uma zona non aedificandi, a qual diminui o valor dos terrenos que se situam à volta da Escola impedindo o seu aproveitamento urbanístico, tal diminuição tem que ser indemnizada, uma vez que só assim se obtém a atribuição da justa indemnização devida pela perda patrimonial sofrida pelos autores.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I) Nas Varas Mistas Cível e Criminal de Sintra, Empresa-A, e outros intentaram acção com processo ordinário contra O Estado Português, pedindo (após admitida ampliação do pedido) que o Réu seja condenado:
- a reconhecer o direito de propriedade dos AA sobre os prédios que identificam nos autos e sobre a área ocupada pela Escola Secundária de Mira Sintra (a referência a Escola Preparatória é mero lapso que assim se rectifica);
- a entregar aos AA a referida área ocupada dos prédios, no estado em que se encontrava à data da sua ocupação em 1988 ou no caso de a restituição ou entrega dos prédios não ser possível, a pagar aos AA a indemnização correspondente ao valor actual dos prédios ocupados pela Escola Secundária de Mira Sintra, a liquidar em execução de sentença;
- a pagar aos AA a quantia actualizada, a liquidar em execução de sentença, correspondente aos prejuízos sofridos em consequência da sua conduta;
- a pagar aos AA as despesas e os honorários devidos com o presente processo judicial, em montante a liquidar em execução de sentença;
- a pagar aos AA a quantia actualizada, a liquidar em execução de sentença, correspondente aos prejuízos decorrentes do pagamento da contribuição autárquica;
- a pagar os juros legais relativos às quantias peticionadas nas alíneas anteriores, acrescidos, a partir do trânsito em julgado da sentença de condenação que vier a ser proferida, de juros à taxa anual de 2,5%, nos termos do disposto no art.º 829-A, n.ºs 3 e 4 do Código Civil.

II) Alegam, no essencial, que são donos dos prédios que identificam nos autos e que o réu ocupou tais prédios, sem autorização dos autores, tendo ali construído uma escola, impedindo assim os autores de fruírem dos terrenos de sua propriedade, com os inerentes prejuízos, e continuando os autores a suportar as despesas com os aludidos terrenos, nomeadamente com o pagamento de contribuição autárquica.
Alegam ainda que por causa da conduta do réu, os prejuízos sofridos ascendem a cerca de 855.000.000SOO, valor que corresponde ao de mercado dos terrenos, se aplicado em depósitos bancários.

O Réu contestou deduzindo diversas excepções que foram decididas no despacho saneador, tendo ainda deduzido a excepção da prescrição do direito dos Autores à indemnização, a qual foi relegada para a sentença final. Impugnou os factos alegados, nomeadamente afirmando que os Autores tiveram conhecimento da construção da escola e autorizaram-na, sendo que se não obtiveram o alvará de loteamento que pretendiam, tal deveu-se à sua conduta e não à do Réu.

Em reconvenção pediu o Réu que seja declarado que este adquirirá a propriedade plena da parcela de terreno onde construiu a escola secundária de Mira-Sintra, por acessão, pagando o valor que a parcela tinha antes da efectivação das obras necessárias à referida construção.

Após Réplica foram proferidos despacho saneador e organizada a peça condensadora.
Os Autores ampliaram o pedido, conforme supra referido, no sentido de o Réu ser condenado a pagar-lhes a indemnização correspondente ao valor actual dos prédios ocupados pela Escola, a liquidar em execução de sentença.

III) A final a acção foi julgada parcialmente procedente e procedente o pedido reconvencional (1) e assim decidiu-se:
A) "Declaro que os autores são donos e legítimos proprietários dos prédios identificados nas als. a), b) e e) dos factos provados, com excepção da parcela referida na al. b) a seguir referida.
B) Reconheço ao réu o direito de acessão relativamente à parcela de terreno em que se proceda ao pagamento aos autores da quantia correspondente ao valor que tal parcela tinha antes da incorporação, ou sejam 7.630.000$OO (sete milhões seiscentos e trinta mil escudos) valor esse actualizado até à liquidação final, desde a data de incorporação, ou seja, desde 1989, inclusivé, em função dos índices de variação de preço do consumidor publicados pelo INE. Tal parcela deverá ser demarcada em execução de sentença, pela linha mais regular possível".

Da sentença recorreram Autores e Réu tendo a Relação decidido:
A) "A sentença é, em linhas gerais, confirmada, com o esclarecimento de que a indemnização a pagar, pela ocupação, será actualizada pelo valor aprovado para 1989, até ao dia do efectivo pagamento da mesma.
B) O Réu pagará ainda aos AA a indemnização, a apurar em liquidação de sentença, correspondente, ao valor da servidão "non aedificandi’ (além dos 25.000 m2 ocupados) e às contribuições pagas de 1989".

IV) Recorrem agora de revista os Autores e o R, os quais alegando formulam estas conclusões:

Os Autores:

1 - Os diplomas legais que têm regulado os loteamentos urbanos estabelecem que todos os actos que tenham por objecto ou efeito o fraccionamento de prédios estão sujeitos a prévio licenciamento municipal, titulado por alvará de loteamento, sob pena de nulidade (v. art. 1º e 27º do Decreto-Lei 289/73 de 6 de Junho, 1º e 60º do Decreto-Lei 400/84 de 31/12, 1º e 53º do Decreto-Lei 448/91 de 29/11 e 2º, 4º e 49º do Decreto-Lei 555/99 de 16/12; cf. art. 294 e 295 do Código Civil;
2 - O acórdão recorrido, ao julgar procedente a aquisição do terreno por acessão industrial imobiliária, enferma de manifestos erros de julgamento:
- A construção dos edifícios da escola, instalações de apoio e pavilhão gimnodesportivo determinou a divisão material do prédio dos AA em frontal violação das disposições relativas aos loteamentos urbanos;
- As normas reguladoras do ordenamento do território constituem disposições de carácter imperativo, visando proteger interesses de ordem pública constitucionalmente consagrados e vinculam o Estado, demais entidades públicas e particulares, sendo aplicáveis a todos os actos jurídicos, incluindo a acessão industrial imobiliária (v. art. 295° do CC);
- O acto jurídico - acessão -, através do qual o R. pretende adquirir a parcela de terreno em causa, é nulo, por violar normas de direito público de natureza imperativa, nomeadamente as relativas aos loteamentos urbanos;
- O acórdão recorrido ao reconhecer o direito de acessão procedeu à divisão jurídica do prédio dos AA, constituindo um título nulo, pois não indica o número e data do respectivo alvará de loteamento, que nunca foi emitido pela CMS (v. art. 49° do DL 555/99; cfr. art. 53° do DL 448/91, arts. 57° a 60° do DL 400/84 e arts. 286°, 294° e 295° do C. Civil);
- A proposta de cedência de terreno para equipamentos de utilização colectiva foi condicionada à emissão do alvará de loteamento, o qual nunca chegou a ser emitido (v. al. bb) dos factos provados);
- No presente processo não se demonstrou que tivesse sido licenciada a autonomização jurídica da parcela ocupada pelo R., tendo-se apenas provado que foi deliberado licenciar uma operação de loteamento para os terrenos dos AA (v. art. 342° do C. Civil; cf., als. ff) a hh) dos factos provados);
- O alvará de loteamento nunca foi emitido, tendo caducado o licenciamento desta operação urbanística (v. art. 54°/1 do DL 400/84; cfr. art. 27 do DL 448/91 e art. 71 ° do DL 555/99);
- À data em que o R. ocupou o terreno em causa - 1988 -, a cedência de terrenos no âmbito de operações de loteamento realizava-se através de escritura pública, e, após a entrada em vigor do DL 448/91, de 29 de Novembro, as referidas parcelas de terreno apenas integravam o domínio público municipal com a emissão de alvará de loteamento, o que nunca se verificou (v. art. 16 do DL 448/91, de 29 de Novembro; cfr. art. 44°/3 do DL 555/99);
3 - Da factualidade provada nos presentes autos não resultam minimamente demonstrados os requisitos cumulativos da acessão industrial imobiliária (v.
art.ºs 1340° e 1341° do C. Civil) e a consequente aquisição pelo R. do direito de propriedade do prédio em causa, pois:
- O R. não realizou a incorporação de boa fé, dado que sabia que o terreno era alheio e que os AA nunca o autorizaram a efectuar a construção;
- Entre o R. e os AA não foi celebrado qualquer acordo para a ocupação do terreno e construção da escola;
- No acordo de princípio celebrado com a CMS apenas se propôs a cedência de terrenos para equipamentos colectivos, aquando da emissão do alvará de loteamento, o que nunca veio a acontecer (v. ais. bb) e ii) dos factos provados);
- O valor das obras realizadas pelo R. é muito inferior ao valor da totalidade do prédio dos AA;
- O R. não indicou a área efectivamente ocupada com os edifícios, acessos e demais instalações de apoio do Escola Secundária de Mira Sintra, pelo que não foi demonstrada a existência "de um direito real definido sobre o qual possa ser exercida" a acessão;
4 - A aquisição por acessão é potestativa e não automática, dependendo de uma manifestação de vontade do beneficiário e do efectivo pagamento, mantendo-se as propriedades distintas enquanto o direito não for exercido e pago o respectivo valor;
5 - A indemnização a pagar aos proprietários tem de calcular-se com referência à data da manifestação de vontade do ocupante de exercer o direito de acessão e ao momento do pagamento (v. Acs. STJ de 2000.02.10, BMJ 4941352, e de 1996.03.05, CJ/STJ/1996/T-I/pág. 131);
6 - O R. apenas manifestou a vontade de exercer o direito de acessão sobre a parcela de terreno dos AA, em 5 de Março de 1998, data em que apresentou a sua contestação - reconvenção (v. fls. 41 dos autos);
7 - Até à presente data, o R. não pagou aos AA o valor da parcela ocupada, pelo que o direito de acessão ainda não se concretizou, nem tão-pouco os terrenos entraram na esfera jurídica do R., sendo os AA ainda os seus únicos proprietários (v. alíneas a), b), c), d) e h) dos factos provados);
8 - Os AA têm assim direito a receber o valor do terreno quando lhes for retirado "o respectivo direito de propriedade" ou seja, quando se efectivar o direito de acessão do Réu, o que ainda não se verificou.
9 - Mesmo considerando que o direito de acessão se efectivou no data em que o R. manifestou a vontade de exercer tal direito - 5 de Março de 1998 -, é inquestionável que os AA tinham, pelo menos, direito a receber o valor que a parcela de terreno ocupada tinha àquela data e não o valor que alegadamente teria antes da incorporação - 1989 -, como foi decidido (v. Acs. STJ de 2000.02.10, BMJ 494/352, e de 1996.03.05, CJ/STJ/1996/T-1pág.131);
10 - O R. ao construir a Escola Secundária de Mira Sintra nos terrenos dos AA, actuou ilícita e culposamente, pois:
- Não tinha um título juridicamente válido que lhe permitisse ocupar e usar o terreno dos AA para construir a escola;
- Não alegou nem provou a existência de uma autorização expressa dos AA para ocupar os referidos terrenos;
- Realizou um fraccionamento ilegal dos terrenos;
11 - A conduta do R. provocou diversos prejuízos aos AA, pelo que aquele tem de ser condenado:
- No pagamento da quantia correspondente ao valor actual do terreno ocupado, a actualizar até efectivo pagamento, de acordo com o índice de preços no consumidor, visto que a restituição em espécie não é possível (v. arts. 565° e 566° do Código Civil e art. 661 °/2 CPC; cf. alínea r) dos factos assentes);
- No pagamento de uma indemnização, a liquidar em execução de sentença, relativa a todos os prejuízos sofridos, nomeadamente, os resultantes da ocupação ilícita dos terrenos dos AA desde 1988 e da servidão non aedificandi sobre a parte sobrante do terreno, actualizada de acordo com o índices de preços no consumidor e acrescida de juros moratórias até integral pagamento (v. arts. 806° do Cód. Civil);
12 - A ocupação da parcela de terreno dos AA com os edifícios da Escola Secundária de Mira Sintra sempre constituiria enriquecimento sem causa do R.
(v. art. 473° do C. Civil);
13 - O aliás douto acórdão recorrido enferma assim de manifestos erros de julgamento, tendo violado, além do mais, os arts. 1 ° e 27° do DL 289/73, de 6 de Junho, 1 °, 54°, 57° a 60° do DL 400/84, de 31 de Dezembro, 1 °, 16°, 27° e 53° do DL 448/91, de 29 de Novembro, 2°, 4°, 44°, 49° e 71 ° do DL 555/99, de 16 de Dezembro, e os arts. 286°, 294°, 295°, 342°, 473°, 483°, 565°, 566°, 1340° e 1341 ° do Código Civil.

O Réu:

1 - Alicerçaram os Autores o pedido indemnizatório correspondente à área "non aedificandi" em conduta ilícita do Réu (ocupação com a construção da escola);
2 - Mas tal construção foi cordata, tendo existido acordo ao tempo com a CMS para a cedência da parcela de terreno em causa;
3 - Inexistiu, assim, ilicitude;
4 - De resto sempre o direito respectivo estaria prescrito nos termos da contestação;
5 - De todo o modo, com a construção da escola na parcela a autonomizar pela acessão saem valorizadas as unidades de terreno que a envolvem já que constitui facto notório que a existência da escola é uma mais-valia em toda a área circundante;
6 - Daí existir valorização em vez de desvalorização das unidades de terreno originárias em apreço;
7 - O Acórdão deve, em decorrência, ser revogado na parte em que condenou o Estado por invocados danos correspondentes a servidão «non aedificandi» e absolver o Estado;
8 - Uma vez que é de considerar que, na parte em que subsumiu o facto t) ao conceito jurídico de dano, se concluiu erroneamente.
9 - Ou pelo menos, com ausência de fundamentação geradora de nulidade parcial (art. 668 n.º 1 b) do Código Processo Civil) a declarar.

Ambos os recorrentes contra-alegaram.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

V) Os factos:

a) A 2.ª autora AA e BB eram donos e legítimos proprietários do prédio sito no Casal da Charneca, freguesia de Agualva-Cacém, município de Sintra, com a área de 8.126 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Queluz sob o n°. 53782, a fls. 141 do Livro B-138 e inscrito na matriz predial rústica da referida freguesia sob parte do art. 78Q - Secção D - teor do documento de folhas 12 e ss dos autos que, no mais, se dá aqui por integralmente reproduzido.
b) A 2ª autora e BB eram donos de 2/3 do prédio sito no Casal da Charneca, freguesia de Agualva-Cacém, município de Sintra, com a área de 91.640 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Queluz sob o n.º 58201, a folhas 58 v do Livro B-151, e inscrito na matriz predial rústica da referida freguesia sob as parcelas 1,2,3,4,5 e 6 do art. 78 - Secção D.
c) A autora Empresa-A, é dona de 1/3 do terreno identificado em b).
d) A autora Empresa-A é dona do prédio denominado Casal da Charneca sito no lugar de Agualva, freguesia de Agualva - Cacém, município de Sintra, com a área de 1600 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Queluz sob o n.º 26700, a folhas 78 v do Livro 8-66 e inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o art. 2Q - Secção D.
e) Do prédio n.º 58201, melhor identificado em B) "foi destacado o prédio a que respeita a ficha 2745 - terreno com 86.360 m2," - documento de folhas 16 já referido.
f) Em 90.05.31, faleceu BB.
g) Por escritura de habilitação outorgada em 91.07.12, lavrada de folhas 86 v. a 87 v do Livro de notas 270-0 do 16Q Cartório Notarial de Lisboa, foram habilitados como únicos e universais herdeiros de BB sua mulher e filhos, ora autores.
h) Os autores são os actuais e únicos proprietários dos prédios identificados em A), B) e D) destes factos assentes e que constituem o denominado "Casal da Charneca".
i) No início de 1988, o réu ocupou parte dos prédios pertencentes aos autores, com o fim de se iniciar a construção da escola secundária de Mira Sintra.
j) A escola referida em i) foi construída e concluída entre 1988 e 1989, encontrando-se em funcionamento desde pelo menos 1989.
l) Os edifícios da escola, recreios, instalações de apoio e acessos ocupam uma área de pelo menos 25.000 m2 dos terrenos dos autores.
m) O Estado mantém os terrenos dos autores ocupados desde inícios de 1988.
n) Por causa da ocupação feita pelo réu, os autores não podem usar, fluir ou dispor dos 25.000 m2 de terreno ocupados pelo réu.
o) Os terrenos dos Autores situam-se em Agualva Cacem, em zona classificada pelo PDM como urbana, a qual se tem desenvolvido urbanisticamente nos últimos anos.
p) Os autores receberam uma proposta para compra desse terreno, a qual estava sujeita à aprovação do loteamento.
q) Caso os terrenos em causa não tivessem sido ocupados pelo réu, os autores podiam ter cedido o gozo, uso e fruição destes terrenos para qualquer fim urbanístico.
r) Atendendo à sua localização, área e capacidade edificativa, a área ocupada pelo réu tem um valor de mercado, reportado à data de Novembro de 2003, de 4.375.000 euros (quatro milhões e trezentos e setenta e cinco mil euros) (25,000m2x0.7x250 ouros/m2),
s) Por causa da ocupação dos terrenos por parte do réu, os autores não podem aproveitar, urbanisticamente aquele terreno, nomeadamente com a respectiva comercialização, o que os impede de deles tirar proventos.
t) Por causa da construção da escola, existe uma zona non aedificandi à volta desta, que diminui o valor dos terrenos que se situam à volta da escola, por não poderem ser aproveitados na totalidade, devido a essa zona non aedificandi.
u) Os autores têm e terão de suportar diversos encargos e despesas com o presente processo judicial e com honorários devidos aos advogados constituídos, em valor não apurado.
v) Os Autores tiveram e terão de suportar as despesas com contribuição predial e autárquica dos prédios ocupados referidos.
x) O réu construiu a escola referida em I), no terreno em que a mesma se encontra implantada, por indicação e proposta da CMSintra.
z) Entre a CMSintra e o pai do 6.° Autor havia um acordo de princípio para a aprovação e concessão de alvará para loteamento dos prédios referidos em a) a e) dos factos assentes.
aa) Tal acordo foi celebrado antes da construção da escola.
bb) No âmbito de tal acordo, os autores cederiam gratuitamente à CMSintra, a parcela de terreno na qual o réu veio a construir a escola referida, aquando da concessão do alvará referido em z).
cc) Atento o acordo referido em z) a bb), a construção da escola foi feita à vista de todos e sem qualquer oposição.
dd) O valor de construção da escola foi de 181.079.233$00.
ee) Antes da construção da escola, o terreno onde esta foi implantada valia 7.630.000$00.
ff) A 1.ª autora requereu na CM.Sintra através do processo camarário n.º 6136/86, o licenciamento de uma operação de loteamento para o prédio denominado "Casal da Chameca", sito no Cacém, Sintra.
gg) No âmbito da referida operação de loteamento estava prevista a cedência de uma parcela de terreno para equipamento de utilização colectiva.
hh) Em 12/4/88, a CM.Sintra deliberou licenciar a referida operação de loteamento, após ter obtido pareceres favoráveis dos serviços de Gestão Urbanística da Direcção Geral de Ordenamento do Território, da Comissão de Coordenação da Região de Lisboa e Vale do Tejo e da Direcção de Construções Escolares.
ii) A C.M.Sintra, apesar de ter licenciado a operação de loteamento não emitiu, até à presente data, o competente alvará de loteamento.

VI) Decidindo:

As conclusões dos recursos delimitam o âmbito da sua apreciação - conforme decorre do disposto nos artigos 684, n.º 3 e 690, n.º 1 do Código de Processo Civil (2) - pelo que, a este Supremo Tribunal, exceptuando as questões de conhecimento oficioso, apenas cabe conhecer das questões contidas nessas mesmas conclusões, e que devem ser apreciados pela ordem da sua interposição.
Insurgem-se os Autores recorrentes contra o Acórdão que entendeu que o Estado adquiriu por acessão industrial imobiliária a parcela de terreno em que construiu a Escola Secundária de Mira Sintra, e o Réu contra a indemnização concedida pela servidão non aedificandi por não existir desvalorização dos terrenos e porque a mesma estaria prescrita, colocando à apreciação deste STJ as questões que, resumidamente, assim se podem enunciar (3):

1 - A alegada inexistência dos requisitos para a aquisição do direito de propriedade pelo réu por acessão, nomeadamente, verificando se a incorporação não foi realizada de boa fé e se o valor das obras realizadas pelo réu não é maior do que o valor do prédio dos autores;
2 - Caso se conclua pela verificação dos requisitos para a acessão, verificar se da mesma resulta o fraccionamento ilegal do prédio, por violação de normas de carácter imperativo relativas ao loteamento urbano e que impliquem a nulidade do acto jurídico e do título que o acórdão constitui.
3 - Entendendo-se que inexiste tal nulidade, determinar a extensão da indemnização a que os autores têm direito, nomeadamente, se a mesma abrange ou não a servidão non aedificandi.
4 - Em caso afirmativo, apreciar se o direito dos autores se encontra ou não prescrito.

Antes de apreciarmos as questões colocadas, não queremos deixar de afirmar a nossa estranheza pelo facto de não ter sido chamada à acção por nenhuma das partes a Câmara Municipal de Sintra, tanto mais que foi invocado e provado que foi com esta entidade que o então proprietário tinha um acordo, no âmbito do qual, os autores lhe cederiam gratuitamente a parcela de terreno - onde o réu Estado veio a construir a Escola, por indicação e proposta da Câmara - aquando da concessão do alvará para loteamento de todo o prédio, não tendo este sido emitido até à presente data, apesar do licenciamento da operação de loteamento.

Debrucemo-nos, então, sobre as questões colocadas na presente acção, conforme a configuraram AA e R.

1 - Considerando o pedido formulado pelos AA, dúvidas não restam que estamos perante uma acção de reivindicação, a que alude o artigo 1311, do Código Civil (4), nos termos do qual, "o proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence".
Assim sendo, em conformidade com o disposto no artigo 342, n.º 1, do CC, aos AA incumbia alegar e provar o seu direito de propriedade sobre a parcela do prédio reivindicado e, bem assim, que a mesma se encontrava na posse ou detenção indevida do R, que a ocupou, sem autorização daqueles.
Conforme decorre dos factos supra referidos em a), b) d) e h), os autores são os proprietários dos prédios que constituem o denominado "Casal da Charneca", beneficiando da presunção que o art.º 7 do Código de Registo Predial lhes confere.
Porém, ao invés do que continuam a afirmar nas suas alegações de recurso, os AA, apesar de terem alegado que o Estado mantém os respectivos terrenos ocupados desde inícios de 1988, sem qualquer autorização daqueles, factos que foram levados à base instrutória da causa, sob os artigos 3.º e 4.º, não lograram provar que a demonstrada ocupação dos terrenos (art.º 3.º), tivesse ocorrido "sem qualquer autorização dos AA", dada a resposta de "não provado" que o referido art.º 4.º mereceu. E, conforme resulta da motivação da convicção do Tribunal, constante de fls. 329, "a resposta negativa a este ponto, ficou a dever-se à prova produzida que foi em sentido diverso. Na verdade, o que se provou foi que terá existido uma permissão por parte dos autores de o réu ir avançando para a construção da escola e por isso da ocupação do terreno, no pressuposto da aprovação pela CMS do projecto de loteamento para aquela zona e que pertencia ao autor".
Não se mostra, pois, demonstrado pelos AA, como lhes incumbia, que a ocupação efectuada pelo Estado não foi por eles autorizada.
Para aquilatar da relevância desta questão, avançamos para a defesa assumida pelo R.
Como vimos supra, o Réu Estado deduziu pedido reconvencional (5), no qual pretende que se declare a aquisição da propriedade da parcela de terreno onde construiu a escola secundária de Mira Sintra, invocando a acessão industrial imobiliária.
Afirma, pois, que tem a seu favor este título de aquisição originária do direito de propriedade, previsto no artigo 1316, do CC, - uma vez que, o momento de aquisição do direito é o da verificação dos factos respectivos (artigo 1317, alínea d), do mesmo diploma legal) - que constitui, fundamentalmente, uma forma de resolução das situações de conflito existentes entre o dono da obra e o dono do terreno onde a mesma foi incorporada (6) .
Do disposto no artigo 1340, do CC, resulta que são requisitos substantivos da acessão industrial imobiliária, no caso que nos ocupa:
a) a incorporação da construção em terreno alheio;
b) com materiais pertencentes ao seu autor;
c) de boa fé;
d) e que o valor trazido pelas obras ao prédio seja maior do que o valor que este tinha antes.
Trata-se de requisitos cumulativos, pelo que, faremos a respectiva apreciação individual.
"Incorporação significa uma ligação permanente que provoca a perda da individualidade das coisas unidas ao solo, pela formação de uma coisa única, um corpo único, não desmembrável sem alteração da substância do todo." (7)
Nada melhor do que a construção de um edifício com as características que se impõem numa escola, para pensarmos nesta ideia de incorporação - também afirmada pelo art.º 204, n.º 2 do CC, quando define prédio urbano - de tal forma que, uma vez operada, implique a perda de individualidade de cada uma das coisas, terreno e construção, impossíveis de separar sem destruição da parte edificada, já que os materiais usados na construção, por via desta, alteram o respectivo estatuto jurídico de bens móveis para bem imóvel, assim se perdendo a individualidade não só física mas também jurídica da coisa incorporada.
Sendo manifesta a existência de incorporação, dos autos decorre ainda que o terreno em que a escola foi construída pertencia aos autores em cujo nome se mostra inscrito no registo, constituindo, portanto, terreno alheio, sendo a construção e produto final que constitui a Escola Secundária de Mira Sintra, pertença do réu Estado, como é notório.
Verificam-se, portanto, os primeiro e segundo requisitos substantivos da acessão.
Cuidemos, pois, da análise do terceiro requisito - o conceito de boa fé -, já que os AA invocam a má fé do Réu, em virtude da ocupação do terreno, efectuada sem a sua autorização, para construção da escola.
A este propósito, de acordo com o estabelecido no artigo 1340, n.º 4, do CC, existe boa fé quando o autor da obra:
a) desconhecia que o terreno era alheio;
b) ou, conhecendo que o terreno era alheio, foi autorizada a incorporação pelo dono do terreno.
Conforme decorre do conceito de boa fé a que alude o artigo 1260, n.º 1, do CC, também nesta matéria da aquisição do direito de propriedade, por acessão, o legislador não se afastou do conceito de boa fé adoptado em matéria possessória, pretendendo retirar do mesmo os casos em que o construtor sabe que a respectiva actuação implica a lesão dos direitos de terceiro (8).
No caso em apreço, sendo óbvio que o Estado sabia que o terreno em que edificou a escola era alheio (9), cumpre verificar se os factos que emergem dos autos nos permitem, ou não, considerar que a incorporação pelo R da escola no terreno dos AA foi por estes autorizada.
A propósito, já vimos que os autores não provaram, ao invés do que haviam alegado que a construção da escola não foi por eles autorizada.
Mas, considerando a repartição do ónus da prova, e aproveitando ao réu a invocada autorização para construção (10) para preenchimento do conceito estritamente psicológico de boa fé adoptado pelo actual CC, vejamos se os factos provados consentem tal conclusão (11).
A propósito, o Réu invocou a sua boa fé por ter havido um acordo entre o pai do 6º Autor e a Câmara Municipal de Sintra.
Vem efectivamente provado que entre a CMSintra e o pai do 6º autor havia um acordo de princípio para a aprovação e concessão de alvará para loteamento dos prédios referidos em a) a e) dos factos assentes; no âmbito de tal acordo, os autores cederiam gratuitamente à CM Sintra, a parcela de terreno na qual o réu veio a construir a escola referida, aquando da concessão do alvará referido em z); atento o acordo referido em z) a construção da escola foi feita à vista de todos e sem qualquer oposição.
Mais se provou, com interesse, que no início de 1988, o réu ocupou parte dos prédios pertencentes aos autores, com o fim de se iniciar a construção da escola secundária de Mira Sintra (i), sendo certo que o pai do 6.º autor, BB, faleceu em 31.05.1990 (f), sem ter deduzido qualquer oposição à construção da escola que foi efectuada entre 1988/89 e que já se encontrava em funcionamento em 1989 (j).
Dos autos não resulta a existência de qualquer autorização expressa dos autores para que o Estado construísse a escola nos seus terrenos.
Porém, como emerge do disposto no artigo 217, n.º 1, do CC, a declaração negocial pode ser tácita, deduzindo-se dos factos que com toda a probabilidade a revelem, não se exigindo uma certeza absoluta.
Assim, a autorização, com o significado de permissão, não tem de provir de uma manifestação de vontade expressa, podendo ser dada de forma tácita, nomeadamente, pelo comportamento concludente do proprietário (12) .
Os factos referidos, estribados (para além da prova testemunhal) na documentação junta aos autos, permitem concluir que o falecido Sr. BB, pretendendo o loteamento do "Casal da Charneca" acordou com a Câmara Municipal de Sintra, a cedência gratuita da parcela de terreno na qual o réu veio a construir a escola, por indicação desta, mas com conhecimento e à vista de todos e sem oposição do proprietário.
A documentação que os próprios AA juntaram aos autos evidencia bem o respectivo conhecimento e consentimento na cedência de terreno para construção da escola secundária. Veja-se a referência feita, por exemplo, nos documentos de fls. 106, 107, 110 - exposição à CMSintra - onde se afirma terem cedido as áreas necessárias à construção da escola secundária de Mira Sintra; que a mesma está a funcionar há cerca de oito anos; e que fazia parte das contrapartidas do loteamento do terreno...
E tudo melhor se compreende quando analisamos o excerto da fundamentação relativa à matéria de facto, a propósito da resposta negativa ao artigo 4, supra transcrito, no sentido de haver uma permissão por parte dos autores para a construção da escola ir avançando.
Sem dúvida, que dos factos provados resulta a existência de um consentimento tácito dos autores para a cedência do terreno onde o Estado construiu a escola secundária, consentimento decorrente do respectivo comportamento concludente e que permite o preenchimento do terceiro requisito supra referido para a aquisição do direito de propriedade por acessão: a boa fé do Estado.
Adianta-se ainda que, tendo a construção da escola decorrido entre 1988 e 1989, tal requisito da boa fé, manteve-se por todo o tempo de duração das obras, o que basta para que o reconvinte beneficie do regime previsto no art.º 1340.
Efectivamente, ainda que a boa fé cessasse depois de concluída a escola, tal facto não teria relevância para os efeitos do citado artigo (13).
Assim sendo, não têm razão os AA quando, invocando que a cedência foi condicional à concessão do alvará e que o mesmo nunca veio a ser concedido, pretendem que o acordo ficou sem efeito, ab initio, por não se ter verificado a condição (14).
De facto, decorre dos factos provados e do final do excerto da fundamentação a que supra se aludiu, que existiu um acordo entre os AA e a CMSintra para a aprovação e concessão de alvará para loteamento dos prédios e que no âmbito do mesmo estava prevista a cedência à CM de uma parcela de terreno para equipamento de utilização colectiva, aquando e no pressuposto da concessão do alvará para loteamento dos prédios.
Estamos, manifestamente, a escrever sobre a cedência formal, por via da necessária escritura pública nos termos da legislação que os AA bem referem (15).
Daqui não decorre, porém, que não se possam retirar as necessárias conclusões do facto de ter sido - por quem tinha o direito de propriedade sobre os prédios a lotear - permitida ao Estado a ocupação dos terrenos necessários à construção da escola e que se avançasse com a mesma, à vista e com o conhecimento de todos e sem oposição dos autores.
Logo, é esta situação de facto a que verdadeiramente releva para efeitos da boa fé a que alude o artigo 1340.º.
Como vimos, esta persistiu durante todo o período da incorporação e a falta de preenchimento posterior da condição para a concretização do negócio entre a CMS e os AA não invalida a existência do consentimento tácito para a cedência efectiva do terreno, já que tal consentimento configura precisamente a declaração tácita que pode decorrer de negócio translativo nulo por vício de forma (16), ou seja, in casu da falta da referida escritura pública de cedência à CMSintra (que, por seu turno, cederia ao Estado - fls. 113).
Considerando-se, pois, preenchido o requisito da boa fé do réu Estado Português, é tempo de apreciar o quarto requisito supra enunciado, ou seja, se o valor trazido pela obra à totalidade do prédio é ou não maior do que o valor do prédio antes da incorporação: em suma, qual o valor acrescentado.
Para tanto, cumpre proceder à delimitação prévia dos conceitos legais.
Como é bom de ver, pela análise do citado artigo 1340, a importância da determinação do valor acrescentado decorre do facto de ser por este elemento que se estabelece a quem pertence o direito de adquirir, por acessão: ao interventor ou ao dono do terreno, consoante tal valor seja superior ou inferior ao que o prédio tinha antes da incorporação.
"Valor acrescentado não é o mesmo que valor dos materiais, das sementes ou das plantas, nem, sequer, a mesma coisa que valor da obra, da sementeira ou da plantação.
A expressão, que é quantitativa, de valor acrescentado é dada pela diferença entre o valor da nova realidade económica resultante da incorporação e o valor que o prédio tinha antes.
(...) O que interessa alegar (no articulado) e quesitar (no arbitramento) é o valor da nova realidade predial resultante da incorporação e o valor que o prédio tinha antes dela; a diferença entre esses dois valores dará ao julgador a medida do valor acrescentado que é necessária à determinação do beneficiário da acessão.
Para o valor do conjunto (a "totalidade do prédio", no dizer do n.º 1, do art.º 1340) só releva a contribuição das obras, sementeiras ou plantações; de fora deverão ficar, por isso, todos os elementos valorativos, quer internos quer externos, que ocorram após a incorporação" (17).
Fazendo nossas estas reflexões sobre a melhor interpretação do preceito legal, há que aplicá-las ao caso dos autos, resultando evidente o sem fundado da pretensão dos AA quando entendem que o valor da obras realizadas pelo R é muito inferior ao valor da totalidade do seu prédio.
Efectivamente, os mesmos procederam aos seus cálculos considerando que a "totalidade do prédio" referida no art.º 1340, refere-se a todos os terrenos que constituem o prédio denominado "Casal da Charneca", ou seja, a uma área de terreno superior a 100.000 m2 (18) .
Porém, considerando os fins da acessão, a totalidade do prédio a que a lei alude, só pode efectivamente considerar-se como sendo a nova unidade económica formada pelo terreno e pela construção edificada (19), já que é apenas relativamente a estas que existe o conflito de direitos que a lei visa dirimir, o que nos leva a nova precisão de conceito.
Num Ac. de 25.07.75 (20) este STJ considerou que a acessão só teria viabilidade se exercida sobre a totalidade do prédio. A ser assim, faria sentido o entendimento perfilhado pelos AA relativamente à determinação do valor acrescentado.
Não obstante, esta não foi a orientação a partir de então seguida por este Tribunal (21) que passou a entender que a aquisição por acessão tanto pode abranger a totalidade do prédio como a parte em que se incorporaram as obras: essencial é que com estas se tenha formado uma unidade económica distinta.
Portanto, do âmbito da aquisição, determinado pela formação da referida unidade económica distinta, emergente da incorporação das obras no terreno, resultará a medida dos interesses em conflito (22), só estes importando quando há que aferir do valor da totalidade do prédio.
O caso em apreço, configura o exemplo típico em que "a nova unidade económica resultante dos actos de incorporação se limita a parte do prédio (terreno) em que estes foram realizados.
Será o caso, p. ex., de, antecipando a aprovação do projecto de loteamento e a venda dos lotes, o proprietário autorizar a construção nos lotes projectados, e a sua ocupação" (23), bastando que onde se lê lotes projectados, se considere a cedência de uma parcela de terreno para equipamento de utilização colectiva.
Assim sendo, para se considerar preenchido o requisito relativo ao valor acrescentado apenas cumpre encontrar a diferença entre o valor desta nova realidade económica resultante da incorporação e o valor que a parte do prédio - os 25.000 m2, onde a escola foi construída tinha antes.
Salientando que nesta matéria os factos que temos nos autos não cumprem a boa técnica supra descrita quanto ao valor alegado e, consequentemente, quesitado, sendo ainda certo que o valor da totalidade do prédio, entendido nos termos sobreditos, não foi objecto de actualização monetária, tal não é, no caso concreto, obstativo de se encontrar tal medida.
De facto, relativamente à actualização do valor de antes da incorporação com aplicação dos índices de preços, trata-se de mero cálculo que o Tribunal pode sempre efectuar e, quanto ao valor da nova unidade económica resultante da incorporação, porque se trata de uma Escola Secundária, que visa a prossecução de um fim do Estado, não sendo um produto de mercado, razão porque (para este fim) não vemos que tenha interesse apreciar de eventual mais valia da mesma relativamente à soma do valor do terreno com o valor das obras.
Assente esta nota, para encontrar o valor acrescentado temos que: resulta da matéria de facto provada que, antes da construção da escola, o terreno onde esta foi implantada valia (24) 7.630.000$00 (ee) e, o valor da construção da escola foi de 181.079.233$00 (dd).
Considerando que o valor da construção efectuada pelo réu é manifestamente superior ao valor do terreno onde a escola foi construída (25), é evidente que o valor da nova unidade económica resultante da incorporação é muito superior ao valor que o prédio tinha antes, já que, pela razão supra referida, tratando-se de uma escola, não será ousado considerar que o valor final da obra incorporada seja semelhante ao valor da construção mais o valor do terreno onde foi implantada a mesma.
Concluímos, pois, sem necessidade de maiores considerações, que também o quarto requisito relativo ao valor acrescentado se encontra preenchido a favor do réu, pertencendo-lhe, portanto, porque preenchidos os demais requisitos o direito de adquirir.
Porém, mesmo preenchidos os requisitos a que alude o artigo 1340 - porque o conceito de "prédio" não encontra ali definição - tal direito não pode ser exercido se, conforme alegam os autores, determinar violação das normas reguladoras do ordenamento do território, as quais, visando proteger interesses de ordem pública, constitucionalmente consagrados, vinculam o Estado e, obviamente, os Tribunais.
Entraremos, pois, na análise daquela que supra alinhámos como segunda questão, para verificar se a aquisição parcelar pelo Estado da parcela de terreno dos autores ocupada pela escola e que os requisitos supra preenchidos consentem, a final não é possível por determinar a consolidação pelo julgador de uma situação violadora das regras relativas ao fraccionamento de prédio ou às operações de loteamento urbano (26).
Adianta-se, desde já, que também nesta questão a razão não está com os autores, apesar do aparente acerto do pensamento vertido nas respectivas alegações.
Na verdade, afirmam os autores nas respectivas conclusões - e com razão - que:
"Os diplomas legais que têm regulado os loteamentos urbanos estabelecem que todos os actos que tenham por objecto ou efeito o fraccionamento de prédios estão sujeitos a prévio licenciamento municipal, titulado por alvará de loteamento, sob pena de nulidade (v. art. 1º e 27º do Decreto-Lei 289/73 de 6 de Junho, 1º e 60º do Decreto-Lei 400/84 de 31/12, 1º e 53º do Decreto-Lei 448/91 de 29/11 e 2º, 4º e 49º do Decreto-Lei 555/99 de 16/12; cf. art. 294 e 295 do Código Civil;
- A construção dos edifícios da escola, instalações de apoio e pavilhão gimnodesportivo determinou a divisão material do prédio dos AA;
- O acórdão recorrido ao reconhecer o direito de acessão procedeu à divisão jurídica do prédio dos AA;
- No presente processo não se demonstrou que tivesse sido licenciada a autonomização jurídica da parcela ocupada pelo R., tendo-se apenas provado que foi deliberado licenciar uma operação de loteamento para os terrenos dos AA (v. art.º 342 do C. Civil; cf., als. ff) a hh) dos factos provados);
- O alvará de loteamento nunca foi emitido, tendo caducado o licenciamento desta operação urbanística (v. art.º 54/1 do DL 400/84; cfr. art. 27 do DL 448/91 e art.º 71 do DL 555/99)".
Conforme os autores bem referem - apesar de não retirarem daí as necessárias consequências - não tendo sido emitido o alvará de loteamento, o licenciamento da projectada urbanização caducou.
Assim sendo, e pelas razões que aduziremos infra, não é de aplicar ao caso dos autos as imposições decorrentes do respectivo regime.
De facto, em 1988/89, aquando da ocupação do terreno dos autores e construção da escola, estava em vigor o DL 400/84, de 31 de Dezembro que estabelecia a nulidade dos actos e negócios jurídicos nos quais se não indicassem as datas dos respectivos alvarás de loteamento (27) .
Conforme decorre do preceituado no art.º 1, n.º 1, al. a) do citado diploma, são operações de loteamento "as acções que tenham por objecto ou simplesmente tenham por efeito a divisão em lotes de qualquer área de um ou vários prédios, destinados, imediata ou subsequentemente, à construção".
Ora, no caso dos autos, como vimos supra, apesar de os terrenos dos autores estarem situados em zona classificada pelo PDM como urbana, e que se tem desenvolvido urbanisticamente nos últimos anos (alínea o) da matéria de facto), o certo é que, a CMSintra, apesar de ter licenciado a operação de loteamento não emitiu até à presente data, o competente alvará de loteamento (alínea ii) da matéria de facto), situação que determinou a caducidade do referido licenciamento, como os autores bem invocam.
Por isso, ao invés do que pretendem os autores, o regime aplicável à construção da escola numa parcela de terreno dos autores, não é o imposto para o regime dos loteamentos urbanos, pura e simplesmente porque o loteamento não existe (28).
De facto, estamos apenas perante a construção de uma escola numa parcela de terreno. Tal operação não é um loteamento (29), porque este, mercê da definição legal, implicaria a criação de, pelo menos, dois ou mais lotes (parcelas) de terreno, o que não aconteceu.
Enquadra-se, ao invés, na excepção prevista no art.º 2.º, n.º 1, do DL 400/84, que afirma "Não constitui operação de loteamento, não estando, portanto, sujeita ao licenciamento previsto neste diploma, a celebração de negócio que tenha por efeito a transmissão, através do seu destaque, de uma parcela de prédio inscrito ou participado na matriz (...)."
Como vimos supra, o facto da cedência da parcela em questão ter ocorrido por negócio nulo por falta de forma, não é obstativa da transmissão caso se verifiquem os demais requisitos legais, que, in casu, ocorrem quanto à acessão.
Vejamos, agora, se também ocorrem quanto à aludida excepção.
Prevê o citado normativo a possibilidade do destaque de uma única parcela de prédio inscrito na matriz, "desde que, cumulativamente:
o prédio se situe dentro do aglomerado urbano;
a parcela a destacar confronte com arruamento público existente;
o interessado disponha de projecto para a construção de edifício com o máximo de 2 fogos, a erigir na parcela a destacar, aprovado pela câmara municipal;
a licença de construção expressamente mencione as situações referidas nas alíneas a) e b)."
Conforme resulta da matéria de facto supra descrita - alíneas a), b), d) e h) os prédios pertencentes aos autores e que constituem o denominado "Casal da Charneca", estão inscritos na matriz predial rústica, situando-se em zona classificada pelo PDM como urbana - alínea o) - tendo a escola sido construída numa parcela desses terrenos, com cerca de 25.000 m2, - alínea l) - pelo que se preenchem os requisitos previstos no corpo do n.º 1 e alínea a) do referido art.º 2, do DL 400/84.
Acresce que, dos documentos juntos aos autos e não impugnados - agora usados mercê do princípio da aquisição processual - resulta o preenchimento da alínea b) do citado normativo, já que, a parcela a destacar, confronta com arruamento público existente - vide o estudo feito para avaliação do terreno pela Direcção-Geral dos Equipamentos Educativos, junto a fls. 83, onde expressamente se refere que o terreno da futura escola tem uma única frente a nascente para a Avenida dos Combatentes da Grande Guerra, que tem infraestruturas.
Quanto aos requisitos previstos nas alíneas c) e d), porque estamos perante a construção de uma escola pertencente ao Estado, não são aplicáveis, uma vez que, por força do disposto no art.º 2.º do DL 166/70, de 15 de Abril, então vigente, as obras da iniciativa dos serviços do Estado não carecem de licença municipal.
Acresce ainda que, dos autos até resulta a existência da aprovação municipal para a escola, porquanto a construção no terreno em que a mesma se encontra implantada foi efectuada por indicação e proposta da CMSintra - alínea x) - sendo ainda certo que a fls. 113 se refere expressamente o protocolo de cedência entre a CMSintra e a DREL, o que configura a necessária autorização para o destaque.
Mais se aduzirá, que o destaque da parcela onde a escola está implantada é também legalmente admissível por força do disposto no art.º 1377, alínea c) do CC, que exceptua da proibição do fraccionamento de prédios rústicos - não esqueçamos que esta ainda é a classificação dos terrenos que constituem o Casal da Charneca - os casos em que o mesmo tiver por fim a construção (leia-se, preenchendo os requisitos impostos quanto a esta), o que obviamente se compreende porque, nesse caso, a parcela destina-se a um fim que não é a cultura.
Do exposto resulta, portanto, sem margem para dúvidas, que o acórdão que considera procedente a acessão da parcela onde foi construída a escola, não constitui um título nulo, uma vez que, não viola os preceitos relativos aos loteamentos urbanos, que os autores pretendem aplicáveis ao caso e que, como vimos, o não são.
Conclui-se, pois, pela verificação dos requisitos para a aquisição por acessão, já que da mesma não resulta o fraccionamento ilegal do prédio, por violação de normas de carácter imperativo relativas ao loteamento urbano ou ao fraccionamento de prédio rústico, que impliquem a nulidade do acto jurídico e do título que o acórdão constitui.
Entendendo-se, portanto, que inexiste tal nulidade, somos chegados à questão relativa à extensão da indemnização a que os autores têm direito e, ainda, se a mesma abrange ou não a servidão non aedificandi.
Pretendem os autores que, sendo a aquisição por acessão potestativa, a indemnização a que têm direito tem de calcular-se com referência à data da manifestação de vontade do ocupante de exercer o direito de acessão e ao momento do pagamento, o que ainda não se verificou. Por isso, não tendo o réu um título juridicamente válido que lhe permitisse ocupar e usar o terreno dos AA, tendo-lhes provocado vários prejuízos, o valor da respectiva indemnização corresponderá ao pagamento da quantia correspondente ao valor actual do terreno ocupado, a actualizar até efectivo pagamento, de acordo com o índice de preços no consumidor, visto que a restituição em espécie não é possível 30) .
A decisão da primeira instância, confirmada pelo acórdão da Relação de Lisboa, considerou que "é dentro do regime da acessão que terá de ser encontrado o valor devido pela indemnização, não podendo ser arbitrado o valor actual da parcela, por não haver fundamento legal para tal".
Decidiram bem as instâncias, como melhor se verá, debruçando-nos sobre o instituto.
Relativamente ao momento da aquisição por acessão, resulta do art.º 1317, alínea d), do CC, que a mesma ocorre no momento da verificação dos factos respectivos, "o que quer dizer que o direito de propriedade assim adquirido se consolida na esfera jurídica do beneficiário da acessão logo que concluídos os actos materiais da incorporação" (31).
Pretendem os autores que, por se tratar de um direito potestativo, o momento da aquisição do direito de propriedade, corresponde, pelo menos, ao momento do exercício de tal direito, no caso, a data da dedução do pedido reconvencional.
Porém, "os termos da referida alínea d), do artigo 1317, não deixam margens para dúvidas quanto ao momento eleito pelo legislador como o do nascimento do novo direito de propriedade derivado da acessão; identificar tal momento com o do exercício do eventual direito potestativo correspondente é interpretação que não encontra, na letra daquela alínea d), um mínimo aceitável de correspondência (cfr. artigo 9, n.º 2, doCC)" (32).
Saber se a aquisição do direito de propriedade por acessão é automática, operando por mero efeito da incorporação, ou potestativa, caso em que depende de manifestação de vontade nesse sentido por parte do beneficiário, é questão que tem dividido a doutrina (33), sendo certo que, como é usual em direito, ambas as teses esgrimem argumentos impressivos a seu favor.
Na esteira da posição que se vem afirmando como dominante neste STJ (34), entendemos que a aquisição por acessão industrial imobiliária não é de funcionamento automático, antes dependendo da manifestação de vontade do beneficiário, no sentido de pretender exercer o correlativo direito potestativo.
Porém, tal não obsta a que se considere que o momento da manifestação da vontade do exercício do direito se traduz no mero momento revelador de que o direito que assim se afirma já está previamente constituído, existindo desde o momento da incorporação. Logo, o momento da afirmação do mesmo é irrelevante para o momento da respectiva aquisição.
Por isso, o valor a que se tem de atender para efeitos de indemnização aos AA é o valor do terreno à data da incorporação (35), por ser este o momento da aquisição da respectiva propriedade pelo réu/reconvinte, por acessão.
Porém, como é bom de ver, provado que antes da construção da escola, o terreno onde esta foi implantada valia 7.630.000$00 (36), que o Estado mantém os terrenos dos autores ocupados desde inícios de 1988 e que a escola foi construída e concluída entre 1988 e 1989 - alíneas j), m), ee) - e sendo aquela avaliação do terreno de Junho de 1987 (cfr. fls. 87), o tempo decorrido desde a incorporação, ocorrida em 1989, até à manifestação de vontade pelo Estado do exercício do direito potestativo de aquisição do terreno por acessão, ocorrida em 5 de Março de 1998, cerca de dez anos depois da constituição do seu direito e ainda o que vai decorrer até ao pagamento da indemnização, não pode deixar de ser valorado economicamente.
Qual será, então, a medida da justa indemnização?
A pretendida pelos AA, correspondente ao valor da área de terreno ocupada e que em 2003 valia 877.108.750$00, não será certamente.
Na verdade, como bem salientou a sentença de 1.ª instância, tal valor tem de ser encontrado no âmbito do instituto da acessão que expressamente se refere ao valor que o prédio tinha antes de nele ser incorporada a obra, momento em que se afere a justa indemnização, correspondente ao valor do terreno à data da construção.
Assim sendo, "as duas vertentes da protecção constitucional do direito de propriedade (cfr. art.º 62 da CRP) - não privação arbitrária e direito à indemnização - estão garantidas no art.º 1340, n.º 1, do CC e são observadas, na medida em que o tribunal, chamado a verificar a licitude da aquisição por acessão industrial imobiliária, e porque a reconheceu judicialmente, condenou o beneficiário da acessão a indemnizar o anterior proprietário.
(...) Todavia, em certas situações tal pode representar um exercício manifestamente excessivo do direito, ultrapassando os limites do fim económico e social do direito (art.º 334, do CC)" (37) .
É o que ocorre no caso dos autos em que, tendo a incorporação ocorrido há cerca de dezasseis anos, o pagamento pelo Estado, apenas neste momento, do valor que o terreno tinha à data da construção, se reconduziria ao incumprimento do aludido preceito constitucional.
Para que o mesmo seja integralmente cumprido temos que equilibrar as prestações recíprocas.
Assim, afirmando-se supra que o Estado adquiriu o direito de propriedade, por acessão, aquando da incorporação, ocorrida em 1989, tudo se passa como se, desde então, estivesse em dívida para com os autores relativamente ao pagamento do valor da aquisição.
Por isso, se tem afirmado que esta obrigação de indemnizar é uma dívida de valor, imposta ao adquirente da parcela de terreno onde as obras se encontram incorporadas, donde resulta que, o montante a pagar por este deva corresponder ao referido valor da parcela, devidamente actualizado segundo os índices de inflacção (38) .
Assim se atingirá o equilíbrio entre a perda patrimonial sofrida pelos AA e a aquisição do direito de propriedade pelo réu sobre a parcela de terreno, tudo se passando como se uma e outra tivessem ocorrido em 1989, sendo o pagamento efectuado actualmente e, por isso, com a compensação legal da desvalorização monetária sofrida até ao momento do efectivo pagamento.
Nada há, pois, a alterar ao decido no acórdão a este propósito.
Pretendem os AA que os prejuízos sofridos pela ocupação do respectivo terreno e construção da Escola, devem ser objecto de indemnização.
Sem razão, porém.
Como supra se deixou afirmado, os autores não provaram que a ocupação do seu terreno pelo Estado tenha constituído um acto ilícito, o que, sem necessidade de ulteriores considerações, basta para o não preenchimento dos necessários pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito.
Não obstante, ainda se afirmará que, salvo o devido respeito, eventual indemnização a pedir pelos AA para ressarcimento dos factos referidos em q), s), mercê dos provados em p), z) a bb), hh) e ii), se provados todos os pressupostos respectivos - maxime a responsabilidade pela não emissão do alvará, que com estes factos nem sequer sabemos a quem é imputável -, deveria ter sido pedida pelos mesmos não ao Estado mas à Câmara Municipal de Sintra, única entidade competente para a emissão do alvará de loteamento pressuposto da cedência da parcela em questão.
Vejamos agora se a indemnização arbitrada aos AA pelo Tribunal da Relação, em consequência da servidão non aedificandi deve ou não manter-se, atento o recurso interposto pelo Estado nesta matéria.
Dir-se-á, desde já, que não assiste razão ao réu Estado no recurso interposto.
Efectivamente, apesar de o art.º 1340 não se referir a este tipo de compensação, o certo é que o mesmo está balizado pelas disposições constitucionais relativas à justa indemnização em caso de privação do direito de propriedade, assim se impondo que seja interpretado.
Ora, o caso dos autos tem a particularidade de julgar procedente a aquisição do direito de propriedade da parcela de terreno onde está implantada a escola secundária de Mira Sintra, construída pelo Estado.
Por normas de interesse e ordem pública, em consequência da construção da escola, existe uma zona non aedificandi, a qual diminui o valor dos terrenos que se situam à volta da Escola - alínea t) dos factos provados - impedindo o seu aproveitamento urbanístico - alínea s).
Não há agora que proceder a outro enquadramento deste facto, como pretende o Estado, porque tal contenderia com o domínio da fixação dos factos materiais da causa que não tem cabimento impugnar nesta sede.
Está provado que existe uma diminuição do valor dos terrenos e a mesma tem que ser indemnizada, uma vez que só assim se obtém a atribuição da justa indemnização devida pela perda patrimonial sofrida pelos autores.
Tudo à semelhança do que ocorreria se o Estado tivesse procedido à expropriação da parcela ora adquirida, já que, solução diversa importaria o indevido enriquecimento do réu à custa do correspondente empobrecimento dos AA.
Também é claro que este direito dos AA não prescreveu.
Tal direito só se constituiu porque o Estado exerceu, com sucesso, o seu direito potestativo à aquisição da propriedade, por acessão, não derivando do exercício de qualquer acto ilícito.
Pelas razões expostas, improcedem todas as questões colocadas nos recursos interpostos por AA e R.

VII - Nestes termos, acorda-se em negar provimento aos recursos interpostos por AA e R.
Custas pelos AA, estando o R. isento na parte em que se mostra vencido.

Lisboa, 6 de Julho de 2006
Ribeiro de Almeida
Nuno Cameira
Sousa leite
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(1) Anota-se que o facto de não ter sido efectuado o registo da reconvenção - como se impunha, nos termos dos art.ºs 3.º, n.º 1, al. a) do Código do Registo Predial, uma vez que estamos perante uma nova acção mediante a qual o réu formula o pedido de declaração de aquisição do direito de propriedade a seu favor, por acessão, importando uma modificação objectiva da instância -, que determinaria o não seguimento da acção após os articulados, por força do n.º 2 do mesmo preceito, não implica a nulidade da sentença proferida em acção que seguiu em violação de tal preceito legal, daí que se vão apreciar os fundamentos dos recursos interpostos - cfr. neste sentido, Ac. STJ, de 23.09.1997, revista n.º 151/97 - 2.ª secção.
(2) Doravante designado CPC.
(3) Pela ordem de apreciação que reputamos ser a mais lógica, já que a procedência de umas determinaria o prejuízo de apreciação das demais.
(4) Doravante designado CC.
(5) Na acção de reivindicação é correcto formular pedido reconvencional, para o caso de ser reconhecido o direito de propriedade de um terreno, no sentido de essa propriedade ser transmitida ao réu, através do mecanismo da acessão industrial imobiliária, previsto nos artigos 1333 e segs. do CC, porque o pedido formulado contra o autor emerge do mesmo facto jurídico que serve de fundamento à acção - cfr. Ac. STJ, de 12.11.1996, Revista n.º 235/96 - 1.ª secção.
(6) Cfr. Cons. Quirino Soares, no estudo sobre "Acessão e Benfeitorias", publicado na CJSTJ, ano IV, Tomo I - 1996, págs. 11 e segs., e Ac. STJ de 22.06.2005, revista n.º 1524/05, 7.ª secção.
(7) Cons. Quirino Soares, ob. cit., pág. 12, ali citando também Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. III, pág. 164.
(8) Neste sentido, Cons. Quirino Soares, ob. cit., pág. 19 e Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit. pág. 164.
(9) Não só o réu nunca o contestou, como a documentação dos autos é abundante a tal propósito.
(10) Neste sentido, Ac. STJ de 08.07.1997, revista n.º 71/97-1.ª Secção.
(11) Saliente-se que, apesar de tal facto ter sido expressamente alegado pelo R no artigo 66 da contestação, não foi quesitado na forma afirmativa. Porém, porque da conjugação dos demais factos vertidos na base instrutória é possível retirar a pertinente conclusão sobre a matéria, não se reputa essencial a quesitação do mesmo nos referidos termos.
(12) Neste sentido, Cons. Quirino Soares, ob. e loc. cit., pág. 20; Ac. STJ de 01.03.2001, revista n.º 294/01-6.ª secção; citado Ac. de 22.06.2005; Ac. STJ de 12.02.2004, revista n.º 4377/03-7.ª secção; Ac. STJ de 16.10.2003, revista 2516/03-7.ª secção; Ac. STJ de 13.12.2000, revista n.º 2991/00-2.ª secção.
(13) Assim, Cons. Quirino Soares, ob. e loc. cit.
(14) Diga-se, a propósito, que os autores nem sequer demonstraram ter recorrido, como podiam, ao recurso contencioso de plena jurisdição, previsto no DL 400/84, precisamente para que a sentença ou acórdão condenatórios tivessem a mesma eficácia do alvará, assim provando que a não verificação da condição não lhes era imputável e a emissão do alvará já não podia concretizar-se.
(15) Cfr. ponto 2 das respectivas conclusões.
(16) Neste sentido, estudo citado, pág. 20 e Ac. STJ de 16.10.2003, citado.
(17) Cons. Quirino Soares, ob. e loc. cit. pág. 23.
(18) Veja-se o raciocínio efectuado de fls. 566 a 568 dos autos.
(19) Cfr., neste sentido, Ac. STJ, de 04.02.2003, revista n.º 4704/02 - 1.ª secção, citando Ac. de 16.04.1998.
(20) BMJ, 249, pág. 489.
(21) Cfr. Acs. de 10.02.2000, revista n.º 1208/99 - 7.ª secção; de 14.02.2002, revista n.º 4402/01 - 7.ª secção e 17.02.2000, 1134/99 - 7.ª secção.
(22) Expressão impressiva usada pelo Cons. Quirino Soares no referido estudo, pág. 23.
(23) Autor, ob. e loc. cit.
(24) Este valor é efectivamente o provado, independentemente da apreciação que, a propósito os autores fazem, aplicando-se-lhes, quanto à matéria de facto, as considerações que bem tecem sobre as alegações do réu, porque inexiste fundamento legal para alteração da matéria de facto fixada.
(25) Sendo certo que tal construção durou cerca de um ano e, como tal, não tem grande relevo considerar aqui o valor actualizado do terreno à data da construção.
(26) O entendimento, com o qual concordamos, que impõe a exigência da verificação das limitações legais à criação de novos prédios, seja como divisão de um prédio rústico em vários, seja como formação de um ou mais prédios urbanos, tem sido sufragado em diversos arestos destes STJ, a saber: voto de vencido no Ac. de 17.02.2000, revista n.º 1134 - 7.ª secção; Ac. de 04.02.2003, revista n.º 4704/02 - 1.ª secção; Ac. de 30.05.2003, revista n.º 988/03 - 1.ª secção; Ac. de 22.06.2005, revista n.º 1524/05 - 7.ª secção; Ac. de 03.04.2003, revista n.º 663/03 - 6.ª secção, e ainda no citado estudo do Cons. Quirino Soares, pág. 24.
(27) Saliente-se que, neste aspecto, não se trata de sanção decorrente de regime novo, já que sanção idêntica fora instituída pelo art.º 27, n.º 2 do DL 289/73, de 06.06.1973, revisto pelo DL 400/84, tendo sido mantida nos regimes posteriormente estabelecidos pelos DL 448/91, de 29 de Novembro, que entrou em vigor em 28.03.1992, posteriormente revogado pelo DL 555/99, de 16 de Dezembro, que entrou em vigor em 14.04.2000, tendo sido suspensa a sua aplicação, a partir de 21.07.2000, suspensão que veio a ser prorrogada até 02.10.2001, data da entrada em vigor do DL 177/2001, de 04 de Janeiro, que deu nova redacção ao DL 555/99, republicando-o.
(28) Ver neste mesmo sentido, o Ac. STJ, de 10.02.2000, revista n.º 1208/99.
(29) Cfr. neste sentido, Ac. STJ de 15.01.2004, revista n.º 3611/03 - 2.ª secção.
(30) Salienta-se assim a contradição (?) da pretensão dos autores que, por um lado, afirmam a ilegalidade da construção da escola e, por outro lado, aceitam - fundamento da ampliação do pedido - que a restituição em espécie do respectivo terreno não é possível.
(31) Cons. Quirino Soares, ob. e loc. cit., pág. 20 e Ac. STJ, de 04.02.2003, revista n.º 4704/02 - 1.ª secção.
(32) Ob. e loc. cit., pág. 21.
(33) Pode ver-se um desenvolvimento das posições e autores que sufragam uma e outra, no estudo citado, págs. 21 e 22.
(34) Ac. STJ, de 03.05.2000, revista n.º 273/00 - 6.ª secção, Ac. STJ, de 04.02.2003, revista n.º 4704/02 - 1.ª secção e Ac. STJ, de 22.06.2005, revista n.º 1524/05 - 7.ª secção.
(35) No mesmo sentido, Estudo citado, pág. 24; Ac. STJ, de 04.02.2003, revista n.º 4704/02, citando Ac. STJ, de 12.12.2002, revista 3568/02-7 e o parecer, nele citado, do Conselho Técnico dos Registos e Notariado, in Boletim dos Registos e Notariado, Julho, 7/2000, a fls. 74 e segs.; Ac. STJ, de 10.02.2000, revista 1208/99; Ac. STJ, de 01.07.2003, revista n.º 2064/03 - 1.ª secção e Ac. STJ de 22.06.2005, revista n.º 1524/05 - 7.ª secção. Assim entendeu também o Tribunal Constitucional, quando no Acórdão n.º 205/2000, de 4 de Abril de 2000, disponível in www.tribunalconstitucional.pt, pronunciando-se sobre a invocada inconstitucionalidade da norma constante do n.º 1 do art.º 1340 do CC, por prever como valor relevante para o cálculo da indemnização o que o terreno tinha ao tempo da incorporação e não o "valor justo e actual", conclui que: "operando a aquisição por acessão desde o momento da incorporação (cfr. a alínea d) do artigo 1317.º do Código Civil, preceito não impugnado pelos recorrentes), não se pode considerar lesiva desse direito uma norma que garante a neutralidade patrimonial, quer do ponto de vista do proprietário anterior, quer do ponto de vista do adquirente, no momento em que a perda e a aquisição ocorrem. A consideração de qualquer momento posterior introduziria, ela sim, um factor arbitrário no cálculo do valor da indemnização, com consequências, aliás, que poderiam redundar em desfavor do titular do direito sacrificado".
(36) Este é o facto provado, irrelevando as considerações a propósito efectuadas pelos AA, aos quais se remete para a conclusão 1.ª das suas contra-alegações de recurso, que aqui lhes é mutatis mutandis aplicável.
(37) Ac. STJ, de 01.07.2003, revista n.º 2064/03 - 1.ª secção.
(38) Neste sentido, Estudo e Acórdãos citados na nota 35 e ainda Acórdão STJ, de 23.03.2000, revista n.º 116/00.