Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06P1916
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SOUSA FONTE
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTE
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
ILICITUDE CONSIDERAVELMENTE DIMINUÍDA
IMAGEM GLOBAL DO FACTO
REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
Nº do Documento: SJ200609130019163
Data do Acordão: 09/13/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário :
I - A propósito do crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25.º do DL 15/93, de 22-01, dito privilegiado, tido como válvula de segurança do sistema, em ordem a evitar que situações efectivas de menor gravidade sejam tratadas com penas desproporcionadas, a jurisprudência do STJ vai no sentido de que a conclusão sobre o elemento típico da considerável diminuição da ilicitude do facto terá de resultar de uma valoração global deste, tendo em conta, não só as circunstâncias que o preceito enumera de forma não taxativa, mas ainda outras que apontem para aquela considerável diminuição.
II - A avaliação da ilicitude de um facto criminoso como consideravelmente diminuída não pode deixar de envolver uma avaliação global de todos os elementos que interessam àquele elemento do tipo, tanto no domínio do direito penal da droga como em qualquer outro.
Aqui, como em outros campos do direito penal, não bastará a presença de uma
circunstância fortemente atenuante para considerar preenchido o conceito, quando as
restantes, com incidência nessa avaliação, são de sentido contrário, do mesmo modo que um conjunto de circunstâncias fortemente atenuantes não poderá ser postergado, sem mais, pela presença de uma circunstância grave.
III - Terão de se integrar no art. 25.º do DL 15/93, de 22-01, todos os casos de tráfico que, à luz do senso comum, sejam efectivamente de pequena, e não apenas pequeníssima ou insignificante dimensão.
IV - Resultando apurado que:
- antes de 22-05-2003, o arguido foi referenciado à PSP, por chamada telefónica anónima, como traficante de drogas. As acções de vigilância realizadas, no entanto, «não obtiveram resultados»;
- naquela data, tinha escondidas sob um vaso existente junto à sua residência, 19
embalagens de heroína misturada com diazepam e fenobarbital, com o peso líquido total de 2,309 g, e um plástico com resíduos de heroína, com o peso líquido de 5,493 g;
- no dia 21-01-2004, tinha o arguido escondidas sob um vaso posicionado junto à porta de entrada do 4° andar direito do n.º 15, da Rua …, onde residia, 21 embalagens de cocaína, com o peso líquido total de 5,427 g;
- no dia 10-02-2004, tinha o arguido consigo, debaixo da cama da sua residência, 15
embalagens de cocaína, bem como 2 embalagens de cocaína, na mesa de cabeceira, com o peso líquido total de 6,838 g, e ainda 2 embalagens de glucose destinada a mistura com produto estupefaciente, com o peso bruto de 28,547 g;
- na mesma ocasião e local tinha a quantia de 1895, que era proveniente da venda de produtos estupefacientes (bem como um fio em ouro, dois telemóveis, cinco consolas de playstation II e um aparelho de DVD, objectos que não se provou terem sido comprados com dinheiro da droga);
impõe-se concluir que o arguido praticou um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25.º do DL 15/93, de 22-01.
V - Com efeito, esta factualidade mostra-nos um indivíduo que, após ser anonimamente referido à PSP como traficante de drogas, foi surpreendido, por três vezes (espaçadas entre si: entre a primeira e a segunda decorreram cerca de 7 meses e entre a segunda e a terceira aproximadamente 3 semanas), com muito modestas quantidades de heroína, cocaína e produtos de corte, e ainda com 1895, provenientes de vendas feitas; a venda e/ou detenção para venda da droga não mostra quaisquer sinais de refinamento e as circunstâncias da acção - venda directa - não envolvem meios sofisticados ou indicadores de especial organização, para além, naturalmente, do cuidado de não ser surpreendido; a difusão do produto foi modestíssima - os factos apenas referem dois eventuais compradores.
VI - A imagem global do facto revela-nos um traficante intermitente, de muito reduzidas
quantidades de droga, drogas duras é verdade (no entanto, a qualidade da droga só por si não constitui circunstância impeditiva da verificação do crime privilegiado, antes,
relevando essencialmente para efeitos da integração da conduta nas als. a) ou b) do art. 25.°), que age sozinho e sozinho abastece quem o procura. Um pequeno, mesmo muito pequeno traficante, cuja conduta não pode ser, sob pena de clamorosa
desproporcionalidade, sujeita à pesada moldura punitiva do art. 21°, talhada para os médios e grandes traficantes.
VII - Há que distinguir os casos graves dos pouco graves e não meter todos no «mesmo saco».
Apesar do largo arco punitivo daquele art. 21.°, não foi decididamente pensado para punir situações de tráfico como a dos autos, de tão modesta dimensão.
VIII - O regime penal especial para jovens, do DL 401/82, de 23-09, mais do que conferir uma benesse ao jovem delinquente, por se entender ser merecedor de um tratamento penal especializado, procura promover a sua ressocialização - razão por que instituiu um direito mais reeducador do que sancionador, a revelar que a reinserção social surge aqui, no direito penal dos jovens delinquentes, como primordial finalidade da pena. E se é certo que não deixa de instituir a pena de prisão, fá-lo apenas em última instância, como ultima ratio, quando - e apenas se - isso for exigido pela firme defesa dos interesses fundamentais da sociedade e pela prevenção da criminalidade, o que sucederá no caso de a pena aplicável ser a de prisão superior a 2 anos. Porém, nesse caso, a pena deverá ser especialmente atenuada se concorrerem sérias razões no sentido de que, assim, se facilitará aquela reinserção.
IX - A atenuação especial do art. 4.° do DL 401/82, de 23-09, só não deve ser aplicada quando houver sérias razões para crer que tal medida não vai facilitar a ressocialização do jovem delinquente.
X - Mostra-se adequado sancionar a conduta do arguido com a pena, especialmente atenuada, ao abrigo do regime penal especial para jovens, de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 anos, acompanhada de regime de prova.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça
1.
1.1. No Tribunal Colectivo da 5ª Vara Criminal de Lisboa, 2ª Secção (PROC. Nº 82/03.3PAAMD), respondeu o arguido AA, filho de …, nascido em…, em S. Jorge de Arroios, Lisboa, solteiro, residente na Rua …, nº…, 4º Dtº, Bairro …, …, acusado da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artº 21º, nº 1, do DL 15/93, de 22 de Janeiro.
A final, foi condenado pela autoria desse crime, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão.

1.2. Inconformado, interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:
«1. Atendendo aos princípios gerais de direito e à tão visada reinserção social, afere-se como excessivamente gravosa e, acima de tudo, contraproducente a medida da pena aplicada ao ora recorrente.
2. Ao contrário do que julgou o Tribunal a quo, na decisão ora recorrida, entende-se ser possível fazer-se o tal juízo de prognose favorável à reintegração social do arguido.
3. Salvo o devido respeito, não foram levados em consideração os critérios enunciados no nº 2 do artigo 71º do C.P..
4. Nomeadamente no que diz respeito ao disposto na sua alínea d);
5. A própria condição pessoal do agente, é de molde a decidir-se por medida que contribua para a reintegração e não para a segregação, cumprindo-se assim o disposto no artigo 40° do C.P..
6. Acresce o facto de não se ter provado o período de tempo a que se dedicava à prática desta actividade, atendo-se a prova ao que ocorreu no dia em que foi detido.
7. Tão pouco foram levadas em consideração as circunstâncias pessoais que depondo a favor do Recorrente, concorriam para uma atenuação da pena.
8. O doseamento da pena arbitrado pelo tribunal a quo denuncia uma nítida violação do princípio da proporcionalidade das penas.
9. A este respeito, desde já se advoga que as normas constitucionais que se consideram violadas são as vertidas no n° 2 do artigo 32° e n° 6 do artigo 29° da Constituição da República Portuguesa.
10. Crê-se que estão reunidas as condições de facto e de direito para uma efectiva redução da pena.
11. S.m.e., estamos perante um caso excepcional, em que, apesar de se poder configurar o crime de tráfico, a mera detenção desacompanhada da prova de transacções efectuadas, deve ser susceptível de baixar a pena a um patamar que, sendo ainda comunitariamente suportável para cumprir a função de prevenção geral, possa responder à menor exigência de reintegração social.
12. Deste modo, atenta a moldura legal do crime p.p. no artigo 21°, n° 1 do Decreto-Lei n° 15/93, de 22 de Janeiro, depois de ser especialmente atenuada nos termos do artigo 73°, n° 1, als. a) e b), do C.P., é de punir o ora recorrente com pena de prisão não superior a três anos.
13. Seguindo o expendido raciocínio, é forçoso colocar a hipótese de suspensão da pena, ao abrigo do artigo 50°, n° 1 do C.P., concluindo-se, como pugnamos, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
14. Aliás, invocando aqui uma parte do texto do Acórdão deste mais Alto Tribunal, de 13.02.03, in www.dqsi.pt, (...) a estratégia repressiva atinge basicamente os consumidores, traficantes/ consumidores, pequenos traficantes.
15. Além do mais, devido à sua condição sócio-económica, a sua instrução académica, consciência social, discernimento, e responsabilidade, não poderá ser como a de um indivíduo normal, segundo os critérios gerais.
16. No entanto, esta mesma realidade, acrescida do facto de haver sido condenado nos presentes autos, que poderá (caso se mantenha a medida de pena em que vem condenado) assumir, no espírito e personalidade do arguido, pela sua vulnerabilidade, um sentido precisamente inverso à tão pretendida reinserção social, comprometendo a sua preparação para conduzir a sua vida de forma socialmente responsável sem cometer crimes.
17. Não parece ser esta a intenção do legislador.
18. O nosso sistema penal, tem subjacente um direito mais reeducador do que sancionador, sem esquecer que a reinserção social, para ser conseguida, não poderá descurar os interesses fundamentais da comunidade, prevendo uma atenuação da pena, nos termos gerais, se para tanto concorrerem razões no sentido de que assim se facilitará aquela reinserção.
19. É exactamente nestes casos em que a ideia de prevenção especial que também preside aos fins das penas, assume especial relevo.
20. O principal escopo das penas aplicadas, é evitar que voltem a cometer crimes e que se tornem cidadãos responsáveis, socialmente úteis e cumpridores da lei.
21. Caberá ao julgador no caso concreto apreciar os seus critérios de aplicação.
22. Por último, no que respeita ao decidido afastamento do Decreto-Lei n° 401/82, de 23 de Setembro, não pode deixar de verter o mais veemente desapontamento e decepção pela decisão de afastamento do Regime Penal Especial Para Jovens, contido no Decreto-Lei n° 401/82, de 23 de Setembro, sendo esse o ponto principal de discordância.
23. Impunha-se que tal comportamento aparentemente desinteressado fosse melhor e mais cabalmente compreendido nas circunstâncias que o próprio Tribunal a quo não pode deixar de dar como provado no já mencionado ponto 11 do acórdão recorrido, merecendo tais matérias de âmbito clínico uma análise mais cuidada e melhor ponderada sob pena de se cometer um crasso erro de interpretação na solitária e mui nobre arte de julgar.
24. Por tudo o que antecede, e atendendo aos já referidos princípios gerais de direito e à visada reinserção social, afere-se, salvo o devido respeito, como excessivamente gravosa e, acima de tudo, contraproducente a pena aplicada.
Nestes termos e mais de direito aplicáveis, deverá revogar-se o acórdão recorrido, e consequentemente atenuar especialmente a pena, atentos os critérios enunciados nos artigos 40º, 70° e 71° do Código Penal, não devendo em termos concretos ser aplicada em medida superior a três anos de prisão, e sendo-lhe aplicada a figura da suspensão da execução da pena, nos termos e para os efeitos do artigo 50° do C. P.».
1.3. Respondeu a Senhora Procuradora da República do Tribunal recorrido que concluiu do seguinte modo:
«1 °- Face à matéria de facto provada em que ressalta a quantidade, qualidade e diversidade de produtos estupefacientes que o arguido detinha e destinava à venda, o facto de parte dos produtos estupefacientes se encontrar misturada com diazepam e fenorabarbital e o arguido ainda deter mais duas embalagens de glucose também destinadas à adulteração dos mesmos produtos, a fim de aumentar a sua quantidade e, em consequência, o seu lucro, e ainda o facto de ter sido apreendida ao arguido a quantia de 1895 Euros, obtida pelo arguido na sequência de anteriores transacções dos mesmos produtos, é evidente que o crime de tráfico de estupefacientes cometido pelo arguido não pode ser considerado de menor gravidade nos termos do art. 25° do DL 15/93, pois tais factos põem em evidência a perigosidade da acção do recorrente revelando a acentuada ilicitude dos mesmos.
2°- O Regime Especial para Jovens Delinquentes previsto no DL 401/82 de 23 de Setembro e a atenuação especial da pena daí decorrente não são de aplicação automática, pressupondo antes a existência de sérias razões para crer que da atenuação especial da pena resultem vantagens para a reinserção social do jovem delinquente.
3°- No caso presente não existem elementos que permitam concluir que a juventude do arguido tenha sido determinante à prática do crime pelo qual foi condenado nestes autos, e, as razões invocadas por ele a favor da atenuação especial da pena não dispõem, de forma alguma, da virtualidade de diminuir de forma acentuada a ilicitude dos factos, que foi muito elevada, a culpa do arguido, que foi muito intensa, ou as necessidades da pena, que neste tipo de crimes é premente, pois exige fortes imposições de reprovação e de prevenção geral e especial, atento o verdadeiro flagelo social que a droga constitui.
4°- Assim sendo não podia a pena ser especialmente atenuada ao recorrente nos termos do art. 4° do DL 401/82, pois de tal atenuação nenhumas vantagens resultariam para a sua reinserção social.
5°- E, pelas mesmas razões referidas em 1° e 3° também não podia a pena aplicada ao arguido ser suspensa na sua execução .
6°- Aliás a pena de quatro anos e seis meses de prisão aplicada ao recorrente mostra-se justa e adequada à sua culpa e satisfaz as exigências de reprovação e de prevenção geral e especial, que o crime por ele cometido reclama, sendo que tal pena só não foi mais severa precisamente por ter tido em consideração no seu doseamento a juventude do arguido e as suas condições económico-sociais.
7°- Não foi violada qualquer disposição legal.
8°- Deve, pois, ser negado provimento ao recurso interposto pelo arguido recorrente e confirmado inteiramente o douto acórdão recorrido».
1.4. O Senhor Procurador-Geral Adjunto do Supremo Tribunal de Justiça, nada viu que obstasse ao conhecimento do recurso, em audiência.

1.5. Idêntico parecer exarou o relator, por altura do exame preliminar. Por isso, colhidos os vistos legais, foi designada data para a audiência que se realizou em conformidade com o que da respectiva acta consta.
Tudo visto, cumpre decidir.
2. Decidindo:
2.1. Factos Provados (transcrição)
1. Em data aproximada e anterior ao dia 22 de Maio de 2003, o arguido AA formulou o propósito de guardar consigo heroína e cocaína e de entregar quantidades e doses individuais a indivíduos que consumissem tais substâncias exigindo e aceitando as correspondentes quantias em dinheiro para pagamento de tais produtos estupefacientes.
2. Levava a cabo tal actividade no Bairro do … sito em … – … – onde morava no 4º andar direito, do nº …, da Rua ….
3. Em execução do mencionado desígnio, cerca das 14.00 horas do dia 22 de Maio de 2003, tinha escondidas sob um vaso existente junto à porta de entrada da morada mencionada em 2, onde residia, 19 embalagens de heroína misturada com diazepam e fenobarbital, com o peso líquido total de 2,309 gramas e um plástico com resíduos de heroína com o peso líquido de 5,493 gramas.
4. Cerca das 10.30 horas, do dia 21 de Janeiro de 2004, tinha o arguido escondidas sob um vaso posicionado junto à porta de entrada do … andar direito, do nº .. da Rua …, onde residia, 21 embalagens de cocaína, com o peso líquido total de 5,427 gramas.
5. Ainda em execução do mencionado desígnio e no local supra mencionado, cerca das 19.45 horas, do dia 10 de Fevereiro de 2004, tinha o arguido consigo debaixo da cama da sua residência, 15 embalagens de cocaína, bem como 2 embalagens de cocaína na mesa de cabeceira, no peso líquido total de 6,838 gramas e ainda duas embalagens de glucose destinada a mistura com produto estupefaciente, com o peso bruto de 28,547 gramas.
6. Tinha ainda consigo na referida ocasião e local a quantia de 1895 Euros, divididos em setenta notas de vários valores, que eram provenientes da venda de produtos estupefacientes, bem como um fio em ouro, dois telemóveis, cinco consolas de “playstation” e um aparelho de DVD.
7. O arguido conhecia a natureza estupefaciente da heroína e da cocaína, tendo tais produtos consigo para depois os vender a terceiros consumidores com solicitação e aceitação de pagamento em dinheiro e no período em causa não trabalhava de forma remunerada que lhe permitisse a aquisição desses produtos.
8. Agiu deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era criminalmente punida.
9. O arguido foi condenado, por sentença de 16/04/02, transitada em julgado, no Proc. nº 512/02.0PEAMU, do 2º Juízo de Pequena Instância Criminal de Lisboa, 3ª Secção, em pena de 120 dias multa, por crime de condução sem habilitação legal.
10. No dia 10/05/03, o arguido viajou desde Lisboa a Nice em autocarro.
11. O arguido é seguido em consulta de psiquiatria desde 27/01/04, tendo estado internado no Serviço de Psiquiatria do Hospital Fernando Fonseca de 20 /07/04 a 04/08/04, por episódio de perturbação esquizofreniforme e desde essa altura tem aderido às consultas e à medicação prescrita de forma muito irregular.
12. O arguido celebrou em 31/10/05 um contrato de trabalho temporário com a “… – Temporário, Lda, para exercer as funções de servente, com remuneração base mensal de 389 euros, acrescida de 5,09 Euros de subsídio de refeição, produzindo tal contrato efeitos a partir da data mencionada.
13. O arguido tem a profissão de servente da construção civil, é solteiro e reside com o pai.
Factos Não Provados
«Não se provaram os seguintes factos:
A) Que o fio em ouro, os dois telemóveis, as cinco consolas e o aparelho de DVD tivessem sido comprados com dinheiro recebido na venda de droga».
2.2. Em conformidade com as conclusões da motivação do recurso – que definem o seu objecto – o Recorrente centra a sua contestação na medida da pena, considerando «excessivamente gravosa e, acima de tudo, contraproducente», a que lhe foi aplicada.
Sustenta, como vimos, que devendo beneficiar da atenuação especial, desde logo por aplicação do regime instituído pelo DL 401/82, de 23 de Setembro, cujo afastamento diz constituir «o ponto principal de discordância, a pena concreta não deve ultrapassar os 3 anos de prisão, suspensa na sua execução.
2.4. Qualificação Jurídica dos Factos:
O Tribunal recorrido enquadrou, sem qualquer hesitação, os factos provados na previsão do artº 21º do DL 15/93. Com efeito, o texto do acórdão recorrido não indicia que tenha sido feito qualquer exercício com vista a verificar se os factos poderiam designadamente preencher a hipótese menos grave do artº 25º.
O Recorrente entende, porém, que «a imagem global do facto reflecte uma ilicitude consideravelmente diminuída, devendo por isso ser integrada no crime de tráfico de menor gravidade previsto e punido pelo artº 25º…».
A Senhora Procuradora da República, entende que não. Como afirma na 1ª conclusão da sua resposta, é «evidente que o crime de tráfico de estupefacientes cometido pelo arguido não pode ser considerado de menor gravidade nos termos do art. 25° do DL 15/93, pois tais factos põem em evidência a perigosidade da acção do recorrente revelando a acentuada ilicitude dos mesmos».
Comecemos então o nosso julgamento por esta questão, porquanto a solução a que chegarmos poderá ter consequências directas no julgamento do núcleo essencial do objecto do recurso – a medida concreta da pena – mesmo sem a consideração ou a procedência dos concretos fundamentos convocados pelo Recorrente.
Pois bem.
O DL 15/93 desenhou um tipo base ou fundamental de tráfico de estupefacientes – o descrito no seu artº 21º –, ao qual aditou certas circunstâncias atinentes à ilicitude (não intervindo, pois, aqui considerações relativas à culpa) que agravam – artº 24º – ou atenuam – artº 25º – a pena prevista para o crime fundamental. O primeiro, destinado a cobrir os casos de média e grande dimensão; o segundo, para prevenir os casos de excepcional gravidade; o terceiro, para combater os de pequena gravidade, o pequeno tráfico de rua.
Nos termos deste artº 25º, se, no caso dos artigos 21º e 22º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de: a) prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI; b) prisão até 2 anos, ou multa até 240 dias, no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV».
A propósito deste crime, dito privilegiado, tido como válvula de segurança do sistema, em ordem a evitar que situações efectivas de menor gravidade sejam tratadas com penas desproporcionadas, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vai no sentido de que a conclusão sobre o elemento típico da considerável diminuição da ilicitude do facto terá de resultar de uma valoração global deste, tendo em conta, não só as circunstâncias que o preceito enumera de forma não taxativa, mas ainda outras que apontem para aquela considerável diminuição. Entre outros, cfr. Acs. de 02.06.99, Pº nº 269/99-3ª, de 15.12.99, Pº nº 912/99-3ª, de 07.12.99, Pº nº 1005/99, de 03.10.02, Pº nº 2576/02-5ª e de 02.10.03, Pº nº 2406/03-5ª .
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça a propósito do artº 25º foi objecto de crítica por parte de Maia Costa em “Direito Penal da droga: breve história de um fracasso”, Revista do Ministério Público, Ano 19, Nº 74, 103 e segs., especialmente quando se tem vindo a entender que a verificação de uma circunstância considerada «grave» basta para afastar a aplicação do preceito. Segundo o mesmo Magistrado, a interpretação mais consentânea com o texto e a epígrafe da lei é a de que «o legislador quis incluir aqui todos os casos de menor gravidade, indicando exemplificativamente circunstâncias que poderão constituir essa situação, [razão por que] será correcto considerar-se preenchido este crime sempre que se constate a verificação de uma ou mais circunstâncias que diminuam consideravelmente a ilicitude, como poderá ser, por exemplo, uma quantidade reduzida de droga, ou esta ser uma droga leve, ou quando a difusão é restrita, etc.» O crime do artº 25º, conclui, «é para o pequeno tráfico, para o pequeno “retalhista” de rua» – entendimento este expressamente acolhido no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 31.01.02, Pº nº 4624/01-5ª.
Como temos vindo a entender, a avaliação da ilicitude de um facto criminoso como consideravelmente diminuída não pode deixar de envolver uma avaliação global de todos os elementos que interessam àquele elemento do tipo, tanto no domínio do direito penal da droga como em qualquer outro. Aqui, como em qualquer outro campo do direito penal, não bastará, seguramente, a presença de uma circunstância fortemente atenuativa para considerar preenchido o conceito, quando as restantes, com incidência nessa avaliação, são de sentido contrário, do mesmo modo que um conjunto de circunstâncias fortemente atenuativas não poderá ser postergado, sem mais, pela presença de uma circunstância grave. A imagem global do facto, no que se refere à sua ilicitude (parece pacífico, com efeito, que, para efeitos de preenchimento do crime do artº 25ª, não intervêm considerações sobre a culpa) é que é decisiva, como nos parece evidente. Alias, o núcleo essencial da crítica de Maia Costa parece visar não a avaliação global do facto mas, precisamente, a ideia contrária – quando acentua que, de acordo com o que refere ser a orientação do Supremo Tribunal, «basta que se verifique uma circunstância considerada “grave” para afastar a sua [do artº 25ª] aplicação» – e, fundamentalmente, os critérios de avaliação da «gravidade» daquelas circunstâncias. Ponto é que, pelo modo como, na prática, se venha a fazer essa avaliação global do facto não se esvazie o conteúdo do preceito para, de forma sistemática e logo que o tráfico envolva algumas gramas de drogas duras, não muitas, se considere preenchido o crime base do artº 21º. As palavras têm o seu significado, a letra da lei constitui o elemento intransponível da sua interpretação (artº 9º, nº 2, do CCivil), por isso que terão de ser integrados no artº 25º – cuja punição, de resto, designadamente a da alínea a), não é inferior à cominada, por exemplo, para alguns dos crimes contra a integridade física, mesmo quando deles resulta a morte, (cfr. artº 145º do CPenal) e para os crimes de perigo comum – todos os casos de tráfico que, á luz do senso comum, sejam efectivamente de pequena, e não apenas pequeníssima ou insignificante dimensão (neste sentido, cfr. os acórdãos de 02.06.04, Pº 148/04-3ª e de 10.05.06, Pº 1190/06-3ª, todos relatados pelo relator deste).
No caso em julgamento, a decisão sobre a matéria de facto e respectiva fundamentação diz-nos que
- antes de 22.05.03, o Arguido foi referenciado à PSP, por chamada telefónica anónima, como traficante de drogas. As acções de vigilância realizadas, no entanto, «não obtiveram resultados»;
- naquela data, tinha escondidas sob um vaso existente junto à sua residência, 19 embalagens de heroína misturada com diazepam e fenobarbital, com o peso líquido total de 2,309 gramas e um plástico com resíduos de heroína com o peso líquido de 5,493 gramas.
- no dia 21 de Janeiro de 2004, tinha o arguido escondidas sob um vaso posicionado junto à porta de entrada do .. andar direito, do nº ...
.., da Rua .., onde residia, 21 embalagens de cocaína, com o peso líquido total de 5,427 gramas.
- no dia 10 de Fevereiro de 2004, tinha o arguido consigo debaixo da cama da sua residência, 15 embalagens de cocaína, bem como 2 embalagens de cocaína na mesa de cabeceira, no peso líquido total de 6,838 gramas e ainda duas embalagens de glucose destinada a mistura com produto estupefaciente, com o peso bruto de 28,547 gramas.
- na mesma ocasião e local tinha a quantia de 1895 Euros, que eram provenientes da venda de produtos estupefacientes (bem como um fio em ouro, dois telemóveis, cinco consolas de “playstation” e um aparelho de DVD, objectos que não se provou terem sido comprados com dinheiro da droga).

Quer dizer: um indivíduo que anonimamente foi referido à Polícia como traficante de drogas e, por via disso, sujeito a «acções de vigilância», por parte da PSP, foi surpreendido, por três vezes, com heroína, cocaína e produtos de corte e ainda com €1895,00 provenientes de vendas feitas.
Essas três ocasiões, no entanto, são bastante espaçadas entre si: entre a primeira e a segunda decorreram cerca sete meses e entre a segunda e a terceira, cerca de 3 semanas.
As quantidades envolvidas são muito modestas: 7,802 gramas heroína, da 1ª vez; 5,427 da segunda e 6,838 da terceira.
A quantia apreendida de significado não despiciendo, é insusceptível de dar qualquer indicação sobre outras quantidades de droga traficadas pelo Arguido, porquanto os autos não nos fornecem qualquer pista sobre o preço que praticava.
Os estupefacientes são dos mais nefastos.
Por outro lado, tendo o Arguido estado, durante aquele período, sob vigilância policial, só podemos considerar que traficou droga naquelas 3 ocasiões. Aliás, a avaliar pela fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, tendo a Polícia intervindo na sequência de chamada anónima (22.05.03) e da saída do prédio onde o Arguido reside de «dois indivíduos com aspecto de serem consumidores » (21.01.04), a conclusão a tirar é a de que pelo menos parte do dinheiro apreendido corresponderá à venda de droga feita imediatamente antes dessas intervenções.
A venda e/ou detenção para venda da droga não mostra quaisquer sinais de refinamento e as circunstâncias da acção ... venda directa ... também não envolveu meios sofisticados ou indiciadores de especial organização, para além, naturalmente, do cuidado de não ser surpreendido.
A difusão do produto foi modestíssima. Os factos apenas referem dois eventuais compradores (pelas razões acima expostas também aqui a quantia apreendida não pode ter grande significado).
Perante este retrato, não vemos, sinceramente, onde possa fundamentar-se a «acentuada ilicitude» dos factos ou a «perigosidade da acção» para além, naturalmente do que é pressuposto pela prática do tráfico.
Pelo contrário, a imagem global do facto revela-nos um traficante intermitente, de muito reduzidas quantidades de droga, drogas duras, é verdade (repare-se, no entanto, que a qualidade da droga só por si não constitui circunstância impeditiva da verificação do crime privilegiado, antes relevando essencialmente para efeitos da integração da conduta na alínea a) ou na alínea b) do artº 25º), que age sozinho e sozinho abastece quem o procura.
Um pequeno, mesmo muito pequeno traficante, pois, cuja conduta não pode ser, sob pena de clamorosa desproporcionalidade, sujeita à pesada moldura punitiva do artº 21º, talhada para os médios e grandes traficantes. Há que distinguir os casos graves dos casos pouco graves e não meter todos no «mesmo saco», para usar a linguagem muito expressiva do Acórdão deste Tribunal de 13.02.03, invocado pelo Recorrente. Apesar do largo arco punitivo daquele artº 21º, não foi decididamente pensada para punir situações de tráfico, como a dos autos, de tão modesta dimensão. Ainda recentemente, num caso que envolvia mais de 400 Kgs. (sim, quatrocentos quilogramas) de cocaína e em que operava uma rede internacional, dispondo de enormes meios materiais e avultados meios financeiros, os arguidos foram condenados pelo crime do artº 21, um deles em pouco mais de 6 anos de prisão (Pº nº 218/03.4ELSB). Meter o Recorrente «no mesmo saco», quando dele apenas se sabe ter traficado por três vezes, por venda directa aos que o procuravam, o total de pouco mais de 20 gramas de heroína e cocaína, alguma dela misturada, desconhece-se em que proporção, com produtos de corte, releva de uma interpretação da lei que afronta claramente os princípios constitucionais da necessidade e proporcionalidade ou da proibição do excesso, retirados, desde logo, do artº 18º da CRP.
O Recorrente cometeu, pois, o crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo artº 25ª, alínea a), do DL 15/93 (e não o do artº 21º do mesmo diploma, por que vem condenado).
2.5. Qualificados os factos, enfrente-se a questão da medida da pena que, só por efeito dessa operação terá de ser inferior à impugnada.
2.5.1. A moldura normal é a de prisão de 1 a 5 anos.
O Recorrente, porém, reclama a aplicação do Regime do DL 401/82 a que, como vimos, se opõe a Senhora Procuradora da República.
O Tribunal recorrido, depois de ponderar a eventual aplicação do artº 4º daquele diploma considerou que
«A atenuação [especial ali prevista] não é de aplicação automática, requerendo-se um juízo de alta probabilidade de que o abrandamento da pena irá favorecer a reinserção do jovem condenado.
Tem entendido o nosso mais alto Tribunal que não é de aplicar essa atenuação quando é elevado o grau de ilicitude dos factos praticados pelo arguido e é grave a sua culpa, na forma de dolo directo, por não ser legítimo, em tais situações, concluir pela existência de razões sérias para acreditar que da atenuação especial resultem vantagens para a sua reinserção social.- vd., por todos, Ac. STJ de 27/11/03, Proc. nº 03P3393, in www.dgsi.pt.
Assim, fundamental se torna apreciar no caso concreto e em conjunto, a personalidade do jovem delinquente, a sua conduta anterior e posterior ao crime, a natureza, o modo de execução, os sentimentos manifestados e os motivos determinantes do crime.
Ora, o crime de tráfico de estupefacientes pelo arguido praticado é grave, sendo elevado o grau de ilicitude e da culpa, revestindo o dolo a modalidade de dolo directo.
Certo é que o arguido apenas tem como antecedente criminal uma condenação por condução sem habilitação legal.
Contudo, não revelou o arguido durante a audiência qualquer indício de arrependimento em relação aos factos que praticou, o que demonstra uma absoluta falta de interiorização do desvalor da respectiva conduta delituosa» e, concluindo não inexistirem «as razões sérias para crer que a atenuação especial da pena tenha efeitos positivos na reinserção social do arguido, dada a personalidade manifestada», decidiu afastar a medida.
Tendo o Arguido nascido em ... e tendo praticado os factos por que está a responder entre 22.05.03 e 10.02.04, isto é, quando tinha 19 de idade, está sujeito àquela legislação especial, de acordo com o que prescrevem os arts. 9º do CPenal e 1º do referido DL. A lei geral, no entanto, aplicar-se-á em tudo que não for contrariado pelo regime especial artº 2 do mesmo DL. Isto é, o regime penal especial prevalece sobre o regime geral.
A norma que interessa é, efectivamente a do artº 4º, nos termos da qual, «se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73º e 74º [hoje, 72º e 73º] do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado».
O Tribunal a quo, por um lado, considerou que a atenuação especial da pena de prisão não constitui efeito automático de se ser jovem delinquente. E sem dúvida que é assim.
Por outro, atendendo
- à gravidade do crime cometido;
- ao elevado grau de ilicitude;
- ao grau da culpa e
- à falta de arrependimento,
concluiu que inexistiam razões sérias para crer que a atenuação especial da pena tenha efeitos positivos na reinserção social do Arguido.
Pois bem.
Em nosso entender, os pressupostos de que parte o diploma legal em causa e os objectivos que diz prosseguir apontam para uma interpretação algo diferente do seu artº 4º.
Como se refere ou resulta do seu preâmbulo, o regime especial do DL 401/82, mais do que conferir uma benesse ao jovem delinquente, por se entender ser merecedor de um tratamento penal especializado, procura promover a sua ressocialização – razão por que instituiu um direito mais reeducador do que sancionador, a revelar que a reinserção social surge aqui, no direito penal dos jovens delinquentes, como primordial finalidade da pena. E se é certo que não deixa de instituir a pena de prisão, fá-lo apenas em última instância, como ultima ratio, quando e apenas isso for exigido pela firme defesa dos interesses fundamentais da sociedade e pela prevenção da criminalidade, o que sucederá no caso de a pena aplicável ser a de prisão superior a 2 anos. Porém, nesse caso, a pena deverá ser especialmente atenuada se concorrerem sérias razões no sentido de que, assim, se facilitará aquela reinserção. Tais directivas, diz o preâmbulo, «... entroncam num pensamento vasto e profundo, no qual a capacidade de ressocialização do homem é pressuposto necessário, sobretudo quando este se encontra no limiar da sua maturidade». Deste modo, teremos de concluir que a aplicação da atenuação especial, só deverá ser afastada quando os factos demonstrarem estarmos perante aquela especial exigência de defesa da sociedade e seja certo que o jovem delinquente não possui aquela natural capacidade de regeneração. Enfim, será de concluir que a atenuação especial do artº 4º do DL 401/82 só não deve ser aplicada quando houver sérias razões para crer que tal medida não vai facilitar a ressocialização do jovem delinquente. Não se mostrando provado o suporte desta conclusão, deve a pena de prisão ser especialmente atenuada, em homenagem àquele pressuposto da natural capacidade de ressocialização do jovem.
No nosso caso, está fora de questão a não aplicação de prisão, atendendo à moldura penal aplicável, ainda quando especialmente atenuada (prisão de 30 dias a 3 anos e 4 meses). A própria gravidade objectiva do crime e a consequente necessidade de defesa dos interesses protegidos se encarregam de exigir uma pena de pisão.
E, sendo a pena aplicável superior a 2 anos de prisão e tendo o Arguido mais de 18 anos, fica afastada a possibilidade de aplicação do artº 5º do DL 401/82.
Precisamente por isso é que se tem de equacionar a possibilidade de atenuação especial, devendo concluir-se pela positiva se não houver razões sérias para crer que a medida não pode contribuir para a ressocialização do Arguido. Intervêm então fundamentalmente razões de prevenção especial. Como antes se disse, a reinserção social surge aqui, no direito penal dos jovens delinquentes, como primordial finalidade da pena.
Ora,
- o Arguido tem o passado criminal que resulta de anterior condenação por condução sem habilitação legal;
- a conduta posterior não se lhe mostra desfavorável. Pelo contrário, tendo sido julgado passados mais de 2 anos sobre a prática dos factos, o Tribunal não lhe surpreendeu qualquer outra conduta censurável posterior, o que indicia, desde logo, que pôs termo àquela sua actividade intermitente de tráfico;
- tendo arranjado emprego alguns meses antes do julgamento, não consta que tenha deixado de trabalhar;
- reside com o pai.
Quer dizer: face aos factos que nos são dados a conhecer e às conclusões que deles é lícito tirar em função do disposto no artº 340º do CPP, pode dizer-se que o Arguido, em liberdade, arrepiou caminho e se ressocializou, estando inserido social e familiarmente.
É certo que o Tribunal recorrido não viu, no seu comportamento durante o julgamento, indícios de arrependimento tanto mais que não confessou. Mas a conclusão daí tirada de que «demonstra uma absoluta falta de interiorização da respectiva conduta delituosa» perde muito do seu peso ou é, até, de algum modo desmentida pela sua postura em liberdade.
O grau da sua culpa, avaliado como foi em função apenas da modalidade do dolo, tem pouco releva para o efeito.
A gravidade do crime praticado e o grau de ilicitude do facto, bem menores do que os tidos em conta na decisão recorrida, por efeito da convolação acabada de operar, não podem ser aqui considerados senão para efeitos a medida concreta da pena, depois de achada a moldura aplicável ao caso.
Nesta conformidade, deve a pena correspondente aos factos que praticou ser especialmente atenuada, nos termos dos arts. 72º e 73º do CPenal. E, então, a moldura aplicável, é a de 30 dias a 3 anos e 4 meses de prisão.
2.5.2. Determinando agora a medida concreta da pena:
Vistos os critérios definidos nos arts. 40º e 71º do CPenal;
atendendo às notoriamente elevadas exigências de prevenção geral;
às menos sentidas necessidades de prevenção especial, retributivas e de socialização;
ao grau de censura de que é merecedor, elevado de qualquer modo, tanto mais que não está estabelecido qualquer relação entre a actividade delituosa a que se dedicou e a doença de que padece nem referida qualquer situação que o possa ter impelido à prática do crime;
ao grau de ilicitude da sua conduta, baixo, mesmo no âmbito do artº 25º,
temos por adequada ao crime praticado a pena de 18 (dezoito) meses de prisão.
2.5.3. Pelo que antes dissemos, a propósito da sua capacidade de ressocialização em liberdade, temos fundadas esperanças de que a ameaça da prisão o manterá arredado, como até aqui, da prática de novos crimes.
Por outro lado, a não execução daquela pena não criará aos olhos da comunidade a falsa ideia da perda de validade da norma incriminatória. Compreenderá a medida em face da recuperação que o Arguido já alcançou.
Tudo para dizer que, em conformidade com o que dispõe o artº 50º do CPenal, se justifica a suspensão da execução daquela pena de prisão – o que determinamos, pelo período de 4 (quatro) anos, acompanhada de regime de prova, nos termos dos arts. 53º e 54º, do CPenal.
3. Em conformidade com o exposto, acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, no provimento do recurso, em:
3.1. Alterar a qualificação dos factos imputados ao Recorrente que julgamos integrarem o crime p. e p. pelo artº 25º-a) do DL 15/93, de 22 de Janeiro;
3.2. Atenuar especialmente a pena aí cominada, nos termos do artº 4º do DL 401/82, de 23 de Setembro;
3.3. Condenar consequentemente o Recorrente, pela prática daquele crime, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão, cuja execução suspendemos por 4 (quatro) anos, acompanhada de regime de prova, nos termos dos arts. 50º, 53º e 54º, do CPenal:
3.4. Revogar correspondentemente o acórdão recorrido que, no mais, é confirmado.
Sem custas.

Lisboa, 13 de Setembro de 2006

Sousa Fonte (relator)
Santos Cabral
Oliveira Mendes
Pires Salpico