Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO | ||
Relator: | BERNARDO DOMINGOS | ||
Descritores: | ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA SUBSIDIARIEDADE PRESTAÇÃO DE CONTAS ÓNUS DA PROVA MATÉRIA DE FACTO FACTO CONSTITUTIVO FACTO IMPEDITIVO FACTO EXTINTIVO FACTO MODIFICATIVO | ||
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Data do Acordão: | 03/25/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
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Sumário : | I - O princípio do ónus da prova e as regras da sua distribuição não interferem na atividade de apreciação crítica da prova nem correspondem a critério de decisão de facto; antes correspondem a questão e a critério de decisão de direito, inerente ou inseparável da previsão ou dos elementos integrantes da norma jurídica a aplicar para resolução da lide, e em função da pretensão e da posição das partes na relação material dela objeto. II - No âmbito de uma ação de condenação ou de uma ação constitutiva incumbe ao autor a alegação e a prova do facto constitutivo da situação jurídica alegada; só perante esta prova se devolve à outra parte a prova do facto impeditivo, modificativo ou extintivo daquela. Se o autor não prova o facto constitutivo, a ação é julgada improcedente segundo o princípio actore non probante reus absolvitur, mesmo que o réu não prove qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito que invoca. III – O instituto do enriquecimento sem causa é absolutamente subsidiário, ou seja, o empobrecido só pode recorrer à acção de enriquecimento à custa de outrem, quando não tenha outro meio para cobrir os seus alegados prejuízo. IV - Invocando-se o instituto do enriquecimento sem causa é sobre os AA. que recai o ónus de alegação e prova dos elementos constitutivos desse mesmo enriquecimento designadamente o alegado não pagamento, pelas demandadas, de contrapartida pecuniária para retribuição do gozo do imóvel. | ||
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Decisão Texto Integral: | Relatório[1]
«AA, BB, CC instauraram a presente acção de condenação sob a forma de processo comum contra Rodogeste - Gestão de Postos Rodoviários, Lda. (doravante Rodogeste), Portal Point - Comércio e Representações de Vestuário, Lda. (doravante Portal), Ostinato - Produções Musicais, Lda. (doravante Ostinato), Total Apoteose - Unipessoal, Lda. (doravante Apoteose) e DD, deduzindo os seguintes pedidos: i) Condenação da ré Rodogeste a pagar às autoras a quantia de € 1.483,50 (correspondente à contrapartida apurada nos termos do art. 31.° da pi pelo gozo da "Loja de Benfica" durante o ano de 2002), acrescida dos juros moratórios vencidos até 26.03.2016 e calculados à taxa legal supletiva sobre o referido valor, no montante de € 861, e dos juros moratórios vincendos à taxa legal supletiva desde o dia 27.03.2016, até integral pagamento. ii) Condenação da ré Portal a pagar às autoras a quantia de € 2.791,03 (correspondente à contrapartida apurada nos termos do art. 34.° da pi pelo gozo da "Loja de Benfica" durante o ano de 2006), acrescida dos juros moratórios vencidos até 26.03.2016 e calculados à taxa legal supletiva sobre o referido valor, no montante de € 1.090,45, e dos juros moratórios vincendos à taxa legal supletiva desde o dia 27.03.2016 até integral pagamento. iii) Condenação da ré Ostinato a pagar às autoras a quantia de € 1.943,59 (correspondente à contrapartida apurada nos termos dos artigos 37.° e 40.° da pi pelo gozo da "Loja de Benfica" durante os anos de 2008 e 2010), acrescida dos juros moratórios vencidos até 26.03.2016 e calculados à taxa legal supletiva sobre o referido valor, no montante de € 522,83, e dos juros moratórios vincendos à taxa legal supletiva desde o dia 27.03.2016 até integral pagamento. iv) Condenação das rés Ostinato e Apoteose a pagar às autoras a quantia de € 26.131,14 (correspondente à contrapartida apurada nos termos dos artigos 43.°, 45.° e 46.° da pi pelo gozo da "Loja de Benfica" durante os anos de 2011, 2012 e 2013), acrescida dos juros moratórios vencidos até 26.03.2016 e calculados à taxa supletiva sobre o referido valor, no montante de € 3.827,15, e dos juros moratórios vincendos à taxa legal supletiva desde o dia 27.03.2016 até integral pagamento. v) Caso se venha a apurar que o valor da contrapartida pecuniária não paga pelas l.ª, 2ª, 3.ª e 4.ª rés por conta do gozo da "Loja de Benfica" é diferente do que peticiona nas alíneas precedentes, a condenação das mesmas rés na quantia correspondente a metade do valor da contrapartida pecuniária que efetivamente se encontrar em dívida. vi) Caso se venha a apurar que as l.ª, 2.ª, 3.ª e 4.ª rés pagaram ao réu DD valor superior ao apurado nos termos dos artigos 18.°, 19.°, 20.°, 21.° e 22.° da petição inicial, deverá ainda condenar-se este réu a pagar às autoras metade do valor que exceder a soma dos valores referidos nos artigos 18.°, 19.°, 20.°, 21.° e 22.°, acrescido dos juros vencidos e vincendos, à taxa legal supletiva, desde o respetivo recebimento pelo réu DD até integral pagamento por este às autoras. Em síntese, fundamentam os pedidos alegando que até ao dia 06.09.2013 as autoras, que sucederam a EE, e o réu DD e a irmã deste, FF, que sucederam a GG, foram comproprietários, na proporção de metade, do direito de propriedade sobre três frações urbanas que foram sempre objeto de arrendamentos com vista à repartição das rendas pelos comproprietários, que após a morte do seu pai a administração dos referidos imóveis passou a ser feita pelo pai do réu DD e, a partir de 1997, passou a ser assumida nos mesmos moldes pelo réu DD, sem qualquer participação das autoras, que se limitavam a receber as rendas, desconhecendo os contratos que eram celebrados, com exceção do contrato de arrendamento celebrado com Gold Adonai- Unipessoal, Lda, que foi por elas subscrito em 17.11.2006, tendo por objeto a fração que designam de ‘Loja de Benfica’, tendo conhecimento das locatárias e dos pagamentos por elas realizados apenas perante os descritivos das transferências que o réu DD lhes efetuou para distribuição do valor de rendas pagas pelos ocupantes da “Loja de Benfica”, e que lhes permite aferir que no período compreendido entre 2002 e 2006, o gozo da “Loja de Benfica” terá sido exercido pelas rés Rodogeste e Portal, e entre 2006 e 2013 pelas rés Ostinato e Total. Para além dos pagamentos de rendas realizados em meses dos anos de 2002, 2006, 2008, 2010 e até agosto de 2011, que as autoras concretizam, mais alegam que não receberam qualquer outra transferência de valores por parte do réu DD, pelo que é legítimo deduzir que as demais rés não procederam ao pagamento de qualquer contrapartida pecuniária por conta do gozo da “Loja de Benfica” no período correspondente aos meses de Agosto de 2011 a Setembro de 2013, tendo nesta data cessado a supra descrita situação de compropriedade sem que tenha sido realizada qualquer prestação de contas relativamente à administração da compropriedade no período em que foi realizada por GG e, posteriormente, pelo réu DD, desconhecendo por isso as apelantes os concretos termos dos contratos de arrendamento celebrados, os concretos períodos em que cada uma das rés sociedades exerceram o gozo da “Loja de Benfica”, e os valores das contrapartidas pecuniárias que, nos termos dos acordos celebrados entre cada uma delas e o réu, deveria ser pago como contrapartida pelo gozo da “Loja de Benfica”. Por recurso aos descritivos das transferências que lhes foram remetidos pelo réu DD deduzem que a compensação devida pagar pela ré Rodogeste fosse de € 2.000,00 mensais, pelo que no confronto com aqueles estimam diferencial em falta pagar relativamente ao ano de 2006 no montante de € 2.927,32, que a renda devida pagar pela ré Portal durante o ano de 2006 fosse de € 1.824,66 relativamente aos meses de Janeiro a Abril e € 1.863,00 relativamente aos meses de Maio a Dezembro, pelo que estimam diferencial em falta pagar no montante de € 5.582,06, que a renda devida pagar pela ré Ostinato seria de € 1.930,00 relativamente ao mês de Janeiro e de € 1.916,75 relativamente aos meses de Fevereiro a Dezembro, pelo que estimam diferencial a pagar no montante de € 1.903,14, que a renda devida pagar pela ré Ostinato durante o ano de 2010 fosse de € 1.970,42, pelo que estimam diferencial a pagar no montante de € 1.970,42, que a renda devida pagar pelas rés Ostinato e Total durante o ano de 2011 fosse de € 1.970,42 para o mês de Janeiro e de € 1.935,64 para os meses de Fevereiro a Dezembro, pelo que estimam diferencial em falta pagar no montante de € 11.613,81, que, presumindo que a renda devida pagar pelas rés Ostinato e Total fosse de €1.935,64, na ausência de referência de que tenham sido efetuados quaisquer pagamentos no período compreendido entre setembro de 2011 e setembro de 2013, estimam em falta pagar os montantes de € 23.227,68 até dezembro de 2012, e de € 17.420,76 de janeiro a setembro de 2013, tudo num total de € 64.637,41, do qual às autoras assiste metade. Mais alegam que se impõe apurar se a título de contrapartida pelo gozo da Loja de Benfica, as rés sociedades pagaram ao réu DD outros valores para além dos que discriminam, posto que este nunca lhes prestou informação. Em sede de alegação de direito invocam a nulidade dos contratos de arrendamento celebrados pelo réu DD com fundamento na inobservância da forma legal prescrita e na ausência do assentimento escrito das autoras à celebração dos mesmos, e o instituto do enriquecimento sem causa como fundamento legal para o pedido de condenação das rés sociedades no pagamento das rendas que estimam permanecerem em dívida, direito que não se encontra prescrito porque o réu DD não prestou contas da administração por si realizada nem nenhuma informação lhes foi prestada pelas rés sociedades sobre os acordos que com aquele celebraram tendo por objeto o gozo da Loja de Benfica’. Deduziram contestação: i) O réu DD, por exceção invocando a sua ilegitimidade para a ação e a incompetência territorial do tribunal ... por ser competente o tribunal da situação do imóvel objeto de arrendamento, e por impugnação alegando que nunca teve nada a ver com a ‘Loja de Benfica’, cuja gestão e distribuição de rendas era feita pelas autoras. Pugnou pela sua absolvição do pedido e pela condenação das autoras como litigantes de má-fé por alterarem a verdade dos factos e deduzirem pretensão a que sabem não ter direito. ii) A ré Ostinato, por exceção invocando a prescrição das rendas alegando que foi arrendatária da Loja de Benfica entre julho de 2008 a março de 2011 e que desde 2008 que as autoras sabiam que ela era arrendatária daquele espaço. Por impugnação, alegando que celebrou contrato de subarrendamento com a Gold Adonai - Unipessoal, Lda e, em momento posterior, negociou com as autoras e FF e que, apesar de nunca ter assinado o contrato de arrendamento que por estas lhe foi remetido, a partir de julho de 2008 passou a fazer o pagamento das rendas através de depósito em conta titulada pela primeira autora e por FF, procedendo ao pagamento das rendas que eram devidas diretamente às autoras e a FF, das quais emitiram os correspetivos recibos, aceitando assim a existência do contrato de arrendamento. Invoca abuso de direito das autoras com fundamento em venire contra factum proprium, e pugnou pela absolvição da instância ou do pedido e condenação daquelas como litigantes de má-fé. iii) A ré Total, por exceção invocando a prescrição das rendas alegando que foi arrendatária da Loja de Benfica desde abril de 2011 e que desde então as autoras sabem que ela era arrendatária daquele espaço, e mais invocou o não pagamento de algumas rendas por acordo com o locador, para que a ré procedesse a alguma obras urgentes e necessárias na Loja de Benfica Por impugnação reiterando que o contrato de arrendamento e as vicissitudes ao mesmo atinentes eram do conhecimento das autoras, que aceitaram assim a existência do contrato de arrendamento. Invoca abuso de direito das autoras com fundamento em venire contra factum proprium, e pugnou pela absolvição da instância ou do pedido e condenação daquelas como litigantes de má-fé. iv) Gespost - Gestão e Administração de Postos de Abastecimento, Lda (doravante Gespost), que justificou a respetiva intervenção e legitimidade invocando que incorporou a ré Rodogeste por fusão através de escritura publica de 28.11.2005, contestou por exceção invocando a prescrição das rendas que fossem devidas e dos correspetivos juros e, ainda por exceção, invocando a violação do princípio da subsidiariedade do instituto do enriquecimento sem causa alegando que, de acordo com o alegado pelas autores, o direito a que se arrogam assenta no dever de prestação de contas por quem deva prestá-las. Mais contestou por impugnação alegando que em maio de 1995 as autoras e FF assinaram contrato promessa de arrendamento da loja em questão com a Companhia Portuguesa de Lojas de Conveniência, SA, que foi depois incorporada pela Rodogeste, que foi por aquelas autorizada a ocupar a usar a loja a partir do dia 01.06.1995, tendo pago todas as rendas no montante convencionado, relativamente às quais procedeu à retenção legal devida para efeitos de IRS, e o que cumpriu até à denuncia do contrato pela inquilina em março de 2002, tendo deixado de ser inquilina em 01.06.2002. Pugnou pela procedência das exceções ou, se assim não for entendido, pela sua absolvição do pedido. As autoras responderam às invocadas exceções de prescrição e da violação do princípio da subsidiariedade do instituto do enriquecimento sem causa, pugnando pela sua improcedência. Foi julgada procedente a exceção da incompetência territorial e, remetidos os autos ao Juízo Local Cível..., realizada tentativa de conciliação. Gorada, foi proferida sentença que, concluindo pela verificação da exceção dilatória de nulidade do processo com fundamento em erro insanável na forma de processo, absolveu os réus da instância, decisão que foi revogada por acórdão desta Relação proferido em 15.02.2018. Prosseguindo os autos, foi julgada improcedente a exceção da ilegitimidade passiva invocada pelo réu DD, e proferido despacho a fixar o objeto do litígio e os temas da prova. Realizada audiência de julgamento foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente, por não provada, e em consequência, absolveu os réus dos pedidos deduzidos». Inconformadas as autoras apelaram da referida decisão absolutória, tendo o Tribunal da Relação, julgado improcedente a apelação e confirmado a sentença ainda que com fundamentos não coincidentes. * Mais uma vez inconformadas vieram interpor recurso de revista, tendo rematado as suas alegações com as seguintes Conclusões «1.ª Embora mantendo a decisão de improcedência da presente acção, o d. Acórdão recorrido fá-lo com base em fundamento substancialmente diferente do fundamento da d. Sentença proferida em 1.ª instância, deslocando, segundo o entendimento que consideramos o correcto, o enquadramento jurídico da questão decidenda do regime do contrato de arrendamento para o regime do enriquecimento sem causa. 2.ª O d. Acórdão recorrido manteve a decisão de julgar improcedente a presente acção com base, essencialmente, em três fundamentos: (i) incumprimento do ónus de alegação dos factos constitutivos do direito peticionado pelas Autoras; (ii) incumprimento, pelas Autoras, do ónus da prova do não pagamento, pelas 1.ª a 4.ª Rés, da compensação pecuniária devida pela ocupação da fracção autónoma designada como “L...” e (iii) não verificação, relativamente à ocupação que as 1.ª a 4.ª Rés exerceram da fracção autónoma designada como “L...”, dos pressupostos do enriquecimento sem causa. 3.ª Em conformidade, as Autoras alegaram, na petição inicial, os seguintes factos constitutivos do seu direito: (a) as 1.ª a 4.ª Rés ocuparam a fracção autónoma designada como “Loja do Benfica” (artigos 10.º e ll.º da petição inicial); (b) no período compreendido entre 2002 e 2006 a fracção autónoma designada como “Loja do Benfica” foi ocupada pelas 1.ª e 2.ª Rés (art. 12.º da petição inicial); (c) no período compreendido entre 2006 e 2013 a fracção autónoma designada como “Loja do Benfica” foi também ocupada pelas 3.ª e 4.ª Rés (art. 12.º da petição inicial); (d) apesar de, nos referidos períodos, as Autoras também serem comproprietárias da “Loja do Benfica”, não celebraram com as 1.ª a 4.ª Rés qualquer acordo ou contrato por via do qual ficassem estas legitimadas a ocupar aquela mesma loja (artigos 13.º, 14.º e 15.º da petição inicial); (e) nos artigos 18.º a 22.º, 29.º, 32.º e, 35.º, 38.º e 41.º da petição inicial as Autoras alegaram os pagamentos efectuados pelas 1.ª a 4.ª Rés, por conta da ocupação da “L...”, nos anos de 2002, 2006, 2008, 2010 e 2011; (f) nos artigos 31.º, 34.º, 37.º, 40.º, 43.º a 46.º e 49.º da petição inicial as Autoras alegaram o montante dos pagamentos que não foram efectuados pelas Rés por conta da ocupação da “Loja do Benfica”. Por conseguinte, 4.ª Com a alegação dos factos elencados nas alíneas a) a 1) do n.º 12 supra, as Autoras e ora Recorrentes alegaram todos os factos essenciais dos quais emerge o direito que pretendem fazer valer por meio da presente acção, tendo dado pleno cumprimento à exigência prevista no n.º 1 do art. 5.º na alínea d) do n.º1 do art. 552.º, todos do CPC; pelo que, ao considerar que as Autoras não alegaram suficientemente os factos constitutivos do direito que pretendem efectivar por meio da presente acção, incorre o d. Acórdão recorrido em violação daquelas mesmas normas do n.º 1 do art. 5.e e da alínea d) do n.º1 do art. 552.º, todos do CPC. 5.ª A presente acção tem por objecto a efectivação do direito que as Autoras têm de ser compensadas pecuniariamente pelas Rés por conta da utilização que estas efectuaram da “Loja do Benfica”; pelo que, como salienta LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA (in Acções Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas, 1.ª edição, Coimbra Editora, 2011, pp. 155 e 156), «(…) incumbe ao autor o ónus de alegação do incumprimento, mas não o ónus da prova do incumprimento». 6.ª Segundo o entendimento firmado no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 23.5.2019, proferido no processo n.º 2878/18.2T8VNF.G1 (in www.dgsi.pt): Nas ações de despejo com fundamento no não pagamento de rendas, incumbe ao senhorio o ónus da alegação e da prova dos factos integrativos da constituição da dívida dos demandados (arrendatários) perante si (ou seja, dos factos consubstanciadores do contrato de arrendamento e respetivas cláusulas) e, bem assim, o ónus da alegação das rendas vencidas e não pagas pelos demandados com fundamento no que pretende obter a resolução do contrato de arrendamento, incumbindo, por sua vez, ao arrendatário/demandado o ónus da alegação e da prova do pagamento dessas rendas. 7.ª Entendimento aquele que foi reafirmado pelo STJ em Acórdão de 22.3.2018, proferido no processo n.º 67525/14.6YIPRT.L1.S1 (in www.dgsi.pt), segundo o qual «Em matéria de cumprimento do ónus da prova num contrato de arrendamento, a regra é no sentido de que o credor tem de provar a celebração do contrato e, consequentemente, as obrigações dele decorrentes, nos termos do art. 342.º, n.º 1, do CC. Por sua vez, o cumprimento da respectiva obrigação, designadamente o pagamento da renda convencionada, como facto extintivo do direito de crédito 2 Não impendendo já sobre o senhorio/credor a prova das rendas vencidas e não pagas invocado, incumbe ao devedor, nos termos do art. 342.º, n.º 2, do CC, tanto mais que, em direito, o pagamento não se presume a não ser em casos expressamente previstos na lei (cfr. art. 786.º do CC)» - cf. os pontos I e II do respectivo sumário. 8.ª E, mesmo se é certo que os arestos citados nos n.ºs 16 a 18 supra (conclusões 6.ª e 7.ª) se pronunciam sobre o ónus da prova do cumprimento da obrigação do pagamento de renda no âmbito de contrato de arrendamento válida e eficazmente celebrado, não menos certo é que tal entendimento não pode deixar de valer para a prova do cumprimento de qualquer obrigação pecuniária, independentemente de qual seja a sua fonte. Com efeito, 9.ª Se, para além da prova da existência e do vencimento da obrigação, se pretendesse impor ao credor o ónus da prova do incumprimento daquela mesma obrigação, sempre estaríamos perante prova de facto negativo (ou seja, a prova de que o devedor não cumpriu a obrigação pecuniária a que se encontra adstrito), pelo que não poderia aquele mesmo ónus deixar de inverter-se ex vi do disposto no n.º 1 do art. 343.º do CC. Além do que, 10.ª A imposição, ao credor, do ónus de provar o incumprimento de obrigação pecuniária implicaria a sua oneração com uma prova que, muito para além de uma “prova diabólica”, configura mesmo uma prova objectivamente impossível, com manifesta violação do direito à prova consagrado no art. 20.º, n.º 1 da nossa Lei Fundamental. 11.ª Tendo as Autoras alegado, na petição inicial, que as 1.ª a 4.ª Rés utilizaram a fracção designada como “Loja do Benfica” no período compreendido entre 2002 e 2013, não só as mesmas Rés não impugnam tal alegação, como, inclusivamente, a confirmam nas sua contestações, pelo que manifestamente se encontra provado o gozo da “Loja do Benfica pelo qual as Autoras pretendem ser compensadas (cf. também os factos elencados sob os n.ºs 12, 16, 17, 18, 19 e 20 da matéria de facto considerada provada na fundamentação da d. Sentença proferida em 1.ª instância e que foram mantidos pelo d. Acórdão recorrido). 12.ª Tendo as Autoras alegado, nos artigos 31.º, 34.º, 37.º, 40.º, 43.º a 46.º e 49.º da petição inicial, o montante dos pagamentos que não foram efectuados pelas 1.ª a 4.ª Rés por conta da ocupação da “Loja do Benfica”, não foi cumprido, pelas mesmas Rés, o ónus da prova do pagamento das quantis reclamadas pelas Autoras, pelo que enferma o d. Acórdão ora Recorrido de violação das normas dos n.ºs 1 e 2 do art. 342.º do Código Civil, já que, segundo correcta interpretação e aplicação daquelas normas, as Autoras alegaram os factos essenciais constitutivos do seu direito e alegaram as quantias que não foram pagas pelas 1.ª a 4.ª Rés, não tendo estas cumprido o ónus da prova do pagamento, ou de qualquer outro facto extintivo da obrigação pecuniária cujo incumprimento foi suficientemente alegado pela Autoras. 13.ª Como se afirmou no Acórdão do STJ de 2/7/2009, proferido no processo n.º 123/07.5TJVNF.S1 (in www.dgsi.pt), «Nada obsta que, em princípio, gorada a acção com base no mútuo nulo por falta de forma, venha o mesmo autor, agora com fundamento no enriquecimento indevido, pedir ao mesmo réu o reembolso da mesma quantia» (cf. o ponto 1 do respectivo sumário). Salientando-se também, no mesmo aresto, que «O instituto do enriquecimento sem causa surge-nos como fonte autónoma das obrigações, sendo certo que, de acordo com o princípio da subsidiariedade, o empobrecido só pode recorrer à acção de enriquecimento à custa de outrem, quando não tenha outro meio para cobrir os seus alegados prejuízos» (cf. o ponto 2 do respectivo sumário). 14.ª Afirmando-se, por outro lado, no Acórdão do STJ de 24/6/2004, proferido no processo n.º 7809/02 (in www.dgsi.pt) que «O enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem, em princípio de carácter patrimonial, qualquer que seja a forma que a mesma apresente: aumento do activo do património; diminuição do passivo; uso ou consumo de coisa alheia ou exercício de direito alheio» (cf. o ponto II do respectivo sumário). 15.ª Sendo que, como o próprio d. Acórdão recorrido faz questão de salientar, «o enriquecimento sem causa consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial à custa, em regra mas não necessariamente, do empobrecimento de outrem e sem causa justificativa para a deslocação patrimonial», pelo que é manifesta a verificação, in casu, dos pressupostos do enriquecimento sem causa relativamente ao direito peticionado pelas Autoras, porquanto resultam, dos factos elencados sob os n.ºs 1 a 20 da matéria de facto considerada provada na fundamentação da d. Sentença proferida em 1.ª instância (e que foram mantidos pelo d. Acórdão recorrido), as seguintes circunstâncias: (a) as Autoras foram comproprietárias da denominada “Loja do Benfica” até ao dia 6 de Setembro de 2013 (cf. os factos elencados sob os n.es 1, 2, 3 e 22 da matéria de facto considerada provada na fundamentação da d. Sentença proferida na 1.ª instância e que foram mantidos pelo d. Acórdão recorrido); (b) a denominada “Loja do Benfica” foi, durante o período compreendido entre 2002 e o dia 6 de Setembro de 2013, ocupada pelas 1.ª, 2.ª, 3.ª e 4.ª Rés (cf. os factos elencados sob os n.ºs 12, 16, 17, 18, 19 e 20 da matéria de facto considerada provada na fundamentação da d. Sentença proferida na 1.ª instância e que foram mantidos pelo d. Acórdão recorrido) e (c) as Autoras não receberam, relativamente à totalidade do período em que as l.ª, 2.ª, 3.ª e 4.ª Rés ocuparam a denominada “Loja do Benfica”, a parte que cabia àquelas na contrapartida pecuniária devida por aquela mesma ocupação (cf. o facto elencado sob o n.º 21 da matéria de facto considerada provada pela Sentença proferida na 1.ª instância e que foram mantidos pelo d. Acórdão recorrido). 16.ª Assim, o gozo, por parte das 1.ª, 2.ª, 3.ª e 4.ª Rés, da denominada “Loja do Benfica” e a afectação deste bem à actividade comercial daquelas consubstancia um benefício com manifesta expressão económica, pelo que, aquele gozo e aquela afectação da “Loja do Benfica” à actividade comercial das l.ª, 2.ª, 3.ª e 4.ª Rés sem o pagamento da devida contrapartida às Autoras importa um manifesto locupletamento daquelas mesmas Rés à custa das Autoras e um correspectivo empobrecimento destas, já que, para além de não poderem utilizar em proveito próprio a loja em questão, também não a puderam rentabilizar de outro modo. Não obstante, 17.ª Não podem as Autoras, com vista a efectivar o seu direito a receber uma contrapartida pecuniária da utilização da denominada “Loja do Benfica” pelas l., 2.ª, 3.ª e 4.ª Rés, lançar mão de uma acção condenatória com base em incumprimento contratual, já que, como se reconhece no d. Acórdão recorrido (cf. os excertos da fundamentação transcritos nas alíneas v) e vi) do n.º 10.º supra) referiu supra, não existe qualquer contrato celebrado entre aquelas mesmas Rés e as Autoras, nem relativamente a estas podem produzir efeitos quaisquer acordos celebrados entre o 5.º Réu e as 1.ª, 2.ª, 3.ª e 4.ª Rés. 18.ª Por outro lado, não podem as Autoras, com vista a efectivar o seu direito a receber uma contrapartida pecuniária da utilização da denominada “Loja do Benfica” pelas 1.ª, 2.ª, 3.ª e 4.ª Rés, lançar mão de uma acção condenatória com base em responsabilidade civil extracontratual, já que não se verificam, relativamente àquela mesma utilização, os pressupostos do art. 483.º do CC, como também foi reconhecido pelo d. Acórdão ora recorrido. 19.ª Assim como não podem ainda as Autoras, com vista à efectivação daquele mesmo direito, lançar mão de uma acção condenatória com base em qualquer uma das fontes das obrigações previstas nos artigos 457.º (negócios unilaterais) e 464.º (gestão de negócios), já que, manifestamente, também não se verificam, relativamente à causa do direito peticionado pelas Autoras, os elementos típicos daquelas referidas fontes das obrigações. 20.ª Por conseguinte, o instituto do enriquecimento sem causa constitui o único mecanismo legal de que as Autoras podem lançar mão para fundamentar o seu direito a receber uma contrapartida pecuniária da utilização da denominada “Loja do Benfica” pelas l.ª, 2.ª, 3.ª e 4.ª Rés, e, desse modo, serem ressarcidas do prejuízo por si sofrido em consequência do locupletamento obtido por aquelas Rés com aquela mesma utilização. Termos em que, por ser admissível, por ser tempestivo e por ser legítimo, deve o presente recurso ser admitido e julgado integralmente procedente, revogando-se o d. Acórdão recorrido mediante a prolação de d. Acórdão que julgue integralmente procedente a presente acção». * Responderam os RR. Gespost e DD, pedindo a improcedência da revista. * Na perspectiva da delimitação pelo recorrente[2], os recursos têm como âmbito as questões suscitadas nas conclusões das alegações (art.ºs 635º nº 4 e 639º do novo Cód. Proc. Civil)[3], salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 608º do novo Cód. Proc. Civil ). No caso sub judicio o objecto da revista consiste em saber se ocorre violação do direito probatório material, designadamente no tocante à repartição do ónus da prova no caso de pedido fundado no enriquecimento sem causa. * ** Dos Factos
Mostra-se consolidada a seguinte factualidade[4] : « Factos provados Para a boa decisão da causa, mostram-se provados os seguintes factos: 1) Até ao dia 6 de Setembro de 2013, as AA., conjuntamente FF (irmã do 5. ° R.), foram contitulares do direito de propriedade sobre os seguintes imóveis: a) Fracção autónoma identificada pela letra “…", correspondente à loja sita no prédio urbano n.° …, da Rua …, freguesia de …, concelho de …, constituído em propriedade horizontal e descrito na … Conservatória do Registo Predial de … sob o n.° …53, do Livro …, a fls. 117 verso e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo …, a que doravante se fará referência sob a designação de "L.... E também com o 5º R. das fracções: b) Fracção Autónoma designada pela letra “…", correspondente à loja do … do prédio urbano sito na Av. dos …., n. °s … a …, freguesia de …, concelho de ..., descrita na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.° …04 e inscrita na matriz predial urbana da união das freguesias de …., …. e …. - … sob o artigo …; c) Fracção Autónoma designada pela letra “…", correspondente à loja do … do prédio urbano sito na Av. dos …., n. °s … a …, freguesia de …, concelho de ..., descrita na … Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º …04 e inscrita na matriz predial urbana da união das freguesias de …, …. e …. - …. sob o artigo …. 2) Contitularidade aquela que tinha como causa a comunhão hereditária resultante do óbito, em 13 de Agosto de 1991, de EE, a quem sucederam a l.ª A. enquanto cônjuge e as 2.ª e 3.ª AA. enquanto filhas, sendo que, antes da abertura daquela sucessão hereditária, os imóveis descritos em 1) encontravam-se sob o regime da compropriedade, no âmbito da qual o referido EE era titular de uma quota de 50%, sendo a outra quota, igualmente de 50%, pela supra referida FF. 3. Enquanto se encontraram sob o regime da compropriedade, os imóveis identificados em 1) foram destinados à sua rentabilização económica por meio do respectivo arrendamento, com vista à repartição das rendas pelos comproprietários. 4. Após o falecimento de EE (marido da l.ª A. e pai das 2. ª e 3. ª AA.), a compropriedade referida no art. 2. ° supra passou a ser administrada por GG (pai do 5.° R. e de FF), o qual tratava pessoalmente de todas as questões relacionadas com a celebração e a execução dos contratos de arrendamento, como sejam o recebimento das rendas e a sua posterior repartição entre os comproprietários. 5. Administração aquela que, a partir do ano de 1997, passou a ser assumida pelo 5. ° R., o qual, à semelhança do que fazia seu pai GG, assumiu a negociação e celebração dos contratos de arrendamento, sendo também o mesmo 5. ° R. quem passou a receber as rendas que eram pagas pelos inquilinos. 6. Tanto no período em que a compropriedade era administrada por GG, como no período em que a administração foi assumida pelo 5. ° R., nunca as AA. participaram na administração da compropriedade nem tiveram qualquer envolvimento com o modo como eram celebrados os contratos de arrendamento, nem com a execução dos mesmos contratos, nem ainda com o processamento das rendas pagas pelos inquilinos. 7. As AA. nem sequer dispunham de uma informação concreta sobre quem se encontrava efectivamente a ocupar as fracções identificadas em 1), limitando-se a receber os valores que lhes eram entregues pelo 5.° R.. 8. No que concerne à "Loja do Benfica", as AA. apenas subscreveram, em 17 de Novembro de 2006, um contrato de arrendamento celebrado com a sociedade Gold Adonai - Unipessoal, Lda., pessoa colectiva n. ° 507 530 160. 9. Em data que as AA. desconhecem, cessou o contrato de arrendamento referido no art. 8. ° supra, tendo a sociedade Gold Adonai - Unipessoal, Lda. deixado de ser arrendatária da " Loja do Benfica ". 10. Segundo as AA. deduziram dos descritivos das transferências que o 5.° R. lhes efectuou para distribuição do valor de rendas pagas pelos ocupantes da " Loja do Benfica ", foi o gozo desta fracção também exercido por outras empresas, quer antes, quer depois da vigência do arrendamento referido em 8). 11. Desconhecendo as AA. os exactos períodos e as condições em que se deu o gozo da " Loja do Benfica ", pois era apenas quando recebiam do 5.° R. a transferência de valores que corresponderiam à parte a que têm direito nas rendas pagas que as AA. constatavam, através do descritivo do pagamento, quem seria, alegadamente, a entidade pagadora. 12. Assim, segundo as referências que acompanhavam as transferências efectuadas pelo 5. ° R. para as AA., no período compreendido entre 2002 e 2006, o gozo da " Loja do Benfica " terá sido exercido pelas l.ª e 2ª Rés, tendo o gozo da mesma fracção, no período compreendido entre 2006 e 2013, sido também exercido pelas 3. ª e 4. ª RR. 13. As AA. não participaram na negociação de quaisquer contratos de arrendamento com as l.ª, 2.ª, 3.ª e 4.ª RR., não subscreveram qualquer contrato com estas mesmas RR. nem, por outro lado, prestaram o seu consentimento, por escrito ou verbalmente, à celebração de qualquer contrato com qualquer daquelas referidas RR.. 14. Não se recordam as AA. de alguma vez terem subscrito quaisquer contratos de arrendamento celebrados entre o 5.° R. e as 1ª, 2.ª, 3.ª e 4.ª RR., ou de terem prestado, por escrito ou sequer verbalmente, o seu consentimento à celebração daqueles contratos. 15. As AA. desconheciam, como continuam a desconhecer, as condições em que foi cedido às 1.ª, 2.ª, 3.ª e 4.ª RR. o gozo da " Loja do Benfica ", tendo-se limitado a aceitar os valores que lhes eram transferidos pelo 5. ° R. por conta de pagamentos efectuados por aquelas mesmas RR.. 16. Assim, de acordo com as informações a que as AA. tiveram acesso nas condições descritas acima, terão sido efectuados ao 5. ° R., durante o ano de 2002, os seguintes pagamentos como contrapartida do gozo, por parte da 1.ª R., da " Loja do Benfica ": a) € 2.009,92, em 8/1/2002; b) € 2.009,92, em 8/2/2002; c) € 2.009,92, em 8/3/2002; d) €2.009,92, em 8/4/2002; e) € 500,00, em 10/5/2002; f) € 2.833,00, em 8/7/2002; g) € 2.000,00, em 8/8/2002; h) €2.000,00, em 9/9/2002; i) €2.000,00, em 8/10/2002; j) € 1.700,00, em 8/11/2002; k) €2.000,00, em 9/12/2002; Num total de € 21.072,68. 17) De acordo com as informações a que as AA. tiveram acesso nas condições descritas acima, terão sido efectuados ao 5. ° R., durante o ano de 2006, os seguintes pagamentos como contrapartida do gozo, por parte da 2.ª R., da " Loja do Benfica ": a) € 1.824,66, em 17/2/2006; b) € 1.824,66, em 1/3/2006; c) € 1.824,66, em 20/3/2006; d) € 1.824,66, em 10/4/2006; e) € 1.863,00, em 11/5/2006; f) € 1.863,00, em 12/6/2006; g) € 1.863,00, em 17/ 7/2006; h) € 3.732,94, em 22/11/2006; No total de €16.620,58. 18) De acordo com as informações a que as AA. tiveram acesso nas condições descritas acima, terão sido efectuados ao 5. ° R., durante o ano de 2008, os seguintes pagamentos como contrapartida do gozo, por parte da 3.ª R., da " Loja do Benfica ": a) € 1.930,00, em 9/1/2008; b) € 1.916,75, em 11/2/2008; c) € 3.871,28, em 8/3/2011; d) € 1.935,64, em 14/4/2011; e) € 1.935,64, em 18/5/2011; f) € 1.935,64, em 10/8/2011; No total de € 11.648,62. 21) Para além dos pagamentos elencados supra, as AA. não receberam qualquer outra transferência de valores por parte do 5. ° R. 22) Por escritura pública de Permutas celebrada em 6 de Setembro de 2013, cessou a compropriedade referida no art. 2.° supra, tendo sido atribuída: a) Ao 5.° R. e a sua irmã FF, a compropriedade da fracção autónoma identificada na alínea a) do art. 1. ° supra; b) À l.a A. o usufruto vitalício sobre as fracções identificadas nas alíneas b) e c) do art. 1. ° supra; c) Às 2.ª e 3.ª AA. a nua propriedade sobre as fracções identificadas nas alíneas b) e c) do art. 1. ° supra. 23) Não foi, até à presente data, efectuada qualquer prestação de contas relativamente ao período em que a administração foi efectuada por DD, seja relativamente ao período em que a administração foi efectuada pelo 5.° R.. 24) Durante o ano de 2002 terão sido pagos ao 5. ° R.: a) Um valor mensal de € 2.009,92, durante os meses de Janeiro a Abril; b) Durante os meses de Maio e Junho apenas foi efectuado (em 10 de Maio) um pagamento de € 500,00; c) Um valor mensal de € 2.833, 30 no mês de Julho; d) Um pagamento mensal de € 2.000,00 durante os meses de Agosto, Setembro, Outubro e Dezembro; e) Um pagamento de € 1.700,00 no mês de Novembro. 25) Durante o ano de 2006 terão sido pagos ao 5.0 R.: a) Um valor mensal de € 1.824,66 durante os meses de Fevereiro a Abril; b) Um valor mensal de € 1.863,00 entre os meses de Maio e Julho; c) Um valor de € 3.732,94 em Novembro, pagamento este que claramente indicia dizer respeito a dois meses e parte um terceiro mês. 26) Durante o ano de 2008 terão sido pagos ao 5. ° R.: a) €1.930 em Janeiro; b) € 1.916,75 em Fevereiro, Março, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro; c) € 1.917,11 em Abril; d) € 3.833,50 em Julho, referente a dois meses. 27) Durante o ano de 2010 terão sido efectuados ao 5.° R. os seguintes pagamentos mensais: a) € 1.970,42 nos meses de Janeiro, Fevereiro, Maio; b) € 3.940,84 em Agosto, pagamento este referente a 2 meses; c) € 5.911,26 em Outubro, pagamento este referente a 3 meses; d) € 3.940,84 em Novembro, pagamento este referente a 2 meses; e) € 1.970,42 no mês de Dezembro. 28) Durante o ano de 2011 terão sido efectuados ao 5. ° R. os seguintes pagamentos mensais: a) € 1.970,42 em Janeiro; b) € 3.871,28 em Março, pagamento este que equivale a dois pagamentos mensais de € 1.935,64. c) € 1.935,64 nos meses de Abril, Maio e Agosto. * ** Factos não provados Discutida a causa não se provou nenhum outro facto para além dos acima expostos. Nomeadamente: i) Não se provou que durante o ano de 2002 encontrar-se-á em falta o pagamento da quantia de € 2.927,32. ii) Não se provou que durante o ano de 2006 encontrar-se-á em falta o pagamento da quantia de € 5.582,06. iii) Não se provou que durante o ano de 2008 encontrar-se-á em falta o pagamento da quantia de € 1.903,14. iv) Não se provou que durante o ano de 2010 encontrar-se-á em falta o pagamento da quantia de € 1.970,42. v) Não se provou que durante o ano de 2011 encontrar-se-á em falta o pagamento da quantia de € 11.613,81. vi) Não se provou que não foi paga pelas 3.ª e 4.ª RR. a contrapartida pecuniária pelo gozo durante os meses de Janeiro a Dezembro de 2012». * ** Do Direito
A questão da repartição do ónus da prova, objecto do presente recurso, já fora suscitada pelas recorrentes na apelação, tendo o Tribunal da Relação rejeitado todos os argumentos das apelantes com uma fundamentação completa e exaustiva, que importa realçar e que reza assim: «…. Em cumprimento do requisito previsto pela al. a) do supra citado art. 640°, n° 1 do CPC e com aptidão para determinar o objeto da requerida reapreciação da matéria de facto, as apelantes censuram o juízo negativo que recaiu sobre os factos não provados, correspondendo estes aos factos alegados pelas autoras, de falta ou ausência de pagamento, pelas rés, das quantias alegadas (rectius, estimadas) sob os artigos 31°, 34°, 37°, 40° e 43° da petição inicial. Requerem que naquela parte a decisão de facto seja substituída por outra de sentido diametralmente oposto, dando como provado que nos anos ali indicados não foram pagas aquelas quantias, que as autoras alegaram serem devidas a titulo de contrapartidas pecuniárias (estimadas) pelo gozo da fração. Já em sede de alegação dos fundamentos da requerida alteração da decisão de facto, as apelantes remetem para documentos juntos com os articulados das rés contestantes e para depoimentos prestados em audiência, com indicação das passagens das gravações onde constam registados e procedendo a parcial transcrição dos mesmos. Porém, a remissão e a referência a concretos meios de prova que fazem não vêm invocadas como fundamentos para justificar e concluir pela alteração da decisão de facto que requerem pelo presente recurso (dando como provado que as rés não pagaram aquelas quantias), mas para justificarem e concluírem que as rés não fizeram prova do pagamento das quantias que as autoras/apelantes peticionam. Ou seja, não decorre das alegações das apelantes uma qualquer divergência com a apreciação crítica da prova levada a cabo pelo tribunal recorrido. Tal fundamentação e conclusão transfigura então o pedido de reapreciação da matéria de facto em pedido sem objeto, precisamente porque o tribunal recorrido não julgou como provado que as rés procederam a tais pagamentos para que, nesta instância, se pudesse aferir da conclusão de facto oposta requerida pelas apelantes; sendo que, como é consabido, a não prova desses factos também não significa prova do seu contrário, e muito menos que se imponha a descrição deste em sede de decisão de facto. A descrita incongruência entre, por um lado, o que pelas apelantes vem invocado como impugnação da matéria de facto e, por outro, o resultado da prova produzida que nesse âmbito invocam, resulta do facto de as apelantes não se insurgirem contra o juízo probatório ou julgamento de facto que no âmbito do regime da livre apreciação critica da prova a Mma Juiz a quo alcançou e sustentou por recurso aos meios probatórios produzidos - no sentido de a prova produzida permitir resultado distinto do alcançado pelo julgador, como é pressuposto da impugnação dirigida à decisão de facto -, mas por entenderem que, ao não dar como provado o não pagamento daquelas quantias, o tribunal recorrido violou as regras de repartição do ónus da prova previstos pelos arts. 342°, n° 1 do Código Civil e 414° do Código de Processo Civil, conforme bem se extrai das alegações e consta sintetizado sob os pontos 3 a 6 das conclusões. Confundem porém as apelantes o sentido e alcance do princípio do ónus da prova que decorre das normas citadas. Prevê o art. 342°, n° 1 do Código Civil que: 1. Àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado.// 2. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.//3. Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito. Sob a epígrafe Princípio a observar em casos de dúvida mais prevê o art. 414° do Código de Processo Civil que A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita. É doutrinária e jurisprudencialmente consensual que o princípio do ónus da prova e as regras da sua distribuição não interferem na atividade de apreciação crítica da prova nem correspondem a critério de decisão de facto. No dizer do professor Alberto dos Reis, (in Código de Processo Civil anotado, Vol. III, p. 272), o ónus da prova (...) conduz-nos a averiguar que factos hão-de ser provados para que a decisão apresente determinado conteúdo (modalidade do ónus objetivo, em contraposição com o ónus subjetivo), correspondendo assim a questão e critério de decisão de direito, inerente ou inseparável da previsão ou dos elementos integrantes da norma jurídica a aplicar para resolução da lide - cada uma das partes tem o ónus de alegar e provar os factos correspondentes à fattispecie geral e abstrata da norma que é favorável à sua pretensão ou à sua exceção, atendendo à posição das partes na relação material e independentemente da sua posição no processo. No mesmo sentido Anselmo de Castro: No processo não se provam direitos mas apenas factos, pois a existência do direito é simples consequência dos elementos fácticos típicos da norma fundamentadora do direito; (...). Em caso de dúvida terão, pois, esses factos de haver-se por inexistentes, tal qual como quanto aos factos que constituem os elementos da norma fundamentadora (...) O problema da distribuição do ónus da prova entre as partes, reconduz-se, assim, a um problema de aplicação da lei. (Direito Processual Civil Declaratório, vol. III p. 351 e 352). Assim, a dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se em sede de apreciação jurídica da causa e contra a parte a quem o facto aproveita, de acordo com a previsão das normas que o litígio convoca para a sua resolução, sendo a determinação destas de acordo com a fundamentação da pretensão de cada uma das partes em face dos elementos abstratos da lei, da qual se extrai quais os factos constitutivos da pretensão concreta deduzida no processo. O ónus da prova passa antes a significar a situação da parte contra quem o tribunal dará como inexistente um facto, sempre que, em face dos elementos carreados para os autos (seja pela parte interessada na verificação do facto, seja pela parte contrária, seja pelo próprio tribunal), o juiz se não convença da realidade dele. (Antunes Varela, Manual de Processo Civil, p. 456 e s.). Quando exigida prova principal ela se malogre ou seja anulada pela contraprova, o facto tem-se por inexistente com a consequência de não poder ser aplicada a norma de cuja hipótese constituía pressuposto da sua aplicação. A causa terá, pois, de ser decidida contra a parte a quem a sua invocação aproveitava. (...) Ao “non liquet” no domínio dos factos corresponde ou deverá sempre corresponder um “liquet” jurídico. (...). Ao tribunal é, pois, imposto nessa emergência o dever de julgar segundo a regra do ónus da prova. (...) Resta saber sobre qual das partes deve recair o ónus da prova, isto é, a decisão desfavorável do litígio, na hipótese do facto em causa ficar ilíquido /Anselmo de Castro, ob. cit. p. 349 e ss.). Em conformidade com o exposto, e sem prejuízo da correção oficiosa operada aos pontos 1 e 2 da matéria de facto, improcede a apelação dirigida à decisão de facto. C) Erro de julgamento de direito atinente com os factos constitutivos do direito de crédito a que as autoras se arrogam sobre os réus, e a que título, e com a imputação do ónus da prova pressuposta pela sentença recorrida. Resulta da sentença recorrida que por ela a pretensão das apelantes sobre as rés sociedades foi apreciada e julgada improcedente por referência aos efeitos legais do contrato de arrendamento, designadamente, da obrigação essencial que dele decorre, de pagamento da renda devida pelo locatário ao locador, sobre a qual também assentou a apreciação e a improcedência da prescrição do direito das apelantes invocada pelas rés. Apesar de invocados na petição inicial, o tribunal recorrido não apreciou os pedidos dirigidos contra as rés sociedades sob a égide da nulidade dos contratos de arrendamento e do enriquecimento sem causa. Cumpre antes de mais destacar que, calcorreados os factos que as apelantes invocam como causa de pedir, com exceção da afetação dada à fração na permanência da compropriedade da fração e das quantias que desde 2002 e até 2011 foram recebendo por intermédio do réu DD a título de rendimentos dela emergentes, tudo o que demais alegam em fundamento dos pedidos são presunções de factos e estimativas de quantias cuja existência/realidade desconhecem, mas que, ainda assim, invocam como causa de pedir no âmbito de uma acção de condenação em quantia certa tramitada em processo comum, limitando-se a presumir a sua existência e, mesmo assim, com total grau de indeterminabilidade relativamente ao réu DD. É uma ação fundamentada em ‘ses’, no pressuposto erróneo, e ao arrepio do princípio do dispositivo básico e estrutural do processo civil ao serviço do direito privado, de que, no âmbito de uma ação desta natureza, caberia aos sujeitos passivos da ação integrar, ou ao tribunal averiguar, a existência dos concretos factos aptos a suportar os pedidos de condenação deduzidos (sendo que sobre os primeiros apenas recai o ónus de impugnar os factos alegados pelo autor, e ao segundo compete 'apenas’ apreciar/ajuizar da verificação ou correspondência dos mesmos com a realidade), designadamente, ao nível dos concretos elementos integrantes de contratos de arrendamento ou outro que as autoras/apelantes presumem ter sido celebrados (entre quem?, durante que concretos períodos de tempo?, mediante que concreto montante a título de contrapartida?, e qual a periodicidade e vencimento da mesma?). Ora, de acordo e no respeito pelo princípio do dispositivo, é antes de mais a cada uma das partes que cabe alegar a realidade dos factos que lhe sejam favoráveis. (...) o tribunal só pode julgar de acordo com os factos alegados e provados pelos litigantes. (...) O juiz não pode, por iniciativa própria, suprir a negligência ou a inépcia da parte (...) na alegação dos factos que interessam à fundamentação da sua pretensão (Antunes Varela, Manuel de Processo Civil, 2a ed., p. 448). No cumprimento do ónus de alegação, deve o autor na petição indicar os factos concretos que fundamentam e individualizam o pedido, sendo estes a causa de pedir que, nas palavras de Alberto dos Reis, «é o acto ou facto jurídico de que procede a pretensão dos autores. Mais rigorosamente: é o acto ou o facto jurídico em que o autor se baseia para formular o pedido», ou nas palavras de Manuel de Andrade «é a acção ou o facto jurídico de onde emerge o direito que o autor pretende fazer valer»; definindo-a o art. 581°, n° 4 do Código de Processo Civil como «os factos jurídicos que procede a pretensão deduzida como representação da alegação dos factos integradores do efeito jurídico pretendido», reportando-se, assim, ao conjunto de factos que preenchem a previsão da norma, concretizadora da teoria da substanciação, cabendo ao autor alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir (cfr. artigo 5o, n.° 1 do Código de Processo Civil). Acrescenta o professor Alberto dos Reis que «O que interessa não é saber quem alegou o facto; é saber a quem cumpria alegá-lo, ou qual das partes tinha necessidade de o alegar para ver atendida a sua pretensão» (CPC Anotado, vol. III, p. 275). Recaindo sobre o demandado o ónus de impugnar os factos constitutivos do direito invocado pelo demandante, sob pena de os mesmos se terem admitidos por acordo, não passa a recair sobre aquele o ónus de provar que os mesmos não existem, o que seria ilógico e absurdo, conforme anotado por Antunes Varela (in Manual de Processo Civil, e. 1985, p. 453, em nota de rodapé). Assim, no âmbito de uma ação de condenação ou constitutiva incumbe ao autor a alegação e a prova do facto constitutivo da situação jurídica alegada; só perante esta prova se devolve à outra parte a prova do facto impeditivo, modificativo ou extintivo daquela. Se o autor não prova o facto constitutivo, a ação é julgada improcedente, segundo o princípio actore non probante reus absolvitur, mesmo que o réu não prove qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo (vd. Teixeira de Sousa, As partes, O objeto e a Prova na Acção Declarativa, pp. 259-260). Acresce ainda referir que, sempre que, fora dos casos de ações de mera declaração negativa, um facto negativo constitua fundamento da pretensão deduzida pelo autor, é a este, de acordo com o critério geral traçado no artigo 342° do Código Civil, que compete fazer a prova dele (Antunes Varela, ob. cit, p. 461, em nota de rodapé). Assim, para fundamentar os pedidos de condenação que formulam contra cada uma das rés sociedades, invocam as autoras o incumprimento, por banda daquelas, de obrigação pecuniária que as apelantes designam de (presumível ou estimada) contrapartida pecuniária pelo (presumível) gozo da fração de que estas eram comproprietárias. Ora, não estando em causa uma qualquer responsabilidade delitual, cujos pressupostos as autoras de resto expressamente afastam, nem tão pouco o exercício de um direito potestativo das autoras/apelantes, no domínio das relações jurídicas privadas o cumprimento ou incumprimento de uma obrigação só se coloca sob a égide de um qualquer contrato que a constitua ou que dele decorra. Porém, e para além da ausência de alegação e demonstração de factos suscetíveis de integrarem um concreto contrato, de arrendamento ou outro, que permitisse conhecer os efeitos obrigacionais deles emergentes, e a cargo e em benefício de quem, são as próprias autoras que, em consonância com o que alegam na petição inicial e reiteram nas alegações de recurso, assumem que (...) faltando, no âmbito dos negócios celebrados entre as Ia, 2a, 3a e 4a RR. e o 5.° R., a manifestação da vontade negociai das AA. e não tendo sido perfeitamente manifestado o grupo das declarações de vontade de todos os comproprietários da denominada “Loja do Benfica ", são todos aqueles mesmos negócios inexistentes enquanto contratos, seja de arrendamento ou de qualquer outro tipo. Donde se conclui que, contrariamente ao enquadramento feito pela sentença recorrida, o direito a que se arrogam sobre as sociedades rés não encontra suporte nos efeitos positivos de um qualquer contrato de arrendamento, desde logo porque o princípio da eficácia relativa dos contratos previsto pelo art. 406°, n° 2 do Código Civil a tanto obstaria, por não reconhecer legitimidade às autoras para, na qualidade de terceiros, invocarem os efeitos - positivos ou negativos - de contratos dos quais, como alegam, não foram parte nem consentiram na sua celebração. Assim, e reitera-se, para além de não terem alegados factos que no processo permitam aferir dos concretos termos da celebração, execução e vigência de um qualquer contrato, de arrendamento ou outro (que, para além da identificação do seu objeto, impõe também a identificação dos outorgantes, das concretas prestações a que por eles cada um se obriga, e dos respetivos termos inicial e final), conforme alegado pelas autras/apelantes na petição inicial, o que resultou demonstrado foi que estas não foram partes outorgantes nos contratos de arrendamento que presumem ter sido celebrados, nem neles participaram a qualquer outro título para além de terem recebido, por intermédio da gestão operada pelo réu DD, uma quota parte dos montantes sucessivamente pagos pelas rés a título de contrapartida pecuniária pelo gozo da fração. Na senda deste ultimo facto, a par com o facto demonstrado de que Enquanto se encontraram sob o regime da compropriedade, os imóveis identificados em 1) foram destinados à sua rentabilização económica por meio do respectivo arrendamento, com vista à repartição das rendas pelos comproprietários, invocam as apelantes a nulidade dos contratos de arrendamento que presumem terem sido celebrados (com as rés) tendo por objeto a fração em questão para, com fundamento nos efeito que da nulidade decorrem, previstos pelo art. 289°, n° 1 do Código Civil, se arrogarem ao direito à restituição do valor correspondente ao gozo da fração, face à impossibilidade da restituição em espécie, aceitando como adequados os valores que alegam não terem sido pagos pelas rés a título de contrapartida pecuniária pela fração. Ora, se, por não terem sido alegados pelas autoras/apelantes, não é possível aferir judicialmente dos concretos elementos de facto que integram e individualizam os presumidos contratos de arrendamento, por maioria de razão tão pouco é possível aferir da validade dos mesmos por falta de objeto sobre o qual possa incidir e consubstanciar tal apreciação. E se às autoras falece legitimidade para invocar os contratos de arrendamento e os efeitos positivos que deles emergem, igualmente lhes falece legitimidade para invocar e peticionar a produção dos efeitos legais emergentes da declaração de nulidade dos mesmos, a saber, a restituição do que no seu cumprimento foi prestado por cada uma das partes contratantes, qualidade que, como já vimos, as autoras não detêm, pelo que nada nesse contexto (contratual) prestaram cuja restituição possam reclamar para si. Com efeito, toda a questão dos presentes autos está marcada pela supra referida deficiente e lacunosa petição inicial na alegação de matéria de facto consubstanciadora da causa de pedir orientada para os pedidos deduzidos, ao que não será alheio o facto de as autoras/apelantes terem optado pela instauração de uma ação de condenação em processo comum, sem que previamente e contra quem de direito tenham requerido e diligenciado pela prestação de contas referentes à gestão e aos rendimentos da fração que as autoras sabiam ser objeto de contratos de cedência de gozo a terceiros mediante o pagamento de contrapartidas pecuniárias; conhecimento de que é prova insofismável o facto de terem recebido parte dos seus montantes através do réu DD, com conhecimento da proveniência ou origem dos mesmos (cfr. pontos 4, 10 e 11 dos fundamentos de facto da sentença recorrida). Insuficiência para a qual de resto se alertou por acórdão desta Relação proferido em 15.02.2018 no âmbito dos autos de recurso em apenso B: Ora, as autoras optaram por demandar cinco réus, quatro dos quais, segundo a versão dos factos apresentada na p.i., não têm qualquer dever de prestar contas e, optaram pela formulação de um pedido de condenação de todos aqueles réus no pagamento de quantias que entendem que lhes são devidas. Face ao pedido formulado, a acção apropriada não é a de prestação de contas.//Os riscos do desfecho da acção (se a petição inicial passar o crivo de uma análise detalhada) correm por conta das autoras que, ao que tudo indica, ainda não se terão apercebido de que a elas cabe afirmar os factos e fazer a respectiva prova. (subl. nosso). No âmbito de questão similar, ainda que reportada a contrato distinto, pronunciou-se o Tribunal da Relação de Coimbra no acórdão de 15.10.2013 proferido no processo n° 2445/05.0TBLRA.Cl (disponível no site da dgsi): Efectivamente, sobre os elementos essenciais do regulamento contratual, a lei, em regra, não intervém com previsões substitutivas que tomem o lugar da vontade ausente dos sujeitos privados; e compreende-se que assim seja, uma vez que tratando-se dos elementos essenciais, dos elementos que definem a própria lógica da operação, a sua substância e o seu racional económico, é óbvio que a respectiva determinação deve competir, por regra, aos interessados.//É isto que as partes têm que ter presente quando apresentam um litígio emergente dum contrato, ou seja, devem alegar um “regulamento contratual” em que não faltem os elementos essenciais; (...). Conforme já supra referido, as autoras não cumpriram devidamente a concretização da causa de pedir, tendo-se limitado a aludir genericamente a contratos de arrendamento, sem identificar, com a certeza e segurança de um facto real verificado, entre quem foram celebrados em cada concreto período de tempo e qual o concreto regulamento contratual acordado, e sem o que não se pode ter por cabalmente cumprido o disposto no art. 552, n° 1, al. d) do CPC. Padecendo a ação de insuficiências fácticas, o resultado do julgamento nela realizado e exposto em sede de fundamentação de facto, como não podia deixar de ser, reflete essa mesma insuficiência, descrevendo matéria de facto que não permite conhecer das relações contratuais que, como é reconhecido pelas autoras/apelantes, constitui a causa da cedência do gozo da fração às rés, nem tão pouco conhecer as vicissitudes de execução e eventual extinção dessas mesmas relações contratuais. Ora, só conhecendo toda a relação contratual, acordada e executada, é que se poderia identificar a obrigação pecuniária dela emergente e, só então, e consoante a prova produzida o permitisse, concluir se estaria ou não em falta o seu cumprimento e por quem ou, conforme alegado pelas autoras/apelantes, concluir pela ausência de causa justificativa para o gozo da fração por cada uma das rés enquanto pressupostos do instituto do enriquecimento sem causa invocado para suporte da ação. Alegando que, por serem nulos ou ineficazes os contratos de arrendamento celebrados não lhes são oponíveis, prosseguiram então as autoras invocando o instituto do enriquecimento sem causa como fundamento jurídico do pedido de condenação das rés sociedades nas quantias que sobre elas se arrogam credoras. Dispõe o n° 1 do citado art. 473° que «Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou». Numa tentativa de densificação do conceito de causa justificativa, acrescenta o n° 2 que «A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou». Como é sobejamente sabido, o enriquecimento sem causa consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial à custa, em regra mas não necessariamente, do empobrecimento de outrem e sem causa justificativa para a deslocação patrimonial (vd. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, vol. I, p. 454 e ss., e Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6a ed., p. 179 e ss.). Ora, é desde logo no requisito sem justa causa que falece a pretensão das autoras/apelantes, considerando o contexto contratual no âmbito do qual as rés terão obtido o gozo da fração posto que, conforme alegado na petição inicial, foi julgado demonstrado pelo tribunal recorrido que, enquanto se manteve em situação de compropriedade com as autoras, a fração foi destinada à sua rentabilização por meio do respectivo arrendamento, com vista à repartição das rendas pelos comproprietários. Tratando-se então de uma situação de gozo ou ocupação da fração com origem em contrato de arrendamento (independentemente, repete-se, da validade jurídico-formal do mesmo), tal situação - ocupação e gozo - corresponde ao fim típico do negócio em que se integram, sendo que as autoras/apelantes não lograram demonstrar que, por qualquer concreta razão, tal fim falhou e que, enquanto as rés nela permaneceram, a cedência do gozo da fração ficou sem causa. Acrescenta-se neste particular que, admitindo desde logo as autoras que as rés ocupavam e/ou ocupam a fração porque esta lhes foi cedida pelo réu DD mediante o pagamento de uma contrapartida pecuniária, preliminarmente apenas ao réu DD, com a qualidade de gestor de facto que (pelo menos tacitamente) lhe reconheceram, poderiam as autoras opor o direito de exigir a prestação de contas pela gestão de património comum e invocar a ausência de informação e de conhecimento dos contratos celebrados e, se fosse o caso, apurar e pedir responsabilidades emergentes dessa mesma gestão. Se o não fizeram e, ao invés, optaram por permanecer no desconhecimento que ao longo de toda a petição invocam, apenas a elas se imputa. Mais se realça a incongruência jurídica dos fundamentos invocados pelas autoras/apelantes porquanto, por um lado invocam e fazem apelo a contrapartidas pecuniárias hipoteticamente emergentes de contratos celebrados com a rés, identificando-as como a obrigação cujo alegado incumprimento motivou a instauração da presente ação; por outro lado, e por tanto constituir requisito do instituto legal do enriquecimento sem causa, alegam as apelantes que as rés não detém qualquer causa justificativa para estar no gozo da fração em questão. Ora, ou o pedido bem se funda em incumprimento contratual de obrigação pecuniária e nulidade do título do qual a mesma tendia a emergir, a exigir antes de mais cabal identificação dos contratos celebrados e geradores, para as rés, da obrigação de pagar ou de ‘restituir’ às autoras/apelantes as rendas cujo incumprimento invoca, ou o pedido bem se funda na fruição e utilização indevida ou ilegítima dos bens, portanto, sem causa, por parte das rés. A cumulação de ambos é legalmente inconciliável, considerando desde logo a natureza residual e excecional que a lei consagra ao instituo do enriquecimento sem causa, nos termos do art. 474° do Código Civil. Nesse sentido, acórdão da Relação de Coimbra de 23.10.2013, processo n° 1557/10.3TBCBR.C1, em nota de rodapé (disponível no site da dgsi). Mas, ainda que assim não fosse, a ação improcederia na medida em que as autoras/apelantes não demonstraram o alegado e pressuposto enriquecimento das rés à custa do imóvel de que aquelas eram comproprietárias, ou seja, não demonstraram que as rés ocuparam a fração sem procederem ao pagamento da contrapartida que acordaram pagar pela sua fruição. É que, contrariamente ao que parece ser convicção das autoras/apelantes, enquanto facto constitutivo e concretizador dos pressupostos do enriquecimento sem causa, incumbia-lhes demonstrar o pressuposto enriquecimento das sociedades rés à custa da ocupação que estas fizeram da fração da qual aquelas eram comproprietárias. Enriquecimento esse que, por referência a ocupação/fruição de imóvel, apenas poderia vir estribado na ausência de causa que a legitimasse (e o que não se confunde com a questão da validade formal dessa mesma causa), e na ausência de pagamento de contrapartida pela dita ocupação. Mas, como já referimos, a ocupação ilegítima vem implícita mas sintomaticamente afastada pelas autoras na medida em que expressamente alegam que aquelas ocupavam a fração no âmbito de execução de acordo que celebraram com o réu DD, quem, com o conhecimento e aceitação (pelo menos) tácita das autoras, administrava a utilidade económica da fração, conhecimento e aceitação que diretamente resulta do facto de as autoras, de acordo com o que alegam, terem recebido daquele administrador de património alheio a sua quota parte das quantias que a este foram pagas por aquelas rés a título de rendas que com este terão convencionado pagar no âmbito daqueles acordos. Neste ponto, e por referência aos fundamentos do pedido de condenação do réu DD, na ausência de factos reveladores do recebimento, por este, de outras quantias para além das descriminadas pelas autoras, falece qualquer fundamento para o pedido de condenação que contra aquele vem deduzido. Concluindo, invocando os contratos de arrendamento, e à margem agora da questão da legitimidade para o fazerem, o ónus de alegação e prova do pagamento das rendas recairia sobre as rés na qualidade de arrendatárias e enquanto facto extintivo do direito a que as autoras/apelantes se arrogam, com consequente oponibilidade da prescrição do direito das apelantes invocada pelas rés. Foi essa a subsunção jurídica feita pelo tribunal recorrido, omitindo, porém, a apreciação dos pedidos de condenação das rés nos termos em que os mesmos vinham consubstanciados ou individualizados pelas autoras, com fundamento no instituo do enriquecimento sem causa. Mas, invocando o instituto do enriquecimento sem causa - que, pela sua natureza subsidiária, se impõe despojado dos elementos e efeitos legais dos sobreditos contratos de arrendamento, bem como dos efeitos da nulidade do mesmo - já é sobre as autoras/apelantes que recai o ónus de alegação e prova dos elementos constitutivos desse mesmo enriquecimento que, no caso, e sem prejuízo do exposto quanto à causa negociai do gozo da fração, incluía o alegado não pagamento, pelas rés, da contrapartida pecuniária que acordaram para retribuição da cedência desse mesmo gozo, e no que se consubstanciaria o enriquecimento sem causa pressuposto pelas autoras. Nesse sentido, entre muitos outros, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.10.2010, proc. n° 5938/04.3TCLRS.L1.S1, acórdão da Relação de Coimbra de 01.04.2014, processo n° 3221/10.4T2AGD.C1, e acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.2017, cujo sumário se transcreve: I - Para que se constitua uma obrigação de restituir fundada no enriquecimento, não basta que uma pessoa tenha obtido uma vantagem patrimonial, à custa de outrem.//II - É ainda necessário que não exista uma causa justificativa para essa deslocação patrimonial, quer porque nunca a houve, por não se ter verificado o escopo pretendido, ou, porque, entretanto, deixou de existir, devido à supressão posterior desse fundamento.//III - A falta originária ou subsequente de causa justificativa do enriquecimento assume a natureza de elemento constitutivo do direito à restituição.//IV - Cabe ao autor do pedido de restituição, por enriquecimento sem causa, o ónus da prova dos respetivos factos integradores ou constitutivos, incluindo a falta de causa justificativa desse enriquecimento.// V - Não tendo o autor demonstrado a falta de causa justificativa, improcede o pedido de restituição, com fundamento no enriquecimento sem causa. Do que se conclui pela improcedência da apelação, com a consequente manutenção da sentença recorrida, ainda que com fundamentação distinta daquela». * ** A apreciação feita pelo Tribunal da Relação e acabada de transcrever, é perfeitamente correcta e não merece qualquer reparo. E também não carece de qualquer arrimo, pois é absolutamente elucidativa e esclarecedora. Em todo o caso sempre se dirá que, como transparece da referida fundamentação, a presente acção estava condenada ao insucesso e não deveria sequer ter passado o crivo do despacho saneador, por manifesta insuficiência da causa de pedir, por contradição entre o pedido e a causa de pedir e ainda no tocante ao fundamento do enriquecimento sem causa por, ser evidente existir uma causa, quanto à fruição por parte dos 2 º a 4ª réus e no que respeita ao 5º réu, ser evidente que há outro meio de obter o que se acham com direito (através duma acção de prestação de contas, que as próprias alegam ainda não ter intentado contra o referido réu, apesar de reconhecerem que era ele quem administrava a gestão das referidas fracções, com o seu consentimento). Ora sendo o instituto do enriquecimento sem causa absolutamente subsidiário, ou seja o empobrecido só pode recorrer à acção de enriquecimento à custa de outrem, quando não tenha outro meio para cobrir os seus alegados prejuízos[5] e dispondo as AA, daquele meio processual- acção de prestação de contas- para exigir do 5º réu os rendimentos prediais que se acham com direito a receber, nunca a presente acção poderia proceder contra o referido réu. Deste modo, sem necessidade de mais considerações, por despiciendas, é manifesta a improcedência da revista. * ** Em síntese:
I - O princípio do ónus da prova e as regras da sua distribuição não interferem na atividade de apreciação crítica da prova nem correspondem a critério de decisão de facto; antes correspondem a questão e a critério de decisão de direito, inerente ou inseparável da previsão ou dos elementos integrantes da norma jurídica a aplicar para resolução da lide, e em função da pretensão e da posição das partes na relação material dela objeto. II - No âmbito de uma ação de condenação ou de uma ação constitutiva incumbe ao autor a alegação e a prova do facto constitutivo da situação jurídica alegada; só perante esta prova se devolve à outra parte a prova do facto impeditivo, modificativo ou extintivo daquela. Se o autor não prova o facto constitutivo, a ação é julgada improcedente segundo o princípio actore non probante reus absolvitur, mesmo que o réu não prove qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito que invoca. III – O instituto do enriquecimento sem causa é absolutamente subsidiário, ou seja, o empobrecido só pode recorrer à acção de enriquecimento à custa de outrem, quando não tenha outro meio para cobrir os seus alegados prejuízo. IV - Invocando-se o instituto do enriquecimento sem causa é sobre os AA. que recai o ónus de alegação e prova dos elementos constitutivos desse mesmo enriquecimento designadamente o alegado não pagamento, pelas demandadas, de contrapartida pecuniária para retribuição do gozo do imóvel. * ** Concluindo
Pelo exposto, acorda-se na improcedência da revista e confirma-se o douto acórdão recorrido. Custas pelas recorrentes. Registe e notifique.
* Consigna-se, nos termos do disposto no art.º 15-A do DL nº 10-A/2020 e para os efeitos do nº 1 do art.º 153º do CPC, que os Srs. Juízes Adjuntos, têm voto de conformidade, mas não assinam, em virtude do julgamento ter decorrido em sessão (virtual) por teleconferência.
Lisboa em 25 de Março de 2021.
José Manuel Bernardo Domingos (relator)
António Abrantes Geraldes
Manuel Tomé Gomes _______ [1] Parcialmente transcrito do acórdão recorrido. |