Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO (CRIMINAL) | ||
Relator: | RAUL BORGES | ||
Descritores: | DESPACHO DE ARQUIVAMENTO REQUERIMENTO DE ABERTURA DE INSTRUÇÃO ASSISTENTE INADMISSIBILIDADE RECURSO DENEGAÇÃO DE JUSTIÇA PREVARICAÇÃO FUNCIONÁRIO JUIZ ADVOGADO ADMINISTRADOR | ||
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Data do Acordão: | 02/19/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
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Sumário : | I – O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões, onde o recorrente (assistente) resume as razões de divergência com o decidido no despacho recorrido.
II – O Ministério Público - Exma. Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal da Relação de Coimbra - proferiu despacho de arquivamento do inquérito. O assistente requereu abertura de instrução. O Tribunal da Relação de Coimbra não recebeu o pedido. Com o presente recurso pretende o recorrente seja revogada a decisão de não recebimento, sendo a mesma substituída por outra que o admita. III – Assim, a única questão a decidir traduz-se em saber se, em vez de decisão de não recebimento do requerimento de abertura de instrução, deveria o mesmo ter sido recebido, ou formulado convite a aperfeiçoamento. IV – A instrução constitui uma fase processual autónoma, de carácter facultativo, que visa exclusivamente a comprovação judicial da decisão de acusar ou de arquivar tomada no final do inquérito. V – A comprovação consiste no controlo jurisdicional sobre a acusação do Ministério Público, acusação do assistente ou despacho de arquivamento do Ministério Público por parte de um juiz diverso do juiz de julgamento. VI – Quando incide sobre o despacho de arquivamento, a instrução constitui um instrumento colocado nas mãos do assistente para tutela do seu interesse no prosseguimento do processo, com vista à submissão do arguido a julgamento, interesse que radica, afinal, na garantia constitucional de acesso ao direito e à justiça (art. 20.º, n.º 1, da Constituição). VI – A instrução visa discutir a decisão de arquivamento apenas no que respeita ao juízo do MP de inexistência de indícios suficientes e discutir a decisão de acusação apenas no que respeita ao juízo do MP de existência de indícios suficientes. VII – O requerimento para abertura da instrução constitui o elemento fundamental de definição e determinação do âmbito e dos limites da intervenção do juiz na instrução: investigação autónoma, mas delimitada pelo tema factual que lhe é proposto através do requerimento de abertura da instrução. VIII – De harmonia com a própria letra da lei, a instrução é uma fase facultativa, jurisdicional, em que o requerimento do assistente com vista à comprovação judicial da decisão de arquivar o inquérito consubstancia materialmente uma acusação que, nos mesmos termos de uma acusação formalmente deduzida, traça o objecto do processo, condiciona substancialmente os poderes de cognição do juiz, nomeadamente a liberdade de investigação, delimita a extensão do princípio do contraditório e a subsequente decisão instrutória (arts. 286.º, n.ºs 1 e 2, 287.º, n.º 1, al. b), 283.º, n.º 3, als. b) e c), ex vi n.º 2 do art. 287.º, 288.º, n.ºs 1 e 4, e 307.º, n.º 1, in fine, todos do CPP). IX – Os indícios probatórios - que não a mera discordância legal, doutrinal ou jurisprudencial - são suficientes sempre que dos mesmos resultar uma probabilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou medida de segurança – arts. 283.º, n.ºs 1 e 2, e 308.º, n.ºs 1 e 2, do CPP. X – Indícios suficientes são os elementos que, relacionados e conjugados, persuadem da culpabilidade do agente, fazendo nascer a convicção de que virá a ser condenado; são vestígios, suspeitas, presunções, sinais, indicações, suficientes e bastantes para convencer de que há crime e de que alguém determinado é o responsável, de forma que, logicamente relacionados e conjugados formem um todo persuasivo da culpabilidade, enfim, os indícios suficientes consistem nos elementos de facto reunidos no inquérito (e na instrução), os quais, livremente analisados e apreciados, criam a convicção de que, mantendo-se em julgamento, terão sérias probabilidades de conduzir a uma condenação do arguido pelo crime que lhe é imputado. XI – Tanto a doutrina como a jurisprudência têm realçado que a “possibilidade razoável” de condenação é uma possibilidade mais positiva que negativa: “o juiz só deve pronunciar o arguido quando pelos elementos de prova recolhidos nos autos, forma a sua convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que o não tenha cometido” ou, noutras palavras, os indícios são suficientes quando existe “uma alta probabilidade de futura condenação do arguido, ou, pelo menos, uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição. XII – Constitui jurisprudência constante do S.T.J, a orientação de que a suficiência ou insuficiência da prova indiciária para a pronúncia, e portanto, também para acusação, é matéria de facto, da exclusiva competência dos tribunais de instância, não podendo constituir objecto de recurso para o S.T.J., nos casos em que este tribunal funciona como tribunal de revista. Rara é a sessão do Supremo em que não é reafirmada esta orientação. XIII – Esta solução só é válida para os casos de prova não vinculada. Sempre que, na apreciação da prova, houver violação de preceito legal, já o Supremo poderá conhecer do recurso, se não houver outro obstáculo. Assim é que, considerando as instâncias que é bastante a prova indiciária fundada exclusivamente na confissão, poderá o Supremo conhecer do recurso, por violação do comando formulado no art. 174.º (CPP 1929). Nos processos penais que conhece em única instância, compete-lhe apreciar a prova indiciária”. XIV – O art. 308.º, n.º 2, do CPP torna aplicável à pronúncia o grau de convicção da acusação, previsto no art. 283.º, n.º 2, do CPP, no sentido de que para ambas as fases processuais se consideram suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena. XV – Ao Supremo, como tribunal de revista, fica, em regra, tão somente a competência para exercer censura sobre o tratamento jurídico que deve ser dado aos factos que os tribunais de instância considerarem indiciariamente apurados. XVI – O conceito de funcionário previsto para efeitos de lei penal é integrável apenas nos casos em que o agente activo do crime seja funcionário. XVII – O crime de denegação de justiça e de prevaricação é crime específico próprio, sendo a qualidade de funcionário (juiz, magistrado do MP, funcionário judicial, jurado) comunicável aos comparticipantes que não a possuam. XVIII – As condutas proibidas todas têm em comum o agir contra direito; qualquer delas representa uma torção do direito. XX – O crime de denegação de justiça e prevaricação não se funda na mera violação dos deveres funcionais do julgador, antes na lesão do bem jurídico da supremacia da ordem jurídica, o mesmo é dizer, na aplicação imparcial e justa do direito. O bem jurídico é violado por uma decisão objetivamente contrária ao direito e à lei. XXI – No crime de denegação de justiça, ao lado do interesse público do Estado na administração da justiça, protege-se também o interesse do participante contra o prejuízo que lhe advém da recusa da sua realização, pelo que se deve admitir a constituição como assistente do participante ofendido. XXII – O bem jurídico objecto imediato de tutela no crime de denegação de justiça é a recta administração da justiça, a defesa dos direitos dos cidadãos e a garantia da pessoa humana, sendo titular imediato de tais interesses o Estado. XXIII – Segundo Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 3.ª edição actualizada, Novembro de 2015, pág. 1158: “2 Os bens jurídicos protegidos pela incriminação são a realização da justiça, na sua vertente da integridade dos órgãos de administração de justiça (tribunais em sentido amplo, incluindo os juízes, os magistrados do MP, os funcionários judicias e os jurados) e dos órgãos de colaboração na administração da justiça (polícias), e, concomitantemente, os interesses individuais do visado pelo ato ilegal do funcionário. A tutela destes bens jurídicos é cumulativa, pelo que basta que um deles seja prejudicado para se verificar o dano típico. Assim, há prevaricação mesmo que o visado pela decisão ilegal nela consinta”. XXIV – Este ilícito pressupõe uma especial qualidade do agente e a violação de poderes funcionais inerentes ao cargo desempenhado, configurando um crime específico, que mais não é do que um comportamento, activo ou omissivo, de funcionário contra direito. Agir contra direito significa, essencialmente, a contradição da decisão (aqui incluindo, claro está, o comportamento passivo) com o prescrito pelas normas jurídicas pertinentes. XXV – O n.º 1 do art. 369.º do CP satisfaz-se com o dolo genérico, o qual terá de revestir a modalidade de dolo directo, desinteressando-se aqui a lei dos fins ou motivos do agente. XXVI – Assim, o crime de denegação de justiça demanda para o seu preenchimento um desvio voluntário e intencional dos deveres funcionais, de forma a poder afirmar-se uma “negação da justiça”. XXVII – O puro atraso processual, desgarrado de outros elementos, podendo acarretar responsabilidade disciplinar, não reveste dignidade penal, sendo insuficiente, só por si, para tipificar o crime de denegação de justiça. XXVIII – Nem todo o acto desconforme às regras processuais pode ser visto como contra direito, na acepção pretendida pelo n.º 1 do art. 369.º do CP, pois então qualquer nulidade processual seria tipificada como crime. XXIX – O crime de denegação de justiça e prevaricação, p. e p. pelo art. 369.º, n.º 1, do Código Penal, encontra-se sistematicamente integrado no âmbito dos crimes contra o Estado, mais especificamente no capítulo dos crimes contra a realização da justiça, o que aponta para que o bem jurídico tutelado pela norma se situa na equitativa administração da justiça. XXX – Pretende-se assegurar o domínio ou a supremacia do direito objectivo na sua aplicação pelos órgãos de administração da justiça, maxime os judiciais, o que permite assinalar que se pressupõe uma específica qualidade do agente, a de funcionário, ficando caracterizado como um crime específico. XXXI – O preenchimento do tipo objectivo convoca uma actuação ou omissão de funcionário contra direito, lesando deveres funcionais ínsitos ao cargo desempenhado; relativamente ao tipo subjectivo, o mesmo satisfaz-se com o dolo genérico, desinteressando-se a lei dos fins ou motivos do agente. XXXII – Não são as meras impressões, juízos de valor conclusivos ou convicções íntimas, não corporizados em factos visíveis ou reais, que podem alicerçar a acusação de que quem decidiu o fez conscientemente – dolo genérico – contra direito, e muito menos com o propósito – dolo específico – de lesar alguém. XXXIII – Por outro lado, também não é a prática de um qualquer acto que infringe regras processuais que se pode, sem mais, reconduzir a um comportamento contra direito, com o alcance definido no n.º 1 deste dispositivo; é preciso que esse desvio voluntário dos poderes funcionais afronte a administração da justiça, de forma tal que se afirme uma negação de justiça. XXXIV – Também não será a adopção de uma orientação jurisprudencial não maioritária, ou a circunstância de a decisão poder vir a ser revogada por Tribunal Superior, que legitimam a conclusão de que a decisão é, para aquele efeito, proferida contra direito. XXXV – Uma resolução é lavrada contra direito quando contradiz o ordenamento jurídico, ou porque comporta uma interpretação interessada das normas vigentes, ou porque se fundamenta numa disposição ilegal ou inconstitucional; em suma, deve traduzir um ataque à legalidade. XXXVI – Num Estado de Direito democrático, a divergência no plano jurídico – seja ela quanto ao iter processual ou no tocante ao direito substantivo –, na solução do caso, colhe acolhimento pela via do recurso e não pela via gravosa da imputação deste crime. XXXVII – Quando o que se apura, sem margem para dúvidas, é apenas uma clara diferença de entendimento dos fundamentos da decisão, por parte do recorrente, já que almejava outra decisão, o tribunal não omitiu o dever de julgar, decidiu foi de forma que não era a por aquele pretendida: há uma decisão judicial que expressa uma solução de direito, com indicação das razões pelas quais se assumiu essa posição – discutível, repete-se, por via recursiva –, permitida pelo complexo jurídico-normativo em vigor, não se mostrando, como tal, proferida “contra direito”, com a acepção e o alcance ínsitos ao art. 369.º, n.º 1, do CP. XXXVIII – No descortinar da actuação prevaricadora do juiz ou de denegação de justiça deve-se usar de um crivo exigente, até porque, a ser diferente, ou seja, de todas as vezes que o destinatário da decisão dela discorde, seja porque não se aplicou a lei, se seguiu interpretação errónea na sua aplicação, se praticou um acto ou deixou de praticar, os Magistrados Judiciais ou do MP incorressem num crime de prevaricação, estava descoberto o processo expedito de paralisar o desempenho do poder judicial, a bel prazer do interessado, pelos factores inibitórios que criaria aos magistrados, a todo o momento temerosos de sobre eles incidir a espada da lei, paralisando-se a administração da justiça, com gravíssimas, intoleráveis e perigosas consequências individuais e comunitárias, não se dispensando, por isso mesmo, a presença de um grave desvio funcional por parte do Magistrado pondo em causa a imagem da justiça e os interesses de terceiro. XXXIX – A actuação contra direito é uma forma de acção gravosa e ostensiva contra as normas de ordem jurídica positiva, independentemente das fontes (estadual ou não estadual) e da natureza pública ou privada, substantiva ou processual, incluindo os princípios vertidos em normas positivas designadamente na DUDH, PIDCP e CEUD. XL – A actuação contra o direito não abrange apenas a interpretação objectivamente errada, mas também a incorrecta apreciação e subsunção dos factos à norma; a aplicação da norma é contra o direito se, reconhecendo-se uma certa discricionariedade, o aplicador se desvia do fim para que foi criada a discricionariedade, incorrendo, então, na prática do crime. XLI – O crime de denegação de justiça e prevaricação, p. e p. pelo art. 369.º, n.º 1, do CP, encontra-se sistematicamente inserido no âmbito dos crimes contra o Estado, mais especificamente no capítulo dos crimes contra a realização da justiça. O bem jurídico tutelado é a realização da justiça em geral, visando a lei assegurar o domínio ou a supremacia do direito objectivo na sua aplicação pelos órgãos de administração da justiça, maxime judiciais. XLII – Tem por elementos constitutivos a ocorrência de comportamento contra o direito, no âmbito de inquérito processual, processo jurisdicional, por contra-ordenação ou disciplinar, por parte de funcionário, conscientemente assumido, havendo lugar à agravação no caso de o agente agir com intenção de prejudicar ou beneficiar alguém. XLIII – Face à exigência típica decorrente da expressão “conscientemente”, só o dolo directo e o necessário são relevantes, como é jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal. (acórdãos de 8-02-2007, 21-05-2008, 8-10-2008 e de 12-07-2012, proferidos nos processos n.ºs 4816/06-5.ª Secção, CJSTJ 2007, tomo 1, págs. 186/7, n.º 3230/07-3.ª Secção, versando atraso processual de juíza, n.º 31/07-3.ª Secção, e n.º 4/11.8TRLSB.S1, da 3.ª Secção, publicado na CJSTJ 2012, tomo 2, págs. 236/8, versando intervenção de juiz em processo de inventário). XLIV – Liminarmente, há que dizer que em relação às advogadas Dra. JJ, Dra. KK, Dra. LL, Dra. MM e Dra. NN, o requerimento de abertura de instrução a única coisa que faz é mencionar os seus nomes, indicando os números das respectivas cédulas. Sobre o que tenham feito ou deixado de fazer há um oceânico mutismo. Nem uma palavra foi arregimentada. O mesmo, aliás, se diga do pedido de indemnização cível. XLV – O advogado, no desempenho do seu múnus profissional, não integra o conceito previsto no artigo 386.º do Código Penal. XLVI – Como referiu o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2-10-1991, Colectânea de Jurisprudência XVI, tomo 4, pág. 32, “O advogado que intervém num processo não pode ser considerado funcionário, para efeitos de qualificação de crime que tenha cometido no desempenho dessa função”. XLVII – Sendo assim, eventual conduta do advogado Dr. CC nunca integraria o tipo de crime previsto e punido no artigo 369.º do Código Penal. XLVIII – Apenas consta do RAI que o Dr. CC fez alegações finais em 29-10-2013 (artigos 7.º e 9.º, 4) e 10.º, n)), e refere-se recurso extemporâneo 12-02-2014, tendo contra si sido movida acção de responsabilidade civil - processo n.º 845/……… (artigos 7.º e 8.º, f)) -, a qual foi julgada totalmente improcedente, consignando-se em despacho de 19-12-2017 que o recurso do autor (ora denunciante), ainda que interposto tempestivamente no quadro do processo laboral, estaria votado ao insucesso. XLIX – No que tange ao …. DD, na qualidade de administrador único da sociedade C- S GI, S.A., óbvio é que não pode ser considerado funcionário para efeitos penais. Com a queixa apresentada juntou o denunciante decisão no PRC 2010/…., de 13-12-2012, proferida pela Autoridade da Concorrência, de fls. 10 a 117 verso, sendo visadas a C - S G I, S.A., e outras duas sociedades e três pessoas singulares, entre elas P A, administrador único daquela, versando dispensa ou atenuação especial de coima. L – Em causa estava participação em acordo entre empresas com o objecto de impedir, restringir ou falsear, de forma sensível, a concorrência no mercado nacional, tendo sido aplicada à arguida C - S G I, S.A., pela prática de infracção ao disposto no n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 18/2003, uma coima no valor de € 604.173, 03 e ao arguido PA, na aludida qualidade, por ilícito contraordenacional, p. e p. no n.º 3 do artigo 47.º da Lei n.º 18/2003, uma coima no valor de € 3.000,00. LI – Não se preenchendo o conceito de funcionário para efeitos penais, claro está não haver lugar a incriminação por denegação de justiça, sendo abusivo falar-se de actividade criminosa quando está em causa responsabilidade contraordenacional. LII – No que se refere à Juíza BB, com intervenção no Tribunal de Trabalho e ao Juiz EE, com intervenção no Tribunal Cível, não é indicado comportamento algum integrador de denegação de justiça, nada se substanciando em termos de corporizar desvio voluntário dos seus poderes funcionais na administração da justiça, no sentido de considerar actuação contra o direito, feita de modo consciente e doloso, como exige a doutrina e a jurisprudência. LIII – Mais do que escassez de elementos fácticos, temos estrondosa ausência de factos. Sem factos não há lugar a juízo sobre suficiência ou insuficiência de indícios. LIV – E como é sabido, não é caso de formular convite para aperfeiçoamento, como ditou, com um voto de vencido, o Acórdão de Fixação de Justiça n.º 7/2005, de 12 de Maio de 2005, in Diário da República, I Séria-A, de 4-11-2005, no sentido de que “Não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do artigo 287.º, n.º 2, do CPP, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido”. LV – Por tudo quanto foi exposto, é de manter a decisão recorrida, negando-se provimento ao recurso. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Nos autos de inquérito com o NUIPC 72/18.1TRCBR, que correu termos na Secção de Processos dos Serviços do Ministério Público no Tribunal da Relação de Coimbra, respeitantes à queixa apresentada em Lisboa, em 11 de Abril de 2018 por AA, dirigido à Procuradoria Geral da República, foi proferido em 17 de Outubro de 2018, pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal da Relação de Coimbra, despacho de arquivamento, de fls. 488 a 492 (3.º volume). *** Por requerimento de fls. 495 a 501, recebido nos Serviços da Secção de Processos da Procuradoria-Geral Distrital, Tribunal da Relação de Coimbra, em 9-11-2018, veio o denunciante AA requerer a abertura de instrução e constituição como assistente. A fls. 537/8 o denunciante veio deduzir pedido de indemnização civil. *** A fls. 561 e verso, não tendo advogado foi determinado aguardasse, indeferindo o requerimento de subida para o juiz de instrução. A Exma. PGA a fls. 578 deu parecer no sentido de que “deve rejeitar-se o requerimento de abertura de instrução porque não cumpre com os requisitos legalmente exigidos e, designadamente não contém a narração circunstanciada e minimamente inteligível de factos, a correspondente qualificação jurídica-criminal Além disso, o denunciante não está admitido como assistente nos autos, não está assistido por advogado e não requereu diligência de prova Entende-se que não é admitido convite ao aperfeiçoamento do requerimento de abertura de instrução Razões que complementam o fundamento proposto para o seu indeferimento”. Por despacho de fls. 584 não vindo o requerimento subscrito por advogado, tendo sido nomeado ao requerente um novo patrono, foi ordenada a notificação do novo patrono para em 5 dias ratificar o processado (RAI) sob pena de ser dado sem efeito nos termos dos artigos 41.º e 48.º, n.º 2, do CPC ex vi do art. 2.º do CPP, ou dizer o que tiver por conveniente. A fls. 590 a advogada nomeada patrona ao denunciante veio ratificar o requerimento de abertura de instrução subscrito somente pelo mesmo. Enquadramento processual – Queixa, despacho de arquivamento, requerimento de abertura de instrução, despacho que o rejeitou. Começando pela queixa. AA, residente em ……….., em 11 de Abril de 2018, remeteu à Procuradoria-Geral da República a queixa crime por si manuscrita, constante de fis 2 a 4 e documentos anexos, referindo na mesma a “obstrução à justiça” e “corrupção juízes”, “ofensa aos meus direitos e valores constitucionais”, “existência de comportamentos gravíssimos, grosseiros e dolosos, ao arrepio do Estado de direito”. Prossegue, de forma esquemática: 1. Processo 3/………. - Juíza - BB, Viciação acção judicial - omissão; - CC (Advogado O. A. …….) - Conluio – Recurso extemporâneo; - Eng.º DD - Administrador da ré condenado actividade criminosa 2001/2010 no proc 2010/….. - Falso testemunho em sede de julgamento (Audio sua audição) T. Trabalho “Quadro Probatório Falseado” - No âmbito do procedimento disciplinar não foram respeitadas nenhumas das diligências probatórias que foram requeridas na minha resposta à nota culpa, tanto do foro testemunhal como do foro documental Foro testemunhal – nenhuma testemunha foi inquirida, as mesmas estavam disponíveis para inquirição na cidade de ………., local trabalho, ou em alternativa deporem por escrito (Fax 16/11/2007) e (3/12/2007) (mandatário trabalhador) - Foram dadas todas as garantias para a sua realização. - colisão direitos art.º 334.º , 335.º C. Civil Foro documental – Nenhum documento que tinha requerido na resposta à nota de culpa, essenciais e fundamentais à minha defesa, foi junto ao processo pela ré, outros foram falseados. Violação – Cód. Trabalho/2003 Art. 32.º, n.º 10 e 53.º da C.R.P. Jurisprudência (Acórdão S.T.J.04s3040 Acórdão T. Constitucional 330/2010 directivas europeias e internacionais) - Documentos probatórios . Fax meu advogado 16/11/2007 e 3/12/2007 . Mapa vendas 1.º semestre 2007 . Ficha avaliação Maio 2007 . Recibo ordenado (S.transporte/comissões férias/comissões/prémios trabalho) O processo trabalho foi falseado encontra-se no Tribunal Civil – P.º 845/………… O nome da juíza que consta no processo trabalho 3/……….., que o autor requereu que baixasse ao tribunal civil, para análise, foi falseado, o nome que lá consta não teve qualquer vínculo com o processo A Juíza BB trabalha agora e é colega do Juiz EE Juiz Proc. n.º 845/…………... Proc. n.º 845/……….. - Corrupção Juiz EE – omissão viciação - Desprezo das provas trazidas aos autos - Omissão - Recusa da junção ao processo documentos entregues e aceite em audiência prévia (conforme atas) - Obstrução à justiça “advogados” Apoio judiciário n.º 2……/2014 - Já vai na 20.ª escusa! - Petição inicial – Fev 2016 - Audiência prévia – 6 Out/2016 Escusa mandatária /Omissão despacho tribunal - Audiência prévia – 18 Out. 2017 (1 ano depois) continuação - Audiência prévia – 2 Nov/2017 Alegações finais Dra FF (Audio) - Sentença – 20 dezembro 2017 (Total improvimento) Aguarda nomeação mandatário desde 8/1/2018 - Recurso! Muito atenciosamente Assinatura Enviarei as provas que forem necessárias O que aconteceu de seguida vem relatado no despacho de arquivamento, pelo que para evitar repetições desnecessárias remete-se para o que lá consta. Despacho de arquivamento AA remeteu à Procuradoria-Geral da República a queixa crime constante de fls 2 a 4 e documentos anexos, referindo na mesma que era relativa a “obstrução de justiça”, “corrupção juízes”, “ofensa aos meus direitos e valores constitucionais”, “existência de comportamentos gravíssimos, grosseiros e dolosos, ao arrepio do estado de direito”. Prossegue, de forma esquemática, indicando o processo 3/… e a Juíza BB, imputando-lhe “viciação acção judicial - omissão”; o advogado CC a quem imputa “conluio — recurso extemporâneo”; e o … DD, que seria administrador da ré no processo referido, imputando-lhe falso testemunho em sede de julgamento (o que reafirma a fls. 118 em email dirigido à PGR). Refere, ainda, que o “quadro probatório” foi falseado, que no processo disciplinar não foram efectuadas as diligências probatórias que requereu, concluindo que foi violado o disposto no Código do Trabalho e nos artigos 32, n° 10 e 53, da Constituição da República Portuguesa. Reafirma que o processo foi falseado e acrescenta que o mesmo está agora no Tribunal Cível, que a Juíza BB passou a trabalhar naquele Tribunal, sendo colega do Juiz EE que é o Juiz do processo 845/…., a quem acusa também de “corrupção”, “omissão”, “viciação” e de “recusa de junção ao processo” de documentos. Ainda relativamente a este processo refere haver “obstrução à justiça” por advogados e que “já vai na 20 escusa”. Notificado para esclarecer e concretizar os factos subjacentes àquela queixa crime, bem como para indicar as pessoas a quem, em concreto, imputa aqueles factos, veio apenas dizer que entende que a melhor forma de o fazer era “de forma oral” e requer “diligência presencial” (fls. 125), tal como tinha já requerido à Procuradoria Geral da República a fls. 119. Através de pesquisa na plataforma citius foram colhidas as informações relativas aos processos indicados pelo queixoso, constantes de fls. 128. Foram solicitados para consulta ambos os processos e posteriormente foram juntas a este inquérito certidões das peças processuais mais significativas e que demonstram a tramitação processual dos mesmos. Assim, o processo 3/…, correu termos no Tribunal de Trabalho de … e como resulta da certidão de fls. 285 a 486, trata-se de uma acção de processo comum em que é autor o ora queixoso e ré “Contiforme — Soluções Gráficas Integradas, S.A.”, pretendendo o autor através dela: a declaração de nulidade do seu despedimento; que fosse declarada improcedente a justa causa invocada pela ré; a condenação da ré no pagamento de uma indemnização ao autor ou a sua reintegração na empresa; bem como a condenação da ré no pagamento de vários montantes relativos a férias, subsídios e outras prestações e ainda uma indemnização por danos morais. Por sentença de 9/12/2013 (fls. 406 a 432), subscrita pela Senhora Juíza Dra. BB, foi declarado lícito o despedimento do autor e ora queixoso e a ré foi condenada a pagar ao autor diversos montantes relativos a férias e subsídios de férias. O autor foi absolvido do pedido reconvencional e a ré de tudo o mais que havia sido peticionado pelo autor. A audiência de julgamento havia sido presidida pela Senhora Juíza Dra. GG, que igualmente respondeu à matéria de facto, nos termos constantes da acta de fls 396 a 405. Por despacho de 11-02-2014, fls. 461 e v°, a Senhora Juíza Dra. BB não admitiu o recurso do autor por o considerar extemporâneo nos termos do disposto no art. 641, n° 2, al. a), do CPC. Por sua vez, o processo 845/…. corre termos no Juízo Central Cível de …., é uma acção de processo comum instaurada pelo ora queixoso contra CC, advogado e mandatário do autor no processo 3/… e, em litisconsórcio necessário, contra “Mafre Seguros Gerais, S.A.”, pretendendo que o 1° réu seja declarado civilmente responsável pelos danos que lhe advieram pela não interposição tempestiva de recurso da sentença proferida no referido processo 3/… e condenado no pagamento de uma indemnização. Por despacho proferido, a 19/12/2017 (fls. 263 a 278 v°), nos termos do disposto no art. 595, n° 1, al. b), do CPC, foi julgada totalmente improcedente aquela acção, concluindo ainda que “o recurso do autor, ainda que interposto tempestivamente no quadro do processo laboral, estaria votado ao insucesso”. Este despacho é subscrito pelo Senhor Juiz Dr EE. O autor naquela acção e queixoso nestes autos discorda daquele despacho, tendo sido declarado interrompido o prazo para interposição de eventual recurso, nos termos do despacho de fls. 280, face ao pedido de escusa da patrona àquele nomeada e que o representava no processo. Resulta ainda dos autos que a Ordem dos Advogados veio a nomear novos patronos ao autor que sucessivamente têm vindo a pedir escusa, como resulta do expediente junto aos autos pelo próprio queixoso — cfr. fls. 140 e 169 e 170. Da análise dos autos não resulta ter havido qualquer irregularidade na tramitação processual, mas antes a discordância e a não conformação do queixoso com as decisões proferidas nas acções referenciadas e em que era autor. A discordância das decisões judiciais deve ser exercida nos termos da lei processual e não se vê que tenha havido nessa sede qualquer atropelo aos direitos do queixoso. O queixoso im[p]uta aos Senhores Juízes que proferiram as decisões em causa obstrução à justiça, ofensa aos seus direitos, viciação, omissão. Tais comportamentos poderiam ser referenciados ao tipo criminal previsto no art 369, n° 1, do Código Penal — denegação de justiça e prevaricação. Estabelece aquele normativo que:“O funcionário que, no âmbito de inquérito processual, processo jurisdicional,..., conscientemente e contra direito, promover ou não promover, conduzir, decidir ou não decidir, ou praticar acto no exercício de poderes decorrentes do cargo que exerce, é punido com...” Como refere A. Medina Seiça[1] encontra-se “na realização da justiça o específico bem jurídico protegido pelo tipo legal em análise. Mais concretamente, este tipo de crime pretende assegurar o domínio ou supremacia do direito objectivo na sua aplicação pelos órgãos da administração da justiça, máxime judiciais”. Assim, “o núcleo típico deste crime verifica-se quando o agente realiza ou omite um comportamento contra direito.”[2] E “agir contra direito significa, essencialmente, a contradição da decisão (...) com o prescrito pelas normas jurídicas pertinentes”[3] Por outro lado, tais condutas têm de ser dolosas. Ora, como se referiu, da análise dos processos referenciados não ressalta qualquer acção, ou omissão, designadamente dos Senhores Juízes, que possa ser recondutível a este tipo de crime ou a qualquer outro. Do mesmo modo, quanto à actuação do Senhor Advogado, que foi até objecto da acção instaurada pelo ora queixoso e que soçobrou. No que diz respeito à referência feita na queixa ao Senhor … DD, administrador da ré, entidade patronal do queixoso, na acção 3/…, como tendo prestado falso testemunho na audiência de julgamento daquela acção não tem igualmente qualquer suporte fáctico. Acresce que a queixa apresentada está em linha com a actuação do queixoso nos diversos processos que perante as decisões judiciais que não lhe deram razão pretende impor o seu ponto de vista e a sua argumentação, contrapondo-a àquelas decisões, mas também à posição assumida pelos sucessivos patronos que lhe foram nomeados, como resulta até de comunicações escritas que dirigiu a alguns deles e por ele juntos a estes autos (fls. 142 a 161, designadamente) e que levou já à decisão por parte da Ordem dos Advogados de não nomear qualquer outro patrono, conforme cópia do despacho a fls. 170, igualmente enviado pelo queixoso e ao qual respondeu nos termos constantes de fls. 171 e 172. Dos autos resulta, pois e apenas o inconformismo do queixoso perante decisões judiciais que em alguma medida lhe foram desfavoráveis, decisões que não aceita e que pretende sejam vistas como violadoras dos seus direitos. * Nos termos do disposto no art 262, do Código de Processo Penal: 1- O inquérito compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação.” E o nº 1, do art 277, do mesmo código, estipula que: "O Ministério Público procede, por despacho, ao arquivamento do inquérito, logo que tiver recolhido prova bastante de se não ter verificado crime, de o arguido não o ter praticado a qualquer título ou de ser legalmente inadmissível o procedimento." É o que ocorre nestes autos, como referimos já. Assim e em conformidade com o disposto no n° 1 do art 277, do Código de Processo Penal, atrás citado, determino o arquivamento deste inquérito. * Notifique o denunciante nos termos do disposto no n° 3, do art. 277, do CPP”. *** REQUERIMNTO DE ABERTURA DE INSTRUÇÃO “Exmo Sr. Juiz de Instrução AA, o denunciante, vem em resposta ao despacho acima referenciado, nos termos do artigo 277º do Código Processo Penal, requerer, a abertura da Instrução, nos termos do disposto no artigo 287, n.º1, al. b) do mesmo diploma, constituindo-me assistente. (ao abrigo do artigo 21.º da CRP / artigo n.º 8.º dos Direitos Humanos) Fundamentação: 1.º Ofensa aos meus direitos e valores constitucionalmente protegidos, minha honra e dignidade. “dolo directo” processos 3/… / 845/… 2.º Violação do “contraditório e ampla defesa” Artigo 329º, 331º,356º,382º,389º,390º,391º / Código do trabalho/2003 Artigo nº 334º, 335º, 762º do Código Cívil Artigo. Nº 32º, n.º 10 e 53º da CRP Acórdão do Tribunal Constitucional nº 338/2010 (art. 356º,nº1 CT) (Norma Obrigatória Geral) Acórdão STJ 0453040 3.º O Processo Disciplinar, relativo ao Prº.3/…, sofre de NULIDADE INSUPRÍVEL A instrutora do “processo disciplinar”, não realizou nenhuma das “diligências probatórias”, que tinha requerido na minha resposta à Nota de Culpa, tanto do foro Testemunhal como do foro Documental. a) Não ouvindo nenhuma das testemunhas que havia requerido, as mesmas estavam disponíveis para inquirição na cidade de …, meu local de trabalho, ou e alternativa prestar depoimento por escrito, de acordo com o Fax do dia 16/11/200] e 3/12/2007, enviados pelo meu Advogado á instrutora em sede do processo disciplinar. b) A Instrutora do processo disciplinar, não juntou como era sua obrigação, nenhum dos documentos por mim requeridos na minha resposta á Nota de Culpa, (1) Mapa de vendas do 1 Semestre de 2007 (2) Ficha de avaliação de Maio de 2007 (3) Factura do Almoço! Reunião do dia 12/09/200], elementos probatórios essenciais e relevantes para a minha defesa. 4.º No “despedimento por “justa causa”, é necessário, não só que a” justa causa” se funde, mas também que o “procedimento disciplinar” seja válido. Para que a regra “Constitucional” de proibição do despedimento “arbitrário”, assuma a verdadeira “eficácia-prática”, é necessário não apenas que o despedimento se funde em “justa causa”, mas igualmente que o mesmo tenha sido procedido de “procedimento disciplinar” válido, que assegure ao trabalhador de forma eficaz, a defesa contra os factos de que é acusado. 5.º A “lei” sanciona com invalidade do “processo disciplinar”, a inobservância de regras atinentes ao dito processo, que ponha em causa o direito de defesa do trabalhador, o “contraditório” (artº 98º -j nº 3 do CP) 6.º “MÁ-FÉ” # Antiguidade 1983 # AWARD OF EXCELLENCE nos Estados Unidos da América (1996) # Ficha Avaliação, Maio 2007: “Facturação Excelente” / Nota Final “BOM” # Mapa de Vendas 1º semestre de 2007, acima dos objectivos! # Administrador “único” da Ré, á data do despedimento, … DD exercia actividade criminosa (Prº- PRC 2010/…), não só falseou os meios de prova, como prestou falso testemunho em sede de julgamento. 7.º Resumo temporal Proº 3/… – Prº. 845/… 2007- Setembro, abertura Processo Disciplinar 2008- Janeiro, despedimento por “justa causa” 2010- 1ª sessão de julgamento (tt) Juíza HH ( tentativa de acordo) 2012- Continuação julgamento (tt), Juíza HH (21/05/2012) 2012- Anulada todas as diligências do julgamento (tt) (20/06/2012) 2013- Novo Inicio do julgamento (tt), com nova Juíza, BB, Nova tentativa de acordo. (18/09/2013) 2013- Outubro, “alegações finais” Dr. CC (29/10/2013) 2013- Sentença (tt) (16/12/2013) 2014- Fevereiro, “Recurso extemporâneo”, do Dr. CC (12/02/2014) 2014- Outubro, Processo Responsabilidade Cívil, contra advogado, (845/………..) 2016- Despacho Saneador- “audiência-prévia” 2016- Inicio “audiência- prévia” (6/10/2016) 2017- Novembro, continuação “audiência-prévia”, “alegações finais” (2/11/2017) 2017- Dezembro, Sentença Cívil, (20/12/2017) 2018- Janeiro, 8,” escusa” da mandatária oficiosa do autor, Oficio Tribunal Civil, Refªl Nº 76396975 2018-Julho/Outubro, “recusa” da Ordem dos Advogados de nomeação de defensor oficioso, para interpor recurso para 2ª instância, Tribunal da Relação. 2018- Outubro, Despacho do Tribunal Cívil nº 7….de 26/10/2018 8º O despacho de “Arquivamento” elaborado pela Exma. Procuradora II omitiu aspectos muito relevantes que referi na acusação: a) A actividade criminosa da Ré (tt) de 2001/2010 (Prº. PRC/2010/…….) b) Falso testemunho prestado em sede de julgamento (tt) pelo Administrador da Ré c) Violação de “norma obrigatória geral” (artº 356º, nº 1)- Acórdão Tribunal Constitucional 338º/2010 d) Acórdão STJ 04S3040 e) Omissão do Prº Apoio Judiciário nº 2…./2014, prática e condução consciente contra o direito e a realização da justiça. f) O comportamento do Réu, Dr. CC, vide Petição Inicial do Prº 845/… . g) A Juíza GG, não teve participação, contacto em nenhuma audiência do tribunal de trabalho, as mesmas foram asseguradas pela Juíza HH (2010/2012), vindo depois a ser substituída pela Juíza BB. (2013) h) Recusada a minha audição “oral” 9º SUPORTE PROBATÓRIO FACTOS PROBATÓRIOS CONSTANTE NOS AUTOS Consubstanciadores da acusação Documental / Gravação Áudio (Constante nos autos; Pro. 3/.... e Prº. 845/…) a) Citação Prévia (tt) b) Contrato Trabalho c) Resposta á Nota de Culpa d) Relatório Disciplinar e) Fax de 16/11/2007 — 3/12/2007, em sede “procedimento disciplinar” f) Mapa de Vendas do 1º Semestre de 2007 (v) g) Ficha de Avaliação de Maio de 2007 (v) h) Factura Almoço/Reunião do dia 12 de Setembro de 2007 (não junta!) i) Mails trocados com Administrador da Ré em 2003, relativo às comissões férias j) Documento relativo aos “prémios trabalho” k) Recibos ordenado (sub. Transporte/comissões férias / prémios trabalho) 1) Extrato da Segurança Social dos anos 1983 a 2008 m) Gravação áudio (tt) Pr2 3/… 1) Ref.ª 2012 05 21 15 2140 40250 64300 (tt) (DD/ Juíza HH) 2) Refª. 2012 05 21 164854 40250 64300 (tt) (Juíza HH) 3) Refº. 2013 09 18 152425 40250 64300 (tt) (Juíza BB) 4) Ref. 2013 10 29 143254 40250 64300 (tt) ( Dr. CC/Aleg. Finais) n) Gravação áudio Tribunal Civil 845/16.OT8CBR, “audiência- previa” Alegações Finais da Dra.FF, em 2 de Novembro de 2017 o) Petição Inicial (tc) 10.º Documentos probatórios “anexos” a) Despacho do tribunal Civil, Oficio n.º 76396975 em 8/01/2018, referente á “escusa” da minha mandatária oficiosa, Dra. FF. b) Despacho da Ordem dos Advogados, Oficio n.º 21...8 /AJ/TP c) Resposta ao Oficio n.º 21...8/AJ/TP da Ordem Advogados. d) Oficio n.º 23...9 /AJ/TP, da Ordem dos Advogados e) Resposta ao Oficio n.º 23...9 /AJ/TP da Ordem dos Advogados f) Ofício da Ordem dos Advogados n.º 26...4/AJ/TP g) Resposta ao Oficio n.º 26...4/AJ/TP h) Oficio da Ordem dos Advogados n9 32...3/AJ/TP i) Resposta ao Oficio da OA n.º 32...3/AJJTP j) Despacho, Oficio do Tribunal Cívil Refª 785...657 de 26 de Outubro de 2018 k) Fax de 16/11/2007, em sede do procedimento disciplinar. l) Mapa de Vendas do 1º Semestre de 2007 m) Ficha de Avaliação de Maio de 2007 n) Alegações finais, em sede Tribunal Trabalho do Advogado, Dr. CC, em 29/10/2013 o) Alegações finais, em sede da Audiência Prévia da minha Mandatária Oficiosa Dra. FF 2/11/2017 p) Processo PRC 2010/08 AC 11.º Acusação contra: Advogado Dr. CC - cédula n.º 51712c / Seg. MAPFRE Juíza - BB (tt) Juiz - EE (tc) Advogada - Dra. JJ — cédula … Advogada - Dra. KK — cédula … Advogada - Dra. LL — cédula … Advogada - Dra. MM — cédula … Advogada - Dra. NN — cédula … ……. DD (Administrador da Ré Prº 3/… Agiram todos contra o “direito”, violaram os seus deveres funcionais, decorrentes do cargo desempenhado “conscientemente”, os factos (ações ou omissões), materiais e exteriores, são suficientemente reveladoras daquela vontade de realizar o tipo com conhecimento da ilicitude. “consciência”, dolo directo, de onde se extrai “opcção consciente de agir”, desconforme as normas jurídicas, e não, não são meras impressões, juízos de valor conclusivos. Ocorrência de comportamento contra o “direito”, desvio voluntário dos seus poderes funcionais afronta a administração da justiça, de forma tal que se afirma uma “NEGAÇÃO DE JUSTIÇA”. Decisão de consciência de que desviando-se dos seus deveres funcionais, violaram o ordenamento jurídico, pondo em causa a administração da justiça. (artigo 369º, nº 1 do CPP) Artº nº 1, 2, 3, 8, 9, 12, 13, 16, 17, 18, 20, 22, 32 e 53 da CRP # (dolo, indemnização a apurar em sede do Ministério Público) # As enormes dificuldades por que o respondente tem passado são incomensuráveis e eram absolutamente escusadas. Testemunhas: OO PP QQ RR SS TT UU Advogada Dra. VV Advogado Dr. WW Advogado Dr. XX Professor YY PIC “Exmo. Sr. Juiz de Direito AA, casado, desempregado, contribuinte fiscal n.º …, residente na Rua …., …….- …..-… Vem deduzir, de acordo com o artigo n.º 71 e seguinte do Código Penal, PEDIDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL Contra; Dr. CC/ Mapfre Juíza BB Juiz EE Dra. JJ Dra. KK Dra. LL Dra. MM Dra. NN ….. DD O denunciante, sofreu dano directo, que contabilizado, á data de 2014, ascendia na ordem dos 500.000,00€ (quinhentos mil euros), acrescidos dos juros vincendos. Acresce; - Danos Morais - Sofrimento emocional, perda de prestígio e reputação. - Danos Patrimoniais: salários que deixei de auferir... Prova: Documental (anexa ao requerimento) AA” Despacho recorrido – fls. 592 a 605 Como o despacho recorrido transcreve na íntegra o despacho de arquivamento e o RAI, que já foram elencados serão retirados a seguir. “DESPACHO Dispondo de legitimidade para o efeito, tendo-lhe sido concedido apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, dispensa de taxa de justiça e demais encargos do processo (cfr. despacho a fls.550-554) e mostrando-se assistido por defensor, admite-se requerente AA a intervir nos autos domo assistente. *** Nos autos, concluído o inquérito preliminar, com numeração em referência, foi proferida a seguinte decisão final (reprodução integral); (…) *** Notificado do aludido despacho de arquivamento dos autos vem o denunciante AA, apresentar requerimento de abertura da instrução (R.A.I.). Como o requerimento não vem subscrito por advogado, foi proferido despacho a notificar a ilustre defensora nomeada para ratificar, se assim o entendesse, o processado sob pena de o requerimento ser dado sem efeito (cfr. despacho de fis. 588). Na sequência do convite veio a ilustre advogada nomeada patrona ao requerente declarar, além do mais; “para todos os devidos e legais efeitos ratificar o requerimento de abertura da instrução subscrito somente pelo mesmo” - (cfr. fls. 590). ** O requerimento de abertura da instrução (R.A.I.) em causa tem o seguinte teor integral (reprodução): (…) *** Nos termos do artigo 286°, n.º 1 do Código de Processo Penal, a instrução tem como finalidade a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento. Se o juiz de instrução decidir que a causa deve ser submetida a julgamento, aceitando as razões apresentadas pelo assistente, isso significa que recebe a acusação implícita no requerimento para abertura da instrução, pronunciando o arguido em conformidade com ela. Determinado o arquivamento dos autos pelo M°P°, titular da acção penal, o requerimento apresentado pelo assistente para abertura de instrução há-de conter os elementos de facto e de direito da acusação que o requerente entende que devia ter sido deduzida pelo M°P°. Substancialmente, o RAI deve conter os elementos de urna verdadeira acusação, como resulta desde logo do n.° 2 do artigo 287°do Código de Processo Penal, quando remete para as alíneas b) e c) do n.° 3 do artigo 283.° do mesmo diploma legal. Ora, nos termos das citadas alíneas b) e c) do n° 3 do artigo 283° do Código de Processo Penal a acusação contém, sob pena de nulidade, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada e ainda a indicação das disposições legais aplicáveis. O requerimento do assistente para abertura da instrução “deverá, a par dos requisitos do n° 1, revestir os de uma acusação, que serão necessários para possibilitar a realização da instrução, particularmente no tocante ao funcionamento do princípio do contraditório, e a elaboração da decisão instrutória” — cfr Maia Gonçalves, in “Código de Processo Penal Anotado”, 1999, 11!’ Edição, pág. 552. Com efeito, tendo o requerimento de abertura de instrução por parte do assistente de configurar uma verdadeira acusação, tem que ser capaz de, como tal, definir o objeto do processo e o âmbito de vinculação temática do tribunal na fase de julgamento, bem como permitir o exercício do direito de defesa por parte dos acusados, condicionando a actividade de investigação do Juiz e a decisão instrutória. Tal como flui, claramente, do disposto nos artigos 303°, n.° 1 e 309°, n°1 do Código de Processo Penal. Sendo certo que qualquer decisão instrutória que viesse a pronunciar o arguido por factos não constantes daquele requerimento (RAI), ou com alteração substancial dos mesmos estaria ferida de nulidade nos termos previstos pelo citado art. 309°, n°1 do CPP. Face à estrutura acusatória do processo penal (com acolhimento no art. 32°, n.° 5 da Constituição da República Portuguesa), de onde resulta a indisponibilidade do objecto e do conteúdo do processo, constitui pressuposto do requerimento de abertura da instrução, para além do mais, a imputação de factos concretos, específicos, constitutivos de todos os elementos de facto constitutivos quer do tipo objectivo quer do tipo subjectivo do crime. Não estando tal tarefa na disponibilidade do juiz de instrução, sob pena de incorrer na prática de uma nulidade caso viesse a substituir-se à tarefa que incumbe à assistente. * No caso, sintetizando os termos do R.A.I. supra reproduzido na globalidade, temos: O requerente acusa (art.11º) — 2 juízes de direito, 6 advogadas e o administrador da empresa que alega tê-lo despedido que identifica pelos nomes, tribunais onde correram termos processos que identifica e n°s das cédulas profissionais dos advogados. Concluindo (idem artigo 11°) que “agiram com desvio voluntário dos seus poderes funcionais, pondo em cuas a administração da justiça (art. 369, n°1 do CPP)”. Nos artigos 3° a 3° refere-se à nulidade insuprível praticada no processo disciplinar n” 3/… No artigo 6º invoca a má-fé, limitando-se a concluir que o …DD exercia actividade criminosa. No art. 7 faz um “resumo temporal” onde se limita a datar os sucessivos atos processuais No art. 8° conclui que o despacho de arquivamento omitiu aspectos muito importantes que referi na acusação. * Perante o despacho de arquivamento, devidamente fundamentado (cfr. reprodução supra efectuada), competia ao R.A.I. não só rebater essa fundamentação, demonstrando o erro em que incorre, como ainda propor a acusação que, no entender do requerente devia ter sido deduzida, susceptível de sobre a mesma incidir a instrução e o julgamento. No entanto Por um lado o requerente não cura de rebater a fundamentação por forma a demonstrar qualquer erro de apreciação ou de procedimento capaz de o inquinar e assim impor a decisão de pronúncia. Por outro lado não identifica: a) — factos concretos suscetíveis de preencher os elementos descritivos do tipo de crime (art. 369, n°1 do cp e não do cpp como indicado, por lapso evidente); nem b) — os factos concretos imputados a cada uma das pessoas referenciadas que pudessem ter sido praticados por cada uma delas, voluntariamente, conha o direito, muito menos com consciência da prática de um ilícito criminal Da reprodução integral supra efectuada para o efeito, resulta manifesto que não existe uma narração minimamente consistente pé-ordenada para os elementos descritivos do crime. Muito menos da sua imputação, subjectiva, como ato voluntário, com consciência da prática de ato ilícito, a cada um dos arguidos, capazes de fundamentar, numa descrição minimamente perceptível, a aplicação de uma pena ou de uma medida de segurança, o quid, o tempo, o lugar, o modo, a motivação dos agentes, o grau de participação de cada agente outras circunstâncias relevantes para a determinação da sanção. Existe mera referência vaga e abstracta à omissão de deveres sem identificação de factos específicos concretos sobre os quais pudesse incidir a actividade instrutória. Muito menos matéria que pudesse preencher, minimamente, os pressupostos de uma acusação alternativa ou capaz de dar corpo e substituir aquela que o MºPº recusou deduzir. Há uma total omissão circunstanciada relativamente acções, factos materiais concretos, circunstâncias específicas de tempo, modo, lugar, móbil, intencionalidade, consciência da ilicitude. O requerimento surge assim como absolutamente inapto para a finalidade instrutória, por omissão dos requisitos elementares previstos no art. 283°, n°3, alíneas b) e c) do CPP, aplicável por remissão do art. 287º, n° 2 do mesmo diploma legal. Sendo por isso nulo, nos termos previstos pelo citado art. 309°, n° 1 do CPP. Por outro lado, como decidiu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Uniformizador de Jurisprudência, n.º 7/2005 “Não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do artigo 287.”, n.° 2, do Código de Processo Penal, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido”. Impõe-se assim a rejeição do requerimento de abertura da instrução. DECISÃO Nos termos e com os fundamentos expostos, ainda nos termos do art. 417°, n° 6, al. b) do CPP, não cumprindo o requerimento para abertura da instrução (R.A.I.) os enunciados requisitos previstos no art. 283°, n°3, alíneas b) e c) do mesmo Código de Processo Penal, sendo por isso nulo, nos termos previstos pelo citado art. 309°, n°1 do CPP, rejeita-se a abertura da instrução. Custas pelo requerente, sem prejuízo do instituto do apoio judiciário, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC. *** Inconformado com esta decisão, o assistente AA interpôs recurso para este Supremo Tribunal, apresentando a motivação que consta de fls. 615 a 621, que remata com as seguintes conclusões: 1- Vem o presente recurso intentado do douto despacho que não admite o requerimento de abertura da instrução formulado pelo assistente. 2- Salvo o mais elevado respeito, entendemos que o requerimento de abertura de instrução não enferma das vicissitudes que lhe vêm apontadas no despacho recorrido. 3- O assistente requereu articuladamente a abertura da instrução nos autos, no tempo que a lei lhe permite (diga-se, sem constituição de mandatário), ali fez constar as razões de facto e de direito, de discordância pela não acusação dos arguidos, e indicou dos atos de instrução pretendidos, os factos que fundamentam a aplicação aos arguidos de uma pena, incluindo o lugar, o tempo, a motivação da sua prática, o grau de participação, as circunstâncias determinantes da sanção e a indicação das disposições legais aplicáveis. 4- Porque “o requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução”, - artigo 287º, n.º3 CPP- e estes requisitos foram integralmente respeitados, inexiste fundamento legal para a prolação da decisão recorrida. 5- Caso alguma imprecisão existisse - o que não é o caso -, a cominação aplicável seria a prevista no artigo 123.º, n.º 2 do CPP, ou seja, deveria ser ordenada oficiosamente o seu aperfeiçoamento. 6- O entendimento perfilhado no douto despacho de que ora se recorre, ao considerar que o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 283.º, ex vi, n.º 2 do artigo 287.º, do CPP, exige ao assistente, especificação cristalina da factualidade que justifique a aplicação aos arguidos de um pena ou medida de segurança, e consequente acusação, substituindo-se diretamente ao Ministério Público e ao Tribunal, na acusação dos arguidos, sob pena de violação das garantias de defesa do arguido, é inconstitucional, violando os mais elementares princípios caracterizadores do Estado de Direito democrático 7- Foi por se sentir profundamente ofendido e pesadamente humilhado pelas incomensuráveis dificuldades que tem passado ao longo destes anos, pela descrita conduta ilícita dos arguidos, que o assistente, porquanto pessoa e profissional sério ao longo de mais de 25 anos e honesto que preza ser, a ninguém admitindo sequer admitir a menor suspeita a tal respeito, expôs naquele requerimento de abertura de instrução as razões de facto e de direito da discordância dos argumentos invocados pelo M P, suscetível de ficar impune ante a decisão de arquivamento do Inquérito. 8- O Assistente, ao longo dos anos, tem vindo a ser privado e continua a ser, do exercício dos seus direitos! 9- Anote-se aliás que durante o Inquérito e apesar de o ter requerido, o ora assistente nunca foi ouvido, conforme missiva junta a fls._dos autos e referência constante do despacho de arquivamento. Nulidade que se argui para todos os devidos e legais efeitos. 10- O requerimento de abertura de instrução contém todos os requisitos necessários, para que possa ser admitido, nos termos do n.º 3 do artigo 287.º do CPP, nomeadamente: a) Razões de facto e de direito da discordância relativamente à acusação ou não acusação, vide 1.º a 8º e 11º, inclusive, do requerimento de abertura de instrução; b) Indicação dos atos de instrução que requerente pretendia que juiz levasse a cabo — vide artigos 9º e 10º e prova testemunhal, do requerimento de abertura de instrução; sem prejuízo das demais diligências requeridas no requerimento junto aos autos a fls._ datado de 15 de Abril de 2019; c) Meios de prova desconsiderados no inquérito - vide artigo 8º do requerimento de abertura de instrução; d) Factos que, através de uns e de outros, se espera provar e respetiva conclusão plasmada no art. 11º do requerimento de abertura de instrução, ou seja, que os arguidos violaram, com dolo direto, os seus deveres funcionais, pondo em causa a administração da justiça, denegando-a e, violando assim o art. 369º n.º1 do CPP. 11- O requerimento de abertura de instrução não está sujeito a formalidades especiais, como determina o n.º 2 do artigo 287.º do CPP, sem descurar, repita-se, requerimento de abertura de instrução apenas subscrito pelo próprio requerente sem mandatário constituído ou nomeado e portanto, mais não era possível nem exigível. 12- Tendo assim em consideração a prevalência da justiça material sobre a justiça formal, se o requerimento de instrução enfermar de alguma imperfeição, não é ela adequada a levar à impunidade o descrito comportamento tão censurável dos arguidos. 13- De harmonia com o artigo 202°, n.º 2, da Constituição, incumbe aos Tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos em que se inclui o direito à honra, ao bom nome e reputação a que se reporta o artigo 26°. 14- Fácil se conclui que o assistente, ora recorrente, apresentou um requerimento de abertura de instrução, capaz, suficiente, claro e apto a que o processo seguisse os seus termos e os arguidos pudessem cabalmente exercer a sua defesa. 15- Cabe ao juiz analisar os factos descritos no requerimento instrutório e se os julgar indiciados, pronunciar os arguidos pelos mesmos - cfr. Artigo 308.º do CPP. 16- A indiciação de factos pelo assistente no requerimento de abertura de instrução pode resultar somente dos atos de instrução requeridos, sendo que a instrução não é apenas uma mera atividade de comprovação judicial. 17- Face ao exposto pensamos que a decisão recorrida viola o preceituado nos artigos 287.º, n.º 3, 287.º, n.º1, alínea b); artigo 287.º, n.º 2; 286.º, n.º 1; 283.º, n.º 3, alíneas b) e c); 123.º, n.º 2, bem como o 308° e o 379°, nº 1, alínea c), todos do CPP, bem como os artigos 202° e 26° da Constituição da RP. NESTES TERMOS, e nos melhores de Direito e de Justiça, e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências Venerandos Senhores Juízes Conselheiros, deve ser concedido provimento ao presente recurso e em consequência determinar-se: a) A revogação do despacho recorrido, substituindo-o por outro que ordene a abertura de instrução ordenando-se as diligências entendidas como pertinentes ou a realização do debate instrutório; e caso assim não se entenda, o que se admite por mera hipótese de raciocínio e de salvaguarda de patrocínio, e sem conceder, b) A substituição por outro que determine a reparação/aperfeiçoamento do requerimento de abertura de instrução, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA! *** Por despacho de fls. 622 foi admitido o recurso interposto pelo assistente para este Supremo Tribunal de Justiça, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo. *** A Exma. Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal da Relação de Coimbra apresentou a resposta ao recurso apresentado, constante de fls. 625 a 630, concluindo: 1.- Do requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente, ora recorrente teria necessariamente que constar uma narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao(s) denunciado(s) de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar; o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada e, assim, permitir aos denunciados exercício do contraditório e o direito de defesa reconhecidos constitucionalmente 2. - Omitindo o requerimento de abertura de instrução a descrição de factos concretos, que por preencherem os elementos objetivos e subjetivos do ilícito criminal, que pudessem fundamentar a aplicação de uma pena ou de uma medida de segurança aos denunciados, aquele requerimento só poderia ter sido rejeitado, como foi, por inadmissibilidade legal, nos termos do dispôs no art°283 n°3 al. .b), ex vi art° 287 n°2 ambos do CPP, enfenando o mesmo de nulidade ai previsto 3.- Nulidade que não é meramente formal mas que afeta a própria instrução, e que portanto seria sempre inexequível e legalmente inadmissível 4.- Tal requerimento não é suscetível de aperfeiçoamento, não podendo o juiz suprir omissões, como se verifica no caso concreto, o que consubstancia uma nulidade 5.- Ademais, o anómalo aperfeiçoamento do requerimento de abertura de instrução constituiria uma violação do princípio do acusatório 6.- Face ao exposto, o douto despacho recorrido não violou, por isso, qualquer norma jurídico - processual penal ou norma constitucional 7. - Deve, assim, ser confirmado, com a consequente negação de provimento ao recurso Vossas Ex.as, no entanto, decidirão como for de JUSTIÇA *** A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal na vista a que alude o artigo 416.º, n.º 1, do CPP, a fls. 636, apôs visto. *** Colhidos os vistos, realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir. *** Questão proposta a reapreciação e decisão O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões, onde o recorrente (assistente) resume as razões de divergência com o decidido no despacho recorrido. Assim, a única questão a decidir traduz-se em saber se, em vez de decisão de não recebimento do requerimento de abertura de instrução, deveria o mesmo ter sido recebido, ou formulado convite a aperfeiçoamento. *** Apreciando. O Ministério Público - Exma. Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal da Relação de Coimbra - proferiu despacho de arquivamento do inquérito. O assistente requereu abertura de instrução. O Tribunal da Relação de Coimbra não recebeu o pedido. Com o presente recurso pretende o recorrente seja revogada a decisão de não recebimento, sendo a mesma substituída por outra que o admita. Vejamos. *** Da finalidade da instrução Como decorre do disposto no artigo 286.º (Finalidade e âmbito da instrução) do Código de Processo Penal, a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento. Comentando o preceito, diz Eduardo Maia Costa no Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2016, 2.ª edição revista, págs. 957/8: “A instrução constitui uma fase processual autónoma, de carácter facultativo, que visa exclusivamente a comprovação judicial da decisão de acusar ou de arquivar tomada no final do inquérito. A instrução visa, pois, a comprovação das seguintes decisões: a) da acusação do Ministério Público, a requerimento do arguido; b) da acusação do assistente, em procedimento por crime particular, a requerimento do arguido; c) do despacho de arquivamento do Ministério Público, nos procedimentos por crime público ou semipúblico, a requerimento do assistente. A comprovação consiste no controlo jurisdicional sobre qualquer dessas decisões por parte de um juiz diverso do juiz de julgamento. No último caso (despacho de arquivamento) a instrução não se destina a repetir ou a completar o inquérito, nem a realizar um inquérito complementar, abrangendo novos factos ou novos suspeitos ou arguidos; destina-se a fiscalizar a decisão que pôs termo ao inquérito. Se o assistente considera que o inquérito insuficiente em termos de investigação e recolha de prova, deverá reclamar hierarquicamente, nos termos do art. 278.º, n.º 2, e não requerer a abertura de instrução É esta a conceção que respeita e se coaduna com a natureza acusatória do processo penal. 2. Quando incide sobre o despacho de arquivamento, a instrução constitui um instrumento colocado nas mãos do assistente para tutela do seu interesse no prosseguimento do processo, com vista à submissão do arguido a julgamento, interesse que radica, afinal, na garantia constitucional de acesso ao direito e à justiça (art. 20.º, n.º 1, da Constituição). Mas também constitui, nos processos por crimes em que subjazem interesses supra-individuais, um meio de controlo “popular” da decisão através do direito à “acção popular penal”, nos termos do art. 68.º, n.º 1, e), da decisão de abstenção do Ministério Público.” Segundo Paulo Pinto Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, UCE, 4.ª edição actualizada, Abril de 2011, pág. 777, “A instrução consiste na fase de discussão da decisão de arquivamento ou de acusação tomada pelo MP no final do inquérito. Mas o âmbito desta discussão é limitado pela lei, ou melhor, pelo objectivo que a lei estabelece para aquela discussão. Nela pretende-se apurar a existência de indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação de uma pena ou medida de segurança (artigo 308.º, n.º 1). Portanto, a instrução visa discutir a decisão de arquivamento apenas no que respeita ao juízo do MP de inexistência de indícios suficientes e discutir a decisão de acusação apenas no que respeita ao juízo do MP de existência de indícios suficientes. (realces do texto). No que toca ao requerimento para abertura de instrução, nos termos do artigo 287.º, n.º 2, do CPP, não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 283.º, não podendo ser indicadas mais de 20 testemunhas. No que respeita à direcção e natureza da instrução, o artigo 288.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, dispõe que o juiz de instrução – a quem compete a direcção da instrução –, investiga autonomamente o caso submetido a instrução, tendo em conta a indicação, constante do requerimento da abertura de instrução, a que se refere o n.º 2 do artigo anterior. Por outro lado, determina o artigo 307.º, n.º 1, do Código de Processo Penal que, encerrado o debate instrutório, o juiz profere despacho de pronúncia ou de não pronúncia, podendo fundamentar por remissão para as razões de facto e de direito enunciadas na acusação ou no requerimento de abertura de instrução; acrescenta o artigo 308.º, n.º 1, do mesmo diploma que se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia. Da análise deste regime extrai-se que, visando a instrução, no caso de ter sido deduzida acusação, a comprovação judicial da acusação, o requerimento para abertura da instrução apresentado pelo arguido deve conter as razões de facto e de direito que fundamentam a sua discordância relativamente à acusação deduzida. O requerimento de abertura de instrução procurará infirmar a acusação, substanciando uma contestação àquela, devendo contribuir para a determinação do objecto da instrução, delimitando e definindo o âmbito e os limites da investigação a cargo do juiz de instrução, bem como a final da decisão instrutória de pronúncia ou de não pronúncia; o texto do requerimento constitui o horizonte e o limite da correcção possível. A este propósito, Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, III, Editorial Verbo, 1994, a págs. 130/131, afirma: «formulada a acusação pelo MP (art. 283.º) ou pelo assistente quando o procedimento depender de acusação particular (art. 285.º), o arguido pode (…) requerer a abertura da fase da instrução, fundamentando o requerimento com as razões de facto e de direito que, na sua perspectiva, deverão conduzir à rejeição total ou parcial da acusação (…)». Acrescenta este Autor (loc. cit.) que «(…) a instrução pode ser requerida pelo arguido com o fim de ilidir ou enfraquecer a prova judiciária da acusação, mas também por razões puramente de direito material ou adjectivo, que a tornem inadmissível. Já não parece que possa ter lugar a requerimento do arguido quando apenas pretenda ilidir ou enfraquecer a prova indiciária ou preparar a defesa sem pretender, porém, a neutralização da acusação, pela sua rejeição na decisão instrutória». Conclui que a instrução a requerimento do arguido «visa o controlo negativo da acusação». Explica Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2007, pág. 741 (e pág. 781, na 4.ª edição actualizada, 2011), em anotação ao artigo 287.º do citado Código, que o requerimento de abertura da instrução apresentado pelo assistente é constituído pelas seguintes partes: a) a narração dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ou medida de segurança, sendo aplicável o disposto no artigo 283.º, n.º 3, al. b); esta narração deve ter o formato de uma verdadeira acusação (acórdão do TC n.º 358/2004, acórdão do TRC de 24.11.1993, in CJ, XVIII, 5, 61, acórdão do TRE, de 14.4.1995, in CJ, XX, 2, 280, acórdão do TRL, de 20.5.1997, in CJ, XXII, 3, 143), e acórdão do TRL, de 11.5.2004, in CJ, XXIX, 3, 130); por exemplo, referindo uma versão factual do acidente diversa da que consta do despacho de arquivamento (acórdão do TRG, de 24.11.2003, in CJ, XXVIII, 5, 311); b) as disposições legais violadas pelo arguido e as razões de direito de discordância relativamente ao arquivamento pelo MP; c) a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo; d) os meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito. No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Março de 2007, proferido no processo n.º 4688/06, da 3.ª Secção, refere-se: “A estrutura acusatória do processo determina que o thema da decisão seja apresentado ao juiz, e que a decisão deste se deva situar dentro da formulação que lhe é proposta no requerimento para abertura de instrução. O requerimento para abertura de instrução não está sujeito a formalidades especiais – artigo 287.º, n.º 2, do CPP – mas há-de definir o thema a submeter à comprovação judicial sobre a decisão de acusação ou de não acusação. O objecto da instrução deve ser suficientemente delimitado, com a indicação («mesmo em súmula», diz a lei – artigo 287.º, n.º 2, do CPP) das razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação ou arquivamento, bem como a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e outros, se espera provar. (…) O requerimento para abertura da instrução constitui, pois, o elemento fundamental de definição e determinação do âmbito e dos limites da intervenção do juiz na instrução: investigação autónoma, mas delimitada pelo tema factual que lhe é proposto através do requerimento de abertura da instrução”. A suficiência dos indícios A dedução de acusação pressupõe a presença de “indícios suficientes” ou “prova bastante” de prática de crime e da sua imputação ao acusado. Estabelece o artigo 283.º, n.º 2, do CPP: “Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança”. A definição acolheu a orientação da doutrina e da jurisprudência seguida na vigência do Código de Processo Penal de 1929. Comentando o artigo 349.º do CPP de 1929, no ponto 2. Indícios suficientes da existência do facto punível, no Cóio de Processo Penal, 4.ª edição, Almedina Coimbra, 1980, págs. 452/3, dizia Maia Gonçalves: “A lei não define, nem o poderia fazer com rigor, o que são indícios suficientes. Trata-se, certamente, de um conjunto de elementos convincentes de que o arguido praticou os factos incrimináveis que lhe são imputados. No julgamento, terão os julgadores que ser mais exigentes; então exige-se certeza, cimentada através de uma sã apreciação crítica da prova, quando esta não é vinculada, enquanto que na fase da acusação se exige somente aquela convicção. Mas, como se vê escrito na S,J., X, n.º 51. 125 «a frequentes naufrágios se arriscaria a justiça, se a lei fizesse depender da prova plena o acto provisório da pronúncia». Trata-se, portanto, de uma questão que a lei deixa em grande parte ao prudente critério dos magistrados judiciais e do M.P. e que em cada caso deve ser resolvida muito ponderadamente. Frequentemente, os tribunais superiores atentam na definição do que se entende por indícios suficientes, para o efeito de acusação e pronúncia, sem que, no entanto, adiantem outros elementos aos que já foram apontados”, dando exemplos de acórdãos das Relações e do acórdão do STJ de 1 de Março de 1961, BMJ 105, 439, que disse: “Constituem indícios suficientes para a pronúncia aqueles elementos que, relacionados e conjugados, persuadem da culpabilidade do agente, fazendo nascer a convicção de que virá a ser condenado”. Para o acórdão da Relação de Coimbra, de 17-11-1967, J.R., 5, 595 e Sum. Jur. XIV, 305 as expressões indícios suficientes, dos arts. 349.º, 354.º, § 1.º e 368.º e indícios bastantes de culpabilidade, do art. 362.º, todos do C.P.P., e prova indiciária, do art. 26.º do Dec.-Lei n.º 35007, significam o conjunto de elementos que, relacionados e conjugados, persuadem da culpabilidade do agente, fazendo nascer a convicção de que virá a ser condenado pelo crime que lhe imputam”. De seguida é colocada uma questão nodal, com tanto de interessante como de incontornavelmente relevante, e sobretudo pertinente, sobremaneira, quando se estiver num plano de segunda jurisdição de recurso, como é o caso presente, em que é reapreciado um acórdão de um Tribunal da Relação, e consistente precisamente em saber “3. Se a existência de indícios suficientes para a pronúncia constitui matéria de facto ou de direito”. Ora bem. No conspecto disse o Autor, a págs. 453/4: “Constitui jurisprudência constante do S.T.J, a orientação de que a suficiência ou insuficiência da prova indiciária para a pronúncia, e portanto, também para acusação, é matéria de facto, da exclusiva competência dos tribunais de instância, não podendo constituir objecto de recurso para o S.T.J., nos casos em que este tribunal funciona como tribunal de revista. Rara é a sessão do Supremo em que não é reafirmada esta orientação. Consideramos exacta a solução. Esclareça-se, no entanto, que só é válida para os casos de prova não vinculada, Sempre que, na apreciação da prova, houver violação de preceito legal, já o Supremo poderá conhecer do recurso, se não houver outro obstáculo. Assim é que, considerando as instâncias que é bastante a prova indiciária fundada exclusivamente na confissão, poderá o Supremo conhecer do recurso, por violação do comando formulado no art. 174.º. Nos processos penais que conhece em única instância, compete-lhe apreciar a prova indiciária”. Ao Supremo, como tribunal de revista, fica, em regra, tão somente a competência para exercer censura sobre o tratamento jurídico que deve ser dado aos factos que os tribunais de instância considerarem indiciariamente apurados”. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, primeiro volume, Coimbra Editora, 1981, págs. 132/3, pondera que o Ministério Público tem de considerar que já a simples dedução da acusação representa um ataque ao bom nome e reputação do acusado, o que leva a defender que os indícios só serão suficientes e a prova bastante quando, já em face deles, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado, ou quando esta seja mais provável do que a absolvição. De seguida, cita Castanheira Neves, que ensina que na suficiência dos indícios está contida «a mesma exigência de “verdade” requerida pelo julgamento final - só que a instrução preparatória (e até a contraditória) – assim era ao tempo – não mobiliza os mesmos elementos probatórios e de esclarecimento, e portanto de convicção, que estarão ao dispor do juiz na fase de julgamento, e por isso, mas só por isso, o que seria insuficiente para a sentença pode ser bastante ou suficiente para a acusação”. Acrescenta que a alta probabilidade, contida nos indícios recolhidos, de futura condenação tem de aferir-se no plano fáctico e não no plano jurídico. Comentando o artigo 283.º, diz Eduardo Maia Costa no Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2014, pág. 992, nota 4: “No n.º 2 define-se a suficiência de indícios, em termos coincidentes com a doutrina há muito estabilizada (ver Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, p. 133). Em síntese, poderá dizer-se que são suficientes os indícios que ultrapassem o teste da “dúvida razoável”, na perspectiva da produção da prova na audiência de julgamento. Por isso se entende que o juízo sobre a suficiência da indiciação deve ter o mesmo grau de exigência que o do julgamento (P. Dá Mesquita, Direcção do Inquérito Penal e Garantia Judiciária, p. 92; e Carlos Adérito Teixeira, “Indícios suficientes: parâmetro de racionalidade e instância de legitimação concreta do poder-dever de acusar”, Revista do CEJ, 2.º Semestre de 2004, n.º 1, p. 189). Na 2.ª edição revista, de 2016, na nota 4 de págs. 949, é aditado a seguir a 189 “; Jorge Noronha e Silveira, “O conceito de indícios suficientes no processo penal português”, Jornadas de direito processual penal e direitos fundamentais, pp. 180-181). O já citado Carlos Adérito Teixeira, pág. 161, refere: “o conceito de “indícios suficientes” torna-se a questão central do sentido da decisão (de acusação), a qual não reveste apenas natureza instrumental que faz despoletar o procedimento, antes se assume como verdadeira decisão de mérito pela qual se “fixa” uma factualidade e respectiva qualificação jurídica e, por essa via, se define o objecto do processo”. Para o mesmo Autor apenas o critério da possibilidade particularmente qualificada ou de probabilidade elevada de condenação, a integrar o segmento legal da “possibilidade razoável”, responde convenientemente às exigências do processo equitativo, da estrutura acusatória, da legalidade processual e do Estado de Direito Democrático, e é o melhor que se compatibiliza com a tutela da confiança do arguido, com a presunção de inocência de que ele beneficia e com o in dubio pro reo. Acrescenta que, por esta via, afirma-se a necessidade de se verificar - na linha, agora refinada, da concepção que presidia ao ensinamento doutrinal e jurisprudencial ao tempo do Código de Processo Penal de 1929 - uma convicção de “alta probabilidade” de condenação, ainda decalcada no termo “razoável”, atenta a maleabilidade do mesmo (logo, não determinante do estabelecimento de uma precisa linha de fronteira). Esta interpretação (necessidade de uma possibilidade particularmente forte de futura condenação) defende que os indícios são suficientes quando a possibilidade de futura condenação do arguido em julgamento for mais provável do que a possibilidade da sua absolvição. É a chamada teoria da probabilidade predominante. Não basta uma probabilidade aleatória, uma mera possibilidade, que há-de conduzir à acusação ou à pronúncia, sendo de repudiar a solução que consigna a mera possibilidade de condenação, ainda que diminuta ou ínfima, por violar o princípio da presunção de inocência do arguido. Na jurisprudência deste Supremo Tribunal: Extrai-se do acórdão de 21-05-2008, proferido no processo n.º 3230/07-3.ª Secção – Para a pronúncia, como para a acusação, a lei não exige a prova, no sentido da certeza moral da infracção, bastando-se com indícios da sua prática, de onde se possa formar a convicção de que existe uma probabilidade razoável de ter sido cometido um crime pelo arguido. Assim sendo, os indícios probatórios – que não a mera discordância legal, doutrinal ou jurisprudencial – são suficientes sempre que dos mesmos resultar uma probabilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou medida de segurança – arts. 283.º, n.ºs 1 e 2, e 308.º, n.ºs 1 e 2, do CPP. Tanto a doutrina como a jurisprudência têm realçado que a “possibilidade razoável” de condenação é uma possibilidade mais positiva que negativa: “o juiz só deve pronunciar o arguido quando pelos elementos de prova recolhidos nos autos, forma a sua convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que o não tenha cometido” ou, noutras palavras, os indícios são suficientes quando existe “uma alta probabilidade de futura condenação do arguido, ou, pelo menos, uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição”. Retira-se do acórdão de 8-10-2008, proferido no processo n.º 31/07- 3.ª Secção, pelo mesmo Relator do anterior: De harmonia com a própria letra da lei, a instrução é uma fase facultativa, jurisdicional, em que o requerimento do assistente com vista à comprovação judicial da decisão de arquivar o inquérito consubstancia materialmente uma acusação que, nos mesmos termos de uma acusação formalmente deduzida, traça o objecto do processo, condiciona substancialmente os poderes de cognição do juiz, nomeadamente a liberdade de investigação, delimita a extensão do princípio do contraditório e a subsequente decisão instrutória (arts. 286.º, n.ºs 1 e 2, 287.º, n.º 1, al. b), 283.º, n.º 3, als. b) e c), ex vi n.º 2 do art. 287.º, 288.º, n.ºs 1 e 4, e 307.º, n.º 1, in fine, todos do CPP). Acaso divirja da decisão do MP e acolha as razões enunciadas pelo assistente, o juiz de instrução não lhe devolve os autos, mas pronuncia o arguido pela acusação implícita no requerimento por aquele formulado, assim se respeitando, sob o prisma formal e material, o princípio da acusação imposto pela estrutura acusatória definida constitucionalmente na 1.ª parte do n.º 5 do art. 32.º. Segundo as disposições combinadas dos arts. 298.º e 308.º, n.º 1, ambos daquele Código, se, até ao encerramento da instrução, forem apurados indícios de facto e elementos de direito suficientes para justificar a submissão do arguido a julgamento, verificando-se os pressupostos de que depende a aplicação de uma pena ou medida de segurança, deve ser proferido despacho de pronúncia pelos factos respectivos; na inversa, despacho de não pronúncia. A propósito da acusação, mas com inteiro cabimento nesta sede em virtude da norma do art. 308.º, n.º 2, adianta o art. 283.º, n.º 2, do CPP que se consideram suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou medida de segurança. No juízo de quem acusa, como no de quem pronuncia, não se exige a prova, entendida esta como sinónimo da demonstração da existência do crime, bastam indícios da ocorrência de um crime, donde se possa formar a convicção de que existe uma possibilidade razoável de que foi cometido o crime pelo arguido. Possibilidade razoável essa que se baseia num juízo de probabilidade, uma probabilidade mais positiva do que negativa, de que o arguido tenha cometido o crime do que o não tenha. Pretende-se com isto acentuar que, no termo da instrução, compete ao juiz aferir, num juízo de indiciação, é certo, mas ainda assim, e desde logo, objectivado e filtrado pela valoração crítica dos dados probatórios até então recolhidos, se se justifica que o arguido seja submetido a julgamento. Concluindo em sentido negativo, profere decisão instrutória de não pronúncia; esta, porque não incide sobre o mérito da causa, configura uma decisão estritamente processual ou adjectiva, no sentido que declara não estarem reunidos os pressupostos para prosseguir para a fase seguinte, a do julgamento. Segundo o acórdão de 24-11-2016, processo n.º 13/15.8YGLSB.S2 - 5.ª Secção – O art. 308.º, n.º 2, do CPP torna aplicável à pronúncia o grau de convicção da acusação, previsto no art. 283.º, n.º 2, do CPP, no sentido de que para ambas as fases processuais se consideram suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena. Como consta do acórdão de 06-04-2017, proferido no processo n.º 29/15.4TRLSB – 5.ª Secção, “A noção de indícios suficientes - expressão que consta, também, do n.º 1 do art. 283.º do CPP, relativamente à acusação - é dada pela própria lei, no n.º 2 do art. 283.º do CPP, reputando-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança”. Extrai-se do acórdão de 27-06-2018, proferido no processo n.º 19/16.0YGLSB-D.S1 - 3.ª Secção: “Indícios suficientes são os elementos que, relacionados e conjugados, persuadem da culpabilidade do agente, fazendo nascer a convicção de que virá a ser condenado; são vestígios, suspeitas, presunções, sinais, indicações, suficientes e bastantes para convencer de que há crime e de que alguém determinado é o responsável, de forma que, logicamente relacionados e conjugados formem um todo persuasivo da culpabilidade, enfim, os indícios suficientes consistem nos elementos de facto reunidos no inquérito (e na instrução), os quais, livremente analisados e apreciados, criam a convicção de que, mantendo-se em julgamento, terão sérias probabilidades de conduzir a uma condenação do arguido pelo crime que lhe é imputado”. Aborda as cambiantes de fortes indícios e indícios suficientes o acórdão de 28-08-2018, proferido no processo n.º 142/17.3JBLSB-A.S1 - 5.ª Secção, constando do sumário: I - A perspectiva do requerente é esta: há prisão ilegal motivada por facto que a lei não permite porque o art. 202.º CPP apenas prevê a imposição da medida de coacção de prisão preventiva se houver fortes indícios da prática dos crimes elencados nas als. a) a e) do seu nº 1 e o despacho que aplicou essa medida de coacção apenas se refere a indícios suficientes ou a factos suficientemente indiciados. II - Quando na fase de inquérito, para a fixação da medida de coacção da prisão preventiva, se alude, como no art. 202.º, n.º 1, als. a) a e) a fortes indícios o que se pretende é inculcar a ideia de que o legislador não permite que se decrete a medida com base em meras suspeitas mas exige que haja já sobre a prática de determinado crime uma «base de sustentação segura» quanto aos factos e aos seus autores que permita inferir que o arguido poderá por eles vir a ser condenado e que, por conseguinte, essa base de sustentação deverá ser constituída por «provas sérias», provas que deixem uma impressão já nítida da responsabilidade do arguido objectivadas a partir dos elementos recolhidos. III - Sendo diferente o contexto probatório em relação ao (primeiro) momento da aplicação da medida de coacção e ao momento da acusação, poderá então afirmar-se que de certo modo se equivalem o conceito de «fortes indícios» usado no art. 202.º e o de «indícios suficientes» explicitado no art. 283.º, n.º 2 CPP: aqueles como estes pressupõem a possibilidade de ao arguido vir a ser aplicada em julgamento uma pena, devendo ter idoneidade bastante para tal. IV - Mas aferida essa idoneidade pela circunstância de serem usados perante realidades processuais distintas. “Fortes indícios” tendo em conta que a medida de coacção é fixada ainda numa fase de aquisição da prova configurando-se esse conceito como uma exigência de que ela não se apoie numa débil consistência probatória mas antes em elementos probatórios já de solidez suficiente embora porventura não bastantes ainda para deduzir uma acusação. “Indícios suficientes” no sentido em que, finda essa fase de investigação e aquisição da prova eles terão então de possuir, força necessária e solidez vincada, para deles resultar uma possibilidade razoável de em julgamento ser aplicada uma pena ao arguido. V - Esta é, crê-se, a interpretação que confere ao sistema a integridade e coerência adequadas pois, como ensinou Antunes Varela a lei não deve «rebaixar-se à categoria de simples artigo pronto a ser digerido segundo as várias necessidades fisiológicas do organismo social». No caso presente a indagação de indícios suficientes atenderá ao que foi dado por indiciado ou não indiciado no acórdão recorrido. Analisando. Caracterização do crime de denegação de justiça/prevaricação. Vejamos a evolução da caracterização deste crime O enquadramento no Código Penal de 1852/1886 Código Penal de 1852 Aprovado pelo Decreto de 10 de Dezembro de 1852 “confirmado pela lei de 1 de Junho de 1853 (D. do G. n.º 128), que lhe deu, do mesmo modo que a outros decretos da dictadura, chamada da regeneração, a indispensável força de lei”. (Assim no Codigo Penal Portuguez Annotado por Antonio Luiz de Sousa Henriques Secco, Lente de Prima, Decano e Director da Faculdade de Direito, 6.ª edição, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1881, pág. 7 nota 1). serto no Livro Segundo – Dos crimes em especial – Título III – Dos crimes contra a ordem a tranquilidade pública – Capítulo XIII – Dos crimes dos empregados públicos no exercício de sua funções – Secção I (Prevaricação), abrangendo os artigos 284.º a 290.º, sem epígrafe, mas sendo o crime de prevaricação previsto no artigo 284.º e o crime de denegação de justiça no artigo 286.º, Estabelecia o Artigo 284.º Todo o juiz, que, julgando o fundo e substancia da causa, proferir sentença definitiva manifestamente injusta, por favor, ou por odio, será condemnado na pena da perda dos direitos políticos. § 1.º - Se esta sentença for condemnatoria em causa criminal, e por effeito d´ella se executar pena mais grave, será esta imposta ao juiz. § 2.º - Em todos os outros casos o juiz que proferir a sentença ou despacho, por favor ou por odio, com manifesta injustiça, será demittido. § 3.º - O que aconselhar uma das partes sobre o litígio, que pender perante elle, será suspenso de um a tres annos. § 4.º - As disposições d este artigo e do seu § 2.º são applicaveis a todas as auctoridades publicas que, em virtude de suas funcções, decidirem ou julgarem qualquer negocio contencioso, submettido ao seu conhecimento. § 5.º - Havendo condemnação, nos termos das disposições antecedentes, poderá ter logar a ação de nullidade. Artigo 286.º Todos os juízes ou auctoridades administrativas que se negarem a administrar a justiça que devem ás partes, depois de se lhes ter requerido, e depois da advertencia ou mandado de seus superiores, serão condemnados em suspensão. (Fonte: Código Penal Approvado por Decreto de 10 de Dezembro de 1852, Edição Official, Lisboa, Imprensa Nacional, 1853, págs. 83 e 84, Código Penal, Quarta Edição Official, Lisboa, Imprensa Nacional, 1867, págs. 81 e 82 e Código Penal, Oitava Edição Official, Lisboa, Imprensa Nacional, 1882, págs. 81 e 82 e Codigo Penal Portuguez Annotado por Antonio Luiz de Sousa Henriques Secco, Lente de Prima, Decano e Director da Faculdade de Direito, 6.ª edição, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1881). Nova Reforma Penal A Nova Reforma Penal foi aprovada por Decreto de 14 de Junho de 1884 e publicada por Carta de Lei da mesma data. Diploma constituído por 91 artigos, os primeiros noventa estabeleceram novos princípios relativamente a toda a matéria do Livro I do Código, tendo o artigo 91.º dado diferente redacção a 123 artigos (incluído o artigo 284.º e parágrafos) do Livro II, o qual, como vimos, tinha a epígrafe “Dos crimes em especial”. Estabelecia o artigo 5.º da Nova Reforma Penal: “É auctorisado o governo a fazer uma nova publicação official do codigo penal, na qual deverão inserir-se as disposições da presente lei”. Código Penal de 1886 Pelo Decreto de 16 de Setembro de 1886, usando da autorização concedida ao Governo pelo artigo 5.º da Carta de Lei de 14 de Junho de 1884 (Nova Reforma Penal), foi aprovada a nova publicação oficial do Código Penal, inserindo as disposições da mesma Lei, ou seja, as da Nova Reforma. Continuaram os crimes de prevaricação e de denegação de justiça nos artigos 284.º - este com diversa redacção - e 286.º, e o conceito de funcionário continuou plasmado no artigo 327.º. Os crimes em equação encontravam-se insertos no Livro Segundo – Dos Crimes em Especial – Título III – Dos crimes contra a ordem e tranquilidade pública – Capítulo XIII – Dos crimes dos empregados públicos no exercício de suas funções –, abrangendo os artigos 284.º a 327.º, definindo este o “Conceito de empregado público” – na Secção I, sob a epígrafe “Prevaricação”, contendo os artigos 284.º a 290.º, assim indicados: Artigo 284.º - Prevaricação; Artigo 285.º - Consulta ou informação falsa; Artigo 286.º - Denegação de justiça; Artigo 287.º - Falta de promoção de procedimento criminal; Artigo 288.º - Promoção dolosa do Ministério Público; Artigo 289.º - Prevaricação dos advogados, procuradores judiciais e Ministério Público; Artigo 290.º - Violação de segredo profissional. Os crimes de prisão ilegal e de prisão formalmente irregular previstos nos artigos 291.º e 292.º integravam já a Secção II – “Abuso de autoridade”. Estabelecia o artigo 284.º introduzido pela Nova Reforma Penal: Artigo 284.º (Prevaricação) Todo o juiz que proferir sentença definitiva manifestamente injusta, por favor ou por ódio, será condenado na pena fixa de suspensão dos direitos políticos por quinze anos. § 1.º - Se esta sentença for condenatória em causa criminal, a pena designada no artigo será acumulada com a de prisão maior de dois a oito anos. § 2.º - Se a sentença definitiva for proferida em causa não criminal, a pena do artigo será acumulada com a de multa maior. § 3.º - Se a sentença não for definitiva, a pena será a de suspensão temporária de todos os direitos políticos. § 4.º - A mesma pena será imposta àquele que aconselhar uma das partes sobre o litígio que pender perante ele. § 5.º - As disposições deste artigo e seus §§ 2.º, 3.º e 4.º são aplicáveis a todas as autoridades públicas que, em virtude das suas funções, decidirem ou julgarem qualquer negócio contencioso submetido ao seu conhecimento. Artigo 286.º (Denegação de justiça) Todos os juízes, ou auctoridades administrativas, que se negarem a administrar a justiça, que devem às partes, depois de se lhes ter requerido, e depois da advertencia ou mandado de seus superiores, serão condemnados em suspensão. (O preceito manteve a redacção anterior). Em Notas ao Código Penal Português, 2.ª edição, volume II, Coimbra Editora, Limitada, 1923, Luís Osório da Gama e Castro de Oliveira Baptista, pág. 578, comentando o artigo 284.º, dizia: “Êste artigo protege o interesse administrativo do Estado à reta administração da justiça e resolução de assuntos contenciosos, contra as autoridades públicas que profiram decisões manifestamente injustas e contra os juízes que aconselharem uma das partes em litígio que penda perante eles”. A págs. 580, dizia: “A manifesta injustiça pode ter por causa uma falta de inteligência ou uma falta de vontade. A lei não quis punir as faltas de inteligência, mas só as da vontade e por isso exige que a sentença seja proferida por favor ou ódio”. E a págs. 581: Sujeito ativo – Só o pode ser o juiz ou a autoridade pública a quem compete dar a sentença ou a decisão, ou perante quem corre o litígio. Elemento moral – A vontade de proferir a decisão e o conhecimento de que ela é manifestamente injusta”. O mesmo Autor, comentando o artigo 286.º, a págs. 583/4, dizia: “Êste artigo protege o interesse do Estado referente à administração da justiça contra os juízes e autoridades administrativas que se negarem a administrar justiça depois da advertência ou mandado dos eus superiores”. O objecto específico de tutela penal é o interesse público de assegurar o cumprimento regular e eficaz das funções públicas, excluídas as legislativas, contra a inércia dolosa dos empregados públicos em relação a um determinado ato de ofício – Manzini 5.º 187”. Elemento material – Negar-se a administrar a justiça devida às partes quando se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos: 1.º Ter sido requerida aquela justiça ao agente; 2.º Ter havido advertência ou mandado do superior do agente. Sujeito ativo – O juiz ou a autoridade administrativa que devam às partes aquela justiça. Elemento moral – A vontade de não administrar a devida justiça e o conhecimento da existência daquelas duas condições”. A redacção fundamental do Código Penal vigente até 31 de Dezembro de 1982 (artigos 2.º e 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, que aprovou o Código Penal de 1982) é assim a do Código de 1852 com a nova publicação oficial de 1886, em que foram introduzidos os princípios da Nova Reforma Penal de 1884 (a que se juntaram reformas parciais posteriores, como a de 1931 – Decreto-Lei n.º 20 146, de 1 de Agosto – e a de 1954 – Decreto-Lei n.º 39 688, de 5 de Junho). Código Penal de 1982 Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1983. Integrados no Livro II – Parte especial – Título V – Dos crimes contra o Estado – Capítulo III – Dos crimes contra a realização da justiça – abrangendo os artigos 401.º a 419.º Artigo 401.º – Falso depoimento de parte; Artigo 402.º – Falso testemunho, falsas declarações, perícia, interpretação ou tradução; Artigo 403.º – Atenuação e isenção de pena; Artigo 404.º – Retractação; Artigo 405.º – Perda da instrumentalização; Artigo 406.º – Suborno; Artigo 407.º – Agravação; Artigo 408.º – Denúncia caluniosa; Artigo 409.º – Simulação de crime ou dos seus agentes; Artigo 410.º – Favorecimento pessoal; Artigo 411.º – Favorecimento pessoal praticado por funcionário; Artigo 412.º – Extorsão de depoimento; Artigo 413.º – Promoção dolosa; Artigo 414.º – Não promoção; Artigo 415.º – Prevaricação; Artigo 416.º – Denegação de justiça; Artigo 417.º – Prisão ilegal; Artigo 418.º – Prevaricação de advogado ou solicitador; Artigo 419.º – Revelação de segredo de justiça. Estabelecia o Artigo 415.º (Prevaricação) O funcionário que, conscientemente, conduzir ou decidir contra direito um processo em que, por virtude da sua competência, intervém, com a intenção de, por essa forma, prejudicar ou beneficiar alguém, será punido com prisão de 1 a 5 anos. Então comentava Maia Gonçalves, Código Penal Português Anotado, 3.ª edição, revista e actualizada, 1986, Almedina, pág. 552, e 6.ª edição, 1992, pág. 785: “O crime de prevaricação encontrava-se previsto e punido no art.º 284.º do Código anterior, e os seus elementos típicos sofreram profunda remodelação. Continua a ser exigível dolo directo e ainda um dolo específico, mas este consiste agora tão só na intenção de prejudicar ou beneficiar alguém. Deixaram de ser feitas quaisquer distinções entre sentenças penais ou cíveis; condenatórias ou absolutórias; definitivas ou não definitivas. A pena cominada no aludido 284.º era irrisória, pelo que foi estabelecida sanção adequada”. Estabelecia o Artigo 416.º Denegação de justiça O funcionário que se negar a administrar a justiça ou a aplicar o direito que, nos termos da sua competência, lhe cabe e lhe foram requeridos, será punido com prisão até 1 ano ou multa até 30 dias. O mesmo Autor, na 3.ª edição, revista e actualizada, 1986, págs. 552/3 e na 6.ª edição, 1992, pág. 786, anotou: “Este artigo insere-se na nossa tradição jurídica, que houve a intenção de respeitar, tanto mais que se trata de norma da máxima necessidade e utilidade, segundo se expressou no seio da Comissão Revisora o autor do Projecto, Prof. Eduardo Correia. Estão abrangidos na previsão deste artigo a demora e o retardamento voluntários na administração da justiça ou na aplicação do direito. Foi proposta, na Comissão Revisora, uma norma neste sentido, a qual foi considerada dispensável porque o descrito comportamento cai nas malhas do tipo de crime aqui previsto”. Código Penal de 1995 Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março de 1995, rectificado pela Declaração de rectificação n.º 73-A/95, Diário da República, I Série-A, n.º 136, de 14 de Junho de 1995, que procedeu à terceira alteração ao Código Penal, entrado em vigor em 1 de Outubro de 1995 (artigo 13.º). Inserto no Livro II – Parte especial – Título V – Dos crimes contra o Estado – Capítulo III – Dos crimes contra a realização da justiça, abrangendo os artigos 359.º a 371.º Artigo 359.º – Falsidade de depoimento ou declaração; Artigo 360.º – Falsidade de testemunho, perícia, interpretação ou tradução; Artigo 361.º – Agravação; Artigo 362.º – Retractação; Artigo 363.º – Suborno; Artigo 364.º – Atenuação especial e dispensa da pena; Artigo 365.º – Denúncia caluniosa; Artigo 366.º – Simulação de crime; Artigo 367.º – Favorecimento pessoal; Artigo 368.º – Favorecimento pessoal praticado por funcionário; Artigo 369.º – Denegação de justiça e prevaricação; Artigo 370.º – Prevaricação de advogado ou de solicitador; Artigo 371.º – Violação de segredo de justiça. Inserto no Título V – Dos crimes contra o Estado – Capítulo III – Dos crimes contra a realização da justiça, estabelece o Artigo 369.º (Denegação de justiça e prevaricação) 1 – O funcionário que, no âmbito de inquérito processual, processo jurisdicional, por contraordenação ou disciplinar, conscientemente e contra direito, promover ou não promover, conduzir, decidir ou não decidir, ou praticar acto no exercício de poderes decorrentes do cargo que exerce, é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 120 dias. 2 – Se o facto for praticado com intenção de prejudicar ou beneficiar alguém, o funcionário é punido com pena de prisão até cinco anos. 3 – Se, no caso do n.º 2, resultar privação de liberdade de uma pessoa, o agente é punido com pena de prisão de um a oito anos. 4 – Na pena prevista no número anterior incorre o funcionário que, sendo para tal competente, ordenar ou executar medida privativa da liberdade de forma ilegal, ou omitir ordená-la ou executá-la nos termos da lei. 5 – No caso referido no número anterior, se o facto for praticado com negligência grosseira, o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa. Maia Gonçalves, Código Penal Português, Anotado e Comentado, 18.ª edição, Almedina, 2007, pág. 1088, anota: “O dispositivo do n.º 1 corresponde, grosso modo, ao art. 415.º da versão originária. Como no domínio dessa versão, e mesmo no do CP de 1886 (art. 284.º), além dos elementos gerais do dolo, continua a ser exigível um dolo específico, consistente na intenção de prejudicar ou beneficiar alguém, mas agora só no caso do n.º 2. No caso do n.º 1 basta o dolo genérico, que terá de revestir a modalidade de dolo directo, não sendo admissível o dolo eventual, como bem se deduz da exigência de o agente proceder conscientemente e contra direito. *** Conceito de funcionário – A evolução legislativa Vejamos o específico conceito de sujeito activo deste tipo criminal, que começou por ser o “empregado público”, com definição desde logo rigorosa, que depois evoluiu para o conceito de “funcionário”, este com estrutura cada vez mais alargada, abrangente, expansiva, e sobretudo, compreensiva, intrometendo-se ligeiras notas nas formulações mais antigas. Depois, serão as mesmas figuras objecto de consideração separada. Código Penal de 1852 Aprovado pelo Decreto de 10 de Dezembro de 1852 “confirmado pela lei de 1 de Junho de 1853 (D. do G. n.º 128), que lhe deu, do mesmo modo que a outros decretos da dictadura, chamada da regeneração, a indispensável força de lei”. (Assim no Codigo Penal Portuguez Annotado por Antonio Luiz de Sousa Henriques Secco, Lente de Prima, Decano e Director da Faculdade de Direito, 6.ª edição, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1881, pág. 7 nota 1). Integrada no referido Capítulo XIII, relativo a “Dos crimes dos empregados públicos no exercício de suas funcções”, na Secção 8.ª, tendo por epígrafe “Disposições Geraes”, albergando os artigos 324.º a 327.º, rematava com este, estabelecendo o Artigo 327.º Para os effeitos do disposto neste capitulo, considera-se empregado publico todo aquelle que, ou auctorisado immediatamente pela disposição da Lei, ou nomeado por eleição popular, ou pelo Rei, ou por auctoridade competente, exerce, ou participa no exercicio de funcções publicas civis de qualquer natureza. (Texto extraído do Código Penal Approvado por Decreto de 10 de Dezembro de 1852, Edição Official, Lisboa, Imprensa Nacional, 1853, pág. 99, Quarta Edição Official, Lisboa, Imprensa Nacional, 1867, pág. 95, Oitava Edição Official, Lisboa, Imprensa Nacional, 1882, págs. 95, e em Código Penal Portuguez Annotado por Antonio Luiz de Sousa Henriques Secco, Lente de Prima, Decano e Director da Faculdade de Direito, 6.ª edição, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1881, pág. 180). Nova Reforma Penal Nova Reforma Penal foi aprovada por Decreto de 14 de Junho de 1884 e publicada por Carta de Lei da mesma data. Diploma constituído por 91 artigos, os primeiros noventa estabeleceram novos princípios relativamente a toda a matéria do Livro I do Código, tendo o artigo 91.º dado diferente redacção a 123 artigos (incluído o artigo 284.º e parágrafos) do Livro II, o qual, como vimos, tinha a epígrafe “Dos crimes em especial”. O conceito de empregado público continuou sediado no mesmo preceito. O artigo 327.º é o preceito do Código Penal de 1852, não tendo sido alterado pela Nova Reforma Penal, apenas sendo introduzidos ligeiríssimos retoques, ficando com a redacção que segue: Artigo 327.º Para os effeitos do disposto neste capitulo, considera-se empregado público todo aquelle que, ou auctorisado immediatamente pela disposição da Lei, ou nomeado por eleição popular ou pelo Rei, ou por auctoridade competente, exerce ou participa no exercicio de funcções publicas civis de qualquer natureza. (Texto extraído do Código Penal Approvado por Decreto de 10 de Dezembro de 1852, Edição Official, Lisboa, Imprensa Nacional, 1853, pág. 99, e da Oitava Edição Official, 1882, pág. 95, e presente em texto actualizado na obra Notas ao Código Penal Português, por Luís Osório da Gama e Castro de Oliveira Baptista, então Juiz de Direito, 2.ª edição, Volume Segundo, Coimbra Editora, Limitada, 1923, pág. 715). Código Penal de 1886 Pelo Decreto de 16 de Setembro de 1886, usando da autorização concedida ao Governo pelo artigo 5.º da Carta de Lei de 14 de Junho de 1884 (Nova Reforma Penal), foi aprovada a nova publicação oficial do Código Penal, inserindo as disposições da mesma Lei, ou seja, as da Nova Reforma, continuando os crimes de prevaricação e denegação de justiça previstos nos artigos 284.º e 286.º e o conceito de funcionário continuando plasmado no artigo 327.º Vejamos agora o conceito de “empregado público”, expressão presente no Código Penal de 1886. Inserto na Secção VIII do Capítulo XIII – “Dos crimes dos empregados públicos no exercício das suas funções”, com a epígrafe “Disposições gerais”, estabelecia o Artigo 327.º «Para os effeitos do disposto n`este capitulo, considera-se empregado publico todo aquelle que, ou auctorisado immediatamente pela disposição da lei, ou nomeado por eleição popular ou pelo Rei, ou por auctoridade competente, exerce ou participa no exercicio de funcções publicas civis de qualquer natureza». (Texto extraído do Código Penal Approvado por Decreto de 16 de Setembro de 1886, Edição Official, Lisboa, Imprensa Nacional, 1886, pág. 89). (Corresponde, sem grandes alterações ao artigo 327.º do Código Penal de 1852). As disposições dos artigos 313.º a 327.º eram aplicáveis aos funcionários dos Serviços de Fiscalização da Inspecção Geral das Actividades Económicas, conforme estabeleciam o artigo 19.º, § 3.º, do Decreto-Lei n.º 35.809, de 16-08-1946 e artigo 54.º do Decreto-Lei n.º 41.204, de 27-07-1957. Maia Gonçalves, comentando este preceito no Código Penal Português, 4.ª edição, Livraria Almedina, Coimbra, 1979, referia: “1. As expressões funcionário público e empregado público têm o mesmo conteúdo, e é indiferente o emprego de uma ou outra (parecer da P.G.R. de 24 de Março de 1959, D.G., de 11 de Julho do mesmo ano). 2. O conceito de empregado público dado neste art. é mais amplo do que o fornecido pela ordem administrativa. Este aspecto, da diversidade entre a ordem penal e a administrativa, foi focado nos pareceres da P.G.R. 60/57 e 98/58, publicados no BMJ 88, págs. 169 e seguintes e 91, págs. 388 e seguintes e no parecer emitido no processo n.º 30.787, publicado no BMJ n.º 112, págs. 375 e seguintes. Convocando o texto do parecer n.º 389, por si dado no citado processo, na qualidade de agente do Ministério Público na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: «...Para delimitação do conceito de funcionário público, é mister que se não abstraia do sector da ordem pública em que tal conceito se integra. É que a noção varia consoante o ramo de direito que se aplica, e dentre de cada ramo ainda pode variar de sector para sector. Este aspecto de diversidade foi muito bem analisado nos pareceres da Procuradoria-Geral da República, nºs 60/57 e 98/58, publicados no Boletim do Ministério da Justiça, respectivamente, nºs 88, págs. 169 e seguintes, e 91, págs. 388 e seguintes, para cujas linhas remetemos, dadas as naturais limitações do presente parecer. Não por interpretação analógica, ou mesmo extensiva, mas por mera interpretação declarativa, decorrente do art.º 327.º do Código Penal, o conceito mais amplo de funcionário público é o conceito penal. Conforme bem se acentua no citado parecer n.° 98, de todos os exemplos que poderiam apresentar-se, o mais frisante é o do artigo 327.º do Coligo Penal, onde foi perfilhado um conceito de empregado público bastante amplo que, segundo a mais recente e autorizada jurisprudência, não corresponde ao autorizado pela doutrina administrativa. Os fins específicos da tutela penal não se compadeceriam com uma fórmula restrita que excluísse designadamente aqueles a quem são cometidas funções cm serviços públicos sem permanência bastante para que, em direito administrativo, possam qualificar-se como funcionários públicos. E, daí, terem sido, com frequência, considerados funcionários públicos para efeitos penais certos indivíduos desempenhando aquelas funções, não obstante poderem ser livremente nomeados ou exonerados. “Independentemente do formalismo de investimento de que cura o direito administrativo, é funcionário público para efeitos penais, segundo o próprio dizer do comando legal, todo aquele que exerce ou participa no exercício de funções públicas civis de qualquer natureza. É, fundamentalmente, a natureza das funções exercidas que dita e empresta a qualidade de funcionário a quem as exerce, isto segundo o critério da lei penal. A mens legis está na necessidade de evitar subterfúgios na defesa penal da coisa pública. O critério tem, é certo, dado lugar a incertezas e a hesitações. Assim, já se tem discutido, com sorte vária, se os funcionários corporativos são funcionários públicos para efeitos penais. Noutros casos, porém, como nos funcionários municipais e dos organismos de coordenação económica, não têm surgido dúvidas de relevo, quer na doutrina, quer na jurisprudência. Quanto aos organismos de coordenação económica… é bem sabido que se trata de organismos estaduais, por intermédio dos quais o Estado estabelece ligação com os organismos corporativos. Desempenham uma primacial função pública, a função de coordenação económica, que, por preceito constitucional, pertence ao Estado…» Na 6.ª edição, 1992, págs. 806/7, e na 10.ª edição, 1996, agora em relação ao artigo 386.º, págs. 949/950, convoca a anotação ao art. 327.º do Código Penal de 1886, onde também se dava uma definição ampla de funcionário, para efeitos penais, dizendo: “Os fins específicos da tutela penal não se compadeceriam com uma fórmula restrita, que excluísse designadamente aqueles a quem são cometidas funções em serviços públicos sem permanência bastante para que, em Direito Administrativo, possam considerar-se funcionários públicos. E daí terem sido, com frequência, considerados funcionários públicos, para efeitos penais, certos indivíduos desempenhando aquelas funções, não obstante poderem ser livremente nomeados ou exonerados” repetindo o § que começa em “Independentemente do formalismo”. Código Penal de 1982 Neste novo Código, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, entrado em vigor em 1 de Janeiro de 1983 (artigo 2.º), como se viu, os crimes de prevaricação e denegação de justiça estavam previstos nos artigos 415.º e 416.º. O conceito de “funcionário” no novo Código Penal de 1982 Como se colhe das Actas das Sessões da Comissão Revisora do Projecto da Parte Especial do Código Penal, concretamente, na Acta da 24.ª relativa à sessão de 24-06-1966, in BMJ n.º 290, págs. 96/97, estando em discussão o artigo 466.º, com a epígrafe “Conceito de funcionário”, disse o Autor do Anteprojecto curar-se no artigo de dar um conceito de funcionário público. Em vez de a respeito de cada tipo de crime se acrescentar uma definição conceitual de funcionário público, achou-se melhor técnica legislativa estabelecer num artigo final tal conceito. Assinalou que “Como base deve admitir-se que o conceito válido para o Código Penal não tem de decalcar ou sequer assentar noutros conceitos estabelecidos para outros domínios de direito. A Comissão terá sobretudo de precaver-se contra a existência de eventuais lacunas”. Após intervenção do Prof. Afonso Queiró, por sugestão do Autor do Anteprojecto, por se levantar a questão de saber se o n.º 1 abrangia os membros dos organismos corporativos e das actividades económicas, foi proposta nova redacção para a alínea c), sendo aprovada por unanimidade a seguinte: c) Quem, mesmo provisória ou temporariamente, mediante remuneração ou a título gratuito, voluntário ou obrigatoriamente, tenha sido chamado a desempenhar ou a participar no desempenho de uma actividade compreendida na função pública administrativa ou jurisdicional, ou, nas mesmas circunstâncias, desempenhe funções em organismos corporativos ou instituições de previdência ou nelas participe. Na Secção VI, relativa a “Disposições gerais”, o conceito de funcionário é delineado no único artigo 437.º, inspirado no artigo 327.º do Código Penal de 1886, o qual, sob a epígrafe (Conceito de funcionário), dando uma definição ampla de funcionário para efeitos penais, estabelecia: Artigo 437.º 1. Para efeitos da lei penal, a expressão funcionário abrange: a) O funcionário civil; b) O agente administrativo; c) Quem, mesmo provisória ou temporariamente, mediante remuneração ou a título gratuito, voluntária ou obrigatoriamente, tenha sido chamado a desempenhar ou a participar no desempenho de uma actividade compreendida na função pública administrativa ou jurisdicional, ou, nas mesmas circunstâncias, desempenhe funções em organismos de utilidade pública ou nelas participe. 2. A equiparação a funcionário, para efeitos da lei penal, de quem desempenhe funções políticas, governativas ou legislativas, será regulada por lei especial. O Código Penal de 1982, como se viu, entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1983, mas face a críticas tecidas relativamente à incriminação e à punição dos actos de corrupção, o legislador procurou alterar algumas disposições e colmatar algumas lacunas. Assim, pela Lei n.º 12/83, de 24 de Agosto (Diário da República, I Série, n.º 194, de 24 de Agosto), foi conferida ao Governo autorização para alterar os regimes em vigor em quatro áreas, de que ora importa destacar a da alínea b) do artigo 1.º que dizia: “Em matéria de delitos de corrupção, tráfico de influências e outras fraudes que ponham em causa a moralidade da Administração Pública” e a da alínea d) do mesmo artigo 1.º, que dizia: “Em matéria de responsabilidade dos membros dos órgãos do Estado, dos agentes da administração central, regional e local e dos órgãos das empresas do sector empresarial do Estado”. O sentido da autorização nestes dois planos era dado em bloco no artigo 4.º, que na alínea b) dizia: b) Quanto aos delitos de corrupção, tráfico de influências e outras fraudes que ponham em causa a moralidade da Administração Pública, bem como a efectivação da responsabilidade dos agentes públicos, combater em geral a fraude e moralizar os comportamentos, efectivando a responsabilidade penal e civil dos agentes administrativos em adequação ao grau da sua responsabilidade funcional”. Emergindo desta autorização legislativa, o Decreto-Lei n.º 371/83, de 6 de Outubro, “na linha de uma política de pragmático combate à corrupção e outras fraudes e de moralização dos comportamentos administrativos” alargou o conceito estrito de funcionário dado pelo Código Penal a funções cujo paralelismo, do ponto de vista da política criminal, o legislador entendeu ser de todo o ponto evidente. Depois de no n.º 1 do artigo 4.º estabelecer que “Para efeitos do presente diploma, a expressão funcionário tem o alcance fixado pelo n.º 1 do artigo 437.º do Código Penal”, o n.º 2 dispõe: “Para os mesmos efeitos, e ainda para os efeitos dos artigos 420.º a 423.º do Código Penal, são equiparados a funcionários, os titulares dos órgãos e os funcionários da administração autárquica regional e local ou de institutos públicos e os gestores, titulares dos órgãos de fiscalização e trabalhadores de empresas públicas nacionalizadas, de capitais públicos ou com participação maioritária de capital público, e ainda de empresas concessionárias de serviços públicos”. O Tribunal Constitucional veio a pronunciar-se pela inconstitucionalidade do diploma pelo Acórdão n.º 864/96, de 27 de Junho de 1996, proferido no processo n.º 439/94, da 2.ª Secção, publicado no Diário da República, II Série, n.º 260, de 9 de Novembro de 1996 e BMJ n.º 458, pág. 74, decidindo: “Julgar inconstitucional a norma constante dos artigos 4.º, n.º 1 e 2, e 5.º, alínea e), do Decreto-Lei n.º 371/83, de 6 de Outubro, por violação do artigo 168.º, n.º 1, alínea c), da Constituição”. Foi considerado não estar o Governo legitimado a abranger nas novas normas incriminadoras os trabalhadores das empresas públicas, como era então a Caixa Geral de Depósitos (a equiparação feita no diploma a funcionário público não estava abrangida pela autorização administrativa). Este acórdão do Tribunal Constitucional é convocado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Fevereiro de 1998, publicado na CJSTJ 1998, tomo 1, pág. 206. Já antes, nos acórdãos de 9 de Abril de 1997, proferido no processo n.º 161/96-3.ª Secção, in BMJ n.º 466, pág. 380, e de 16 de Outubro de 1997, proferido no processo n.º 365/97-3.ª Secção, in CJSTJ 1997, tomo 3, pág. 206, não fora aplicado o diploma face à declarada inconstitucionalidade orgânica. Este diploma de 1983 veio a constituir a fonte do n.º 2 do artigo 386.º no Código Penal revisto de 1995. Código Penal de 1995 Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, rectificado pela Declaração de rectificação n.º 73-A/95, Diário da República, I Série-A, n.º 136, de 14 de Junho de 1995, que no concreto e no que ora interessa, que procedeu à terceira alteração ao Código Penal, entrado em vigor em 1 de Outubro de 1995 (artigo 13.º). Integrado no Livro II – Parte especial, Título V – Dos crimes contra o Estado, Capítulo IV – Dos crimes cometidos no exercício de funções públicas – Secção VI – Disposição geral – ficou apenas o conceito de funcionário no artigo 386.º. Estabelece o Artigo 386.º Conceito de funcionário 1 – Para efeito da lei penal a expressão funcionário abrange: a) O funcionário civil; b) O agente administrativo; e c) Quem, mesmo provisória ou temporariamente, mediante remuneração ou a título gratuito, voluntária ou obrigatoriamente, tiver sido chamado a desempenhar ou a participar no desempenho de uma actividade compreendida na função pública administrativa ou jurisdicional, ou, nas mesmas circunstâncias, desempenhar funções em organismos de utilidade pública ou nelas participar. 2 – Ao funcionário são equiparados os gestores, titulares dos órgãos de fiscalização e trabalhadores de empresas públicas, nacionalizadas, de capitais públicos ou com participação maioritária de capital público e ainda de empresas concessionárias de serviços públicos. 3 – A equiparação a funcionário, para efeito da lei penal, de quem desempenhe funções políticas é regulada por lei especial. (O preceito foi entretanto alterado por quatro vezes, em 2001, 2007, 2010 e 2015). A inovação consistiu na introdução do n.º 2. A sua fonte, como já referido, foi o artigo 4.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 371/83, de 6 de Outubro (concretamente, segunda parte do preceito, a partir de “gestores (…) serviços públicos”), o qual, ao tempo da publicação do Decreto-Lei n.º 48/95, em 15 de Março de 1995, ainda não fora declarado inconstitucional, o que se verificou, como vimos, em 27 de Junho de 1996, mas certo é que subsistiu e ainda se mantém na redacção actual. O sucessivo alargamento da expressão “funcionário”. O artigo 386.º do Código Penal (originário de 1995) foi alterado por quatro vezes, sempre numa lógica de acrescentamento, alargamento, de adição, extensão das noções precedentes. Primeira alteração – 2001 O artigo 386.º do Código Penal (originário de 1995) foi alterado por quatro vezes, sempre numa lógica de acrescentamento, alargamento, de adição, extensão das noções precedentes. A primeira alteração foi introduzida pela Lei n.º 108/2001, de 28 de Novembro (publicada no Diário da República, I Série – A, n.º 276, de 28 de Novembro de 2001), entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2002 (11.ª alteração ao Código Penal, alterando os artigos 335.º, 372.º, 373.º e 386.º e ainda primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 34/87, de 16 de Julho e sétima alteração ao Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, aqui introduzindo no regime das infracções anti-económicas a previsão de corrupção no sector privado – artigos 41.º-B (passiva) e 41.º-C (activa), entretanto revogados pelo artigo 11.º da Lei n.º 20/2008, de 21 de Abril). Esta Lei surgiu na sequência da Acção Comum 98/742/JAI, de 22 de Dezembro de 1998, adoptada pelo Conselho com base no artigo K.3 do TUE, relativa à corrupção no sector privado, tendo em conta o protocolo à Convenção relativa à Protecção dos Interesses Financeiros das Comunidades Europeias, de 27 de Setembro de 1996, do segundo protocolo à mesma Convenção de 19 de Junho de 1997 e a Convenção relativa à Luta contra a Corrupção de Funcionários das Comunidades ou dos Estados-membros da União Europeia, adoptada pelo Conselho em 26 de Maio de 1997, que definiu a corrupção passiva – artigo 2.º - e activa – artigo 3.º - no sector privado e da ratificação da Convenção Penal sobre a Corrupção, do Conselho da Europa, feita em Estrasburgo em 27 de Janeiro de 1999, e assinada a 30 de Abril de 1999 (aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 68/2001, de 20 de Setembro de 2001, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 56/2001, assinado em 16 de Outubro de 2001 e referendado no dia seguinte, publicados no Diário da República, I – A Série, n.º 249, de 26 de Outubro de 2001), alterando o regime jurídico dos crimes de tráfico de influência e de corrupção. (A referida Acção Comum viria a ser revogada pelo artigo 8.º da Decisão-Quadro 2003/568/JAI do Conselho, de 22 de Julho de 2003). Como se alcança do relatório da Proposta de Lei n.º 91/VIII (Diário da Assembleia da República, Série II-A, de 18 de Julho de 2001) “Por força do disposto na Convenção Relativa à Luta contra a Corrupção de Funcionários das Comunidades dos Estados Membros, adoptada pelo Conselho em 26 de Maio de 1997, amplia-se o conceito de funcionário de modo que ele passe a abranger os magistrados do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Contas, todos os funcionários da União Europeia e, ainda, os funcionários dos outros Estados Membros, quando o crime apresenta alguma conexão com o direito penal português, por ter sido cometido total ou parcialmente no território português”. A Lei, entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2002, conforme o artigo 4.º, procedeu à décima primeira alteração ao Código Penal – artigos 335.º, 372.º, 373.º e 386.º –, primeira alteração à Lei n.º 34/87, de 16 de Julho – artigos 3.º, 16.º, 17.º, 18.º e 19.º – e ao Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, introduzindo no regime das infracções anti-económicas a previsão de corrupção no sector privado – artigos 41.º - B (passiva) e 41.º - C (activa), entretanto revogados pelo artigo 11.º da Lei n.º 20/2008, de 21 de Abril. O preceito passou a estabelecer: Artigo 386.º 1 – …………………………………………………………. 2 – ……………………………………………………… 3 – São ainda equiparados ao funcionário, para efeitos do disposto nos artigos 372.° a 374.º: a) Os magistrados, funcionários, agentes e equiparados da União Europeia, independentemente da nacionalidade e residência; b) Os funcionários nacionais de outros Estados membros da União Europeia, quando a infracção tiver sido cometida, total ou parcialmente, em território português; c) Todos os que exerçam funções idênticas às descritas no n.º 1 no âmbito de qualquer organização internacional de direito público de que Portugal seja membro, quando a infracção tiver sido cometida, total ou parcialmente, em território português; 4 – (Anterior n.º 3). Esta nova equiparação, com resulta do texto do corpo do n.º 3, abrange apenas os crimes de corrupção passiva e activa. A mesma Lei n.º 108/2001, modificando o Código Penal, alterou a redacção dos artigos 372.º (corrupção passiva para acto ilícito) e 373.º (corrupção passiva para acto lícito), depois alterados em 2010. A segunda alteração – 2007 A Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro (23.ª alteração ao Código Penal e republicação), aditou uma nova alínea ao n.º 3 – alínea d) – passando o preceito a estabelecer: Artigo 386.º 1 – ……………..…………………………………………… 2 – ……………………………………………………… 3 – São ainda equiparados ao funcionário, para efeitos do disposto nos artigos 372.º a 374.º: a) ……………………………………..………………… b) ……..……………………….………………………… c) …………..………………………..…………………… d) Todos os que exerçam funções no âmbito de procedimentos de resolução extrajudicial de conflitos. 4 –..…………………………………………………..…… A reforma de 2007 limitou-se a introduzir a alínea d) do n.º 3, com o consequente alargamento do âmbito da equiparação aí em causa. A equiparação atinge igualmente apenas os crimes de corrupção. A terceira alteração – 2010 A Lei n.º 32/2010, de 2 de Setembro, Diário da República, 1.ª série, n.º de 2-09-2010 (Procedeu à 25.ª alteração ao Código Penal – alterando os artigos 111.º, 118.º, 372.º, 373.º, 374.º e 386.º e aditando os artigos 278.º-A, 278.º-B, 374.º-A, 374.º- B e 382.º-A do Código Penal e revogando o artigo 9.º-A da Lei n.º 36/94, de 29 de Setembro), entrando em vigor em 1 de Março de 2011, aditou uma nova alínea ao n.º 1, passando a estabelecer: Artigo 386.º 1 – …………………………..…….……………………… a) …………………….………………………………… b) ……………………………….…………………… c) Os árbitros, jurados e peritos; d) [Anterior alínea c)]. 2 – ……..…….……………………………………… 3 – ………………………………….………………… 4 – ……………………………………………………… O intróito do n.º 1 e alíneas a), b) e d) e o n.º 4 actual correspondem ao artigo 437.º do Código Penal de 1982, com ligeiras alterações introduzidas em 1995. O n.º 2 foi introduzido em 1995, tendo por fonte o aludido Decreto-Lei n.º 371/83. O n.º 3 e alíneas a), b) e c) foram introduzidas em 2001. A alínea d) do n.º 3 foi aditada em 2007. E a alínea c) do n.º 1 foi aditada em 2010. De anotar a nova redacção dada aos artigos 372.º (Recebimento indevido de vantagem), 373.º (Corrupção passiva) e 374.º (Corrupção activa) e o aditamento dos artigos 374.º-A (Agravação) e 374.º B (Dispensa ou atenuação de pena) introduzidas pela Lei n.º 32/2010, de 2 de Setembro. A quarta alteração – 2015 A Lei n.º 30/2015, de 22 de Abril, Diário da República, 1.ª série, n.º 78, de 22-04-2015, introduz a trigésima quinta alteração ao Código Penal, sexta alteração à Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, primeira alteração à Lei n.º 20/2008, de 21 de Abril, primeira alteração à Lei n.º 50/2007, de 31 de Agosto, e primeira alteração à Lei n.º 19/2008, de 21 de Abril, no sentido de dar cumprimento às recomendações dirigidas a Portugal em matéria de corrupção pelo Grupo de Estados do Conselho da Europa contra a Corrupção, pelas Nações Unidas e pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico. No Código Penal altera os artigos 11.º, 118.º, 335.º, 374.º, 374.º - B, 375.º, 376.º e 386.º, passando este a dizer Artigo 386.º Conceito de funcionário 1 – ………………………………………………… 2 – ………………………………………………..... 3 – São ainda equiparados ao funcionário, para efeitos do disposto nos artigos 335.º e 372.° a 374.º: a) Os magistrados, funcionários, agentes e equiparados de organizações de direito internacional público, independentemente da nacionalidade e residência; b) Os funcionários nacionais de outros Estados, quando a infracção tiver sido cometida, total ou parcialmente, em território português; c)………………………………………………………. d) Os magistrados e funcionários de tribunais internacionais, desde que Portugal tenha declarado aceitar a competência desses tribunais; e) Todos os que exerçam funções no âmbito de procedimentos de resolução extrajudicial de conflitos, independentemente da nacionalidade e residência, quando a infracção tiver sido cometida, total ou parcialmente, em território português; f) Os jurados e árbitros nacionais de outros Estados, quando a infracção tiver sido cometida, total ou parcialmente, em território português. 4 – ……………………………………………………… No corpo do n.º 3 à equiparação é aditado o artigo 335.º (Tráfico de influência). Na alínea a) do n.º 3 substitui “União Europeia” por “organizações de direito internacional público”. E altera alíneas b) e d) e inova nas alíneas e) e f). Na composição actual estabelece o Artigo 386.º Conceito de funcionário 1 – Para efeito da lei penal a expressão funcionário abrange: a) O funcionário civil; (1982) b) O agente administrativo; (1982) c) Os árbitros, jurados e peritos; e (2010) d) Quem, mesmo provisória ou temporariamente, mediante remuneração ou a título gratuito, voluntária ou obrigatoriamente, tiver sido chamado a desempenhar ou a participar no desempenho de uma actividade compreendida na função pública administrativa ou jurisdicional, ou, nas mesmas circunstâncias, desempenhar funções em organismos de utilidade pública ou nelas participar. (1982) 2 – Ao funcionário são equiparados os gestores, titulares dos órgãos de fiscalização e trabalhadores de empresas públicas, nacionalizadas, de capitais públicos ou com participação maioritária de capital público e ainda de empresas concessionárias de serviços públicos. (1995) 3 – São ainda equiparados ao funcionário, para efeitos do disposto nos artigos 335.º e (2015) 372.° a 374.º: (2001) a) Os magistrados, funcionários, agentes e equiparados de organizações de direito internacional público, independentemente da nacionalidade e residência; b) Os funcionários nacionais de outros Estados, quando a infracção tiver sido cometida, total ou parcialmente, em território português; (2015) c) Todos os que exerçam funções idênticas às descritas no n.º 1 no âmbito de qualquer organização internacional de direito público de que Portugal seja membro, quando a infracção tiver sido cometida, total ou parcialmente, em território português; (2001) d) Os magistrados e funcionários de tribunais internacionais, desde que Portugal tenha declarado aceitar a competência desses tribunais; (2015) e) Todos os que exerçam funções no âmbito de procedimentos de resolução extrajudicial de conflitos (2007), independentemente da nacionalidade e residência, quando a infracção tiver sido cometida, total ou parcialmente, em território português; (2015) f) Os jurados e árbitros nacionais de outros Estados, quando a infracção tiver sido cometida, total ou parcialmente, em território português. (2015) 4 – A equiparação a funcionário, para efeito da lei penal, de quem desempenhe funções políticas é regulada por lei especial. (1982/1995) Damião da Cunha no Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo III, Coimbra Editora, 2001, em comentário ao artigo 386.º afirma, a págs. 811: (…) o conceito de funcionário apenas tem aplicação nos casos e incriminação por força da qualidade de agente activo. Tal solução alicerça-se no facto de a discussão sobre a amplitude do preceito estar sempre associada à finalidade de não se verificarem lacunas de punibilidade (cf. Actas 1979 495), da inserção sistemática do preceito, e por fim, de o próprio CP prescindir, nos casos em que a expressão de funcionário está associada à qualidade da vítima (cf., exemplificativamente, o preceito fundamental do art 132.º-2-h), do recurso àquele conceito. Esta solução, de resto, justifica-se, porque para afirmação do dolo em crimes que tenham por vítima um funcionário, supõe-se, em regra, uma avaliação paralela na esfera do leigo quanto à qualidade de funcionário (o que poderia ser difícil face ao conceito previsto no art. 386.º do CP). Disto resulta, pois, que o conceito de funcionário previsto para efeitos de lei penal é integrável apenas nos casos em que o agente activo do crime seja funcionário. (realce do texto). Vista a evolução legislativa respeitante à definição dos conceitos de prevaricação e denegação de justiça, vejamos a Legislação avulsa onde estão previstos tais crimes. A Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, definiu os crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos, dando cumprimento ao previsto no n.º 2 do artigo 437.º, na versão originária do Código Penal de 1982. Furtado dos Santos, Código Penal (Anotado), Petrony, 1983, perguntava porque não fora feita a equiparação a que aludia o n.º 2 do artigo 437.º, acrescentando: “E quando virá a legislação especial?”. Como afirmámos em despacho proferido em 29 de Abril de 2011, no âmbito do processo de única instância n.º 7/10.0YGLSB.S1, em que era denunciado o então Primeiro-Ministro, à data no exercício de funções, e em que se declinou a competência funcional deste Supremo Tribunal de Justiça para conhecimento do objecto de processo movido por uma jornalista de um canal de televisão, por alegado crime de difamação por factos ocorridos em 21 de Abril de 2009, considerando competente para o efeito a primeira instância: “O diploma em causa constitui a solução tardia, volvidos onze anos, sobre a imposição legiferante de 1976, contida no n.º 3 do artigo 120.º da CRP, cumprindo-se então a obrigação de elaboração da tutela normativa dos crimes de responsabilidade, evitando a continuação de um problema de inconstitucionalidade por omissão, pelo não cumprimento de um dever concreto jurídico-constitucionalmente imposto. A injunção cumpriu-se com a definição de cargos políticos, criação de catálogo de crimes de responsabilidade, definição de sanções que lhes são aplicáveis e os respectivos efeitos, para além de normas adjectivas e definição de responsabilidade civil emergente do novo tipo criminal. Mas com a lei em causa resolveu-se uma outra lacuna existente há mais de quatro anos. Efectivamente, com a lei deu-se cumprimento a uma necessidade de regulação imposta pelo n.º 2 do artigo 437.º do Código Penal, logo na versão originária de 1982, que cometia a equiparação a funcionário de titulares de funções políticas. De acordo com o artigo 437.º (actual artigo 386.º) do Código Penal, define-se o âmbito da expressão funcionário para efeitos da lei penal. Especificava o n.º 2 que “A equiparação a funcionário, para efeitos da lei penal, de quem desempenhe funções políticas, governativas ou legislativas, será regulada por lei especial”. E estabelece o actual n.º 4 do artigo 386.º que “A equiparação a funcionário, para efeitos da lei penal, de quem desempenhe funções políticas é regulada por lei especial”. A remissão que este n.º 4 faz refere-se à citada Lei n.º 34/87, de 16-07”. A prevaricação e a denegação de justiça são crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos. A Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, foi alterada pelas seguintes leis, que deixaram intocada a redacção dos artigos 11.º e 12.º: - Lei n.º 108/2001, de 28 de Novembro (publicada no Diário da República, I Série – A, n.º 276, de 28 de Novembro de 2001), alterando os artigos 3.º, 16.º, 17.º, 18.º e 19.º; - Lei n.º 30/2008, de 10 de Julho, Diário da República, 1.ª série, n.º 132, de 10-07-2008, configurando o Estatuto do Representante da República nas Regiões Autónomas dos Açores e Madeira, estabelecendo o Artigo 10.º (Titular de cargo político) O Representante da República, como titular de cargo político, está sujeito ao respectivo regime jurídico para efeitos de: c) Crimes de responsabilidade. Pelo artigo 24.º foram revogadas entre outras, as disposições da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, na sua redacção em vigor, na parte respeitante aos Ministros da República. - Lei n.º 41/2010, de 3 de Setembro de 2010, Diário da República, 1.ª série, n.º 172, de 3 de Setembro de 2010, procede à 3.ª alteração à Lei n.º 34/87, de 16-07, alterando os artigos 1.º, 16.º, 17.º, 18.º e 19.º e aditando o artigo 3.º - A – Altos cargos públicos, 18.º-A – Violação de regras urbanísticas e 19.º-A – Dispensa ou atenuação de pena. - Lei n.º 4/2011, de 16 de Fevereiro de 2011, Diário da República, 1.ª série, n.º 33, de 16-02-2011, procede à 27.ª alteração ao Código Penal e à quarta alteração à Lei n.º 34/87, altera artigo 374.º-A, n.º 2 daquele e quanto ao diploma o artigo 19.º, n.º 3. - Lei n.º 4/2013, de 14 de Janeiro, in Diário da República, 1.ª série, n.º 9, de 14-01-2013, procede à quarta (sic) alteração à Lei n.º 34/87, passando a ter a seguinte redacção o Artigo 17.º 1–……..……………………………………… 2 – Se o ato ou omissão não forem contrários aos deveres do cargo e vantagem não lhe for devida, o titular de cargo político ou de alto cargo público é punido com pena de prisão de 2 a 5 anos. - Lei n.º 30/2015, de 22 de Abril, in Diário da República, 1.ª série, n.º 78 – Pelo artigo 2.º, n.º 1, altera os artigos 3.º, 10.º, 19.º-A, 20.º, 21.º, 29.º, 31.º e 35.º e pelo n.º 2, revoga o artigo 38.º. O diploma pelo artigo 3.º altera a Lei n.º 20/2008, de 21 de Abril (que cria o novo regime penal de corrupção no comércio internacional e no sector privado, dando cumprimento à Decisão Quadro n.º 2003/568/JAI, do Conselho, de 22 de Julho), definindo na alínea a) do artigo 2.º o “Funcionário estrangeiro”. Estabelece o Artigo 11.º Prevaricação O titular de cargo político que conscientemente conduzir ou decidir contra direito um processo em que intervenha no exercício das suas funções, com a intenção de por essa forma prejudicar ou beneficiar alguém, será punido com prisão de dois a oito anos. Artigo 12.º Denegação de justiça O titular de cargo político que no exercício das suas funções se negar a administrar a justiça ou a aplicar o direito que, nos termos da sua competência, lhe cabem e lhe foram requeridos será punido com prisão até dezoito meses e multa até 50 dias. Doutrina sobre denegação de justiça e prevaricação Manuel Leal-Henriques e Manuel Simas Santos, Código Penal Anotado, 2.º volume, Parte Especial, 3.ª edição, Editora Rei dos Livros, 2000, pág. 1583, afirmam que segundo o legislador para assumir relevância criminal é necessária a consciência da conduta e a sua natureza anti ou contra – direito. “Isto é: para que o acto de promoção ou não promoção, de condução, de decisão, etc., produzido no âmbito processual referido (inquérito, processo jurisdicional, processo por contra-ordenação ou processo disciplinar), ganhe dignidade penal é necessário, antes de mais, que seja consequência de uma vontade consciente e livre, isto é, de uma acção dolosa, intencional, dirigida a determinado resultado: negar ou falsear a justiça. Estamos, pois, abertamente no âmbito do dolo directo. Por outro lado, a acção do agente tem que se mostrar contra-direito, o que vale por dizer que tem que ser contrária a disposição expressa da lei”. Victor Sá Pereira e Alexandre Lafayette em Código Penal Anotado e Comentado, QUID JURIS, 2008, versando a redacção de 1995, a págs. 897, dizem: “Integram-se neste artigo as incriminações, distintas e autónomas, que se encontravam nos artigos 413.º a 417.º da versão de 1982. E nota-se, apesar da assinalada correspondência, que a versão actual pôs em prática uma significativa descriminalização.” Continuam: “Segundo o ac. STJ de 12 de junho de 1998, «o crime de prevaricação é um crime contra a realização da justiça» (CJ, Acs. STJ, VI, 2/214). E é este o entendimento comum da jurisprudência. Não falta, ainda assim, quem reporte a tutela em jogo, na sua expressão directa e imediata, a bens jurídicos individuais, sob a alegação de que se cura, aqui e agora, de reagir a certas restrições de direitos dos particulares. Sem se negar a existência desta, acentua-se o facto de a incriminação se reportar à actividade de quem se encontra do lado de dentro dum determinado processo sancionatório, cujo fim último é a realização da justiça. «E é esta perversão ab imo – transformação do direito em injusto por parte de quem é chamado a servir de garante institucional à própria Ordem Jurídica – que convoca a particular censura da norma incriminadora (…)». (A. Medina de Seiça, citando Rudolphi, Comentário Conimbricense, III, 610). Sendo assim, não há razão, pois, para não se adoptar a posição dominante, que coincide com a perfilhada no aresto acima referido”. A conduta típica refere-se a diversas modalidades, ao jeito dos tipos mistos alternativos, todas elas filiadas num étimo comum: agir contra direito. Entretanto, promover (ou postular) contra direito é instaurar ou provocar a instauração dum processo e/ou dinamizá-lo, peticionando ou requerendo, em contradição com as pertinentes normas jurídicas; não promover contra direito é omitir a promoção devida; conduzir (ou orientar) contra direito é fenómeno relativo à entidade que dirige o processo (prevaricação), em que no expressivo dizer de Nelson Hungria (citado por Leal-Henriques/Simas Santos), «o agente substitui a vontade da lei pelo seu arbítrio, praticando, não o acto que é seu dever praticar, mas outro contrário à disposição expressa da lei»; decidir (ou julgar) contra direito é comportamento próprio da entidade decisora, munida do poder-dever de, no concreto, dizer o direito, actuando contra as normas que devia observar; e não decidir contra o direito (denegação de justiça) é acto de quem, dispondo daquele poder-dever, «se nega a administrar justiça ou a aplicar o direito que, nos termos da sua competência, lhe cabe e lhe foram requeridos». Na nota 13, pág. 899, afirmam: “Trata-se de crimes dolosos. E o conscientemente do n.º 1 significa que se exige dolo directo, tal como Eduardo Correia expressamente se referiu perante a Comissão Revisora”. Segundo Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 3.ª edição actualizada, Novembro de 2015, pág. 1158: “2 Os bens jurídicos protegidos pela incriminação são a realização da justiça, na sua vertente da integridade dos órgãos de administração de justiça (tribunais em sentido amplo, incluindo os juízes, os magistrados do MP, os funcionários judicias e os jurados) e dos órgãos de colaboração na administração da justiça (polícias), e, concomitantemente, os interesses individuais do visado pelo ato ilegal do funcionário. A tutela destes bens jurídicos é cumulativa, pelo que basta que um deles seja prejudicado para se verificar o dano típico. Assim, há prevaricação mesmo que o visado pela decisão ilegal nela consinta. 3. O crime de denegação de justiça e prevaricação é um crime de dano (quanto ao grau de lesão do bem jurídico protegido) e formal (quanto à forma de consumação do ataque ao objeto da ação). 4. O tipo objetivo consiste nas seguintes condutas: (1) as ações tomadas por funcionário no âmbito de inquérito processual, processo jurisdicional, por contraordenação ou disciplinar, no sentido de promover, conduzir, decidir ou praticar ato no exercício das suas funções contra o direito; (2) as omissões (“não promover” e “não decidir”) de funcionário contra o direito ocorridas no exercício das suas funções no âmbito de inquérito processual, processo jurisdicional, por contraordenação ou disciplinar; e (3) as ações do funcionário competente de ordenar ou executar medida privativa da liberdade de forma ilegal. 5. Os agentes do crime são os juízes, os magistrados do MP, os funcionários judicias e os jurados, e, na fase de inquérito, também os polícias. Trata-se de um crime específico próprio. 7. O funcionário atua contra direito, isto é, contra as normas da ordem jurídica positiva, independentemente das fontes (estadual ou não estadual) e da natureza (pública ou privada, substantiva ou processual), incluindo naturalmente os princípios vertidos em normas positivas, designadamente na Declaração Universal dos Direitos do Homem, no Pato Internacional de Direitos Civis e Políticos e na Convenção Europeia dos Direitos do Homem. 9. O tipo subjetivo só admite o dolo directo, em face da exigência típica resultante da expressão “conscientemente” (tendo este sido o propósito da comissão de revisão do CP de 1966 in Actas CP/Eduardo Correia, 1979:469, e referido acórdão do STJ de 20.6.2012, e Fernanda Palma, 2013 d:131 a 133, mas admitindo o dolo directo e o dolo necessário, acórdão do STJ, de 12.7.2012, in CJ, Acs. do STJ, XX, 2, 236, e na doutrina alemã HK-GS, LEMKE, anotação 8.º ao § 339). Medina de Seiça, em Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra Editora, 2001, tomo III, a págs. 605, dizia: “A versão dada pela Reforma de 1995 ao preceito contribuiu fortemente para a diminuição do número de artigos da Parte Especial. Com efeito, sob a actual designação de denegação de justiça e prevaricação, o legislador reuniu uma série de infracções dispersas por autónomos tipos legais na redacção originária: promoção dolosa (art. 413.º), não promoção (art. 414.º), prevaricação (art. 415.º), denegação de justiça (artigo 416.º), prisão ilegal (art. 417.º). Isto é: onde hoje se conta um único artigo existiam cinco (cf. Actas 1993 425)”. Adianta que existem significativas divergências em relação ao texto de 1982 e que se reconduzem, basicamente, a uma sensível diminuição do âmbito da matéria penalmente proibida (descriminalização). A págs. 609/610 diz não haver razões para se afastar da doutrina dominante que encontra na realização da justiça o específico bem jurídico protegido pelo tipo legal em análise. Afirma: “Mais concretamente, este tipo de crime pretende assegurar o domínio ou supremacia do direito objectivo na sua aplicação pelos órgãos de administração da justiça, maxime, judiciais. Pode dizer-se que, enquanto noutros tipos de crime incluídos neste capítulo, a lesão do bem jurídico realização da justiça provém de agentes que se situam fora do aparelho estadual da administração da justiça (assim, no falso testemunho, no favorecimento pessoal), na fattispecie em apreço (como também no favorecimento por funcionário: art. 368.º) o ataque ao bem jurídico dá-se de dentro, i. é, por parte dos órgãos deputados pela comunidade estadual justamente para a tarefa da correcta realização da justiça. No § 24, pág. 619, afirma que o crime de prevaricação, na sua forma matricial, isto é, na forma descrita no n.º 1 do art. 369.º tem natureza dolosa. “ (…) exigindo a lei portuguesa que o funcionário actue “conscientemente”, as situações recondutíveis à dolosidade eventual, isto é, aquelas em que o agente representando a realização do facto como possível conforma-se com a sua realização (cf. art. 14.º, n.º 3) não se encontram abrangidas pela norma incriminadora, o mesmo é dizer, não são puníveis” (Realces do texto). M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio, Código Penal, Parte geral e especial, Almedina 2014, págs. 1121/2, começam por assinalar que o preceito protege a realização da justiça, quanto ao ónus de dizer o Direito, ou seja, a vertente do ajustamento à lei. A realização da justiça deve ser subtraída também aos ataques vindos de dentro. O crime de denegação de justiça e de prevaricação é crime específico próprio, sendo a qualidade de funcionário (juiz, magistrado do MP, funcionário judicial, jurado) comunicável aos comparticipantes que não a possuam. 4. As condutas proibidas todas têm em comum o agir contra direito; qualquer delas representa uma torção do direito. “A actuação contra o direito inclui não apenas a interpretação objectivamente errada da norma, mas também a incorrecta apreciação e subsunção dos factos à norma, seja numa decisão interlocutória, seja numa decisão final”, Pinto de Albuquerque, 2010, p. 262. Não será o caso quando a decisão ou o ato sejam objetivamente inconsistentes ou revogáveis em recurso ou contradigam o convencimento de uma das partes, mas só quando o magistrado ou funcionário se afasta da lei de modo grave e a sua promoção, orientação, decisão ou ato, tomado no exercício de poderes decorrentes do cargo que exerce, não se baseiam na lei ou no direito, mas nos seus próprios critérios. O funcionário atua contra o direito quando o faz contra a ordem jurídica positiva. Se a análise e interpretação da situação e das normas em causa, menos que discutível, é hermenêuticamente possível, “ela já não se mostra contra direito, pelo contrário, expressa uma solução de direito” (Medina de Seiça, CCCP III, 2001, p. 617). a) O ilícito em questão (crime de denegação de justiça e prevaricação) não se funda na mera violação dos deveres funcionais do julgador, antes na lesão do bem jurídico da supremacia da ordem jurídica, o mesmo é dizer, na aplicação imparcial e justa do direito. O bem jurídico é violado por uma decisão objetivamente contrária ao direito e à lei, S/S-Cramer, 1997, p. 2280”. Na 2.ª edição, de 2015, o tema é versado a págs. 1287, nota 5. Jurisprudência sobre denegação de justiça e prevaricação Disse o acórdão deste Supremo Tribunal de 15 de Janeiro de 1986, BMJ n.º 353, pág. 226: I – É elemento do crime de prevaricação do art. 415.º do CP a existência de um processo conduzido ou decidido contra direito. II – Além da qualidade de funcionário e da recusa de administrar a justiça ou de aplicar o direito, são elementos constitutivos do crime do art. 416.º do CP a competência do funcionário e ainda um requerimento feito por quem tenha legitimidade para tal. III – O que a lei sanciona no art 416.º do CP é a inércia, a omissão ou abstenção dolosas (e também o próprio retardamento ou demora, igualmente dolosos) e não o erro de apreciação ou julgamento em que eventualmente haja ocorrido o autor do acto contra o qual a lei, em geral, confere meios adequados de impugnação, que são os recursos e as reclamações. O acórdão deste Supremo tribunal de 2-03-1994, proferido no recurso n.º 45.044, CJSTJ 1994, tomo 1, págs. 236 a 243, versa crime de denegação de justiça, responsabilidade civil não conexa com a responsabilidade criminal, incompetência criminal, competência do tribunal civil comum, competência dos tribunais administrativos. O acórdão versa o crime de prevaricação, p. e p. pelo artigo 11.º e o crime de denegação de justiça, p. e p. pelo artigo 12.º da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, diploma relativo aos crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos. Consta do Sumário: O crime de prevaricação pressupõe, no que ao elemento subjectivo respeita, o dolo específico, verdadeiro dolo directo, por excelência, não bastando como suficiente o dolo, nas modalidades de necessário e eventual. Não comete o crime de denegação de justiça do art.º 12.º da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, o presidente de uma câmara que recusa a concessão de um alvará, se essa recusa se fundou numa causa, ainda que discutível. Absolvido o arguido do crime de prevaricação, excluída está, desde logo, a ideia de uma indemnização emergente da prática desse crime; e, para o pedido de indemnização por responsabilidade meramente civil, falece competência ao tribunal criminal, a qual cabe ao tribunal comum (tribunal cível) para o cidadão comum, e aos tribunais administrativos, para o Estado, seus órgãos e seus agentes. Sobre a ratio do artigo 12.º extrai-se da fundamentação: “O que a lei sanciona neste tipo legal é a inércia, a omissão ou abstenção dolosa (e também o próprio retardamento ou demora, igualmente dolosos) e não o erro de apreciação em que eventualmente haja ocorrido o autor do acto, contra o qual, em geral, a lei confere meios adequados de impugnação que são os recursos e as reclamações”, chamando à colação o acórdão do STJ, de 15 de Janeiro de 1986, in BMJ 353.º, pág. 226. Acórdão de 26-10-1995, acórdão n.º 46.826, in CJSTJ 1995, tomo 3, pág. 214, versando crime de denegação de justiça, então p. e p. pelo artigo 416.º do Código Penal de 1982, alegadamente praticado por juiz em acção sumaríssima, em que era réu o denunciante, donde se extrai: “No crime de denegação de justiça, ao lado do interesse público do Estado na administração da justiça, protege-se também o interesse do participante contra o prejuízo que lhe advém da recusa da sua realização, pelo que se deve admitir a constituição como assistente do participante ofendido. Versando a possibilidade de constituição de ofendido como assistente, refere que não é ofendido, para o efeito do artigo 68.º, n.º 1, al. a), qualquer pessoa prejudicada com a prática do crime, mas tão somente o titular do interesse que constitui objecto jurídico imediato do crime. O acórdão distingue entre o objecto jurídico mediato e o objecto imediato da incriminação, dizendo: “O objecto jurídico mediato é sempre de natureza pública e consiste em alcançar, na máxima medida possível e no mais curto prazo, as finalidades de realização da Justiça, de preservação dos direitos fundamentais das pessoas e de paz social, tal como se prescreve no art. 2.º, n.º 2, da Lei de autorização legislativa n.º 43/86, de 26/09/86.Enquanto isso, o objecto imediato pode ter por titular um particular. O objecto imediato da incriminação pode não ser único, podendo ser complexo, como sucede no roubo, podendo acontecer algo de semelhante no crime de denegação de justiça. A norma incriminadora visa proteger, efectivamente, a realização da justiça, preservando assim os direitos fundamentais das pessoas e a paz social; mas protege, também, outros valores da esfera jurídica do cidadão que recorre ao Tribunal para defesa imediata doas seus interesses particulares, relativos ao seu direito de propriedade, à sua vida, bom nome, honra e consideração, liberdade, integridade física, segurança pessoal e outros. É da experiência comum que o cidadão, quando participa em juízo um crime de denegação de justiça, cuida prioritariamente, por via de regra, da defesa dos seus interesses particulares – que podem até, ser de ordem moral, deixando para o Estado a missão de se preocupar com os superiores interesses da realização da justiça. Neste contexto se concebe a ideia de que a par do interesse da realização da justiça, o tipo legal delineado no art. 416.º do C. Penal vise também especialmente a defesa de interesses particulares tutelados pelo direito, e sendo assim, preenchido está - nesta parte - o condicionalismo do art. 68.º, n.º 1, al. a), do C.P.Penal, para se admitir o ofendido como assistente nos autos. Referindo o crime de denúncia caluniosa, que, em certa medida, se apresenta como o reverso da medalha do crime de denegação de justiça, adianta que o Supremo tem entendido que a respectiva norma incriminadora protege não só o interesse que tem a administração da justiça em que o procedimento criminal contra determinada pessoa seja sinceramente requerido, como o interesse dos acusados contra o prejuízo resultante de acusações maliciosas (Ac. do S.T.J. de 14/12/83, B.M.J. 332-332). Também o art. 416.º do C. Penal protege especialmente, não só o interesse do Estado na administração da justiça, como também o interesse do participante contra o prejuízo que lhe advém da recusa da sua realização. Assim sendo, tal como acontece no crime de denúncia caluniosa, também no crime de denegação de justiça se deve admitir a constituição do participante ofendido como assistente nos autos. O requerimento de intervenção do ofendido como assistente foi extemporâneo e assim o ofendido não pode ser admitido nessa qualidade. A abertura da instrução apenas pode ser requerida pelo arguido e pelo assistente, e não por quem não seja assistente ainda que possua as condições de vir a sê-lo. E assim foi negado provimento ao recurso. Segundo o acórdão de 18-09-1997, proferido no processo n.º 527/97 – A inserção sistemática dos crimes de prevaricação e de denegação de justiça (actual art. 369.º e anteriores art.ºs 415.º e 416.º do CP de 1982) no capítulo III – Dos crimes contra a realização da justiça – Do Título V – Dos crimes contra o Estado – inculca que com tal incriminação se visa preferencialmente assegurar o interesse do Estado na boa, límpida e equitativa realização da justiça, apontando no sentido de conferir prevalência e preponderância ao interesse público. Como consta do acórdão de 11-12-1997, proferido no processo n.º 868/97 – Nos crimes de denegação de justiça e de prevaricação, o bem jurídico objecto imediato de tutela é a administração da justiça e a defesa dos direitos dos cidadãos e a garantia da pessoa humana. Para o acórdão de 20-01-1998, proferido no processo n.º 1326/97 – Nos crimes de denegação da justiça, prevaricação (não promoção) o que se visa proteger é o interesse do Estado quanto a uma verdadeira e equitativa administração da justiça. Acórdão de 12-06-1998, proferido no recurso n.º 411, da Comarca de Valença, publicado na CJSTJ 1998, tomo 2, págs. 214/5 – No caso concreto a decisão recorrida limitara-se a indeferir a constituição de assistente da recorrente no processo de inquérito de que a mesma foi denunciante por factos tidos por ilícitos e imputados aos Juízes no exercício das suas funções, estando em causa apenas a questão da constituição da requerente como assistente. O acórdão aborda o sentido restrito de ofendido, ou seja, somente aquele que é titular do interesse que constitui objecto jurídico imediato do crime e daí que os titulares de interesses mediata ou indirectamente protegidos não possam ser englobados no conceito de ofendido, mas afirmando que o que poderá haver, nestes casos, é uma diminuição na esfera jurídica de ordem patrimonial ou não patrimonial, constituindo-se, assim, em lesado e com direito a pedido de indemnização cível, situação referida no artigo 74.º, n.º 1, do CPP, ou seja, a pessoa que sofreu danos ocasionados pelo crime, ainda que não possa constituir-se assistente, - e citando Figueiredo Dias, Dir. Proc. Penal, vol. 1, 508/9 - alcançando-se, aqui para efeitos de pedido de indemnização, um conceito lato ou extensivo de ofendido que abrangerá todas as pessoas civilmente lesadas pela infracção. Com igual sentido de ofendido do artigo 68.º, n.º 1, do CPP, refere-se o artigo 113.º, n.º 1, do Código Penal, para efeito de fixar a titularidade do direito de queixa. “Importa, assim, em cada caso, determinar qual o interesse que a norma infringida quis proteger e, depois, “identificar o titular desse interesse - se for um particular individualmente considerado só ele poderá intervir como assistente no processo, se for o Estado enquanto colectividade não há titular de interesse a quem a lei especialmente quis proteger. No caso dos autos, os factos denunciados só podem enquadrar-se no crime de prevaricação do artigo 369.º, n.º 1, do CP, sendo o bem jurídico defendido por esta disposição a realização da justiça. Ora, este interesse compete directamente ao Estado, pois a ele está exclusivamente atribuída a competência para administrar a justiça, como se vê da CRP nos arts. 27.º, 110.º e 202.º. Conforme vem sendo seguido pela doutrina e pela jurisprudência, é pela sistematização da parte especial do Código Penal que se indicia dos interesses especialmente protegidos. “Neste sentido e de que não têm legitimidade para se constituírem assistentes os lesados nos crimes contra a realização da justiça, podem ver-se os Acs. do STJ de 23-11-88, em BMJ n.º 381-544; de 18-09-97, no proc. n.º 527/97, em Sumários, n.º 13 do STJ, e de 16-04-98, no processo n.º 147/98. E tanto é assim, que o Projecto de Revisão do Código de Processo Penal, aprovado pelo Governo em Dezembro de 1997, teve necessidade de aditar ao art. 68,º, n.º 1, al. c), os casos de denegação de justiça e de prevaricação, por forma a que qualquer pessoa possa vir a constituir-se assistente”. Acórdão de 12-11-1998, proferido no processo n.º 383/98, BMJ n.º 481, pág. 325 – No crime previsto e punido pelo n.º 4 do artigo 369.º do Código Penal não se exige o dolo específico, consistente na intenção de prejudicar ou lesar alguém. Em causa a prática em Maio de 1996 de crimes na pessoa de um suspeito de furto e outros quatro indivíduos conduzidos sem mandado para as instalações do Posto da GNR de Sacavém. Aos sete arguidos – AS, sargento da GNR, desempenhando funções de comandante do Posto de Sacavém, cinco soldados da GNR no Posto de Sacavém, e um soldado da Brigada Fiscal da GNR, exercendo funções no Posto de Alverca – foi imputada a prática de vários crimes de prevaricação, favorecimento pessoal por funcionário, ocultação de cadáver e de profanação de cadáver e um deles por coacção grave, sob a forma tentada e ao referido comandante do Posto, um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelo artigo 132.º, n.ºs 1 e 2, alínea g), do Código Penal. Absolvidos na totalidade quatro arguidos, um deles o soldado da Brigada Fiscal da GNR exercendo funções no Posto de Alverca, sendo condenados os outros três. Os referidos quatro indivíduos, sob as ordens do chefe, foram conduzidos ao posto a fim de serem identificados, sabendo os guardas que não existia fundamento para reter os indivíduos em causa nas instalações do posto, após a sua identificação, e que, procedendo como procederam, lhes coarctavam a liberdade pessoal de movimento e de acção. Procederam na ausência de despacho da autoridade judicial competente delegando em qualquer órgão de polícia criminal o encargo de proceder a diligências de investigação, sendo certo que nada fizeram para se certificarem se assim seria, procedendo à margem de um inquérito. Os indivíduos depois abandonaram as instalações, na sequência de ordem nesse sentido, sem que tivesse sido elaborado qualquer auto ou expediente relativo à condução ao Posto. Pelo comandante do Posto foi disparado um tiro na cabeça de CR suspeito de um furto. Decidiu depois separar a cabeça do resto do corpo com uma faca de mato, transportado a cabeça da vítima para as instalações do Posto da GNR de Sacavém. Abordando o artigo 369.º do Código Penal, após citar o disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 369.º, refere o acórdão, a págs. 346, que “Estes dispositivos correspondem aos n.º 1 e 3 do artigo 417.º do Código Penal, na versão de 1982 (com a epígrafe «Prisão ilegal»), que puniam o crime de prisão ilegal e nos quais, como agora, não se exigia dolo específico. Por seu turno, os n.ºs 1, 2 e 3 do novo artigo 369.º correspondem aos artigos 415.º e 416.º do Código de 1982, relativos aos crimes de prevaricação e de denegação de justiça, exigindo-se quanto ao primeiro a intenção de prejudicar. Aquele artigo 369.º do Código actual concretizou assim diversas disposições que se espalhavam pelo Código Penal de 1982, pretendendo «substituir diversos crimes do Código» (cfr. Actas e Projecto da Comissão de Revisão do Código Penal). A todos estes tipos criminais foi dado o nome de «denegação de justiça e prevaricação», que corresponde às epígrafes «Prevaricação», «Denegação de justiça» e «Prisão ilegal» do Código de 1982. Ora, no crime previsto e punido pelo n.º 4 do artigo 369.º do Código Penal não se exige o dolo específico consistente na intenção de prejudicar ou beneficiar alguém. Como também não se exigia no correspondente preceito do artigo 417.º do Código de 1982. Tal dolo específico só se exige no caso previsto no n.º 2 do dito artigo 369.º, que, como vimos, corresponde ao artigo 415.º do CP1982 (então subordinado à epígrafe «Prevaricação»).”. (…) Em parte alguma se exige que a ordem ou execução de medida privativa de liberdade da forma ilegal (crime previsto e punido pelo citado n.º 4, pelo qual o recorrente foi condenado) seja feito «com intenção de prejudicar alguém». Acórdão de 14-11-2002, processo n.º 2696/02 – 5.ª Secção, versando crimes de «prevaricação», «coacção» e «falso testemunho sob a forma de instigação» (artigo 360.º - 1 e 3 do Código Penal) e «abuso de poder», não admite a intervenção dos particulares como assistentes no crime de falso testemunho, indefere por improcedente, o recurso do cidadão que não o admitiu para intervir como assistente, Acórdão de 1-06-2005, proferido no processo n.º 1264/05-5.ª Secção, sumariado em SASTJ, n.º 92, pág. 86 – O crime de denegação de justiça do artigo 369.º, n.º 1, do CP, satisfaz-se com o dolo genérico, desinteressando-se aqui a lei dos fins ou motivos do agente. Acórdão de 8-02-2007, proferido no processo n.º 4816/06- 5.ª Secção, in CJSTJ 2007, tomo 1, págs.186/7 – Elemento típico do crime de denegação de justiça e prevaricação é, entre outros, a prática, ou omissão, de acto contra o direito e conscientemente. O acto apontado como constituindo a denegação de justiça consiste nos atrasos de condução de inquéritos, que vieram a justificar incidente de aceleração processual, não tendo também sido cumprido o prazo estabelecido nesse incidente. É obviamente insuficiente tal facto objectivo para caracterizar o elemento típico em referência. Nem todo o acto que infringir as regras processuais pode ser considerado “contra direito” no sentido específico do artigo 369.º, n.º 1, do Código Penal, pois então qualquer nulidade processual seria sancionável como crime! Agir (por acção ou omissão) contra direito implica um desvio consciente (voluntário) dos deveres funcionais, em termos de por em risco a própria administração da justiça, de forma a poder afirmar-se uma “denegação da justiça”. No acórdão de 5-09-2007, proferido no processo n.º 2080/07, em que interviemos como adjunto, publicado na CJSTJ 2007, tomo 3, págs. 185/8, em causa estava actuação de Delegado do Procurador da República na Comarca B, que dirigindo-se ao Posto da GNR, procurou obstaculizar o prosseguimento de obras em prédio expropriado. O acórdão aborda questões processuais e atenuou especialmente a pena de dois anos de prisão, suspensa na execução, aplicada na Relação de Coimbra por quatro crimes de prevaricação, reduzindo a pena para oito meses de prisão, suspensa na execução. Acórdão de 21-05-2008, proferido no processo n.º 3230/07 - 3.ª Secção, versando atraso processual de juíza, donde se extrai: “O bem jurídico objecto imediato de tutela no crime de denegação de justiça é a recta administração da justiça, a defesa dos direitos dos cidadãos e a garantia da pessoa humana, sendo titular imediato de tais interesses o Estado. Este ilícito pressupõe uma especial qualidade do agente e a violação de poderes funcionais inerentes ao cargo desempenhado, configurando um crime específico, que mais não é do que um comportamento, activo ou omissivo, de funcionário contra direito. Agir contra direito significa, essencialmente, a contradição da decisão (aqui incluindo, claro está, o comportamento passivo) com o prescrito pelas normas jurídicas pertinentes. O n.º 1 do art. 369.º do CP satisfaz-se com o dolo genérico, o qual terá de revestir a modalidade de dolo directo, desinteressando-se aqui a lei dos fins ou motivos do agente. É certo que quando a lei exige o cometimento doloso para a verificação do tipo subjectivo significa que quer abranger desde a sua forma mais intensa até à sua modalidade mais fraca. Todavia, através de formulação típica – exigindo uma particular forma de conhecimento ou de vontade do agente –, o legislador pode restringir a sua esfera de aplicação. Esse desiderato é conseguido com a introdução de expressões como conscientemente ou intencionalmente, pelas quais se cinge o agir doloso apenas ao dolo directo. Assim, o crime de denegação de justiça demanda para o seu preenchimento um desvio voluntário e intencional dos deveres funcionais, de forma a poder afirmar-se uma “negação da justiça”. Mas o puro atraso processual, desgarrado de outros elementos, podendo acarretar responsabilidade disciplinar, não reveste dignidade penal, sendo insuficiente, só por si, para tipificar o crime de denegação de justiça. Nem todo o acto desconforme às regras processuais pode ser visto como contra direito, na acepção pretendida pelo n.º 1 do art. 369.º do CP, pois então qualquer nulidade processual seria tipificada como crime. E, contrariamente ao que parece inculcar o recorrente, não é a mera divergência do decidido que pode fundamentar a imputação de que quem decidiu o fez conscientemente – dolo genérico – contra legem, e muito menos com o propósito – dolo específico – de lesar alguém, ou seja, com animus nocendi. Eventuais discordâncias com o conteúdo das decisões ou com o seu esmero técnico encontram no recurso a sua sede própria. Acórdão de 8-10-2008, proferido no processo n.º 31/07- 3.ª Secção, pelo mesmo Relator do anterior, donde se extrai: “O crime de denegação de justiça e prevaricação, p. e p. pelo art. 369.º, n.º 1, do Código Penal, encontra-se sistematicamente integrado no âmbito dos crimes contra o Estado, mais especificamente no capítulo dos crimes contra a realização da justiça, o que aponta para que o bem jurídico tutelado pela norma se situa na equitativa administração da justiça. Pretende-se assegurar o domínio ou a supremacia do direito objectivo na sua aplicação pelos órgãos de administração da justiça, maxime os judiciais, o que permite assinalar que se pressupõe uma específica qualidade do agente, a de funcionário, ficando caracterizado como um crime específico. O preenchimento do tipo objectivo convoca uma actuação ou omissão de funcionário contra direito, lesando deveres funcionais ínsitos ao cargo desempenhado; relativamente ao tipo subjectivo, o mesmo satisfaz-se com o dolo genérico, desinteressando-se a lei dos fins ou motivos do agente. Não obstante, ao utilizar-se a fórmula “conscientemente e contra direito”, a lei pretendeu excluir da imputação subjectiva a modalidade menos intensa, a do dolo eventual (n.º 3 do art. 14.º do CP), pelo que o dolo, enquanto vontade de realizar o tipo com conhecimento da ilicitude (consciência), há-de apreender-se através de factos (acções ou omissões) materiais e exteriores, suficientemente reveladores daquela vontade, de onde se possa extrair uma opção consciente de agir desconforme à norma jurídica. Não são as meras impressões, juízos de valor conclusivos ou convicções íntimas, não corporizados em factos visíveis ou reais, que podem alicerçar a acusação de que quem decidiu o fez conscientemente – dolo genérico – contra direito, e muito menos com o propósito – dolo específico – de lesar alguém. Por outro lado, também não é a prática de um qualquer acto que infringe regras processuais que se pode, sem mais, reconduzir a um comportamento contra direito, com o alcance definido no n.º 1 deste dispositivo; é preciso que esse desvio voluntário dos poderes funcionais afronte a administração da justiça, de forma tal que se afirme uma negação de justiça. Também não será a adopção de uma orientação jurisprudencial não maioritária, ou a circunstância de a decisão poder vir a ser revogada por Tribunal Superior, que legitimam a conclusão de que a decisão é, para aquele efeito, proferida contra direito. Uma resolução é lavrada contra direito quando contradiz o ordenamento jurídico, ou porque comporta uma interpretação interessada das normas vigentes, ou porque se fundamenta numa disposição ilegal ou inconstitucional; em suma, deve traduzir um ataque à legalidade. Num Estado de Direito democrático, a divergência no plano jurídico – seja ela quanto ao iter processual ou no tocante ao direito substantivo –, na solução do caso, colhe acolhimento pela via do recurso e não pela via gravosa da imputação deste crime. Quando o que se apura, sem margem para dúvidas, é apenas uma clara diferença de entendimento dos fundamentos da decisão, por parte do recorrente, já que almejava outra decisão, o tribunal não omitiu o dever de julgar, decidiu foi de forma que não era a por aquele pretendida: há uma decisão judicial que expressa uma solução de direito, com indicação das razões pelas quais se assumiu essa posição – discutível, repete-se, por via recursiva –, permitida pelo complexo jurídico-normativo em vigor, não se mostrando, como tal, proferida “contra direito”, com a acepção e o alcance ínsitos ao art. 369.º, n.º 1, do CP. Se as hipotéticas conjecturas do recorrente, a leitura e subsequente interpretação que fez desse despacho não encontram arrimo no material probatório objectivo constante dos autos que sustentem a conclusão de que a arguida, na qualidade de magistrada judicial, desrespeitou o encargo que lhe foi confiado – contribuir para a recta administração da justiça – não está preenchida a tipicidade objectiva”. Acórdão de 20-06-2012, proferido no processo n.º 36/10.3TREVR.S1- 3.ª Secção, versando actuação de Ministério Público e Juíza em processo de falência, de que se retira: I - No descortinar da actuação prevaricadora do juiz ou de denegação de justiça deve-se usar de um crivo exigente, até porque, a ser diferente, ou seja, de todas as vezes que o destinatário da decisão dela discorde, seja porque não se aplicou a lei, se seguiu interpretação errónea na sua aplicação, se praticou um acto ou deixou de praticar, os Magistrados Judiciais ou do MP incorressem num crime de prevaricação, estava descoberto o processo expedito de paralisar o desempenho do poder judicial, a bel prazer do interessado, pelos factores inibitórios que criaria aos magistrados, a todo o momento temerosos de sobre eles incidir a espada da lei, paralisando-se a administração da justiça, com gravíssimas, intoleráveis e perigosas consequências individuais e comunitárias, não se dispensando, por isso mesmo, a presença de um grave desvio funcional por parte do Magistrado pondo em causa a imagem da justiça e os interesses de terceiro. II - A actuação contra direito é uma forma de acção gravosa e ostensiva contra as normas de ordem jurídica positiva, independentemente das fontes (estadual ou não estadual) e da natureza pública ou privada, substantiva ou processual, incluindo os princípios vertidos em normas positivas designadamente na DUDH, PIDCP e CEUD. III - A actuação contra o direito não abrange apenas a interpretação objectivamente errada, mas também a incorrecta apreciação e subsunção dos factos à norma; a aplicação da norma é contra o direito se, reconhecendo-se uma certa discricionariedade, o aplicador se desvia do fim para que foi criada a discricionariedade, incorrendo, então, na prática do crime. IV - O crime de denegação e prevaricação é doloso, o tipo subjectivo de ilícito fica preenchido com a actuação com dolo (art. 14.º do CP), como resulta do uso “conscientemente” no descritivo típico; o tipo agravado do n.º 2 não prescinde de uma especial intenção criminosa, de prejudicar ou beneficiar alguém, na forma de dolo específico. V - No caso em apreço, no processo de falência Y existia dinheiro depositado mais que suficiente para logo se dar pagamento aos credores reconhecidos, restituindo-se o sobrante ao recorrente, calculado aproximadamente, reservada uma parcela para remuneração ao administrador, mas quanto à reabilitação do falido impunha-se o trânsito em julgado da sentença, para cancelamento definitivo do registo da falência. VI - As arguidas estavam convencidas de que o seu procedimento de se alcançar o trânsito e a liquidação era o legal e, por isso, se aguardou pelo trânsito e liquidação, discordando o recorrente da marcha imprimida ao processo, mas isso não é bastante para se concluir que tenham violado, com essa também razoável opção procedimental, quaisquer deveres funcionais, sobretudo para se concluir que, maliciosamente, o privaram do dinheiro a que tinha direito e receberia depois. VII - A entrega prévia era possível; a homologação e a liquidação, findo o processo, o caminho mais chegado à ritologia da lei; este o duplo cenário viável, mas sem que se possa concluir pela actuação das arguidas com dolo genérico ou específico, em ostensivo, chocante e altamente reprovável violação dos deveres funcionais que sobre si impendiam. Acórdão de 12-07-2012, proferido no processo n.º 4/11.8TRLSB.S1, da 3.ª Secção, publicado na CJSTJ 2012, tomo 2, págs. 236/8, versando intervenção de juiz em processo de inventário, donde consta: “O crime de denegação de justiça e prevaricação, p. e p. pelo art. 369.º, n.º 1, do CP, encontra-se sistematicamente inserido no âmbito dos crimes contra o Estado, mais especificamente no capítulo dos crimes contra a realização da justiça. O bem jurídico tutelado é a realização da justiça em geral, visando a lei assegurar o domínio ou a supremacia do direito objectivo na sua aplicação pelos órgãos de administração da justiça, maxime judiciais. Tem por elementos constitutivos a ocorrência de comportamento contra o direito, no âmbito de inquérito processual, processo jurisdicional, por contra-ordenação ou disciplinar, por parte de funcionário, conscientemente assumido, havendo lugar à agravação no caso de o agente agir com intenção de prejudicar ou beneficiar alguém. Face à exigência típica decorrente da expressão “conscientemente”, só o dolo directo e o necessário são relevantes, como é jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal. (acórdãos de 8-02-2007, 21-05-2008 e 8-10-2008, proferidos nos processos n.ºs 4816/06, 3230/07 e 31/07). Em sentido coincidente se vem pronunciando a doutrina nacional (LH - SS, CPAnotado, 2.ª ed., 1163, Medina Seiça, Comentário Conimbricense do Código Penal, III, 1 ed., 619 e Paulo Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2.ª ed., pág. 962, que só admite o dolo directo). Citando acórdão do STJ de 8 de Outubro de 2008: O dolo, enquanto vontade de realizar o tipo com conhecimento da ilicitude (consciência), há-de apreender-se através de factos (acções ou omissões) materiais e exteriores, suficientemente reveladores daquela vontade, de onde se possa extrair uma opção consciente de agir desconforme à norma jurídica. Não são meras impressões, juízos de valor conclusivos ou convicções íntimas, não corporizados em factos visíveis ou reais, que podem alicerçar a acusação de que quem decidiu o fez conscientemente contra o direito e, muito menos, com o propósito específico de lesar alguém. Por outro lado, como igualmente se refere naquele acórdão, não é a prática de qualquer acto que infringe regras processuais que se pode, sem mais, reconduzir a um comportamento contra o direito, com o alcance definido no n.º 1 do artigo 369.º do Código Penal; é preciso que esse desvio voluntário dos poderes funcionais afronte a administração da justiça, de forma tal que se afirme uma negação de justiça. Não basta, pois, que se tenha decidido mal, incorrectamente, contra legem, sendo necessário que quem assim decidiu tenha consciência de que, desviando-se dos seus deveres funcionais, violou o ordenamento jurídico pondo em causa a administração da justiça”. Acórdão de 12-09-2012, processo n.º 28/11.5TRLSB.S1 - 3.ª Secção, onde consta: I - Como o STJ vem defendendo, de forma uniforme, o requerimento de abertura de instrução, quando apresentado pelo assistente na sequência de um despacho de arquivamento pelo MP, deve conter, para além do mais, a narração, ainda que sintética dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança e a indicação das disposições legais aplicáveis, ex vi do n.º 2 do art. 287.º e als. b) e c) do n.º 2 do art. 283.º, ambos do CPP, sob pena de rejeição por inadmissibilidade legal da instrução. II - Analisado o requerimento do assistente verifica-se, ao contrário do decidido no despacho recorrido, que a recorrente nele verteu factos susceptíveis de fundamentarem a aplicação ao arguido de uma pena. Concretamente, no requerimento em questão, a recorrente procedeu à descrição de factos que, a provarem-se, são susceptíveis de integrar a prática pelo magistrado denunciado, em autoria material, do crime de denegação de justiça e prevaricação do n.º 1 do art. 369.º do CP. III - Efectivamente, dos factos constantes do requerimento apresentado pela assistente para abertura da instrução, resulta que o magistrado denunciado, no âmbito de inquérito criminal de que era titular e cujo arquivamento determinou, faltou intencionalmente aos seus deveres funcionais, não levando a cabo qualquer acto de prova, estando ciente da necessidade da produção de diligências investigatórias para indiciação do crime objecto do inquérito e dos respectivos autores. Deste modo, carece de fundamento a decisão impugnada [que rejeitou, por inadmissibilidade legal, a instrução sob o entendimento de que o requerimento apresentado não descrevia, ainda que de forma sintética, os factos concretos que poderiam fundamentar a aplicação ao arguido de uma pena e as circunstâncias de modo, lugar e tempo da sua prática]. Acórdão de 29-05-2013, proferido no processo n.º 28/11.5TRLSB.S2 - 5.ª Secção, donde se extrai: I - A questão que constitui o objecto do recurso está em saber se os indícios recolhidos na fase de instrução seriam adequados a sustentar a pronúncia do arguido pelo imputado [no requerimento para abertura da instrução] crime de denegação de justiça do n.º 1 do art. 369.º do Código Penal. II - Na tese da assistente, a actuação do arguido, porque violadora dos seus deveres funcionais – enquanto magistrado do MP, incumbindo-lhe a direcção do inquérito (art. 262.º do CPP) –, conformaria a conduta típica de agir contra direito no âmbito de um inquérito criminal. Contudo, ainda que se pudesse admitir que o arguido não praticou os actos e assegurou os meios de prova necessários à realização da finalidade do inquérito (art. 262.º do CPP) ou, dito de outro modo, ainda que se aceitasse que o arguido, com as concretas omissões e opções, alvo de um juízo negativo de apreciação no despacho recorrido, não serviu adequadamente a finalidade do inquérito, sempre essa actuação objectiva não seria suficiente para se considerar indiciada a prática pelo arguido do crime de denegação de justiça. III - Desde logo, no plano do preenchimento do tipo objectivo do art. 369.º, n.º 1, do CP, deve atender-se a que a fiscalização da correcção e empenho no cumprimento dos deveres funcionais escapa, em geral, ao direito penal, designadamente, à incriminação deste preceito, acrescendo que essa descrita actuação objectiva não fornece base adequada a que dela se infira o dolo directo. IV - O crime de prevaricação, na forma descrita no n.º 1 do art. 369.º tem natureza dolosa; todavia, a vertente subjectiva do tipo exige que o agente actue conscientemente. Ora, esta exigência de que o funcionário actue conscientemente que caracteriza a vertente subjectiva implica que o tipo subjectivo só admita o dolo directo. V - Por isso, ainda que se considerasse que a forma como o arguido conduziu o inquérito é passível de reparos, por as suas opções não se revelarem as mais adequadas à realização, no mais curto prazo, da finalidade do inquérito, daí não se poderia, sem mais, inferir uma actuação consciente contra direito. VI - A actuação objectiva do arguido no inquérito não é, por conseguinte, suficiente para a pronúncia do arguido pelo crime de denegação de justiça, do n.º 1 do art. 369.º do CP. Acórdão de 28-05-2014, proferido no processo n.º 13/13.2YGLSB.S1 - 5.ª Secção: I - A decisão recorrida rejeitou o requerimento de abertura de instrução, com fundamento em inadmissibilidade legal da instrução, nos termos do art. 287.º, n.º 3, do CPP. Nesse sentido, argumentou-se: o requerimento de abertura de instrução não descreve os factos que poderiam integrar os crimes de denegação de justiça e prevaricação imputados pelo queixoso aos denunciados. Se, de acordo com o art. 309.º, n.º 1, do CPP, a decisão instrutória é nula na parte em que pronunciar o arguido por factos que constituam uma alteração substancial dos descritos no requerimento para abertura da instrução, a instrução nunca poderia levar a uma decisão de pronúncia, pelo que redundaria num acto inútil. II - No requerimento de abertura de instrução, o assistente referiu o crime de denegação de justiça e prevaricação, sem concretizar qual ou quais das disposições do art. 369.º do CP tem em vista. E também não indicou quais as condutas materiais dos denunciados que podem ser subsumidas na previsão de qualquer dessas disposições. Percebe-se que têm a ver com o sentido de três decisões judiciais, uma singular, subscrita pelo primeiro denunciado, e duas colegiais, subscritas por todos, mas acerca daquilo em que se terão traduzido nada se diz de concreto. Pretenderá o recorrente que essas decisões foram proferidas contra direito, e assim convocar, pelo menos, a norma do n.º 1 do art. 369.º. Mas não o diz. E por isso também nada diz acerca da postura mental dos denunciados sobre o sentido das decisões que o recorrente pretenderá terem sido proferidas contra direito: Concretamente, não diz se o foram por errada interpretação das normas jurídicas aplicáveis, eventualmente com negligência, ou com dolo, sabendo-se que só por esta via se preenche o tipo subjectivo. III - De facto, o assistente não pretende que a decisão do MP devia ter sido de acusação em vez de arquivamento. O que diz é que o inquérito foi encerrado prematuramente, ou seja, numa altura em que não havia ainda elementos para decidir no sentido da acusação ou do arquivamento, por falta de realização de diligências, que deviam ter tido lugar, diligências que, tendo sido omitidas no inquérito, devem agora ser efectuadas na instrução. Mas não é essa a finalidade da instrução (art. 268.º, n.º 1, do CPP). IV - O assistente ou entende que, perante os elementos de prova recolhidos no inquérito, a decisão do MP deve ser de acusação e não de arquivamento ou considera que as diligências realizadas não são suficientes. Só no primeiro caso pode requerer a abertura de instrução. Colocando-se na última posição, como no caso, o assistente só tem um caminho a seguir: o previsto no art. 278.º, n.ºs 1 e 2, requerendo ao superior hierárquico do titular do inquérito que determine o prosseguimento das investigações. V - Assim, com a finalidade com que foi requerida, a instrução não é legalmente admissível. Acórdão de 17-09-2014, proferido no processo n.º 89/13.2TRPRT.S1-3.ª Secção: I - O crime de denegação de justiça e de prevaricação do art. 369.º do CP cobre uma multiplicidade de condutas, que se podem reconduzir a um étimo comum que consiste na actuação contra direito. II - Consequentemente, este crime enquadra-se no amplo sector dos crimes de funcionários, em que o factor de união reside na violação dos deveres funcionais decorrentes do cargo desempenhado, pelo que se configura como um típico crime específico (próprio). III - O agir contra direito abrange, em primeiro lugar, o conjunto de normas vigentes na ordem jurídica positiva, independentemente da sua origem ou modo de revelação, tenham cunho material ou processual, natureza pública ou privada, de criação estadual ou não, como também princípios jurídicos não directa ou expressamente consignados em normas positivadas, mas que delas decorrem e gozam de força cogente, como o princípio in dubio pro reo ou a proibição do venire contra factum proprium. IV - Agir contra direito significa a contradição da decisão com o prescrito pelas normas jurídicas pertinentes, mas tal contradição só por si nada mais significa do que a existência dum erro de direito, a justificar a alteração do decidido. V - A nota delimitadora deste crime é a consciência de tal contradição de agir contra o direito, ou seja, é o assumir da violação dos deveres profissionais em função de outras razões. VI - Se a aplicação de uma norma não se circunscreve à pura subsunção de uma fattispecie unívoca, mas se espalha por diversas vias juridicamente admissíveis de acordo com os cânones da metodologia jurídica, muitas vezes sancionadas pela doutrina e pelas mais altas instâncias judiciais, a escolha de uma delas pelo concreto aplicador conforma, em princípio, uma solução de acordo com o direito. Acórdão de 29-01-2015, proferido no processo n.º 8/14.9YGLSB.S1 - 5.ª Secção, de que se extrai: I - A «reclamação para a conferência» a que alude o art. 417.º, n.º 8, CPP, é apenas um pedido para que o objecto do recurso rejeitado mediante decisão sumária seja reapreciado pela conferência. Não se trata de uma nova fase recursória incidindo sobre a decisão singular pelo que o âmbito do recurso se mantém circunscrito às conclusões formuladas na motivação. São os argumentos ali utilizados e resumidos nas conclusões que fundamentalmente devem ser tema de análise pela conferência sem embargo de o conteúdo da reclamação poder apontar ou sugerir outras vias de abordagem do problema em debate. II - No essencial, o conteúdo da motivação do recorrente centra-se na questão da afirmada nulidade absoluta da decisão da OA que o suspendeu do exercício da profissão de Advogado por causa da incompatibilidade dessa actividade com outra que o recorrente exercia, considerando que o princípio da suficiência da acção penal permite que a matéria seja tratada no âmbito do processo penal e que seja declarada a nulidade dessa dita decisão. III - Aquele princípio está consagrado no art. 7.º, n.º 1, do CPP, e por força do mesmo devem ser decididas no processo penal todas as questões essenciais para conhecer da existência de um crime sejam elas de natureza penal, civil, laboral, fiscal ou administrativa, mas o limite é precisamente esse, que tais questões sejam de prejudicialidade substantiva, inerente aos elementos substanciais do crime, o que não se verifica no caso em apreço. IV - E, de acordo com o art. 338.º, n.º 1, do CPP, o tribunal conhece e decide das nulidades e de quaisquer outras questões prévias ou incidentais susceptíveis de obstar à apreciação do mérito da causa, nela se devendo então incluir a que é a razão de ser do recurso. O assim se impõe é que em certos momentos concretos de desenvolvimento do processo se faça o seu saneamento, isto é, que se simplifique a marcha processual: resolvendo as questões que possam afectar a sua evolução por motivos de forma como a existência de irregularidades que por serem insanáveis ou não hajam sido sanadas invalidem o processo; ou resolvendo as questões de fundo respeitantes à procedência ou improcedência do litígio; ou ainda procedendo à correcção de quaisquer deficiências processuais a fim de evitar que apuradas ou corrigidas só mais tarde se ocasionasse maior devastação processual ou demora no andamento do processo. Mas para isso é preciso, naturalmente, que as questões possam ser resolvidas intraprocessualmente e para tal há limites. V - A questão que o recorrente propõe que se resolva no âmbito do processo penal não é, em rigor, condicionante da verificação de um pressuposto processual em sentido estrito porque se o fosse, então sim seria de ponderar o seu conhecimento. VI - A proposta do recorrente é que no âmbito do processo penal se resolva uma questão de natureza administrativa tão só condicionante da verificação de um requisito ou pressuposto de validade de certos actos do processo mas que é de todo estranha à estrutura deste enquanto meio de obter uma decisão reintegradora do direito, uma decisão de mérito. VII - No momento previsto nos arts. 311.º e 338.º do CPP a única atitude que caberia ao juiz tomar seria a de declarar a inexistência de um determinado requisito, pois não está em causa uma questão essencial para a validade do processo no sentido que já se procurou evidenciar. Esse requisito é o previsto no art. 70.º, n.º 1, do CPP: o assistente, estatuto que o queixoso se propõe adquirir no âmbito do processo, é sempre representado por advogado, ou seja, é exigida a representação técnica. Independentemente da questão de saber se a representação pode ser em nome próprio ou não, o requisito é que a intervenção processual do assistente seja assegurada por um advogado. VIII - Uma coisa é a legitimidade do recorrente para se constituir assistente; esse é um pressuposto estrutural, digamos, do procedimento. Outra diferente é a de saber, perante a exigência legal de representação técnica do assistente se a pessoa que se apresenta a assegurar essa representação (no caso pretendendo-se que seja em causa própria) está ou não em condições legais de o fazer, se é ou não advogado. IX - Ora, advogado só é, de acordo com o art. 65.º, n.º 1, do EOA, um licenciado em Direito com a inscrição em vigor na OA. Só quem estiver nessas condições pode, praticar em todo o território nacional actos próprios da advocacia. Acontece que o recorrente tem a sua inscrição suspensa por determinação da OA desde 1993 e, portanto, não pode considerar-se advogado para o efeito que aqui pretende obter. X - A jurisdição comum só tem competência para apreciar a nulidade do acto administrativo quando este se apresente como questão prejudicial interferente com o direito sobre o qual incide o litígio, que seja atinente com a matéria de direito material em discussão, quando o acto surja como pressuposto ou fundamento da questão a decidir no processo. XI - As questões a decidir no processo de onde este recurso é oriundo, mesmo aceitando a competência dos tribunais comuns para a apreciar, são as de saber, se outras não surgirem, em primeiro lugar, se o recorrente tem legitimidade para intervir na acção penal e, depois, se determinados juízes praticaram ou não crimes de denegação de justiça e prevaricação e se o recorrente tem legitimidade para promover a acção penal e, no seu âmbito, se tem interesse em agir. A de saber se o recorrente se encontra nas condições legais de assegurar a representação técnica, isto é, se é advogado, não é interferente com aquelas. XII - Acresce que a OA é uma associação pública profissional sujeita a um regime de direito público no desempenho das suas atribuições, não cabendo na competência do STJ apreciar a hipotética nulidade da decisão da OA que suspendeu a inscrição do recorrente. Acórdão de 19-03-2015, proferido no processo n.º 7/14.0YGLSB.S1 - 5.ª Secção I - Em abstracto, pode levantar-se num determinado processo a questão prejudicial da intervenção do TJUE a respeito de qualquer assunto de natureza jurídica que esteja em discussão no âmbito desse mesmo processo, que nele seja matéria controvertida. II - O TJUE é competente para decidir a título prejudicial sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da UE (art. 267.º, al. b), do Tratado sobre o funcionamento da UE) sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional de um dos Estados-membros. III - O reenvio pré-judicial não pode surgir apenas por que nisso manifesta vontade o reclamante. Haveria de ter uma utilidade processual concreta qual fosse a de se inserir num conjunto de diligências destinadas a avaliar se havia indícios da prática do crime de denegação de justiça e prevaricação que o queixoso imputou aos denunciados. IV - O despacho que não admitiu a instrução é explícito a este respeito: o requerimento não preenche os requisitos essenciais a respeito da matéria de facto para ser apreciado. E, além disso, sempre a imputação do crime seria de afastar dada a ausência dos elementos objectivos e subjectivo, perante a evidência de que é assunto controverso na doutrina e na jurisprudência a questão de precisar se pode ou não certo arguido defender-se a si próprio. Acórdão de 09-07-2015, proferido no processo n.º 106/12.3TREVR.S1 - 5.ª Secção I - No tribunal da Relação, a procuradora-adjunta X, mediante pronúncia, foi submetida a julgamento, pela prática de um crime de denegação de justiça e prevaricação, p. e p. pelo art. 369.º, n.º 1, do CP e outro de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256.º, n.ºs 1, al. d), 3 e 4, do Código Penal, tendo, no final, sido proferida decisão de absolvição relativamente a ambos os ilícitos. II - O recorrente impugna a decisão proferida sobre matéria de facto, considerando que não foram valoradas, devendo tê-lo sido, as declarações prestadas pela arguida na fase de inquérito e lidas em audiência de julgamento, e que, essas declarações, conjugadas com as regras de experiência comum, com o depoimento da testemunha Y e com a sequência cronológica dos factos, são suficientes para criar a convicção de que os factos que foram dados como não provados se verificaram. III - O tribunal recorrido não negou que as declarações prestadas pela arguida na fase de inquérito e lidas em audiência de julgamento pudessem ser valoradas, tendo, ao invés, afirmado que tais declarações só por si e nada mais havendo, não eram suficientes para considerar provados os referidos factos, porque faltou, por um lado, a imediação e a oralidade e, por outro, o contraditório, na medida em que a arguida não prestou declarações na audiência de julgamento sobre os factos imputados. IV - Não há que falar em falta de contraditório pelo facto de a arguida na audiência se ter remetido ao silêncio, pois quanto a isso o que importa é que aí tenha tido oportunidade de se pronunciar sobre o conteúdo dessas declarações, podendo esclarecê-las ou corrigi-las, como está subjacente nos arts. 141.º, n.º 4, al. b), 355.º, n.ºs 1 e 2 e 357.º, n.º 1, al. b), do CPP, ao preverem que o exercício do direito ao silêncio na audiência de julgamento por parte do arguido não obsta a que aí sejam valoradas as declarações prestadas anteriormente, desde que estejam verificadas as condições exigidas pela última dessas normas, como no caso estão. V - No caso em apreço, as declarações prestadas pela arguida na fase de inquérito e lidas em audiência de julgamento só por si, nada mais existindo, não permite as ilações propostas na motivação de recurso, mormente que o cabo Z, na conversa telefónica que teve com a arguida, a informou de que V fora detido. O que importava conhecer era o conteúdo dessa conversa, porém, ninguém assistiu a ela, não foi gravada e os seus intervenientes na audiência de julgamento, licitamente, usaram do direito ao silêncio, pelo que improcede o alegado pelo recorrente. VI - Não se detecta nos factos provados qualquer acção ou omissão da arguida contrária às normas jurídicas aplicáveis, pelo que não pode considerar-se integrado o tipo objectivo do crime do n.º 1 do art. 369.º do CPP, nem o do n.ºs 4 e 5 do art. 369.º do CPP, improcedendo o recurso. Acórdão de 14-04-2016, proferido no processo n.º 17/14.8YUSTR.L1-A.S1 – 5.ª Secção I - Se o arguido não arguiu a nulidade do acórdão proferido neste STJ - em sede de incidente de recusa de uma senhora Juíza Desembargadora - por omissão de pronúncia, quanto a considerações tecidas pelo arguido requerente, que este considera configurarem a denúncia de um crime de denegação de justiça, tal significa que o dito acórdão transitou em julgado. II - Porque o poder jurisdicional dos três subscritores do acórdão (incluindo o relator) se esgotou (art. 613.º, n.º 1, do CPC ex vi do art. 4.º, do CPP), não há que tomar posição, neste incidente de recusa, sobre a pretendida “promoção da abertura de processo-crime”. III - A titularidade do processo na fase de inquérito é do MP (art. 263.º, n.º 1, do CPP). Este pode tomar conhecimento da notícia do crime mediante denúncia (art. 241.º, do CPP), pelo que, o arguido, que se sente vítima de um crime de denegação de justiça, em nada ficará prejudicado nos seus direitos, com a presente decisão, porque sempre poderá e deverá apresentar denúncia-crime directamente ao MP. Acórdão de 25-05-2016, proferido no processo n.º 22/14.4YGLSB.S2 - 5.ª Secção I - Constituem nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, todos aqueles casos em que o decisor não se tenha pronunciado sobre questões que deva apreciar; porém, houve uma pronúncia quanto ao alegado em sede do requerimento de abertura de instrução, pelo que não existe omissão de pronúncia. II - Se a assistente tivesse razão, isto é, se existisse uma nulidade do inquérito, o que teria como consequência uma nulidade do próprio arquivamento, a abertura de instrução deveria logo ser rejeitada por inadmissibilidade legal, dado que se integra nestes casos quer os casos de nulidade da acusação, quer os de arquivamento. III - Só após a constituição de arguido é que este pode usufruir dos direitos consagrados no art. 61.º, do CPP, nomeadamente, o seu direito a defesa. Assim sendo, apenas pode invocar a nulidade, decorrente da não constituição como arguido do suspeito, o arguido, pelo que que a assistente não tinha legitimidade para a arguir. IV - Sabendo que a norma violada visa proteger o arguido e não o assistente, também não se vislumbra que a assistente tenha, nesta parte, qualquer interesse em agir na interposição de recurso que apresentou. V - Foi entendido no despacho que rejeitou a abertura da instrução que, a partir dos factos apresentados pela assistente, não havia tipicidade da conduta, caso em que o procedimento não pode prosseguir por falta de pressupostos do objeto. Ou seja, concluiu-se que faltavam as condições de procedibilidade penal, dado que a descrição dos factos realizados permitiu, por si só, concluir que não integravam a prática de qualquer crime. Ora, faltando elementos necessários a integração, nomeadamente, do tipo de ilícito objetivo dos invocados, necessariamente aquele requerimento terá que ser rejeitado, pelo que também aqui improcede o recurso interposto. Acórdão de 13-10-2016, proferido no processo n.º 11/15.1YGLSB.S1 - 5.ª Secção I - Para que se pudesse imputar ao Exmo.º Sr. Desembargador denunciado o crime de denegação de justiça, p. e p. no art. 369.º, do CP, sempre importaria enunciar factos concretos reveladores de que a decisão de recusar a suspeição era inaceitável, o que não sucede no caso. De acordo com a al. b) do n.º 1 do art. 287.º do CPP o assistente que requer a instrução tem de enunciar de modo claro os factos, em concreto, imputados ao denunciado, pelos quais o MP não deduziu acusação quando o devia ter feito. II - Uma vez que, no caso, o assistente não enunciou tais factos, também não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento do requerimento da abertura da instrução, porque faltando a narração dos factos no requerimento do assistente, falece a delimitação do âmbito temático da própria instrução, tal como refere o AFJ 7/2005, de 12-05-2007, entendimento que foi sufragado pelo TC em várias decisões que tem proferido. III - De acordo com o art. 287.º, n.º 3, do CPP, o requerimento de abertura de instrução só pode ser rejeitado por extemporaneidade, incompetência do juiz ou inadmissibilidade legal da instrução. A doutrina e a jurisprudência têm vindo a dotar o conceito de inadmissibilidade legal de instrução de uma maior flexibilidade, no sentido de que equivalem aos casos de inadmissibilidade legal, assentes em razões de ordem formal, aqueles em que são razões materiais, ou de mérito, a ditar a dita inadmissibilidade, incluindo os casos em que a abertura de instrução se revele, com segurança, um acto inútil, acto que está vedado por força dos arts. 137.º do CPC e 4.º do CPP. Acórdão de 05-04-2017, proferido no processo n.º 16/16.5TRLSB.S1 – 3.ª Secção I - É de rejeitar o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente sempre que o mesmo não contenha uma narração dos factos que permitam concluir que há indícios suficientes de estarem preenchidos os elementos objectivos e subjectivos de um certo tipo de crime, que não contenha quaisquer factos ou que contenha factos que não sejam integradores de qualquer tipo legal de crime, por inadmissibilidade legal da instrução, nos termos do disposto no art. 287.º, n.º 3 do CPP. II - A prática de qualquer acto que infringe regras processuais não pode, sem mais, reconduzir a um comportamento contra o direito, com o alcance definido no n.º 1 do art. 369.º do CP, sendo, antes, de exigir que esse acto se traduza num desvio voluntário dos poderes funcionais que afronte a administração da justiça, de forma tal que se afirme uma negação de justiça. III - Os meros erros de função, por si só, não relevam para efeitos do crime de abuso de poder previsto no art. 382° do CP., sendo necessário que os mesmos sejam não só cometidos através do abuso de poderes ou da violação de deveres inerentes às funções exercidas pelo agente como adequados a obter para o agente ou para terceiro, beneficio ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa. IV - Se o requerimento de abertura de instrução apresentado pela assistente, é omisso quanto à descrição de factos (acções ou omissões) materiais e exteriores, suficientemente reveladores destas realidades bem como de uma atitude interna do denunciado que possa traduzir a sua intenção específica de agir, deliberada e conscientemente, contra direito, quer de obter beneficio próprio ou para terceiro ou de causar prejuízo, assentando toda a sua argumentação, em conjeturas, meramente subjectivas e situadas apenas no nível dos processos de intenção, que, não podem valer como fundamento dos crimes imputados ao denunciado, que tem de ser factual, objectivo e de modo a impor-se como id quod para integrar os elementos objectivos e subjectivos dos crimes de denegação de justiça e prevaricação e de abuso de poder nos termos ditos no ponto, forçoso é considerar que bem andou o tribunal recorrido ao considerar que o requerimento de abertura de instrução formulado pela assistente, não cumpria as exigências de conteúdo impostas pelo art. 287.º, n.º 2 do CPP e ao rejeitar o mesmo por inadmissibilidade legal da instrução, nos termos do disposto no n.º 3 deste mesmo artigo. Tem aqui inteira aplicação o constante do acórdão de 07-02-2018, proferido no processo n.º 29/16.7TRLSB - 3.ª Secção I - O requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente, além de não destacar os concretos factos imputados à arguida, vale dizer como acusação, igualmente não descreve todos os factos susceptíveis de preencher os elementos típicos dos crimes que pretende assacar à arguida (denegação de justiça), não concretizando os concretos factos integradores da violação de algum dever que impenderia sobre a arguida. II - O requerimento de abertura de instrução impulsado pelo assistente não cumpre assim os requisitos exigíveis por lei – artigo 287.º, ex vi do art. 283.º, do CPP – para servir como elemento ou vector de partida para abertura de uma fase processual em que o tribunal tem como dever comprovar a existência, ou não, de indícios que o alentem a imputar a alguém uma conduta desvalorativa e antijurídica. III - Desta desconformidade intrínseca e substancial decorre não poder o tribunal deixar de declarar a nulidade do acto inquinado e declarar a sua nulidade, obstando deste modo à prossecução de um encadeado de actos processuais que conteriam o “pecado original” de não concitarem a validade jurídico-objectiva interna ajustada organização sistémica para que o processo tende. O acto que inere o requerimento para abertura de instrução, por se mostrar contrário às prescrições que regem para a formalização deste tipo de prática processual, deve ser taxado de ilegal e, consequentemente, inadmitido, por ilegalidade. Revertendo ao caso concreto. O requerimento de abertura de instrução (RAI) começa nos artigos 3.º, 4.º e 5.º, por referir uma nulidade insanável no processo disciplinar relativo ao processo n.º 3/...., imputada a instrutora do processo disciplinar que não é identificada. Liminarmente, há que dizer que em relação às advogadas Dra. JJ, Dra. KK, Dra. LL, Dra. MM e Dra. NN, o requerimento de abertura de instrução a única coisa que faz é mencionar os seus nomes, indicando os números das respectivas cédulas. Sobre o que tenham feito ou deixado de fazer há um oceânico mutismo. Nem uma palavra foi arregimentada. O mesmo, aliás, se diga do pedido de indemnização cível. O advogado, no desempenho do seu múnus profissional, não integra o conceito previsto no artigo 386.º do Código Penal. Como referiu o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2-10-1991, Colectânea de Jurisprudência XVI, tomo 4, pág. 32, “O advogado que intervém num processo não pode ser considerado funcionário, para efeitos de qualificação de crime que tenha cometido no desempenho dessa função”. Sendo assim, eventual conduta do advogado Dr. CC nunca integraria o tipo de crime previsto e punido no artigo 369.º do Código Penal. Apenas consta do RAI que o Dr. CC fez alegações finais em 29-10-2013 (artigos 7.º e 9.º, 4) e 10.º, n)), e refere-se recurso extemporâneo 12-02-2014, tendo contra si sido movida acção de responsabilidade civil - processo n.º 845/.... (artigos 7.º e 8.º, f)) -, a qual foi julgada totalmente improcedente, consignando-se em despacho de 19-12-2017 que o recurso do autor (ora denunciante), ainda que interposto tempestivamente no quadro do processo laboral, estaria votado ao insucesso. No que tange ao …. DD, na qualidade de administrador único da sociedade Contiforme - Soluções Gráficas Integradas, S.A., óbvio é que não pode ser considerado funcionário para efeitos penais O denunciante refere actividade criminosa nos artigos 6.º, in fine, 8.º, a) e b), PRC 2010/…., e prestação de falso testemunho. Com a queixa apresentada juntou o denunciante decisão no PRC 2010/… de 13-12-2012, proferida pela Autoridade da Concorrência, de fls. 10 a 117 verso, sendo visadas a Contiforme - Soluções Gráficas Integradas, S.A., e outras duas sociedades e três pessoas singulares, entre elas DD, administrador único daquela, versando dispensa ou atenuação especial de coima. Em causa estava participação em acordo entre empresas com o objecto de impedir, restringir ou falsear, de forma sensível, a concorrência no mercado nacional, tendo sido aplicada à arguida Contiforme - Soluções Gráficas Integradas, S.A., pela prática de infracção ao disposto no n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 18/2003, uma coima no valor de € 604.173, 03 e ao arguido DD, na aludida qualidade, por ilícito contraordenacional, p. e p. no n.º 3 do artigo 47.º da Lei n.º 18/2003, uma coima no valor de € 3.000,00. Não se preenchendo o conceito de funcionário para efeitos penais, claro está não haver lugar a incriminação por denegação de justiça, sendo abusivo falar-se de actividade criminosa quando está em causa responsabilidade contraordenacional. Relativamente ao falso testemunho nem um facto foi apontado. No que se refere à Juíza BB, com intervenção no Tribunal de Trabalho e ao Juiz EE, com intervenção no Tribunal Cível, não é indicado comportamento algum integrador de denegação de justiça, nada se substanciando em termos de corporizar desvio voluntário dos seus poderes funcionais na administração da justiça, no sentido de considerar actuação contra o direito, feita de modo consciente e doloso, como exige a doutrina e a jurisprudência. Mais do que escassez de elementos fácticos, temos estrondosa ausência de factos. Sem factos não há lugar a juízo sobre suficiência ou insuficiência de indícios. E como é sabido, não é caso de formular convite para aperfeiçoamento, como ditou, com um voto de vencido, o Acórdão de Fixação de Justiça n.º 7/2005, de 12 de Maio de 2005, in Diário da República, I Séria-A, de 4-11-2005, no sentido de que “Não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do artigo 287.º, n.º 2, do CPP, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido”. Por tudo quanto foi exposto, é de manter a decisão recorrida, negando-se provimento ao recurso. Decisão Pelo exposto, acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, em negar provimento ao recurso interposto pelo assistente AA, mantendo-se a decisão recorrida de não recebimento do requerimento de abertura de instrução. Custas pelo recorrente, nos termos do artigo 515.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, in Diário da República, 1.ª série, n.º 40, de 26 de Fevereiro (rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 22/2008, de 24 de Abril, in Diário da República, 1.ª série, n.º 81 e com as alterações introduzidas pela Lei n.º 43/2008, de 27 de Agosto, in Diário da República, 1.ª série, n.º 165, pelo Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28 de Agosto, pelo artigo 156.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro – Lei do Orçamento do Estado 2009 (Diário da República, 1.ª série, n.º 252, Suplemento), pelo artigo 163.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril – Orçamento do Estado para 2010, pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril, Diário da República, 1.ª série, n.º 73, de 13-04-2011, pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, in Diário da República, 1.ª série, n.º 31, de 13 de Fevereiro, que procedeu à sexta alteração e republicação do RCP, rectificada com a Declaração de Rectificação n.º 16/2012, de 26 de Março, in Diário da República, 1.ª série, n.º 61, de 26-03-2012, pela Lei n.º 66-B/2012, de 31de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 126/2013, de 30 de Agosto, in Diário da República, 1.ª série, n.º 167, de 30 de Agosto, pela Lei n.º 72/2014, de 2 de Setembro, pela Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto, in Diário da República, 1.ª série, n.º 156, de 14 de Agosto e pela Lei n.º 27/2019, de 28 de Março, in Diário da República, 1.ª série, n.º 62, de 28 de Março), o qual aprovou – artigo 18.º – o Regulamento das Custas Processuais, publicado no anexo III do mesmo diploma legal, fixando, nos termos do disposto no artigo 8.º, n.º 9 e Tabela III, a taxa de justiça em 6 UC, sem prejuízo da protecção jurídica concedida. Mantém-se em vigor o valor da UC (Unidade de conta) vigente em 2018, conforme estabelece o artigo 182.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2019), publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 251, de 31-12-2018. Tal valor é de 102,00 €, que se tem mantido inalterado desde 20 de Abril de 2009. Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. Lisboa, Escadinhas de São Crispim, 19 de Fevereiro de 2020 Raul Borges (Relator) Manuel Augusto de Matos ______ [1] Em anotação ao art. 369, in Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo III, pg 609. |