Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
456/21.8T8SCD.C1-A.S2
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: LEONEL SERÔDIO
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
RECURSO DE APELAÇÃO
PRESSUPOSTOS
DEPOIMENTO
DOCUMENTO ESCRITO
FORÇA PROBATÓRIA
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
NULIDADE
NOTIFICAÇÃO ENTRE ADVOGADOS
REGULAMENTO (CE) 2201/2003
CONVENÇÃO DE HAIA
RAPTO INTERNACIONAL DE MENORES
Data do Acordão: 06/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REVISTA IMPROCEDENTE.
Sumário :

I - O Tribunal não tem oficiosamente, depois da parte ter sido notificada, nos termos do artigo 221º do CPC, do articulado e documentos juntos pela outra parte, de voltar a notificá-la para exercer o direito de os impugnar, nos termos do artigo 415º n.º 2 do CPC.


II - A admissibilidade dos documentos, nos termos do artigo 651º n.º 1 2ª parte do CPC, só poderá ter lugar se a decisão de 1ª instância criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes não podiam razoavelmente contar antes da decisão ser proferida.


III - Baseando-se o recurso extraordinário de revisão em documento, é necessário, para que o fundamento da revisão seja julgado procedente e a decisão objeto do recurso seja revogada, que o documento, por si só, sem o concurso adjuvante de outras provas, tenha a virtualidade de levar à modificação da decisão a rever.


IV- Um depoimento escrito, sem observância do contraditório, não tem manifestamente a virtualidade de por si só levar à modificação da decisão a rever.

Decisão Texto Integral:

Proc. 456/21.8T8SCD.C1-A.S2


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça ( 6ª secção)


I – Relatório


O Ministério Público veio, ao abrigo dos art.ºs 1.º, 3.º, 4.º e 5.º da Convenção de Haia de 1980, e 8.º, 9.º, 10.º e 11.º do Regulamento (CE) nº 2201/2003, do Conselho de 27 de novembro de 2003, sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças, transmitir o pedido urgente de regresso formulado pelas autoridades francesas, relativamente ao menor AA, nascido em ........2019, filho de BB e da Requerida CC, nos seguintes moldes:


«1. Considerar o pedido de regresso da criança AA, transmitido pela Autoridade Central da França;


2. Determinar a inserção dos dados do menor no Sistema de Informação Schengen, por forma a evitar a deslocação da criança para Estado Terceiro;


3. Determinar a inquirição da mãe da criança, tendo, nomeadamente, em vista a eventual obtenção de acordo quanto ao eventual regresso da criança a França.».


Alegou, para tanto, que a criança sempre viveu com ambos os pais em França até à separação dos mesmos, em 28.04.2021, e, após tal data, por acordo extrajudicial entre os pais, o menor AA passou a residir alternadamente com os progenitores, ainda em França. Porém, em 05.08.2021 a Requerida mãe decidiu viajar para Portugal com a criança, com o objetivo de aqui fixar residência, não tendo o pai prestado autorização para tal, pelo que este formulou pedido de regresso do menor junto da autoridade central francesa competente.


A Requerida, citada veio opor-se ao regresso da criança a França, pugnando pela rejeição do pedido e oferecendo prova testemunhal.


Alegou, no essencial, inexistir retenção ilícita, sendo dela o exercício exclusivo das responsabilidades parentais, com o consentimento prévio do pai do menor, o qual nunca teve a guarda do filho e ser de ponderar o superior interesse do menor, que torna desaconselhável o seu regresso a França, sendo a mãe a figura afetiva de referência e encontrando-se em Portugal toda a família alargada, enquanto o pai se revelou uma pessoa fria, distante e indiferente à presença e necessidades do filho, não tendo contribuído para o seu sustento, razão pela qual a Requerida se viu forçada a regressar a Portugal, onde conta com a ajuda de familiares.


Procedeu-se à audição pessoal da Requerida (mediante declarações de parte) e inquirição das testemunhas por si arroladas, não tendo o menor sido ouvido, atenta a sua idade.


De seguida foi proferida sentença (datada de 05.01.2022), com o seguinte dispositivo:


«Face ao exposto, julga-se procedente a presente ação e, em consequência, determina-se o regresso da criança AA a França, devendo a mesma ser entregue ao pai BB.».


Interpôs a Requerida recurso de apelação, o qual por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 26.04.2022, foi julgado improcedente, com trânsito em julgado, mantendo-se, por isso, a decisão recorrida.


A Requerida CC veio, em 12.10.2022, interpor recurso de revisão, pedindo que fosse proferida “decisão que determine a revogação da decisão proferida pelo Tribunal de primeira instância; bem como deverá ser proferida decisão que julgue procedente o pedido formulado pela Recorrente no seu articulado de contestação ao processo tutelar comum.”


A fundamentar o recurso de revisão, apresentou as seguintes conclusões:


“1. O processo tutelar cível encontra-se regulado pelo regime geral do processo tutelar comum publicado pela Lei 141/2015, de 08.09.2015, sucedendo que a norma constante do artigo 33º do referido diploma legal determina ser subsidiariamente aplicável, a tudo quanto não se encontre regulado, as regras do processo civil, no que não contrarie os fins da jurisdição de menores.


2. O regime do processo tutelar cível não contém qualquer norma que preveja e estatuia sobre a forma de sindicar a legalidade e justiça das decisões judiciais proferidas, mormente, sob a forma de recurso de revisão;


3. Pelo que, in casu, deverá considerar-se concretamente aplicável o regime previsto pelo artigo 696º, alínea c) do CPC;


4. Porquanto, tal regime não contraria os fins da jurisdição de menores.


5. Sob o conceito e definição de documento, deverá considerar-se o previsto e estatuído pelo artigo 362º do CC;


6. Considerando documentos válidos para apreciação do presente recurso, a carta subscrita pela Sra. DD, o depoimento escrito por si prestado nos autos de processo de jurisdição de menores a correr termos no Julgado de Menores de ... – ... – França e ainda, o documento constitutivo da rescisão do contrato de trabalho operada entre o Sr. BB e a Sra. EE, pessoa que era ama do menor AA, em julho de 2021 e a Declaração e “atestação” outorgadas pelo Sr. BB, no dia 05.08.2022;


7. A Recorrente apenas acedeu aos documentos que pretende juntar aos autos (depoimento escrito e documento comprovativo da rescisão do contrato de trabalho), no dia 11 de agosto de 2022;


8. Bem como acedeu à declaração e “atestação” outorgadas pelo Sr. BB em 08.09.2022;


9. Sucedendo que acedera aos referidos documentos quando se encontrava em França, tendo regressado a Portugal, respetivamente, nos dias 13.08.2022 e 09.092022;


10. Donde resulta que a Recorrente apenas pode exercer o direito de apresentar o presente recurso após o dia 14.08.2022;


11. Em face do que, deverá considerar-se que o prazo de caducidade para a apresentação do presente recurso, com fundamento nos documentos cuja posse a Recorrente adquiriu em 11.08.2022, se iniciara no dia 14.08.2022;


12. Estando assim em tempo a apresentação do presente recurso, nos termos e para os efeitos dos artigos 697º do Código de Processo Civil e 329º / 2 do Código Civil.


13. Os documentos ora oferecidos aos autos, deverão ser considerados adequados a instruir e promover o provimento do presente recurso;


14. Sucedendo que assumem a condição ou o caracter de relevância e novidade, porquanto:


15. A Recorrente apenas acedeu aos referidos documentos das datas descritas supra, e desta forma, não os pode utilizar aquando do exercício do seu direito de defesa, em sede de primeira instância;


16. Bem como são relevantes, por permitirem formar uma convicção diferente da postulada nas decisões ora postas em crise, impondo a sua revogação.


17. Conforme se infere do teor do depoimento e carta subscritos pela Sra. DD, o Sr. BB, aqui Recorrido, nunca se opôs à deslocação do menor para Portugal para aí residir com a Recorrente outrossim, consentiu e concordou com tal deslocação;


18. Facto cuja prova se deverá considerar secundada pelo documento constitutivo da relação de trabalho operada entre o Sr. BB e a Sra. EE;


19. Pois que, se o mesmo não tivesse consentido e concordado com a deslocação do menor, nada justificaria que o mesmo promovesse a resolução do contrato de trabalho com a ama do menor.


20. Por seu lado, a Declaração outorgada pelo Sr. BB em 05.08.2021, demonstra de forma inequívoca que existiu entre si e a Recorrente, um acordo quanto à resolução de todos os assuntos que ambos mantinham em comum;


21. Acordo que versava quer sobre a guarda e a fixação da residência do menor, quer sobre a partilha dos bens que ambos detinham em comum.


22. Por seu lado, tal declaração permite concluir, quer quanto à convicção e confiança da Recorrente para fixar a residência do menor em Portugal na sua companhia;


23. Pois que, sendo certo que não aceitava dispor da guarda do menor, nada justificava que aceitasse abrir mão do seu direito de propriedade naquele apartamento, sem que se encontrasse convicta quanto à aceitação, pelo Recorrido, da fixação da residência do menor em Portugal.


24. Por seu lado, se tal acordo (fixação da residência do menor em Portugal inexistisse) não tivesse efectivamente sido celebrado entre a Recorrente e o Recorrido, nada justificaria que o Recorrido BB tivesse, no dia 05/08/2021, outorgado “atestação” mediante a qual impunha o reconhecimento do seu direito a férias na companhia do menor, em Portugal, no período compreendido entre 18.08.2021 e 31.08.2021;


25. Pois que, se não concordasse com a fixação da residência do menor em Portugal, nada justificaria que fosse cauteloso em garantir para si, o gozo de um período de férias, na companhia do menor…


26. Por seu lado, considerando o teor do SMS expedido pelo Recorrido à Recorrente no dia 24.07.2021, na qual afirma “falei com o meu patrão e como vais para Portugal definitivamente quinta ou sexta-feira eu fico em casa esta semana e guardo o menino”, impõe-se igualmente considerar que o mesmo concordou com a decisão de fixar a residência do menor em Portugal.


27. Ora, o teor do SMS descrito supra, quando seja compulsado em conjunto com o teor dos documentos que instruem o presente recurso, permite formar a convicção da concordância do Recorrido com a decisão tomada pela Recorrente, porquanto:


28. Se por um lado não manifesta qualquer desagrado ou oposição à decisão da Recorrente, por outro lado, ainda assume que guardará o menor durante a semana que antecede a viagem para Portugal;


29. Ato configura a intenção de se despedir do menor e aproveitar com o mesmo, o período de tempo em que o mesmo permaneceria em França;


30. Não sendo daqui possível extrair qualquer oposição à decisão de fixar a residência do menor em Portugal.


31. Denote-se, a propósito, que o Recorrido, em toda a marcha processual concretamente ocorrida nos autos, nunca demonstrou de forma expressa e inequívoca, ter em algum momento expressado a sua não concordância com a deslocação do menor para Portugal;


32. Tendo a Recorrente admitido que apenas recebera uma mensagem SMS do Recorrido, já no decurso da sua viagem para Portugal e quando já não dispunha de quaisquer meios para permanecer em França, sugerindo tal falta de concordância;


33. SMS que, ainda que não se tenha apurado concretamente o seu teor e conteúdo, no sentido de se demonstrar se o Recorrido, de forma expressa e inequívoca, referiu não autorizar que o menor viajasse para Portugal, cremos que apenas servira a sua intenção já demonstrada pelo depoimento da Sra. DD, de promover qualquer constrangimento, da ora Recorrente, com a autoridade policial;


34. Intenção de constrangimento que é tão mais credível que quando se considere que o Recorrido entregou o menor AA à Recorrente, de forma livre e voluntária, após um período em que o detinha consigo há cerca de 15 dias, para que a Recorrente iniciasse a sua viagem de regresso a Portugal, tendo o Recorrido, antes de promover a entrega voluntaria do menor apresentado queixa pelo rapto do mesmo contra a Recorrente…!


35. Ora, partindo desta premissa, impõem-se concluir, que se o mesmo quisesse obstar ao regresso do menor a Portugal e não quisesse criar qualquer constrangimento da Recorrente com a autoridade policial francesa, não procedia à entrega voluntária do menor;


36. Outrossim, mantinha-o à sua guarda e cuidados até obter qualquer decisão judicial junto da autoridade judicial francesa.


37. Assim, deve considerar-se provados os factos alegados pela Recorrente, na sua contestação ao processo tutelar comum, dos quais resulta o consentimento do Recorrido para a deslocação do menor para Portugal.


38. De igual modo, atento o teor do depoimento e carta subscritos pela Sra. DD, deverá considerar-se provados todos os factos alegados pela Recorrente, com vista à demonstração do perigo para a segurança e desenvolvimento psíquico do menor.


39. Por razões de economia processual dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor dos documentos que constituem o depoimento e carta subscritos pela Sra. DD, devendo os mesmos constituir prova inequívoca e suficiente para julgar provados os factos alegados pela Recorrente, no seu articulado de contestação ao processo tutelar comum;


40. Mormente, para revogar a douta decisão ora posta em crise, substituindo-a por outra que julgue procedente o pedido formulado pela ora Recorrente, no predito articulado de contestação ao processo tutelar comum.


Nestes termos e nos mais de Direito, deve o presente Recurso de Revisão ser julgado procedente, por provado, e em consequência, ser proferida decisão que determine a revogação da decisão proferida pelo Tribunal de primeira instância; bem como deverá ser proferida decisão que julgue procedente o pedido formulado pela Recorrente no seu articulado de contestação ao processo tutelar comum.”


O Tribunal da Relação admitiu liminarmente o recurso de revisão, determinando o cumprimento do artigo 699.º, n.º2, do CPC.


O Requerido apresentou resposta na qual pugna pela improcedência do recurso, defendendo ainda a rejeição do mesmo por inadmissibilidade dos documentos juntos (por não obedecerem aos requisitos previstos no artigo 696.º, alínea c), do CPC).


Das conclusões apresentadas, importa salientar:


“ 8- O documento “Certificat” apresentado como sendo um depoimento da testemunha DD, segundo esta, trata-se de um documento falso, não só quanto ao seu conteúdo como quanto ao seu Autor, isto porque documento forjado pela aqui Recorrente e o seu Mandatário, signatário do presente recurso.


9- Este documento terá sido elaborado pelo Mandatário da aqui Recorrente em ... no dia 29 de Abril de 2022 que o apresentou à testemunha DD, no dia seguinte, 30 de Abril de 2022, no seu local de trabalho, tendo aquela apenas aposto a sua assinatura.


10- Facto confessado pela Sra. DD que arrependida do que tinha feito em conluio com a aqui Recorrente e o Mandatário daquela (porquanto reuniram-se os três em França para esse efeito em 29 e 30 de Abril de 2022), retratou-se e escreveu uma missiva ao aqui Recorrido a contar o sucedido e afirmando: “encontrei-me com CC e com o seu advogado FF, em ..., dias 29 e 30 de Abril 2022, e assinei um documento escrito pelo advogado FF, não assumo a responsabilidade pelo papel escrito pelo advogado FF, porque eu só assinei”.


11- A carta enviada pela Sra. DD ao aqui Recorrido é demonstrativa da falsidade dos factos imputados ao aqui Recorrido tanto no articulado do recurso de revisão como na queixa crime junta com o recurso e que se impugna in tottum por estar eivada de falsidades.


12- Relatam tais articulados uma história ardilosamente criada pela Recorrente e seu Mandatário para de forma torpe e deliberada prejudicar o aqui Recorrido e tentar obter a guarda do Filho Menor AA, porquanto encontrava-se a correr termos no Tribunal de Família de ... acção para regulação das responsabilidades parentais do filho menor.


13- Aliás, factos que foram participados ao Ministério Público, por consubstanciaram a prática entre outros de um crime de denúncia caluniosa (pelos factos alegados no recurso de revisão e no articulado de oposição nos presentes autos) e difamação, encontrando-se a correr inquérito sob o n.º 241/22.0..., no DIAP de ... e ainda participou à Ordem dos Advogados em 18-10-2022.


14- Custódia do Menor que a Recorrente não gorou obter, porquanto o Tribunal decidiu fixar a residência do Menor no domicílio do Pai e estabelecer um regime de visitas à Progenitora.


15- No âmbito do processo crime n.º 241/22.0... que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de ... - DIAP de ... a testemunha DD prestou declarações tendo confirmado que reuniu com a aqui Recorrente e o seu Mandatário em ... no dia 29 de Abril de 2022, tendo no dia seguinte o advogado lhe apresentado um documento por aquele redigido que leu e assinou. Tendo na altura chamado a atenção a CC e ao Dr. FF que o documento não correspondia à realidade, que havia ali coisas graves e falsas, tendo-lhe sido dito pelo Dr. FF que «não tinha grande importância, pois o que contava era o que viesse a confirmar perante o Juiz»” e que este documento serviria apenas para acelerar o processo.


16- Dúvidas não restam da falsidade do documento apresentado para justificar o presente recurso de revisão. (…).”


A Recorrente veio, em 19.06.2023, pronunciar-se sobre a resposta do Recorrido progenitor, impugnou o alegado e pronunciou-se sobre os documentos juntos e pediu a sua condenação como litigante de má fé.


***


O recurso de revisão a solicitação da Recorrente foi remetido ao Supremo Tribunal de Justiça que, por decisão singular proferida em 21.09.2023, ordenou a remessa dos autos ao Tribunal de Relação, por ser o competente.


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Por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido em 21.11.2023 foi julgado improcedente o recurso de revisão e o pedido de condenação do Requerido como litigante de má fé.


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A Requerida interpôs recurso de revista, apresentado as seguintes conclusões que se transcrevem:


“ 1.O acórdão proferido pela 2ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra, enferma de nulidade insanável, porquanto:


2. Tendo o Recorrido procedido à junção aos autos de um documento, o Tribunal a quo dele se serviu para fundamentar a sua convicção, sem que para tal tivesse, previamente, concedido à Recorrente o direito de contraditar tal documento;


3. De nada relevando, para efeitos de exercício do contraditório, o requerimento que a Recorrente ofereceu e juntou aos autos, onde peticionara a condenação do Recorrido a título de litigância de má-fé;


4. Tanto mais que, tal requerimento nem sequer fora sindicado pelo Tribunal a quo, além dos termos e do pedido em si formulado.


5.Acresce que, o mesmo acórdão enferma de grave e clamoroso erro de julgamento, porquanto:


6. Conforme melhor se desenvolveu na calátide com a epigrafe “do erro de julgamento”, cujo conteúdo, por razões de brevidade aqui se dá por integralmente reproduzido, os documentos carreados aos autos pela Recorrente, não foram analisados segundo as normais regras de experiência comum;


7. Colhendo-se a evidencia de tais erros, entre outros elementos, quer da apreciação que o Tribunal a quo faz do teor do documento que consiste na resolução do contrato de trabalho que o Recorrido celebrou com a ama do menor, antes do seu regresso, juntamente com a Requerente, para Portugal;


8. Bem como se colhe a evidencia de tal erro da apreciação que o mesmo Tribunal faz sobre o documento que constitui uma participação criminal;


9. O qual fora desconsiderado por se tratar de um e-mail, expedido à secção do DIAP de ..., o qual dera lugar aos autos de inquérito n.º 261/22.4... e que o Tribunal a quo duvidou existir.


10. De igual sorte, não pode vicejar a tese segundo a qual o documento denominado por “Certificat” contém conteúdo marcadamente jurídico e que, como tal, não resulta da vontade da sua declarante;


11.Porquanto, como se deixou dito, tal documento reproduz ipsis verbis o teor e o conteúdo dos documentos ora juntos aos autos pela Recorrente;


12. Não podendo assim concluir-se que tal documento fora forjado, tampouco, pode acolher-se o conteúdo fáctico que resulta do documento / certidão das declarações prestadas pela Sra. DD, junto do DIAP de ...;


13. Outrossim, deverá o documento denominado “Certificat”, que assume a condição de novidade e suficiência, ser acolhido;


14. Tudo conforme razões e fundamentos que se deixaram aduzidos em sede de alegações de recurso e cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido;


15. Devendo, por consequência, ser a decisão ora posta em crise integralmente revogada e substituída por outra, que revogue julgue procedente o recurso de revisão oportunamente apresentado pela Recorrente;


16. Ou in minime, que determine o reenvio dos autos ao Recorrido, para correção dos vícios e erros de que padece a decisão ora posta em crise.


17. Da leitura articulada dos artigos 651º / 1, 425º e 697º / 6 do CPC, decorre que as partes podem juntar documentos em sede de recurso de apelação, a título excecional, numa de duas hipóteses: superveniência do documento ou necessidade do documento revelada em resultado do julgamento de 1ª instância, in caso, o julgamento efetuado pelo Tribunal da Relação.


18. Ora, no caso dos autos, face à mentira lançada pelo Recorrido, quando procedeu à junção aos autos do documento resultante do auto de interrogatório efetuado pelo DIAP de ... à Sra. DD, e bem assim, face à suspeita, difamação e ataque à honra e dignidade lançados pelo Recorrido sobre a Recorrente e o mandatário subscritor, afigura-se necessário proceder à junção aos autos de um conjunto de documentos que, além de infirmarem o teor e conteúdo daquele documento demonstram a personalidade ínvida do Recorrido, bem como demonstram a sua conduta preponderantemente avessa ao direito e às regras sociais;


19. Sendo tais documentos, desta forma, imprescindíveis à boa decisão da causa;


20. Pelo que desde já se requer a junção aos autos de 118 documentos;


21. Bem como se requer a sua análise para, segundo as elementares regras de experiência, demonstrar o carater inverosímil do documento junto aos autos pelo Recorrido, uma vez que tudo quanto fora narrado pela Sra. DD, se encontra confirmado pelos demais documentos, que lhe são próprios;


22. Convocando-se aqui a especial análise do teor e conteúdo do documento 1 ora junto aos autos.


Nestes termos e nos mais de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e em consequência, ser o acórdão ora posto em crise integralmente revogado ou determinado o reenvio dos autos ao Tribunal Recorrido, para correção da matéria de facto erradamente julgada.”


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Não foram apresentadas contra-alegações.


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Por acórdão do Tribunal da Relação em conferência, proferido em 06.02.2024, foi considerada improcedente a arguida nulidade de violação do contraditório.


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Foram colhidos os vistos legais.


II -Fundamentação


i. Admissibilidade do recurso


Proferido o acórdão em 1.º grau de jurisdição na Relação, perante o recurso de revisão interposto junto do tribunal que proferiu a decisão a rever (artigo 697º n.º 1, do CPC), é admissível recurso para o 2.º grau de jurisdição de acordo com o artigo 697º n.º 6, do CPC.


Trata-se de um recurso de apelação para o STJ (funcionando este como tribunal de 2.ª instância), de acordo com a espécie 4.ª do artigo 215º do CPC, em referência ao artigo 644º n.º 1, al. a), do CPC («cabe recurso de apelação: a) Da decisão, proferida em 1ª instância, que ponha termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente;»), sem prejuízo de ser interposto, expedido e julgado como recurso de revista. ( cf. neste sentido acórdão do STJ 30.11.2023, processo n.º 1079/08.2TYLSB-X.L1-A.S1, relator Ricardo Costa (aqui 2º adjunto) e autores nele citados, designadamente, José Lebre de Freitas /Isabel Alexandre, “Artigo 215º”, Código de Processo Civil anotado, Volume 1.º, Artigos 1.º a 361.º, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, pág. 426: “[o] Supremo julga em apelação o recurso das decisões proferidas pela Relação em 1.ª instância (art. 644-1)”)


ii.– Objeto do Recurso


Atentas as conclusões apresentadas pela Recorrente, as questões a decidir são as seguintes:

a. Se ocorre a arguida nulidade por violação do contraditório.

b. Se devem ser admitidos os documentos juntos com a alegação de recurso.


c) Se estão verificados os pressupostos de procedência do pedido de revisão;

***

A factualidade a considerar é a referida no relatório.


De atender ainda à factualidade julgada provada e não provada, no acórdão do TRC proferido em 26.04.2022, objeto do presente recurso extraordinário de revisão.


Provados:


1. AA nasceu em ..., em França, a ...-...-2019, e encontra-se registado como sendo filho de BB e de CC, requerida.


2. BB é cidadão português, encontrando-se actualmente a residir em França.


3. CC é cidadã Portuguesa, encontrando-se actualmente a residir em Portugal com a criança.


4. Os pais da criança não são casados entre si.


5. A criança viveu sempre com ambos os pais, em França, até à separação destes, ocorrida 28/04/2021.


6. Por acordo extrajudicial entre os pais, a partir de 28/04/2021, o AA viveu alternadamente com os pais, ainda em França, uma vez que ia passar todos os fins-de-semana com o pai.


7. Em 05/08/2021 a mãe viajou para Portugal, com o AA, com o objectivo de fixar residência em Portugal, na Quinta ....


8. O pai do AA não deu autorização para que o AA viajasse para Portugal, com o objetivo de que a sua residência fosse fixada na residência da mãe.


9. Em 29/07/2021 o pai do AA apresentou uma declaração ao serviço de Brigada do Tratamento Judicial em ..., onde fez constar o seguinte: “- Estou separado de minha esposa, Sra. CC, há três meses. – tivemos um filho de 2 anos, AA nascido a .../.../2019 em .... – Nous decidimos, no momento da separação, fazer uma guarda alternada: 15 dias cada um com o menino. – Terça-feira, a CC disse-me que tencionava ir viver definitivamente em Portugal e que partiria com o nosso filho. – os pais dele moram lá. – Ela não me disse se continuávamos na guarda alternada. – Quanto à data de partida, ela partirá amanhã, sexta-feira, 30 de julho de 2021, ou depois de amanhã, sábado, 31 de julho de 2021 – acabei de colocar este comunicado a padido do meu advogado – Pretendo dar os passos necessários, para poder manter o menino na França – Eu me reservo o direito de apresentar uma reclamação – declaração feita para todos os fins úteis.”.


10. Desde a separação dos pais até ao dia 05/08/2021, nenhum requereu a regulação das responsabilidades parentais da criança.».


Não Provados:


“a) Desde a data da separação dos pais o AA passou a residir exclusivamente com a requerida.


b) Tendo, por consequência, competido à Requerida, desde 28/04/2021 até à presente data, o exercício exclusivo das responsabilidades parentais do AA.


c) Exercício das responsabilidades parentais que a Requerida exerceu de forma ininterrupta, mediante consentimento prévio do progenitor do AA.


d) Desde que os progenitores se separaram, o progenitor nunca deteve a guarda do menor AA.


e) A custódia do menor AA, à data de 05/08/2021, pertencia à progenitora, por acordo celebrado entre a Requerida e o progenitor do menor.


f) No ido mês de Abril de 2021, a ora Requerida informou o progenitor que pretendia passar a residir em Portugal, trazendo consigo o menor AA.


g) Ato a que o progenitor não se opôs junto da Requerida até ao dia 05/08/2021.


h) Tendo expressado a sua oposição junto da Requerida, no dia 05/08/2021, apenas e só para afrontar a Requerida.


i) Mormente, praticar sobre a Requerida, atos de domínio e subjugação emocional.


j) Após o fim da relação o Requerente não revelou disponibilidade diária para brincar com o menor, nem lhe demonstrou afeto.


k) Não saiu para passear com o menor pelo parque ou jardim e tomar sol.


l) Após o fim da relação sentimental que o ligou à Requerida, o Progenitor não providenciou pelo sustento do menor AA.


m) Apenas tendo passado a disponibilizar quantia em numerário, junto da Requerida, após o ido mês de Agosto do corrente ano, a título de pensão de alimentos ao menor.


n) Face à omissão de sustento do menor AA, a Requerida viu-se forçada a regressar a Portugal, para junto dos seus progenitores, a quem pode solicitar auxílio económico para sustentar o menor, até encontrar trabalho.


o) É a Requerida quem providencia e administra a alimentação do menor AA.


p) É a Requerida quem cuida do banho diário do menor.


q) É a Requerida quem deita e adormece o menor AA.


r) É a Requerida que acompanha o menor AA às diversas consultas médicas.


s) É a Requerida quem toma a iniciativa diária de providenciar pelos momentos lúdicos do menor (brincadeiras indispensáveis ao seu saudável crescimento psíquico);


t) Tendo o Requerente, por seu lado, sempre se omitido de realizar qualquer uma das tarefas descritas supra.


u) Revelando o progenitor ser uma pessoa fria, distante e indiferente à presença do menor AA.”


A) - Violação do Contraditório


Consagrando o princípio do contraditório, o artigo 3.º n.º 3 do CPC preceitua: “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo casos de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.”


É incontroverso que o juiz deve observar o princípio do contraditório e que essa obrigação vincula o juiz ao longo de todo o processo e não apenas numa fase dele, o que resulta, desde logo, da inclusão do preceito nas disposições e princípios gerais, aplicáveis portanto a todos os processos e suas fases.


A norma vincula o juiz à prévia audição das partes quando tiver de «decidir questões de direito ou de facto» o que abrange todas as decisões, que podem ser objeto de uma pronúncia por parte do juiz, seja ela de facto ou de direito, de natureza substancial ou processual.


A Recorrente sustenta que o Tribunal Recorrido violou o princípio do contraditório, por ter valorado os documentos apresentados pelo Requerido progenitor, com a resposta ao recurso de revisão, sem ela ter sido notificada para se pronunciar sobre os mesmos.


No entanto, como refere o acórdão proferido em conferência pelo Tribunal Recorrido e consta do histórico do processo no citius a resposta do Recorrido, com os documentos juntos com este articulado, foi notificada, em 19.04.2023, pela Mandatária do Recorrido ao Mandatário da Recorrente, nos termos legalmente previstos para a notificação entre mandatários das partes ( artigo 221º n.º 1 do CPC).


Essa notificação deu cumprimento ao artigo 427º do CPC, que se destina a realizar o princípio do contraditório, ao estipular: “ Quando o documento seja oferecido com o último articulado ou depois dele, a sua apresentação é notificada à parte contrária (…).”


Notificada da resposta e dos documentos juntos com este articulado, a Recorrente, em conformidade com o artigo 415 n.º 2 do CPC, tinha o direito e o dever de impugnar a respetiva admissão e a sua força probatória, ou seja, podia não só impugnar a genuinidade dos documentos ( artigo 444º do CPC), deduzir exceções probatórias ( artigo 446º do CPC) e pronunciar-se sobre aspetos referentes ao conteúdo do documento, designadamente invocar razões tendentes a pô-los em crise.


Ora, a Recorrente foi efetivamente notificada da resposta e dos documentos juntos com este articulado e inclusive exerceu o seu direito de resposta quanto a tais documentos, pronunciando-se expressamente sobre os mesmos, na peça processual apresentada em 19.06.2023, onde alega, de relevante, o seguinte:


“7º Assim, é absolutamente falso que a Recorrente ou o seu Mandatário, em momento algum, tenham forjado qualquer meio de prova, nomeadamente:


8º É falso que a Recorrente ou o seu Mandatário, em momento algum, tenham submetido qualquer documento a Sra. DD para que a mesma o assinasse e, perante tal documento, a Senhora DD tenha declarado que aquele documento continha coisas graves e falsas,


(…)


10º Efetivamente, o depoimento escrito prestado pela Senhora DD, foi por esta prestado de forma absolutamente voluntária (vide doc 1 que se junta);


11º Contendo aquele documento (depoimento escrito) apenas e só os factos que é mesma ali narrou;


12º Acrescendo que, tal depoimento, que foi prestado e assinado pela Sra. DD, foi por esta assinado sob compromisso de honra e com a informação expressa de que a mesma tinha conhecimento de que, a prestação de falsas declarações a faria incorrer no crime de falsidade de depoimento;


(…)


21º Quanto ao conteúdo do documento ora junto aos autos, que consiste em depoimento prestado pela Senhora DD, junto do DIAP de ..., cumpre ainda esclarecer que:


22º Conforme se infere do teor da carta que a Sra. DD escreveu, assinou e remeteu para o domicílio da Recorrente, foi a mesma quem procurou a Senhora CC para lhe dar o seu depoimento (vide paragrafo 2, página 9, do documento 1);


23º Donde, desde logo, se impõe concluir que tal depoimento não pode, em circunstância alguma ter sido forjado pela Recorrente ou pelo seu Mandatário.


(…)


26º Ora, aqui chegados, cumpre esclarecer que foi o mesmo participante quem se prontificou a apresentar a Senhora DD no DIAP de ... (seu requerimento datado de 13/03/2023);


(…)


28º Em face do que é para nós claro e evidente de que o mesmo detém um ascendente sobre a Sra. DD, que usa para, in minime, a intimidar e conduzir a prestar depoimento que seja concretizador dos seus interesses;


29º Não pudendo, repita-se, deixar de se considerar que a Sra. DD, fora apresentada ao Tribunal, para prestar depoimento, justamente pelo seu agressor…


30º Acresce ainda que, tal depoimento não foi objeto de contraditório pela Recorrente, mormente pela sua defesa;


31º Sendo para nós evidente, todavia, que tal depoimento fora obtido sob coação do Recorrido sob a Sra. DD, porquanto:


32º Além da mesma já ter, de forma escrita, demonstrado o medo que sente da conduta violenta do Recorrido;


33º A mesma, também de forma escrita e em carta por si assinada, repetiu e confirmou o teor de todos os factos constantes do depoimento que o Recorrido diz ter sido forjado pela Recorrente ou pelo seu Mandatário;


34º Tendo ainda fornecido à Recorrente, um conjunto de documentos ou outros meios de prova que confirmam a suas declarações;


35º Não podendo assim conferir-se qualquer credibilidade ao depoimento prestado pela Senhora DD no DIAP de ..., cujo excerto fora junto aos autos e ao qual se responde.


36º Dos fatos que atrás se evidenciam, em nosso entendimento, resulta clara e evidente a conduta constante e reiterada do recorrido, de forma a mentir, manipular e ludibriar o Tribunal;


37º Não sobrevindo assim quaisquer dúvidas de que o mesmo truncou factos, mentiu, manipulou a produção de prova e faltou conscientemente a verdade;


38º Sendo a sua conduta, desta forma, manifestamente dolosa;


39º Pelo que deverá o mesmo ser condenado a título de litigância de má-fé, em multa e indemnização a fixar a favor da recorrente, em quantia nunca inferior a € 5.000,00 (cinco mil euros).


40º Mais se requer a emissão de certidão das contra-alegações de recurso oferecidas pelo recorrido, a fim das mesmas instruírem participação criminal contra o mesmo, para tutela da honra e dignidade do signatário e da sua constituinte.».”.


Ora, tendo os documentos sido apresentados com o articulado apresentado pelo Recorrido, nos termos do artigo 699º n.º1 do CPC e tendo a Recorrente sida notificada do articulado e dos respetivos documentos nos termos dos citados artigos 221º e 427º CPC, teve a possibilidade legal, nos termos do artigo 415º n.º 2 do CPC, de impugnar a genuinidade dos documentos , deduzir exceções probatórias e pronunciar-se sobre aspetos referentes ao conteúdo dos documentos, que exerceu, como melhor entendeu, nos termos atrás referidos.


Ao contrário do que parece pretender, o Tribunal não tinha de oficiosamente, depois de a Recorrente ter sido notificada, nos termos do artigo 221º do CPC, da resposta e documentos juntos com este articulado, de voltar a notificá-la, para exercer o direito de os impugnar, nos termos do artigo 415º n.º 2 do CPC.


Por outro lado, a questão de saber qual a relevância probatória desses documentos, apresentados com a resposta, nada tem a ver com o cumprimento do contraditório.


É, pois, manifestamente infundada a arguida violação do princípio do contraditório.


B) – Admissibilidade dos documentos juntos com a alegação


A Recorrente com a alegação de recurso juntou 118 documentos, mensagens trocadas entre a Recorrente e a DD, subscritora da declaração (Certificat – datada de 30.04.2022) que a Recorrente apresentou como documento a fundamentar o recurso de revisão; mensagens trocadas entre o Recorrido e a referida DD e entre a Recorrente e o Recorrido e ainda uma extensa carta da autoria da DD (datada de 01.05.2022) em que esta relata o seu relacionamento com o Requerido e o filho AA, com juízos de valor negativos sobre o comportamento e personalidade do Requerido e ainda sobre o relacionamento dele com o filho e com a Requerida.


Nas conclusões 17ª e seguintes a Recorrente justifica a junção dos documentos, para infirmar o que consta das declarações prestadas pela Sra. Sra. DD, no DIAP de ... à Sra. DD, ( documento junto pelo Recorrido na resposta); defender-se da suspeita, difamação e ataque à honra e dignidade lançados pelo Recorrido sobre a Recorrente e o mandatário subscritor, demonstrar a personalidade ínvida do Recorrido e sua conduta avessa ao direito e às regras sociais e ainda a veracidade do depoimento escrito constante no intitulado “Certificat” e que a referida DD o fez voluntariamente.


*


As partes foram notificadas, nos termos do artigo 3º n.º 3 do CPC, para se pronunciarem, querendo, sobre o entendimento do relator, de não haver fundamento legal para a admissão dos documentos.


A Recorrente pronunciou-se, defendendo a admissibilidade dos documentos por serem imprescindíveis para a boa decisão da causa, para corrigir o erro de julgamento do Tribunal a quo que deu relevância ao documento junto aos autos pelo Recorrido, em detrimento do documento por ela apresentado.


*


Em sede de recurso de apelação, atento o disposto no artigo 651º n.º1 do CPC e artigo 425º do mesmo diploma para que aquele remete, as partes apenas podem com as alegações apresentar documentos, quando provem que não foi possível apresentar até ao encerramento da audiência de julgamento em 1ª instância ( artigo 425º) ou quando a sua junção se revele necessária por virtude do julgamento proferido ( artigo 651º n.º1).


Como decidiu o Ac. do STJ de 27.06.2000, in CJ ( STJ), tomo II, pág. 130 a junção de documentos em recurso só pode destinar-se a provar factos cuja relevância surge apenas com a decisão proferida e não para provar factos que já antes dessa decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova.


Neste sentido Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa no CPC Anotado, vol. I, em anotação ao artigo 651º, pág. 786, referem: “ A jurisprudência tem entendido de forma uniforme, que não é admissível a junção, com a alegação de recurso, de um documento potencialmente útil à causa, mas relacionado com factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa com o resultado.”


No entanto, a Recorrente não apresenta qualquer justificação para não ter apresentado os referidos documentos com o requerimento que apresentou em 19.06.2023, em que tomou posição sobre o alegado na resposta do Requerido e documentos por ele apresentados, ainda que tivesse de requer prazo suplementar para apresentar posteriormente a tradução dos mesmos.


Não o tendo feito, oportunamente, não pode com a alegação de recurso, juntar esses documentos.


A Recorrente defende a admissibilidade dos documentos, nos termos do artigo 651º n.º 1 2ª parte do CPC, ou seja, a junção ter-se tornado necessária em virtude do julgamento proferido em 1º grau, pelo Tribunal da Relação.


A propósito da disposição equivalente no anterior CPC escrevem, Antunes Varela, Miguel Beleza e Sampaio e Nora, em Manual de Processo Civil, 1ª edição, pág. 517: “É, evidente que (…), a lei não abrange a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da acção (ter perdido, quando esperava obter ganho de causa) e pretender com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em 1º instância.


O legislador quis manifestamente cingir-se aos casos que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes da decisão ser proferida”.


Assim a junção de documentos às alegações da apelação só poderá ter lugar se a decisão de 1ª instância criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes não contavam. (cf. Antunes Varela, R.LJ., ano 115º, pág. 95, citado pelo acórdão do S.T.J. de 12/1/94, B.M.J. n.º 433, pág. 471 e 472, acórdão do STJ de 28.01.1999, 98b908 ( relator Ferreira de Almeida) e acórdão do STJ de 26.09. 2012, processo n.º174/08.2TTVFX.LI.SI ( relator Gonçalves Rocha) com o sumário: “I. A possibilidade de junção de documentos com a alegação de recurso da apelação, não se tratando de documento ou facto superveniente, só existe para aqueles casos em que a necessidade de junção foi criada, pela primeira vez, pela sentença de primeira instância. II. A decisão de 1ª instância pode criar, pela primeira vez, tal necessidade quando se tenha baseado em meio probatório não oferecido pelas partes, ou quando se tenha fundado em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes, justificadamente, não contavam.”, ainda Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, no CPC Anotado, vol. I, em anotação ao artigo 651º, pág. 786.


Ora, no caso, a decisão recorrida não se baseia em meio probatório não oferecido pelas partes e a interpretação da norma aplicável ( artigo 696º al. c) do CPC) por ela adotada, está sedimentada na jurisprudência e doutrina.


De resto, a finalidade que a Recorrente visa com os documentos ora apresentados, como infra se justifica, na fundamentação do mérito do recurso, são irrelevantes para a decisão da causa.


Não é, pois, admissível a junção dos documentos com a alegação.


C) – Se os documentos apresentados pela Recorrentes com o requerimento de interposição do recurso, são, por si só, suficientes para revogar o acórdão proferido em 26.04.2022.


A interposição do recurso de revisão justifica-se pela necessidade de corrigir anomalias graves do processo, não obstante se ter verificado já o trânsito em julgado da decisão recorrida. Está em causa um conflito entre os dois interesses fundamentais representados pela segurança jurídica e pela justiça.


O legislador enunciou fundamentos taxativos para a admissibilidade desta espécie de recurso, revelando que não terá querido abrir a porta, com o recurso de revisão, a meras estratégias de defesa, nem dar cobertura a inépcias ou desleixos dos sujeitos processuais.


O recurso de revisão comporta duas fases, a prevista no artigo 700.º do CPC – denominada fase rescidente – na qual se conhece dos fundamentos do recurso de revisão e se decide manter ou revogar a decisão sob revisão – e a prevista no artigo 701.º do CPC – a fase rescisória, a qual só existe se houver lugar à revogação da decisão objeto de revisão e onde se segue a tramitação legal aí prevista para que seja proferida nova decisão.


Porém, previamente, nos termos do artigo 699.º, n.º 1, do CPC, deve ter lugar a apreciação liminar do recurso, o qual será indeferido pelo juiz “quando não tenha sido instruído nos termos do artigo anterior ou quando reconheça de imediato que não há motivo para revisão”.


O presente recurso tem como fundamento a al. c) do artigo 696.º do CPC, que estatui o seguinte:


“A decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando:


(…)


c) Se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida; (…)”.


Como se escreveu no Ac. STJ de 19.10.17 (relatora Fernanda Isabel Pereira):


“O documento a que alude a al. c) do art. 696.º do CPC, para fundamentar a revisão, tem que revestir dois requisitos cumulativos: (i) a novidade (que significa que o documento não foi apresentado no processo onde se proferiu a decisão em causa, seja porque ainda não existia, seja porque, existindo, a parte não pôde dele socorrer-se); e (ii) a suficiência (que implica que o documento constitua um meio de prova susceptível de, por si só, demonstrar ou infirmar facto ou factos relevantes por forma a conduzir a decisão mais favorável ao recorrente).”


No caso em apreço, não está em causa a novidade do documento fundamental, o intitulado “CERTIFICAT” tem data de aposição «30.04.2022», ou seja, quatro dias após a prolação do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra cuja revisão se pretende, datado de 26.04.2022.


Relativamente aos outros documentos juntos pela Recorrente: Bulletin de salaire”, “Modèle de «Certificat de travail» e “Releve d’Identité Bancaire”,, como refere o acórdão recorrido, não foram devidamente traduzidos e não contêm qualquer atestação ou assinatura.


Temos, pois, de considerar que o recurso de revisão se fundamenta no documento intitulado “CERTIFICAT” que consubstancia um depoimento escrito da Sr.ª DD.


No entanto, resulta linearmente da al. c) do artigo 696 do CPC, que o documento para constituir fundamento de revisão tem de ser decisivo, ou seja, o documento superveniente apenas fundamentará a revisão quando, por si só, determine a modificação da decisão a rever em sentido mais favorável ao recorrente.


Este entendimento é pacifico na jurisprudência, como são exemplo, os recentes acórdãos do STJ acessíveis em www.dgsi.pt:


De 30.11.2023, processo n.º 1079/08.2TYLSB-X.L1-A.S1, relator Ricardo Costa, onde consta: “Terá que se tratar de um documento que em si tenha tal força probatória que, por si só, altere a decisão a rever. Neste sentido, se pronunciou o STJ no acórdão de 02-06-2019 (proc. n.º 13262/14.7...), afirmando, a este propósito, que “o fundamento previsto na al. c) do art. 696.º do NCPC refere-se a um documento escrito dotado de força probatória plena que seja suficiente para, por si só (alheando-se assim da margem de apreciação do julgador – trata-se de um julgamento produzido pela lei, embora com reflexo na matéria de facto), destruir a prova em que se fundou a decisão.”


De 22.06.2023, proc. n.º 2593/19.0T8VLG.P1.S1-A, relatora Maria Graça Trigo, com o sumário: “I. No recurso de revisão interposto com fundamento na alínea c) do art. 696.º do CPC, a jurisprudência constante do STJ considera que a apresentação de documento só será admissível quando: (i) o documento, por si só, e sem apelo a demais elementos probatórios, seja capaz de destruir o juízo probatório realizado em sede da decisão revidenda e imponha uma decisão mais favorável ao recorrente (requisito da suficiência); (ii) e quando o recorrente não tenha podido fazer uso do documento por desconhecimento da sua existência ou pela sua inexistência (requisito da novidade).”


De 11.07.2023, processo n.º 20348/15.9T8LSB-D.P1.S1, relatora Maria Clara Sottomayor, com o sumário: “I – No recurso de revisão interposto com fundamento na alínea c) do artigo 696.º do CPC, a jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça considera que a apresentação de documento só será admissível, quando: (i) o documento, por si só, e sem apelo a demais elementos probatórios, seja capaz de destruir o juízo probatório realizado em sede da decisão revidenda e imponha uma decisão mais favorável ao recorrente (requisito da suficiência); (ii) e quando o recorrente não tenha podido fazer uso do documento por desconhecimento da sua existência ou pela sua inexistência (requisito da novidade); iii) o documento deve visar a demonstração ou a impugnação de factos alegados pelas partes ou adquiridos para o processo que tenham sido essenciais para a decisão de mérito colocada em crise, não podendo em caso algum visar a prova de factos novos (requisito da pré-alegação).”


E o nele citado, Ac. do STJ de 17.09.2009, proc. 09S03l8, relator Sousa Grandão, onde consta: “Não se verifica o requisito da suficiência se o teor do documento apresentado não infirma, por si só, os fundamentos da decisão a rever, subsistindo antes, perante eles, o fundamento em que se sustentou o juízo decisório.


De 29.09.2022, processo n.º 8325/17.0T8VNG.P1-A.S1, relatora Catarina Serra, onde se escreveu na fundamentação: “O outro dos requisitos do fundamento de recurso invocado é que o documento seja, por si só, suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida.


A exigência do preceito é óbvia: o documento deve impor a modificação do sentido da decisão por si só, isto é, sem necessidade de qualquer outro meio de prova. Esta auto-suficiência do documento pressupõe, por um lado, que o documento constitua prova plena do facto documentado (caso contrário, o seu valor probatório estará sempre dependente da posição que a parte contrária adopte em relação ao facto documentado, podendo ou não ser suficiente em função do que resulta dos demais meios de prova produzidos) e, por outro lado, que esse facto seja determinante para a alteração da decisão, sendo certo que o recurso de revisão não serve para a modificação da fundamentação de facto da decisão ou da respectiva motivação, serve para a modificação do respectivo dispositivo.”


De 09.03.2021, processo n.º 50/14.0YRLSB.S3, relator José Rainho, com o sumário: “ I - Baseando-se o recurso extraordinário de revisão em documento, é necessário, para que o fundamento da revisão seja julgado procedente e a decisão objeto do recurso seja revogada, que o documento, por si só (portanto sem o concurso adjuvante de outras provas), tenha a virtualidade de levar à modificação da decisão a rever.


II - Não tendo o documento apresentado no presente recurso extraordinário de revisão tal virtualidade, improcede necessariamente o recurso.”


Na fundamentação acrescenta:


“A locução “por si só” constante da alínea c) do art. 696.º do CPCivil significa que o documento tem de ter força própria suficiente para levar à modificação da decisão a rever. Terá de se tratar de um documento decisivo ou crucial, no sentido de que a decisão revidenda teria sido diferente se o documento houvesse sido levado em consideração pelo julgador.


Compreende-se aqui o rigor da lei.


A revisão vai colocar em causa o caso julgado.


E o caso julgado é um valor que deve ser preservado.(…)


Por isso, só em situações que conflituam manifestamente com a justiça da decisão é que, na perspetiva da lei, o caso julgado deve poder ser postergado.


Fundando-se a revisão em documento, não basta, portanto, que se trate de um documento que, conjugado com a demais prova suplementar de livre apreciação, possa ou não interferir no juízo do julgador. Para isso qualquer documento sempre serviria.


Muito ao invés, é preciso que se verifique que o documento, por si só (portanto sem o concurso adjuvante de outras provas), tem a virtualidade de levar à modificação da decisão a rever.


Por isso dizem Fernando Amâncio Ferreira (Manual dos Recursos em Processo Civil, 8.ª ed., p. 316) e Francisco Ferreira de Almeida (Direito Processual Civil, II, p. 573) que se o documento não tiver a força suficiente para destruir a prova em que se fundou a decisão revidenda, não vale como fundamento para a revisão.


E como se aponta no acórdão deste Supremo de 19 de setembro de 2013 (processo n.º 663/09.1TVLSB.S1, relator Fernando Bento) “o documento novo deve, por si só, assegurar uma decisão favorável, ou seja, se apresentado a tempo, criaria no Tribunal uma convicção diversa daquela a que chegou; daí que se possa afirmar que tem de existir nexo de causalidade entre a não apresentação desse documento e o de ter julgado como se julgou.”


A propósito deste fundamento em particular, na doutrina, Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, em CPC Anotado, 3ª edição, pág. 305, escrevem: “A alínea c) (…) prevê a apresentação de documento anteriormente omitido, por a parte dele não ter tido conhecimento ou dele não ter podido fazer uso no processo, e que, por si só, seja suscetível de modificar a decisão revidenda em sentido mais favorável à parte vencida (documento superveniente essencial).”


Por sua vez, Ferreira de Almeida, em Direito Processual Civil, volume II, pág. 573, escreve: “ O documento superveniente apenas poderá estribar a revisão quando, de per si, seja suscetível de modificar a decisão já transitada num sentido mais favorável ao recorrente. Se, quando confrontado e inter-relacionado, com o conjunto dos elementos probatórios em juízo, não possuir virtualidade bastante para destruir a prova em que se baseou a sentença, não pode servir de fundamento para a abertura de um recurso de revisão.”


Como é indiscutível só um documento pode servir de fundamento ao recurso extraordinário de revisão, com base na al. al. c ) do artigo 696º.


Na definição legal, documento é qualquer objeto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto - artigo 362º do CC.. Na noção mais estrita, “documento” é todo o escrito que corporiza uma declaração de verdade ou ciência (declaração testemunhal), destinada a representar um estado de coisas, ou uma declaração de vontade (declaração constitutiva, dispositiva ou negocial) destinada a modificar uma situação jurídica pré-existente ( cf. neste sentido Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil Declaratório”, Volume III, página 309).


Atenta a noção de documento, o depoimento reduzido a escrito que a Recorrente apresentou como documento a fundamentar o recurso de revisão, preenche formalmente o requisito legal.


No entanto, a nossa lei processual civil não admite como fundamento do recurso de revisão o conhecimento superveniente de uma dada testemunha.


Neste sentido Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 3ª edição, pág. 344, escreve: “ .. mesmo que esta ( testemunha) se apresente como relevante e a parte desconhecesse a sua existência ou não tivesse a possibilidade de proceder ao seu arrolamento, na pendência do processo em que foi proferida a sentença revidenda. Sabendo-se da facilidade com que se forjam testemunhas, a lei cortou o mal pela raiz ….” ( Cf. no mesmo sentido Ferreira de Almeida, em Direito Processual Civil, volume II, pág. 574).


Por outro lado, nos termos do artigo 518º do CPC o depoimento apresentado por escrito, sem a presença dos mandatários das partes, apenas é admissível, verificando-se impossibilidade ou grave dificuldade de comparência no tribunal e mediante o acordo das partes.


Assim sendo, o documento apresentado pela Recorrente a fundamentar o recurso de revisão, que contém um depoimento escrito, ainda que conforme alega, se destinava a ser apresentado num processo que corria termos em França, tem um questionável e reduzido valor probatório, desde logo, por não ter sido dada a possibilidade à parte contrária de o contraditar.


Como se referiu, para o documento superveniente servir de fundamento à revisão, a sua apresentação deve tornar óbvio, um erro de julgamento da matéria de facto, ou seja, tem dele resultar que decisão de algumas das concretas questões de facto formadas no processo anterior com base nos factos alegados pelas partes, teria sido diversa (e mais favorável à recorrente) se tal documento tivesse sido então apresentado.


Note-se que na sentença de 1ª instância e posteriormente no acórdão a rever, que também incidiu sobre o recurso da decisão da matéria de facto, foram apreciados e valorados os documentos apresentados, os depoimentos das testemunhas e as declarações de parte.


Assim, baseando-se o presente recurso extraordinário de revisão num depoimento escrito, sem observância do contraditório, é manifestamente insuficiente, para se criar uma convicção diversa daquela a que chegaram as instâncias e não tem a virtualidade de por si só, levar à modificação da decisão a rever.


Havia, pois, fundamento legal, nos termos do artigo 699 º nº1, 2ª parte do CPC, para se indeferir o recurso por não haver manifestamente motivo para a revisão.


O Tribunal Recorrido admitiu o recurso de revisão e analisou o documento em causa em conjugação com os apresentados pelo Recorrido, nos seguintes termos:


Esse “CERTIFICAT” (certificado) – a prova considerada fundamental pela Recorrente, em que a mesma essencialmente baseia a sua pretensão recursiva – consta, em língua francesa, a fls. 17 v.º e segs. do processo físico (com tradução agregada), configurando declaração escrita, assinada por DD, de nacionalidade georgiana, com a profissão de «maquilhadora», notando-se a coincidência – reitera-se – de se tratar de documento produzido/datado quatro dias após a decisão – acórdão – deste TRC, que foi desfavorável à Recorrente e que a mesma agora pretende ver invertida.


Esse dito certificado começa com os seguintes dizeres: «Certifico os seguintes factos por ter sido testemunha direta:»; e termina com a declaração de que a aludida DD «Apresent[a] este certificado estando plenamente informada de que todas as declarações falsas me expõem às sanções penais de falso testemunho».


Ou seja, pretende-se que o documento revista a força de não menos que um certificado, contendo um testemunho direto, de alguém que até se considera sujeito a um específico e vinculante dever de verdade, como se houvesse prestado juramento testemunhal, expondo-se, de forma «plenamente informada», às «sanções penais de falso testemunho».


O que não deixa de ser surpreendente, na medida em que proveniente de alguém sem – tanto quanto se sabe – formação jurídica, por se tratar de profissional de «maquilhagem», mas no uso de linguagem de pendor claramente jurídico e com pretendidas implicações jurídicas/judiciais, ao ponto de nos podermos, fundadamente, interrogar sobre o que leva (que interesse releva) uma tal pessoa a expor-se, de forma tão ostensiva, e declaradamente informada (em plenitude), às sanções penais de falso testemunho.


Dir-se-ia que tal pessoa pretenderia assumir a veste de testemunha fora do tribunal, posto não ter, então, sido interrogada em qualquer instância formal do aparelho de justiça, mas assumir, sem juramento e sem tribunal – e, assim, sem qualquer contraditório –, os deveres de uma verdadeira testemunha (até qualificada, por se arrogar poderes de “certificação”), ao ponto de acolher a possibilidade de ser criminalmente perseguida por “perjúrio”.


Ademais, lido o assim “certificado”, nota-se que o declarado não se cinge a “factos diretamente testemunhados”, antes estando eivado, de permeio, de irreprimíveis valorações, conclusões e juízos de valor – sempre em desfavor do aqui Recorrido pai –, ao ponto de imputar a BB a figura de um pai “sempre ausente”, com “comportamento de perseguição da Sra. CC com o objetivo de a atingir pessoalmente”, controlando “todos os atos da vida” desta, espalhando inverdades, até em “processo em Tribunal”, materializando a “intenção” de prejudicar a aqui Recorrente e “criar-lhe complicações com a Polícia”, nunca, desde a separação, tendo “qualquer interesse pelo filho”, usando-o para “impedi[r] a Sra. CC de estar na companhia do menor” e, assim, a atingindo, dando azo a adotados “sentimentos de posse [e] de obsessões pela Sra. CC, não tolerando o facto dela o ter abandonado”, descuidando o filho “para manter encontros sexuais com outras mulheres”, sendo pessoa com “hábitos de comportamento violento e agressivo, de manipulação e mentira”, comportamentos que “incutem stress ao menor”, mas também pessoa que, frequentemente, inicia “relações de caráter sentimental ou sexual com diversas senhoras, entre as quais prostitutas, levando-as para casa e sujeitando o menor a grandes stresses (…)”, numa “total ausência de afeto” pelo filho, «ao ponto de o mesmo não comprar comida para o menor», pelo que este último, em corolário, «encontra-se em perigo junto do pai, por ser frequente este agredi-lo, maltratá-lo, abandoná-lo ou falar com ele de forma agressiva ou violenta».


Obviamente, neste contexto litigioso e probatório, não estamos perante um depoimento testemunhal ( ), nem perante um documento certificado ( ), que devesse ter-se por autenticado ou objeto de atestação, não obstante o que a Recorrente pretende fazer crer em contrário.


De notar ainda que a Recorrente pretende que se dê pleno crédito ao assim relatado, em ambiente de total informalidade e ausência de contraditório, e com recurso aos mencionados juízos de valor e posições conclusivas, mas já não possa «conferir-se qualquer credibilidade ao depoimento prestado pela [mesma] Senhora DD no DIAP de ..., cujo excerto fora junto aos autos e ao qual se responde».


É que, na sua resposta ao recurso, o Recorrido pai veio, por sua vez, juntar diversos documentos, um deles subscrito pela mesma DD, com data de 10/05/2022 (isto é, dez dias depois do dito “certificado”), onde a mesma aproveita para declarar que «pretendo retirar o meu testemunho», por ter sido «contactada pela CC para lhe dar o meu testemunho contra BB, motiva-a a vingança e retirar o filho AA, encontrei-me com a CC e com o seu advogado FF (…) e assinei um documento escrito pelo advogado FF, não assumo a responsabilidade pelo papel escrito pelo advogado FF, porque eu só assinei» (cfr. documento – e respetiva tradução – de fls. 71 a 72 v.º do processo físico).


Mais declara, ali, tal DD que tem «uma relação de longa duração com o BB e aceitei mal a nossa separação, tive uma crise de depressão e queria vingança pela nossa separação e sofrimento, decidi encontrar CC e dar-lhe a minha explicação por escrito para que ela possa utilizar para recuperar o AA (…)», querendo retirar ao aqui Recorrido (BB) “o que era mais importante para ele, o filho. Eu conhecia em detalhe o processo e queria utilizar o meu conhecimento contra ele, estava motivada pelas minhas emoções afetivas, agi sem refletir, estava cheia de vingança”, para «fazê-lo pagar», mas «não queria destruir a vida de AA», «não pretendo que as minhas declarações tenham um mínimo de impacto na decisão do processo, retiro absolutamente o conteúdo de todas as palavras escritas na carta», «Estava cega de raiva», «Estou completamente desolada.».


O Recorrido pai juntou ainda um documento constituído por certidão extraída do processo de inquérito n.º 241/22.0..., do M.º P.º no Departamento de Investigação e Ação Penal de ..., em que é arguida CC (a aqui Recorrente), contendo auto de inquirição da aludida DD, a qual declarou, depois de legalmente advertida para o seu dever de verdade e sanções penais inerentes, «que se encontrou com a CC (…) e com o advogado Dr. FF, num café, em ..., onde falaram, tendo-se encontrado no dia seguinte, no seu local de trabalho, de onde saiu durante um bocado para o assinar, tendo-lhe sido apresentado o referido documento (…) que leu e assinou», tendo na altura chamado «à atenção à CC e ao Dr. FF que o documento não correspondia à realidade, que havia ali coisas graves e falsas, tendo-lhe sido dito pelo Dr. FF que “não tinha grande importância, pois o que contava era o que viesse a confirmar perante Juiz”», sendo que «quem redigiu tal declaração, foi o sr. Advogado Dr. FF assim como foi ele quem lha deu para assinar», sabendo tal DD «que aquela não correspondia à verdade» (cfr. fls. 73 a 74 v.º).


Rematou tal DD, de acordo com o retratado naquele auto de inquirição, dizendo que, num primeiro momento (primeiro documento, «contendo falsidades»), agiu «por alguma vingança contra o BB», sendo que, posteriormente (documento subsequente), «depois de recuperar de uma depressão decidiu repor a verdade, pois sabia que o que havia assinado não correspondia à verdade, e tendo percebido a repercussão do seu acto, decidiu para bem da sua consciência e repor a verdade».


Mais. O Recorrido pai juntou ainda um documento constituído por certidão extraída de processo de Tribunal de França, contendo sentença, proferida em 12/10/2022, pela qual foi decidido, quanto ao menor AA e respetiva regulação do exercício das responsabilidades parentais, sendo Requerente seu pai e Requerida sua mãe, e na presença de ambos estes, que as responsabilidades parentais são exercidas em comum por ambos os progenitores, que a residência do menor é fixada no domicílio do pai, em França, tendo a mãe direito de visitas, ponderando, para tanto, que não se demonstrou que o interesse do menor passasse por transferir a sua residência habitual para junto da mãe, em Portugal, antes correspondendo a esse interesse a fixação de residência com o pai, em França (cfr. documento – e respetiva tradução – de fls. 75 v.º a 84 v.º do processo físico).


Nota-se ainda a coincidência consistente em tal sentença estrangeira ter sido proferida precisamente na mesma data em que foi interposto o presente recurso de revisão – 12/10/2022 (cfr. fls. 1 do processo físico).


(…)


Que dizer?


Dir-se-á que, ainda que se tenha por presente o requisito aludido da novidade documental, falta, manifestamente, o outro requisito de procedência do recurso de revisão, o da suficiência.


Se a suficiência significa, como visto, que o documento implica, sem mais, uma modificação da decisão sob recurso em sentido mais favorável à parte vencida, é patente, perante as vicissitudes antes descritas, que falham totalmente quaisquer evidencias de suficiência.


Com efeito, o declarado por DD no dito escrito, por si assinado, intitulado “CERTIFICAT”, em que se funda a Recorrente, não é dotado – salvo sempre o devido respeito por diverso entendimento –, tudo visto, da menor credibilidade.


Como visto, a própria declarante veio depois, em novo escrito, colocar em total declínio aquelas suas anteriores declarações/afirmações, invocando que as iniciais declarações, para além de impregnadas de conclusões e juízos de valor, e destituídas de contraditório, eram falsas, por eivadas de espírito de vingança contra o aqui Recorrido pai.


E veio depois, no âmbito de processo de inquérito crime, reiterar que eram falsas as suas iniciais afirmações, as proferidas contra o Recorrente pai.


Donde que, de forma patente, ocorra exuberante falta de força probatória, mais ainda se na senda da intentada inutilização de uma decisão judicial – acórdão da Relação – transitada em julgado.


E, se é assim – como manifesto resulta –, também é líquido que não serão os demais documentos em que se funda a Recorrente a mostrar qualquer vício de julgamento no âmbito da decisão transitada impugnada.


Com efeito, o documento de fls. 15 v.º e 16 (um “Bulletin de salaire”), tal como os de fls. 16 v.º e 17 (“Modèle de «Certificat de travail»” e “Releve d’Identité Bancaire”), todos do processo físico, independentemente da falta de plena tradução e de qualquer atestação ou assinatura, nunca mostrariam, muito menos em termos de prova inabalável, o que pretende demonstrar a Recorrente: (i) que o Recorrido pai «consentiu e concordou» com a deslocação do filho pela mãe para Portugal, para residir com ela em Portugal, deixando de ter residência em França; (ii) que haja «perigo para a segurança e desenvolvimento psíquico do menor» junto do seu pai em França.»


Mesmo aceitando como defende a Recorrente que o depoimento exarado no documento apresentado foi livre e voluntariamente prestado pela Sr.ª DD e ainda que se não considerassem os documentos apresentados pelo Recorrido, o teor das declarações por ela prestadas, exaradas no documento, inequivocamente demonstram falta de objetividade e um elevado risco de parcialidade, devido ao relacionamento amoroso que manteve com o Recorrido/Progenitor, por isso, concluímos que o depoimento apresentado exarado no documento intitulado “CERTIFICAT”, em que se funda a Recorrente, não é dotado de credibilidade.


De qualquer forma, pelas razões atrás expostas, o referido documento que consubstancia um depoimento escrito, sem observância do contraditório, não tem força própria suficiente para levar à modificação da decisão a rever.


Em rigor, a sua força probatória para efeitos de fundamentar um recurso extraordinário de revisão é irrelevante, dado que mais não é que um depoimento e como se referiu a nossa lei processual, consabida da falta de fiabilidade da prova testemunhal, rejeitou como fundamento do recurso de revisão a superveniência desse tipo de prova.


Carece, pois, de qualquer relevância a alegação e conclusões da Apelante, quando sustenta que o depoimento escrito da Sra. DD, foi por ela prestado ( e não por outros) e assinado sob compromisso de honra, se destinava a ser utilizado no processo que correu termos junto do Tribunal Francês e que se encontrava acompanhado pelo seu documento de identificação e que tal modalidade de prova é admissível junto dos Tribunais Franceses (Certificat) e que a depoente sabia que se o mesmo contivesse afirmações falsas, era suscetível, segundo a legislação Francesa, de configurar a prática de um crime de falsas declarações, que foi a testemunha que teve a iniciativa de procurar a Recorrente para lhe dar o depoimento.


Também é irrelevante a pretensão de demonstrar que os factos constantes daquela declaração (Certificat), se encontram todos confirmados, por outro documento, uma carta que a Sra. DD assinou e remeteu à aqui Recorrente e pelas mensagens que a mesma trocou com a Recorrente, na rede social M.........


Como se decidiu, a junção dos referidos documentos não é admissível, a Recorrente não justifica as razões pelas quais não as apresentou com o requerimento em que se pronunciou sobre a resposta e documentos apresentados pelo Recorrido e, para além disso, a falta de valor probatório do depoimento escrito, não era suprido, para efeitos de fundamentar o recurso de revisão, pelas mensagens trocadas entre a testemunha e uma parte no processo ou por nova carta escrita pela testemunha.


A alegação da Recorrente de que o depoimento prestado pela Sra. DD, no inquérito criminal junto do Ministério Publico de ..., não foi até à presente data objeto de qualquer contraditório por ela e, por isso, não pode valer como meio de prova idóneo é correta, mas por maioria de razão, considerando que aquele foi prestado perante um oficial de justiça, também se aplica ao depoimento por ela apresentado como fundamento do recurso de revisão.


Por outro lado, toda a alegação da Recorrente tendente a demonstrar que esse depoimento foi prestado pela Sra. DD por esta ter receio do Recorrido/Progenitor, inclusive teme pela sua vida, carece de qualquer utilidade para este recurso extraordinário de revisão.


Como se referiu, baseando-se o recurso extraordinário de revisão em documento, é necessário que o documento, por si só, portanto sem o concurso adjuvante de outras provas, tenha a virtualidade de levar à modificação da decisão a rever.


Ora, o documento “ Certificat”, por si só, enquanto depoimento escrito, sujeito à livre apreciação do tribunal (artigo 396º do CC), sem contraditório, não tem manifestamente relevância probatória suficiente, para rever a decisão transitada.


A Recorrente refere ainda que o Tribunal Recorrido não considerou o email dirigido à secção do DIAP de ..., em que ela apresentava uma queixa crime contra o Recorrido, mas não se descortina em que medida essa queixa crime, posterior ao acórdão a rever, possa ter qualquer relevância para o presente recurso de revisão, até porque a Recorrente prestou declarações de parte no processo em que foi proferido o acórdão a rever.


Defende também que o Tribunal Recorrido não considerou que o Recorrido resolveu o contrato de trabalho celebrado com a ama do menor. No entanto, como se referiu os documentos apresentados pela Recorrente, para além do denominado “Certificat” que não se encontram sequer devidamente traduzidos, são meros documentos particulares, sem sequer se vislumbrar por quem estão assinados e foram impugnados pelo Recorrido.


Na resposta, o Recorrido alega que o documento “Assistantes maternelles agréées”, também denominado Modéle «CERTIFICAT DE TRAVAIL» se reporta à cessação de um contrato celebrado no ano de 2021 entre CC e EE e rescindido pela Recorrente em maio de 2021.


Ora, dos documentos juntos com pela Recorrente com o requerimento de 14.02.2022, em língua francesa, nesse Certificat de Travail quem surge como empregadora (employeur) é a Recorrente e não o Recorrido. O outro documento “ Revele d`Identitite Bancaire” consta a identificação de uma conta bancária em que aparecem como titulares Recorrido e Recorrente e o outro ( Bulletin de salaire) é um boletim de salário. Ou seja, esses documentos não comprovam que o Recorrido tenha rescindido o contrato com a ama do menor.


Em resumo e conclusão:


Para fundamentar a revisão de decisão transitada, nos termos da al c) do artigo 696º do CPC, não basta, que se trate de um qualquer documento que, conjugado com a demais prova suplementar de livre apreciação, possa interferir no juízo do julgador.


Ora, o documento fundamental apresentado pela Recorrente, que incorpora um depoimento escrito, sem contraditório, é manifestamente insuficiente para alterar o acórdão a rever e os outros documentos não têm qualquer valor probatório.


IV –


Decisão


Pelo exposto, julga-se o recurso de apelação improcedente e confirma-se a decisão recorrida.


Custas pela Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.


Lisboa, 25.06.2024


Leonel Serôdio (Relator)


Maria Olinda Garcia (1ª adjunta)


Ricardo Costa (2º adjunto)