Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1.ª SECÇÃO | ||
Relator: | JORGE DIAS | ||
Descritores: | CONTRATO DE SEGURO SEGURO DE GRUPO QUESTIONÁRIO DECLARAÇÃO INEXATA DEVER DE INFORMAÇÃO RISCO CLÁUSULA DE EXCLUSÃO CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL BOA FÉ ABUSO DO DIREITO SEGURO DE VIDA | ||
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Data do Acordão: | 05/04/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
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Sumário : | I - O denominado seguro de grupo é aquele que cobre riscos de um conjunto de pessoas ligadas ao tomador do seguro por um vínculo que não seja o de segurar. II - Através do contrato de seguro de grupo cria-se um mecanismo destinado a proteger os interesses do banco que, em caso de verificação do sinistro, em virtude da cobertura do seguro, pode recuperar o capital e os juros que lhe sejam devidos, evitando o recurso a procedimentos executivos de outro modo necessários para a satisfação do respetivo crédito. III - E não consta do contrato qualquer clausula que exclua a cobertura do risco, quando este resulte de doença pré-existente, ou seja, sendo os riscos cobertos a morte e a invalidez total e permanente ou absoluta e definitiva mas, para assim acontecer, deveria o questionário ser preenchido de forma verdadeira, declarando o aderente as patologias de que padecia, a essa data, de forma a que, esclarecidamente, a seguradora propusesse as condições de funcionamento do seguro, tendo em conta essas patologias. IV - No caso dos autos, decorre da matéria de facto que a doença de que o autor sofria à data da adesão ao seguro de grupo (celebração do contrato) se veio progressivamente a agravar, até passar a uma situação de invalidez assim como, também, resulta que, no questionário do boletim de adesão ao seguro, o autor declarou que não tinha qualquer doença. V - O aderente do seguro de grupo é que tem o dever de prestar informações exatas sobre as circunstâncias que são significativas para a apreciação do risco e, apenas, deve ser esclarecido, não tinha (na altura do contrato) de ser informado. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, 1ª Secção Cível. 1 - AA intentou ação de processo comum contra CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A. e FIDELIDADE-MUNDIAL, S.A., peticionando que: a) seja declarada a validade e eficácia do contrato de seguro de adesão celebrado entre o A. e Ré Companhia de Seguros Fidelidade S.A., supra identificado, a que corresponde a apólice nº .....06, onde a 1ª Ré Caixa Geral de Depósitos figura como tomadora do mesmo; b) Seja a 2ª. Ré, seguradora, condenada a pagar à 1ª. Ré, todos os valores que, por força do contrato de seguro, lhe forem devidos, contados da mencionada data em que foi fixada a invalidez total e absoluta do A.; c) Seja, a 2ª Ré, condenada a pagar ao A. o eventual remanescente do capital seguro; d) Seja, a 1ª. Ré, Caixa Geral de Depósitos, S.A. condenada a restituir ao A. o valor das prestações que, deste, recebeu indevidamente, a partir do dia 1/04/2011 (data em que foi declarada a invalidez de 100% pela Segurança Social francesa), acrescidas dos respetivos juros, à taxa legal, desde o momento em que a Ré delas se apropriou e até efetivo reembolso; e) Sejam, as RR., solidariamente condenadas a pagar ao A. a importância de € 5.000,00 (cinco mil euros) a título de danos de carácter não patrimonial por todos os incómodos e desgaste psicológico supra relatado, que a não resolução desta situação lhe tem acarretado. Alegou, em súmula, que: No dia 20 de Junho de 2003, o A., juntamente com o ex-cônjuge, BB, celebraram escritura de compra e venda, mútuo com hipoteca e fiança, através da qual aqueles adquiriram, a CC, pelo preço de € 58.500,00, um prédio urbano destinado a habitação, sito no ..., da freguesia de ...; No mesmo ato, o A. e ex-cônjuge celebraram ainda com a 1ª Ré, Caixa Geral de Depósitos, S.A., um contrato de mútuo, através do qual esta concedeu aos primeiros um empréstimo da mesma quantia de € 58.500,00 e associado a este contrato de mútuo, e por imposição da ora 1ª Ré, o A. e o ex-cônjuge viram-se obrigados a celebrar, com a ora 2ª Ré, Companhia de Seguros Fidelidade S.A., contrato de seguro de adesão, com inicio em 20/07/2003, a que corresponde a apólice nº ......06, figurando a 1ª Ré como tomadora do mesmo, sendo, o capital seguro no valor de € 49.301.77; Através deste contrato de seguro a Companhia de Seguros comprometeu-se em caso de morte, invalidez total e permanente por acidente e invalidez absoluta e definitiva por doença do A. ou cônjuge a liquidar à CGD o empréstimo em dívida. A partir de 01/04/2011, a Segurança Social francesa atribuiu ao A., nessa data, com apenas 40 anos de idade, uma incapacidade/invalidez absoluta e permanente de 100%. 2 - A Ré FIDELIDADE-MUNDIAL, S.A., deduziu contestação, reconhecendo a celebração do contrato de seguro e arguindo, sinteticamente, que: O Autor sofria desde Abril de 1999 de retinopatia proliferonte bilateral e maculopatia diabética, doença que omitiu na subscrição do seguro. Se tivesse tido conhecimento de tal doença, nunca teria aceite a adesão do Autor, pelo que, em 19 de Março de 2013, fez cessar o contrato de seguro. Concluiu, pugnando pela improcedência da ação. 3 - A Ré CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A. igualmente contestou, advogando a improcedência da ação. 4 - Foi proferido despacho saneador, bem como o despacho que identificou o objeto do litígio e enunciados os temas da prova. 5 - Realizada a audiência final foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente e absolveu as RR. dos pedidos contra si deduzidos. 6 - Inconformado veio o A. recorrer, interpondo recurso de apelação, vindo a ser proferido acórdão que julgou improcedente a apelação, confirmando a decisão da 1ª Instância. 7 - Inconformado com o decidido pela Relação, interpõe o A. recurso de Revista normal e recurso de revista excecional (em requerimentos separados) para este STJ. 8 - No recurso (denominado) de revista normal, formula as seguintes conclusões: “1 - Em face dos factos considerados provados e não provados nos autos, quer em sede de primeira instância, quer os ora aditados pelo Venerando Tribunal da Relação, impunha-se concluir, sem margem para dúvidas, não ter sido, in casu, dado cabal cumprimento ao dever de informação a que as rés se encontram obrigadas por força do disposto nos artigos 5º e 6 do DL 446/85, de 25 de Outubro, e artigo 4º do o DL 176/95, de 26 de Julho. Com efeito, 2 - Tendo, o Venerando Tribunal da Relação, considerado não provado que “Aquando da apresentação e assinatura da proposta de adesão ao contrato de seguro ora em causa, o A. foi cabalmente esclarecido e advertido, pelo funcionário da Ré que o atendeu, de que deveria ter especial cuidado quanto ao preenchimento do questionário clínico que constava do verso dessa proposta e responder com verdade e prestar todas as informações lá solicitadas, sob pena do contrato de seguro poder vir, no futuro, a ser anulado” (alínea f) dos factos não provados), 3 - E que “as rés não fizeram prova de terem remetido ao autor as condições do contrato de seguro”, 4 - Não fazendo, designadamente, prova, de que foi comunicada ao autor, a cláusula de exclusão da cobertura do seguro no caso de doença ou incapacidades pré-existentes à data da aceitação da adesão ao contrato de adesão ao contrato de seguro, prevista na alínea a) do ponto 5.3 das condições gerais do mesmo; 5 - Impunha-se considerar, a mesma, excluída do contrato de seguro, nos termos do artigo 8º do DL nº 446/85, de 25 de Outubro. 6 - Esta questão é prévia e condiciona a declaração prestada pelo autor em sede do questionário clínico que preencheu, porquanto, aquando da subscrição do contrato, a vontade do autor não se encontrava cabalmente esclarecida, em virtude da violação do dever de informação por parte das rés. 7 - Pelo que, não pode ser responsabilizado por quaisquer declarações inexatas que tenha prestado, já que não lhe foram sequer, previamente fornecidas as cláusulas do contrato, por forma a lê-las e interpretá-las em toda a sua extensão. 8 - Acresce que, pelo facto de se tratar de um contrato de adesão, onde a posição do segurado é ainda mais frágil, impõe-se, mais ainda, o cumprimento do dever de informação, uma vez que os restantes intervenientes são poderosos grupos económicos, que elaboram o contrato, conhecem o regime jurídico do contrato de seguro e beneficiam do mesmo 9 - E porque a entidade seguradora é a grande beneficiária neste tipo de seguros contributivos, não impende somente sobre o tomador do seguro (a, aqui primeira ré, Caixa Geral de Depósitos, S.A.), mas também sobre aquela, aqui segunda ré, Companhia de Seguros Fidelidade, S.A., a obrigação de informar. 10 - Tal como refere o douto o acórdão deste Colendo Tribunal, proferido no âmbito do processo nº 294/2002.E1.S1“A responsabilização direta da Seguradora para com o segurado resulta, quer do princípio da boa-fé, quer da consideração de que, estando-se no domínio do direito do consumo, se deve proteger, em primeira linha, a parte mais débil na relação contratual - o consumidor segurado (…) Estando em causa uma terceira parte, dependente economicamente do Banco e que adere às condições do contrato de seguro, o comportamento da Seguradora não pode analisar-se de forma isolada ou separada dos interesses do segurado nem da relação de dependência do segurado em relação ao Banco, mutuante e Tomador do Seguro.” 11 - Entendemos, pois, estar vedado à seguradora, sob pena de violação do princípio da boa fé, tomar mão de eventuais inexatidões nas declarações prestadas pelo autor aquando da subscrição do contrato, fazendo cessar o mesmo, tendo, ela própria, incumprido a sua obrigação de informar, designadamente, como no caso sub iudice, através do prévio envio ao autor das condições gerais do contrato e questionário clínico. 12 - Invocar, nestas circunstâncias, a invalidade do contrato configura, quanto a nós, uma situação de abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum próprio”, e, como tal, inaceitável, nos termos do disposto no artigo 334º do código civil. 13 - Ao considerar, sem mais, o contrato de seguro em causa, inválido, abstendo-se, inclusive, de se pronunciar sobre os restantes pedidos deduzidos pelo autor, aplicando “cegamente” as regras do LCS, designadamente as contidas nos artigos 24, nº 1, 26º, nºs 1 e 2 e 4, e 78º, sem as harmonizar com as normas da LCCG, designadamente as contidas nos artigos 5º, 6º, nº 1 e 8º do DL 446/85, de 25 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo DL 220/95, de 31 de Agosto, e ainda, o artigo 4º do DL 176/95, de 26 de Julho, o Venerando Tribunal da Relação fez uma incorreta interpretação de todas, violando-as. 14 - A douta decisão viola, ainda, o princípio da boa fé, plasmado no artigo 227º do Código Civil, e a norma contida no artigo 334º do mesmo diploma legal, que regula o instituto do abuso de direito. Nestes termos, e nos melhores de direito aplicável, deverá ser dado provimento ao presente Recurso de Revista, e, em consequência, ser proferido douto Acórdão que revogue e substitua o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, acolhendo a pretensão do autor”. Contra-alegou a recorrida Fidelidade, pugnando pela não admissão do recurso ou, pela improcedência do mesmo. Subsidiariamente recorreu o autor, invocando fundamento para a admissão da revista excecional. - Determinada a remessa dos autos à Formação referida no nº 3 do art. 672 do CPC, com vista a verificar os requisitos específicos da admissibilidade da revista excecional, foi decidido ser relevante a questão suscitada e admitida a revista excecional. É a seguinte a decisão do acórdão da Formação, relativamente à revista excecional: “(…) Está aqui em causa, essencialmente, a interpretação do regime dos contratos de seguros de grupo do ramo vida, associados a mútuos e frequentemente oferecidos e intermediados pelo próprio banco (e tomador do seguro) que concede o financiamento, e, em geral, celebrados aquando da conclusão do mútuo a que se encontram associados, numa prática bancária de comercializar de modo combinado serviços bancários e segurísticos, oferecendo ao mutuário a adesão a um seguro colectivo que o banco celebrara com a seguradora e por ele previamente conformado, com vista a garantir o segurado em caso de perda da capacidade para cumprir as respectivas obrigações contratuais, em caso de morte ou de invalidez, sendo o banco mutuante/tomador do seguro o beneficiário directo do seguro. Trata-se, pois, de um contrato bilateral, oneroso, aleatório, de adesão – já que uma das partes se limita a aderir aos termos que lhe são propostos, não ajustando o teor do contrato – e de boa-fé (objectiva), que obriga ambas as ambas, ao estabelecerem contactos com vista a determinado negócio, a comportarem-se nas negociações de acordo com as respectivas regras, subjacentes aos deveres de protecção, de informação e de lealdade. É por isso que em algumas decisões deste Tribunal já se tem sustentado, no âmbito da aplicação da norma do artigo 429º do C. Comercial, a ideia de que se deve atender aos particulares contornos de cada caso para se poder aferir se faz sentido que um segurador pretenda eximir-se totalmente da sua responsabilidade, prevalecendo-se de declarações inexactas do proponente (…). Por outro lado, também não tem sido inteiramente pacífica a questão de saber se, ao abrigo do citado art. 429º, a anulabilidade do contrato depende (ou não) da existência de nexo de causalidade entre a inexactidão e o sinistro. (…) Por isso, tendo em conta os particulares contornos da situação em apreço, tem suficiente interesse e utilidade uma intervenção última do Supremo Tribunal sobre os equívocos que tais questões propiciam, tendo em conta os benefícios que dela podem resultar para a clarificação de tal matéria, com um impacto para além do concreto litígio, por determinar a apreciação de outros casos”. * Foi admitido o recurso de revista. Foram dispensados os vistos, sendo remetidas as peças processuais relevantes. * Face à alteração operada pela Relação, a matéria de facto dada como assente, (provada e não provada), com a alteração da sua numeração, daí decorrente, é a seguinte: A) Factos provados 1. O Autor casou com BB, em … de agosto de 2000, tendo este casamento sido dissolvido por divórcio, por decisão de … de Dezembro de 2011. 2. Por escritura pública de Compra e Venda, Mútuo Com Hipoteca e Fiança, celebrada no Cartório Notarial de ..., em 20.06.2003, CC declarou que “pelo preço de cinquenta e oito mil e quinhentos euros, que já recebeu, vende a AA e BB (terceiros outorgantes) um prédio urbano sito em ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória de Registo Predial deste concelho, sob o número ...67, da dita freguesia e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ...89”, declarando a segunda outorgante ..., em representação dos terceiros outorgantes, que para os seus representados “aceita o presente contrato nos termos exarados”. 3. Na escritura referida em 2), também declararam a segunda e os terceiros outorgantes, nas qualidades em que outorgam: “que, pela presente escritura, a Caixa Geral de Depósitos, S.A. concede aos representados da segunda outorgante um empréstimo da quantia de cinquenta e oito mil e quinhentos euros, importância de que esta os confessa solidariamente devedores. Tal empréstimo reger-se-á pelas cláusulas constantes da referida escritura bem como pelas cláusulas constantes de um documento complementar elaborado nos termos do n.º 2 do artigo 64 do Código do notariado (…) em garantia do capital emprestado, no referido montante de cinquenta e oito mil e quinhentos euros, dos respetivos juros até à taxa anual de 8,785% (…) a parte devedora constitui hipoteca sobre o prédio urbano identificado nessa escritura e adquirido pelos terceiros outorgantes”. 4. Com início às 00:00 horas do dia 20.07.2003, pelo período temporal anual e renovável automaticamente a 1 de Janeiro, pela adesão n.º ..., para o período de 01.01.2013 até 31.12.2013, com o capital seguro em 01.01.2013 de 43.486,65 euros, o Autor declarou aderir ao “Contrato de Seguro de Vida Grupo”, titulado pela Apólice n.º ..., celebrado entre as Rés “Companhia de Seguros Fidelidade Mundial, S.A.” e Caixa Geral de Depósitos. 5. A Ré FIDELIDADE-MUNDIAL, S.A. subscreveu com a Caixa Geral de Depósitos, S.A. um “seguro de grupo” contributivo Ramo Vida titulado pela apólice nº .....06, consignando-se Caixa Geral de Depósitos, SA como tomadora de seguro e beneficiários as pessoas seguras como os clientes do Tomador de Seguro. 6. As condições gerais do seguro referenciado em 5) consignam, designadamente, que: “Artigo 1.º Definições Invalidez Total e Permanente – A limitação funcional permanente e sem possibilidade clinica de melhoria em que , cumulativamente, estejam preenchidos os seguintes requisitos: a) A Pessoa segura fique completa e definitivamente incapacitada de exercer a sua profissão ou qualquer outra actividade remunerada compatível com os seus conhecimentos e aptidões; b) Corresponda a um grau de desvalorização igual ou superior à percentagem definida em Condições Particulares, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais em vigor na data de avaliação da desvalorização sofrida pela Pessoa Segura, não entrando para o seu cálculo quaisquer incapacidades ou patologias preexistentes. c) Seja reconhecida previamente pela Instituição da Segurança Social pela qual a Pessoa Segura se encontre abrangida ou pelo Tribunal de Trabalho ou, caso a Pessoa Segura não se encontre abrangida por nenhum regime ou Instituição de Segurança Social, por Junta Médica. Invalidez absoluta e definitiva – A limitação funcional permanente e sem possibilidade clínica de melhoria que incapacite a pessoa segura para o exercício de qualquer actividade remunerada, necessitando da assistência de uma terceira pessoa para efectuar os actos normais da vida diária.”. 7. As condições particulares do seguro referido mencionado em 5) consignam, designadamente, que: “Artigo 1.° Objecto do Seguro O presente contrato de seguro cobre os riscos de morte e invalidez ligados a contratos de mútuo de crédito à habitação, garantindo o pagamento ao beneficiário designado do capital seguro em caso de morte ou invalidez total e permanente. Artigo 2.° Pessoas Seguras São Pessoas Seguras os clientes do Tomador do Seguro que contratem com o Tomador do Seguro empréstimo para a compra de habitação própria (1ª habitação ou habitação secundária), e os respectivos fiadores, em qualquer dos casos, desde que satisfaçam as seguintes condições: 1. Terem preenchido o Boletim de adesão e satisfeito as demais formalidades decorrentes da grelha de selecção médica em vigor no Segurador à data da adesão ou as solicitadas pelo Segurador para aferir do risco moral, de local de residência ou estadia, ou de actividade profissional, ocupacional e desportiva; 2. Terem idade inferior a 65 anos na data da adesão; 3. Ter sido a adesão aceite pelo Segurador, após apreciação do respectivo processo de aceitação. Artigo 3° Riscos Cobertos O que está coberto: 1. O Contrato de Seguro abrange as seguintes garantias: a) Garantia Principal - Morte por Doença ou Acidente; b) Garantia Complementar - Invalidez absoluta e definitiva por Doença; A garantia corresponde à antecipação de 100 % do capital seguro. (…) Artigo 5° Início e Duração do Contrato e das Adesões (…) 2. Relativamente a cada Pessoa Segura, as garantias contratuais entram em vigor na data de aceitação do risco pelo Segurador ou na data de celebração do contrato de empréstimo ou escritura se posterior, renovam-se a 1 de Janeiro de cada ano e vigoram por 1 ano e seguintes.” 8. Em 6.4.2011, a segurança social francesa declarou atribuir ao Autor uma pensão de invalidez no montante bruto mensal de 927,66€ por o mesmo apresentar “um estado de invalidez que reduz pelo menos em 2/3 a sua capacidade para o trabalho ou de ganho”. 9. Em 16 de Setembro de 2011, o Autor declarou à Ré Companhia de Seguros Fidelidade Mundial que se encontrava com 100% de incapacidade e que por isso pretendia que fosse accionada a cobertura de invalidez absoluta e definitiva por doença. 10. Em 3 de Outubro de 2012, a Ré Fidelidade remeteu uma missiva ao Autor AA consignando, designadamente, que: “Assunto: Apólice ......87 – alteração do contrato de seguro por omissões e inexactidões negligentes Tomamos conhecimento, através dos elementos de instrução do nosso processo de sinistro, ora obtidos, da existência de omissões ou inexactidões negligentes na declaração inicial do risco (…) A alteração proposta consubstancia-se em o contrato seja aceite com exclusão da invalidez por doença ou acidente, e no que respeita à cobertura de morte, com um agravamento de prémio de 275 %. (…) Em face dos exposto, concedemos à pessoa segura um prazo de 15 dias (…) para que proceda ao envio da aceitação da proposta de alteração ora apresentada. Caso a pessoa segura não responda ou rejeite a proposta de alteração em causa, dentro do prazo que para o efeito lhe foi conferido, o contrato cessará nos termos previstos no artigo 26.º, n.º 2, do regime jurídico do contrato de seguro aprovado pelo DL 72/2008, de 16 de Abril, 20 dias após a recepção por V. Exa. da proposta de alteração aqui apresentada”. 11. Em 16 de Outubro de 2012, por missiva remetida pela mandatária do Autor para a Ré Companhia de Seguros Fidelidade Mundial, consignou-se que “(…) Serve, igualmente, a presente missiva para, em nome do nosso constituinte, rejeitar expressamente a proposta de alteração apresentada na v/carta.”. 12. No questionário clínico constante do boletim de adesão referenciado em 4), o Autor declarou, designadamente, que não teve e não tinha qualquer doença. 13. O Autor sofria, desde Abril de 1999, de retinopatia proliferonte bilateral e maculopatia diabética. 14. Na sequência do mencionado em 13), o autor apresenta uma invalidez definitiva, com taxa não determinada, não podendo mais exercer a sua profissão, nem qualquer outra. 15. A Ré Fidelidade, se tivesse tido conhecimento da doença mencionada em 13), nunca teria aceite a adesão do Autor nos termos em que a aceitou. 16. Pela ap. 3031 de 13.12.2011, afigura-se registada a favor do Autor a aquisição do prédio urbano descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o n.º ...a freguesia de ..., inscrito na matriz urbana sob o artigo .... Factos aditados pela Relação: a) Associado ao contrato de mútuo e por imposição da 1ª Ré, o A. e o ex-cônjuge viram-se obrigados a celebrar com a 2ª Ré, Companhia de Seguros Fidelidade, S.A., o contrato de seguro referido em 4). b) À data da subscrição do contrato referido em 4, o A. era insulinodependente. c) O formulário constante de fls 145-146, 187-187v, foi preenchido pelo funcionário da CGD que nessa data exercia as funções de gerente da CGD. d) O A. tem como habilitações literárias o 6º ano e a sua mãe não sabe ler nem escrever, motivo pelo qual o funcionário da CGD, se predispôs a auxiliar o A., e preencheu o formulário constante de fls 145-146 (igualmente junto a fls 187-187 v), de acordo com as respostas que este lhe deu. e) Não foram solicitados exames ou relatórios médicos pela R. Companhia de Seguros Fidelidade, S.A., tendo exigido apenas o preenchimento do formulário constante de fls 146 (e 187 v). * B) Factos não provados 17. O autor apresenta uma invalidez absoluta e permanente de 100%. 18. O autor necessita da assistência de terceira pessoa para as tarefas normais do quotidiano. 19. Em consequência do indicado em 10), o autor sente-se desgostoso. Factos aditados pela Relação: f) Aquando da apresentação e assinatura da proposta de adesão ao contrato de seguro ora em causa, o A. foi cabalmente esclarecido e advertido, pelo funcionário da Ré que o atendeu, de que deveria ter especial cuidado quanto ao preenchimento do questionário clínico que constava do verso dessa proposta e responder com verdade e prestar todas as informações lá solicitadas, sob pena do contrato de seguro poder vir, no futuro, a ser anulado. g) Que o A. e a sua mulher se limitaram a fornecer todos os documentos e informações que lhes foram solicitadas pelo mencionado DD, h) Que o contrato de seguro já se encontrava preenchido no momento da sua subscrição pelo A. e a sua mulher quando se dirigiram à agência de ..., limitando-se a assinar nos locais indicados pelo gerente. * Conhecendo: São as questões suscitadas pelo recorrente, constantes das respetivas conclusões, que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 608, 635, nº 3 a 5 e 639, nº 1 e 672, do C.P.C. No caso em análise questiona-se: - Não foi dado cabal cumprimento ao dever de informação a que as rés se encontram obrigadas por força do disposto nos artigos 5º e 6 do DL 446/85, de 25 de outubro, e artigo 4º do o DL 176/95, de 26 de Julho. - Não fizeram, as rés, prova de que foi comunicada, ao autor, a cláusula de exclusão da cobertura do seguro no caso de doença ou incapacidades pré-existentes à data da aceitação da adesão ao contrato de seguro, pelo que se impunha considerar excluída, do contrato de seguro, a cláusula prevista na alínea a) do ponto 5.3 das condições gerais do mesmo, por força do disposto no artigo 8º do DL nº 446/85, de 25 de outubro. - Nestas circunstâncias, a invalidade do contrato configura uma situação de abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum próprio”. - Violação do princípio da boa-fé. * Cumprimento do dever de informação nos contratos de seguro vida por adesão: Face à matéria de facto provada, está em causa a adesão ao seguro de grupo sob a adesão “n.º ...” pela qual o Autor declarou aderir ao “Contrato de Seguro de Vida Grupo”, titulado pela Apólice n.º ..., celebrado entre as Rés “Companhia de Seguros Fidelidade Mundial, S.A.” e “Caixa Geral de Depósitos”. As Rés, FIDELIDADE-MUNDIAL, S.A. e Caixa Geral de Depósitos, S.A. subscreveram um “seguro de grupo” contributivo Ramo Vida titulado pela apólice nº ......06, consignando-se Caixa Geral de Depósitos, SA como tomadora de seguro e beneficiários as pessoas seguras como os clientes do Tomador de Seguro. De acordo com o art. 187, nº 2, do RJCS, a pessoa segura, nos seguros de grupo, é o titular dos direitos e obrigações contratuais, designadamente do dever de pagar o prémio. Assim, a pessoa segura identifica-se com o segurado (conforme o art. 77, n.ºs 2 e 3, do RJCS, o segurado é o sujeito que paga o prémio no seguro de grupo contributivo). A noção de “seguro de grupo” encontra-se no art. 1.º, al. g), do DL n.º 176/95, de 26 de julho, revogado pelo art. 6.º do RJCS “seguro de um conjunto de pessoas ligadas entre si e ao tomador do seguro por um vínculo ou interesse comum”, assim como no art. 76.º, n.º 1, do RJCS, atualmente em vigor, o “contrato de seguro de grupo cobre riscos de um conjunto de pessoas ligadas ao tomador do seguro por um vínculo que não seja o de segurar”. O denominado seguro de grupo é aquele que cobre riscos de um conjunto de pessoas ligadas ao tomador do seguro por um vínculo que não seja o de segurar. Através do contrato de seguro de grupo cria-se um mecanismo destinado a proteger os interesses do banco que, em caso de verificação do sinistro, em virtude da cobertura do seguro, pode recuperar o capital e os juros que lhe sejam devidos, evitando o recurso a procedimentos executivos de outro modo necessários para a satisfação do respetivo crédito. O banco/mutuante intervém simultaneamente como distribuidor e beneficiário do seguro cujo prémio é pago pelo cliente. Como refere o Ac. deste STJ de 09-03-2021, desta 1ª secção, no Proc. nº 1197/16.3T8BRG.G1.S1, “Com efeito, do lado do cliente, o seguro associado ao mútuo, corretamente projetado e distribuído, tutela o mutuário perante eventos acidentais suscetíveis de afetar a sua capacidade de cumprir. No que respeita ao banco, reforça a garantia do reembolso e do pagamento dos juros, preservando o bem constituído em garantia e facilitando uma alocação mais eficiente do crédito. Por fim, do ponto de vista da seguradora, o recurso aos bancos aumenta a sua capacidade de distribuição”. Entende o autor que, no caso, não foi dado cabal cumprimento ao dever de informação a que as rés se encontram obrigadas por força do disposto nos artigos 5º e 6 do DL 446/85, de 25 de outubro, e artigo 4º do o DL 176/95, de 26 de Julho. E que não foi comunicada, ao autor, a cláusula de exclusão da cobertura do seguro no caso de doença ou incapacidades pré-existentes à data da aceitação da adesão ao contrato de seguro, pelo que se impunha considerar excluída, do contrato de seguro, a cláusula prevista na alínea a) do ponto 5.3 das condições gerais do mesmo, por força do disposto no artigo 8º do DL nº 446/85, de 25 de outubro. Por outro lado, entende a seguradora que não estamos perante o dever de informar sobre o conteúdo das cláusulas do contrato de seguro, mas sim no domínio de um dever do aderente. Este é que tem o dever de prestar informações exatas sobre as circunstâncias que são significativas para a apreciação do risco e, apenas, deve ser esclarecido, não tem de ser informado. O contrato de seguro a que o autor aderiu tem como objeto a cobertura dos riscos de “de morte e invalidez ligados a contratos de mútuo de crédito à habitação, garantindo o pagamento ao beneficiário designado do capital seguro em caso de morte ou invalidez total e permanente”. Nos termos dos arts. 175 e 183 da RJCS, atualmente em vigor, aprovada pelo DL n.º 72/2008, de 16 de abril, e conforme já decorria dos arts. 455 e ss. do Cód. Comercial em relação à vida, o contrato de seguro de pessoas compreende a cobertura de riscos relativos à vida, à saúde e à integridade física de uma pessoa ou de um grupo de pessoas nele identificadas. E não consta do contrato qualquer clausula que exclua a cobertura do risco, quando este resulte de doença pré-existente, ou seja, sendo os riscos cobertos a morte e a invalidez total e permanente ou absoluta e definitiva mas, para assim acontecer, deveria o questionário ser preenchido de forma verdadeira, declarando o aderente as patologias de que padecia, a essa data, de forma a que, esclarecidamente, a seguradora propusesse as condições de funcionamento do seguro, tendo em conta essas patologias. Uma doença pré-existente não implica, de forma automática, a exclusão da cobertura do seguro, quando essa mesma doença é omitida na resposta ao questionário. Só implicará essa exclusão quando, do desenvolvimento/agravamento da doença pré-existente venha a ocorrer a morte ou invalidez permanente ou absoluta e definitiva. Das leis existentes e reguladoras de qualquer contrato de seguro, resulta que o risco está presente, quer no momento da celebração, quer durante toda a vigência de um contrato de seguro. Num contrato como o dos autos, o risco decorre, necessariamente, do próprio conceito de contrato de seguro e de risco, sob pena de se celebrar um negócio nulo nos termos do art. 280 do CC. Mas a seguradora tem de saber os riscos que corre, o que só acontece quando lhe é dado conhecimento de eventuais doenças pré-existentes (se existirem), pois o risco é analisado em função das características do segurado. No caso dos autos, decorre da matéria de facto que a doença de que o autor sofria à data da adesão ao seguro de grupo (celebração do contrato) se veio progressivamente a agravar, até passar a uma situação de invalidez. No entanto, também resulta que no questionário do boletim de adesão ao seguro, o autor declarou que não tinha qualquer doença. São relevantes estes factos: “12. No questionário clínico constante do boletim de adesão referenciado em 4), o Autor declarou, designadamente, que não teve e não tinha qualquer doença. 13. O Autor sofria, desde Abril de 1999, de retinopatia proliferonte bilateral e maculopatia diabética. 14. Na sequência do mencionado em 13), o autor apresenta uma invalidez definitiva, com taxa não determinada, não podendo mais exercer a sua profissão, nem qualquer outra. 15. A Ré Fidelidade, se tivesse tido conhecimento da doença mencionada em 13), nunca teria aceite a adesão do Autor nos termos em que a aceitou. b) À data da subscrição do contrato referido em 4, o A. era insulinodependente. c) O formulário constante de fls 145-146, 187-187v, foi preenchido pelo funcionário da CGD que nessa data exercia as funções de gerente da CGD. d) O A. tem como habilitações literárias o 6º ano e a sua mãe não sabe ler nem escrever, motivo pelo qual o funcionário da CGD, se predispôs a auxiliar o A., e preencheu o formulário constante de fls 145-146 (igualmente junto a fls 187-187 v), de acordo com as respostas que este lhe deu” (sublinhado nosso). A cláusula de exclusão da cobertura do seguro no caso de doença ou incapacidades pré-existentes à data da aceitação da adesão ao contrato de seguro de grupo, como todas as outras clausulas do contrato, deveria ser tida em conta pelo autor e, se tivesse dúvidas devia solicitar esclarecimentos, tudo antes de antes de assinar o contrato. E a invocação pelo recorrente de que não foi cabalmente esclarecido e advertido, pelo gerente do balcão do banco, de que deveria ter especial cuidado quanto ao preenchimento do questionário clínico que constava do verso da proposta e responder com verdade e prestar todas as informações lá solicitadas, sob pena do contrato de seguro poder vir, no futuro, a ser anulado, não resultou provada, nem no sentido positivo, nem no sentido negativo. Mas temos que o autor deu resposta ao questionário relativo às doenças de que padecia, no sentido de não sofrer de qualquer doença. Não há que considerar excluída tal clausula do contrato, não incidindo qualquer dever do proponente em informar, porque não se trata de clausula contratual geral, mas clausula específica do contrato de seguro, não se aplicando o disposto nos artigos 5 e 8 do DL nº 446/85, de 25 de Outubro, mas antes se aplicava o art. 429 do Cód. Comercial, como bem salienta o acórdão recorrido. Artigo que tem o seguinte teor: Art.º 429- Nulidade do seguro por inexatidões ou omissões: “Toda a declaração inexata, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tomam o seguro nulo”. Concordamos com a seguradora/recorrida de que não estamos perante o dever de informar sobre o conteúdo das cláusulas do contrato de seguro, mas sim no domínio de um dever do aderente. Este é que tem o dever de prestar informações exatas sobre as circunstâncias que são significativas para a apreciação do risco e, apenas, deve ser esclarecido, não tinha (na altura do contrato) de ser informado de que as declarações inexatas excluíam a cobertura do seguro. Só com o DL n.º 72/2008, de 16 de abril que aprovou o RJCS, (nomeadamente nos arts. 175 e 183) se impôs e regulamentou o dever de informação por parte da seguradora ou do proponente do seguro de adesão (normalmente o tomador do seguro). O novo regime jurídico do contrato de seguro, aprovado pelo DL n.º 72/2008, de 16 de Abril veio impor ao tomador ou ao segurado que declare “com exatidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para apreciação do risco pelo segurador”, sendo que tal dever é aplicável “a circunstâncias cuja menção não seja solicitada em questionário eventualmente fornecido pelo segurador para o efeito” -artigo 24, n.ºs 1 e 2 (e por maioria de razão o deveria ser quando solicitado no questionário). É um princípio basilar de direito, a boa-fé. Conforme art. 227 do CC, “quem negoceia com outro para a conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé”. Refere o ac. deste STJ de 17-05-2012, no Proc. 2841/03.8TCSNT.L1.S1, “1. O conceito normativo de boa fé é utilizado pelo legislador em dois sentidos distintos: no sentido de boa fé objetiva, enquanto norma de conduta , ou seja, no plano dos princípios normativos, como base orientadora e fundamento de efetivas soluções reguladoras dos conflitos de interesses, alcançadas através da densificação, concretização e preenchimento pelos Tribunais desta cláusula geral ; e no sentido de boa fé subjetiva ou psicológica, isto é, como consciência ou convicção justificada de se adotar um comportamento conforme ao direito e respetivas exigências éticas”. E continua: “Na verdade, como é notado pela doutrina e jurisprudência, a boa-fé objetiva tem uma relevância acrescida na disciplina do contrato de seguro, bem expressa na norma constante do art. 429 do C. Com.: Da maior importância é a classificação do contrato de seguro como de boa fé: porque se baseia nas declarações prestadas pelo segurado, referindo-se alguns Autores a uma uberrimae bona fidei, máxima boa fé, considerando-a elemento peculiar do contrato de seguro; a caracterização do seguro como contrato de boa fé não pretende reforçar a ideia de que quem negoceia com outrem para conclusão e um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, mas sublinhar a necessidade absoluta de lealdade do segurado para manter a equidade na relação contratual, uma vez que a seguradora é normalmente obrigada a confiar nas suas declarações, sem poder verificá-las aquando da subscrição (José Vasques, Contrato de Seguro, 1999, pag. 110)”. E encontra-se provado que “12. No questionário clínico constante do boletim de adesão referenciado em 4), o Autor declarou, designadamente, que não teve e não tinha qualquer doença. 13. O Autor sofria, desde Abril de 1999, de retinopatia proliferonte bilateral e maculopatia diabética”. Verifica-se que o segurado violou um fundamental dever de exatidão e verdade, decorrente do princípio da boa fé objetiva na declaração negocial do contrato de seguro, quer nas negociações preliminares (art. 227 do CC), quer na integração do contrato (art. 239 do CC). E também no sentido apontado, o ac. deste STJ de 2-12-2008, no proc. nº 08A3737, que refere, “1) O artigo 429 do Código Comercial, fulmina de nulidade o seguro celebrado com base em declarações inexatas ou reticentes, desde que possam ter influência na existência ou condições do contrato. 6) A sanção do artigo 429 do Código Comercial mais não é do que a consequência de um caso de erro vício, essencial parcial, da disciplina do artigo 251 do Código Civil. 8) No questionário-proposta, deve ser declarada essa deficiência, e também, e ainda que em sede de resposta a pergunta genérico-residual, o tomador do seguro deve declarar a sua situação nosológica, designadamente uma patologia como a diabetes que pode ter sequelas com reflexo no risco assumido pelo segurador”. E acrescenta este aresto que, “no limite, padecendo de doença com possíveis – e prováveis – sequelas graves e não a declarando na pergunta residual do questionário-proposta, continuou a impedir a recorrente de proceder a uma exata determinação do risco que assumia o que, nas palavras do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 524/99, de 29 de Setembro de 1999, “constitui um aspeto fundamental da disciplina do contrato de seguro” (…) sendo que “a norma do artigo 429 do Código Comercial tem portanto como objetivo dar concretização a esta necessidade de determinar com exatidão o risco do contrato de seguro”. E o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 10/2001, de 21 de Novembro de 2001 (Diário da República, I A, de 27/12/2001) refere “sendo fundamental, no contrato de seguro, a confiança nas declarações emitidas pelos contraentes, para prevenir as eventuais tentativas de fraude, a lei sanciona com a invalidade os contratos em que tenha havido declarações inexatas, incompletas ou prestadas com reticências, com omissões por parte do tomador do seguro e que influam sobre a existência ou condições do contrato, sendo inócua a intenção do segurado. (…) A avaliação do que sejam declarações inexatas, ou omissões relevantes, determinantes do regime de invalidade do negócio, terá de ser feito caso a caso”, donde se pode extrair a aplicação do regime da invalidade do contrato de seguro, quando as declarações inexatas são prestadas pelo segurado. E face às declarações inexatas do segurado concluímos não ter havido violação do princípio da boa-fé por parte da seguradora. Assim como não se verifica abuso de direito e, nestas circunstâncias, a invalidade do contrato não configura uma situação de abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum próprio”. Refere Menezes Cordeiro in https://portal.oa.pt, Revista Ano 2005, vol. II, Set. 2005, “I. “Abuso do direito” é, como temos repetido, uma mera designação tradicional, para o que se poderia dizer “exercício disfuncional de posições jurídicas”. Por isso, ele pode reportar-se ao exercício de quaisquer situações e não, apenas, ao de direitos subjetivos. De facto e em boa hora, cada vez menos surgem afirmações de inaplicabilidade do regime do abuso do direito … por não haver um direito subjetivo. Esta figura foi, todavia, paradigmática na elaboração do instituto: donde o discurso sempre usado. II. A aplicação do abuso do direito depende de terem sido alegados e provados os competentes pressupostos — salva a hipótese de se tratar de posições indisponíveis. Além disso, as consequências que se retirem do abuso devem estar compreendidas no pedido feito ao Tribunal, em virtude do princípio dispositivo. Verificados tais pressupostos, o abuso do direito é constatado pelo juiz, mesmo quando o interessado não o tenha expressamente mencionado: é, nesse sentido, de conhecimento oficioso. O Tribunal pode, por si e em qualquer momento, ponderar os valores fundamentais do sistema, que tudo comporta e justifica. Além disso, não fica vinculado às alegações jurídicas das partes. III. O abuso do direito, nas suas múltiplas manifestações, é um instituto puramente objetivo. Quer isto dizer que ele não depende de culpa do agente nem, sequer, de qualquer específico elemento subjetivo. Evidentemente: a presença ou a ausência de tais elementos poderão, depois, contribuir para a definição das consequências do abuso”. E acrescenta que, “o abuso do direito e a boa-fé a ele subjacente representam, assim, uma válvula do sistema: permitem corrigir soluções que, de outro modo, se apresentam contrárias a vetores elementares”. Porém, no caso, não se verifica abuso de direito por parte da recorrida seguradora. A existir abuso de direito seria por parte do recorrente que, tendo não só omitido a doença pré-existente que veio a ser causa da invalidez, declarou não sofrer de qualquer doença ao tempo da celebração do contrato e, mesmo assim, intentou a presente ação. Assim que entendamos como no acórdão recorrido: “No caso, a entidade seguradora logrou provar que se tivesse tido conhecimento da doença que afetava o A. desde 1999, nunca teria aceite a adesão do Autor nos termos em que a aceitou, pelo que não está obrigada à cobertura do sinistro que tenha ocorrido”. Pelo que há-de ser julgado improcede o recurso e, por consequência, ser confirmado o acórdão recorrido. * Sumário elaborado nos termos do art. 663 nº 7 do CPC: I - O denominado seguro de grupo é aquele que cobre riscos de um conjunto de pessoas ligadas ao tomador do seguro por um vínculo que não seja o de segurar. II - Através do contrato de seguro de grupo cria-se um mecanismo destinado a proteger os interesses do banco que, em caso de verificação do sinistro, em virtude da cobertura do seguro, pode recuperar o capital e os juros que lhe sejam devidos, evitando o recurso a procedimentos executivos de outro modo necessários para a satisfação do respetivo crédito. III - E não consta do contrato qualquer clausula que exclua a cobertura do risco, quando este resulte de doença pré-existente, ou seja, sendo os riscos cobertos a morte e a invalidez total e permanente ou absoluta e definitiva mas, para assim acontecer, deveria o questionário ser preenchido de forma verdadeira, declarando o aderente as patologias de que padecia, a essa data, de forma a que, esclarecidamente, a seguradora propusesse as condições de funcionamento do seguro, tendo em conta essas patologias. IV - No caso dos autos, decorre da matéria de facto que a doença de que o autor sofria à data da adesão ao seguro de grupo (celebração do contrato) se veio progressivamente a agravar, até passar a uma situação de invalidez assim como, também, resulta que, no questionário do boletim de adesão ao seguro, o autor declarou que não tinha qualquer doença. V - O aderente do seguro de grupo é que tem o dever de prestar informações exatas sobre as circunstâncias que são significativas para a apreciação do risco e, apenas, deve ser esclarecido, não tinha (na altura do contrato) de ser informado. Decisão: Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso, negar a revista e, confirmar o acórdão recorrido. Custas pelo recorrente. Lisboa, 04-05-2021 Fernando Jorge Dias – Juiz Conselheiro relator Nos termos do art. 15-A, do Dl. nº 10-A/2020 de 13-03, aditado pelo art. 3 do Dl. nº 20/2020 atesto o voto de conformidade dos srs. Juízes Conselheiros adjuntos. Maria Clara Sottomayor – Juíza Conselheira 1ª adjunta António Alexandre Reis – Juiz Conselheiro 2º adjunto |