Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
849/20.8PBCSC.L2.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: AGOSTINHO TORRES
Descritores: RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
ROUBO AGRAVADO
AGRAVAÇÃO PELO RESULTADO
MORTE
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA
NULIDADE DE SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
DUPLA CONFORME
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
NEGLIGÊNCIA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA ÚNICA
Data do Acordão: 06/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :

I- Com a alteração do art. 400º do Cod. Proc. Penal (introduzida pela Lei nº 20/2013, de 21/02), o legislador pretendera já reduzir a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça relativamente aos acórdãos proferidos, em recurso pela Relação, constituindo jurisprudência sedimentada que, ocorrendo “dupla conforme” e tendo sido aplicadas várias penas, por crimes em concurso, que foram objecto da aplicação de uma pena única em cúmulo jurídico (nos termos do art. 77º do Cod. Penal), só será admissível recurso para este Supremo Tribunal quanto às penas acima desses 8 anos de prisão, ou seja, quanto aos crimes punidos também com penas desta dimensão.


II- Não se verifica o vício do erro notório atinente ao resultado morte decorrente de roubo agravado (idoso de 90 anos) e à responsabilização dos arguidos por negligência pelo resultado decorrente de enfarte cardíaco por choque emocional e ofensas graves tendo em conta que ficou assente que os arguidos sabiam e quiseram (...) causar ao ofendido perigo para a vida, negligenciando o que daí pudesse advir para o mesmo, desde logo a sua morte, ter resultado da actuação directa sobre o ofendido um conjunto de ofensas que revelam a barbaridade das mesmas e, não contentes com isso, abandonando o local ( a residência do casal ofendido) deixando-o caído no chão, sem assistência durante horas apesar de saberem ser uma pessoa idosa (90 anos) não sendo contrário às regras da vida presumir ou dever presumir-se que uma pessoa daquela idade é uma pessoa vulnerável, que sabiam que o ofendido era pessoa receosa de assaltos (foi vigiado pelo arguido R durante algum tempo) e não abria a porta a qualquer um. Com as ofensas infligidas, (até algumas costelas ficaram partidas), vendo-o no chão inanimado, sem defesa, sem qualquer ajuda, deviam ter pensado, podiam ter pensado que algo de mais grave se teria passado ou poderia vir a passar-se com o estado de saúde do mesmo. A regra da experiência é a de qualquer pessoa, mesmo de menos idade, possa ter uma reacção de medo, até de pânico, ao ver a sua casa invadida por desconhecidos, usando da força física, para subtração de bens, quanto mais pessoas como o ofendido, com idade provecta. A regra da vida é a de pessoas com essa idade terem já problemas de saúde, de tensão alta, de colesterol, de maior intensidade de receio de doenças ou de incapacidade de autodefesa em caso de assalto ou violência. Ainda que não seja frequente um choque emocional provocar uma morte, é do bom senso e do pensamento geral de qualquer cidadão médio ter de agir com maior cuidado perante pessoas muito idosas, mesmo que aparentem um estado de saúde e autonomia de vida ainda razoável.


III- O relatório de autópsia revelou o choque emocional como causa decorrente das ofensas sofridas, que eram sabidas dos arguidos e, ainda que não tenham querido a morte do ofendido, era-lhes exigido um dever de maior cuidado na co-actuação, cuidado esse de que eram capazes e mesmo assim não tiveram, deixando aquele entregue à sua sorte mesmo não tendo representado (assim se provou) que o resultado morte acontecesse. Assim, não vai minimamente contra as regras da experiência a imputação feita quanto ao elemento negligência no resultado morte.


IV- Aquele comportamento face às regras da experiência gera só por si um forte temor e comoção e que em pessoas mais vulneráveis (idosos) pode desencadear reacções emocionais mais violentas (que os arguidos deviam ter previsto e podiam ter previsto dada a fragilidade do ofendido decorrente da sua idade) que associadas a ofensas corporais graves intensifiquem aquelas ao ponto de poder desencadear um enfarte, como aconteceu. É exactamente a “regra” da experiência e não a excepção, que nos diz que é muito mais provável admitir-se e dever prever-se que uma pessoa de 90 anos sofrerá mais provavelmente de doenças e fragilidades físicas e psíquicas, quantas vezes apenas minimizadas por tratamentos e medicação, nomeadamente cardíacas e /ou pulmonares do que ser pessoa de saúde sem mácula que aguente sem particular dificuldade e comoção eventos como o sucedido em casa do ofendido falecido e sua esposa.


V- Tanto mais que os arguidos foram quem criou um perigo proibido (ou não permitido, na fórmula de Klaus Roxin) de evento agravante ainda que sem o terem representado. Em todo o caso, a agravação pelo resultado tem a sua razão de ser matéria na especificidade do nexo entre o crime fundamental (doloso) e o evento agravante ( resultado morte) e que se consubstancia , usando aqui da expressão do prof Figueiredo Dias «no perigo normal, típico, quase se diria necessário que, para certos bens jurídicos está ligado à realização do crime fundamental e a violação de um dever objectivo de cuidado por agente capaz de a observar». Não está pois para além das regras da experiência o surgimento deste tipo de evento num idoso vulnerável de 90 anos, agredido com a insensibilidade e a violência como o foi com perigo para a vida e a descoberto de assistência durante várias horas.


VI- Tratando-se os arguidos de pessoas com tendência criminosa, de muito difícil recuperação, violentos, de acentuada insensibilidade e sem revelarem o mínimo sinal de arrependimento é de concordar com a muito difícil prognose de ressocialização sequer a longo prazo. Perante crimes muito graves, com uma morte consequencial num deles, que destruíu uma vida e a felicidade de um casal nos seus últimos momentos do percurso vivencial, é pungente a insensibilidade revelada perante o desvalor dos actos praticados e todos os critérios se conjugaram pela negativa deve ser, assim, de manter as penas únicas de 15 e de 17 anos respectivamente, em cúmulo jurídico.

Decisão Texto Integral:




Acordam em Conferência na 5ª Secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça


I-RELATÓRIO


1. Por acórdão de 9 de Maio de 2023, do Colectivo de Juízes do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Juízo Central Criminal ... – J., foi proferida a seguinte decisão:

[«A) Absolver o arguido CC da prática em co autoria material do crime por que vinha pronunciado;

B) Absolver os arguidos AA e BB como co-autores materiais, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. nos termos do disposto nos arts. 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alíneas c), e), g) e j), ambos do Código Penal (ofendido DD);

C) Absolver ainda o arguido AA:

- da prática como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art. 21º, nº1 do Decreto-Lei nº 15/93 de 22-1, por referência à Tabela I-C anexa;

- da prática em autoria material de um crime de roubo agravado, p. e p. nos termos do disposto nos arts. 210.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), por referência ao disposto no art. 204.º, n.º 1, alínea d) e f) do Código Penal (ofendida EE);

- da prática em autoria material de um crime de sequestro, p. e p. pelo artigo 158.º, n.º 1 e 2, alínea e) do Código Penal (ofendida EE);

D) condenar o arguido AA pela prática, em concurso real e forma consumada, de:

• em co-autoria (com o arguido BB) material de um crime de roubo agravado, p. e p. nos termos do disposto nos arts. 210.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), por referência ao disposto no art. 204.º, n.º 1, alínea d) e f) do Código Penal (ofendida FF), a pena de 9 (nove) anos de prisão;

• em co autoria (com o arguido BB) material de um crime de roubo agravado também pelo resultado morte, p. e p. nos termos do disposto nos arts. 210.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), por referência ao disposto no art. 204.º, n.º 1, alínea d) e f) e nº 3 do mesmo artº 210º do Código Penal (ofendido DD), a pena de 12 (doze) anos de prisão;

• em autoria material de um crime de roubo agravado, p. e p. nos termos do disposto nos arts. 210.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), por referência ao disposto no art. 204.º, n.º 1, alínea d) e f) do Código Penal (ofendida GG), a pena de 7 (sete) anos de prisão;

• em autoria material de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25º com refª ao artº 21º, nº1 do Decreto-Lei nº 15/93 de 22-1, por referência à Tabela I-C anexa, a pena de 2 (dois) anos de prisão;

• em autoria material de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º n.º 1 al. c), por referência aos artigos 2º n.º 1 aad) e 3º n.º 5 al. d), da Lei n.º 5/2006 de 23.02, em concurso aparente com a contraordenação, prevista e punida pelos artigos 97º n.º 1, do mesmo diploma legal (entendendo-se que a detenção simultânea pelo mesmo agente de objectos, sendo que uns integram a prática de crime e outros a prática de contraordenação é susceptível de um único juízo de censura, integrando os factos o crime de detenção de arma proibida como ilícito mais grave), a pena de 2 (dois) anos de prisão;

Fixando a este arguido a pena única de prisão em 17 (dezassete) anos;

E) condenar o arguido BB pela prática, em concurso real e forma consumada, de:

• em co-autoria (com o arguido AA) material de um crime de roubo agravado, p. e p. nos termos do disposto nos arts. 210.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), por referência ao disposto no art. 204.º, n.º 1, alínea d) e f) do Código Penal (ofendida FF), a pena de 9 (nove) anos de prisão;

• em co-autoria (com o arguido AA) material de um crime de roubo agravado também pelo resultado morte, p. e p. nos termos do disposto nos arts. 210.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), por referência ao disposto no art. 204.º, n.º 1, alínea d) e f) e nº 3 do mesmo artº 210º do Código Penal (ofendido DD), a pena de 12 (doze) anos de prisão;

Fixando a pena única de prisão a este arguido em 16 anos e 6 meses de prisão.

Em sede cível:

f) absolver o arguido CC do pedido de indemnização que contra si foi deduzido;

g) condenar ainda os arguidos quanto a pedidos de indemnização nos seguintes termos:

- o arguido AA vai condenado a pagar à demandante GG o valor do respectivo pedido, ou seja, a quantia de 7.200€ (sendo 5.000€ relativos a danos não patrimoniais e 2.200€ relativos a danos patrimoniais), acrescendo-se-lhe os juros vencidos sobre o valor dos danos patrimoniais e vincendos relativamente a ambos, até integral pagamento;

- os arguidos AA e BB, solidariamente, vão condenados no pagamento do pedido de indemnização da demandante FF, sendo o total de 179.350€ (100.000€danos não patrimoniais sofridos pelo marido de que é herdeira única + 50.000€ a título de danos não patrimoniais próprios + 29.350€ a título de danos patrimoniais decorrentes para a ofendida da morte do marido, liquidando-se o restante oportunamente em liquidação de sentença) procedente, e sendo os juros vencidos e vincendos nos termos fixados para os restantes pedidos, e bem assim do que se vier a fixar em liquidação de sentença quanto aos danos patrimoniais ainda não liquidados.

H) o arguido AA vai absolvido de pagar a quantia de 196,07€ do pedido deduzido pelo Hospital 1, por cuidados de saúde prestados a EE, improcedendo totalmente este pedido;

Não se arbitrando a favor da ofendida EE qualquer compensação indemnizatória;

I) Julgar procedente o incidente de perda de vantagens do crime deduzido contra o arguido AA e, em conformidade, declarando-se a perda da quantia apreendida de 4.080€ (quatro mil e oitenta euros) que teve origem nas actividades ilícitas desenvolvidas pelo arguido e aqui provadas - artigos 110.º, n.ºs 1, alínea b) e 4 do Cód. Penal e 36.º, n.º e 2 do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro.”

2. Este acórdão da 1º instância foi proferido na sequência de um anterior recurso para o TRL onde, pela ... secção desse TRL, em 26 de Janeiro de 2023, se determinara, a final:

“(…) julgar nula a decisão recorrida, nos termos do art.º 126.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, e ordenar a sua repetição, pelo mesmo tribunal, nos termos do art.º 410.º, n.º 3 do mesmo diploma legal, sem a ponderação da prova proibida, nos termos (….) explicitados.”

3. Mas de novo recorreram os arguidos AA e BB para o TRL o qual proferiu então, a 22 de Novembro de 2023, um segundo acórdão, do qual agora interpuseram o presente recurso para este STJ.


4. Neste 2º Acórdão do TRL foi decidido, além do mais:

“(…).

Face ao exposto:

1. Acorda-se em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido BB e, em consequência, reduz-se a pena única imposta, para 15 (quinze) anos de prisão, julgando-se improcedente o restante por si peticionado e mantendo-se, nessa parte, o decidido;

2. Julga-se totalmente improcedente o recurso interposto pelo arguido AA, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida.”

5. Esse segundo acórdão do TRL identificou as seguintes questões sobre as quais tomou posição:

“a. O arguido AA:

I. Ser reconhecido que o Acórdão recorrido padece do vício a que alude al. b) do n.° 2 do art.° 410° do Cód. do Processo Penal e ordenada a repetição do julgamento;

Cumulativamente,

II. Ser reconhecida a nulidade do Acórdão recorrido e ordenada a sua reformulação em conformidade, nos termos da al. c) do n.° 1 do art.° 379° do Cód. do Processo Penal;

Subsidiariamente,

III. Ser alterado o juízo probatório e considerarem-se como não provados os factos atinentes à autoria do crime de 09/09/2020, sendo dele o arguido absolvido;

Alternativamente,

IV. Ser alterado o juízo probatório e considerarem-se como não verificados os pressupostos de que depende a imputação subjectiva do resultado morte, enquanto resultado agravado do crime de roubo de 09/09/2020;

V. Ser alterada a qualificação jurídica dos factos relativos à posse de estupefacientes, desqualificando para a letra do n.° 2 do art. 40° do Dec.-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro;

VI. Ter-se por verificado um concurso efectivo quanto à posse das várias armas, sendo a punição criminal desagravada por com ela, afinal, não se operar à consumpção da punição contraordenacional.

Em todo o caso,

VII. Considerar-se que a pena de 17 (dezassete) anos aplicada é excessivamente estigmatizante.

b. O arguido BB:

I. Ser reconhecido que o Acórdão recorrido padece do vício a que alude al. b) do n.º 2 do art.º 410º do Cód. do Processo Penal e ordenada a repetição do julgamento;

Cumulativamente,

II. Ser reconhecida a nulidade do Acórdão recorrido e ordenada a sua reformulação em conformidade, nos termos da al. c) do n.º 1 do art.º 379º do Cód. do Processo Penal;

III. Ser declarada a inconstitucionalidade, por violação dos artigos 24º, n.º 1 e 34º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, a interpretação do artigo 187º, n.º 4, al. b), do Código de Processo Penal, segundo a qual a autorização das interceções e gravações telefónicas, contra a pessoa que sirva de intermediário, permite legitimamente a monitorização, através da localização celular, de todos os passos dessa pessoa - quando não é a própria a visada pela investigação - e não se procura com essa monitorização localizar o suspeito cujo paradeiro se desconheça;

IV. Ser declarada proibição de prova, nos termos do n.º 3 do art. 126º do Código do Processo Penal, da valoração da análise dos metadados;

Subsidiariamente,

V. Ser alterado o juízo probatório e considerarem-se como não provados os factos atinentes à autoria do crime de 09/09/2020, sendo deles o arguido absolvido;

Alternativamente,

VI. Ser alterado o juízo probatório e considerarem-se como não verificados os pressupostos de que depende a imputação subjectiva do resultado morte, enquanto resultado agravado do crime de roubo de 09/09/2020;

Em todo o caso,

VII. Considerar-se que a pena de 16 (dezasseis) anos e 6 (seis) meses aplicada é excessivamente estigmatizante.”

6. O tribunal de 1ª instância considerou a seguinte factualidade (provada e não provada), mantida pelo TRL:

(…)

Proc. 694/19.3...

1. Em data não apurada, mas anterior a 8 de Novembro de 2019, o arguido AA e indivíduo cuja identidade se não apurou em concreto tomaram conhecimento de que, na morada sita na ..., residia a vítima GG, nascida a ... de ... de 1946, e tendo à data 73 (setenta e três) anos, tendo decidido que iriam aceder ao interior da residência da mesma e apoderar-se de bens de valor de propriedade dela, concretamente de ourivesaria, utilizando violência física e ameaças, fazendo-se valer da idade avançada e especial vulnerabilidade da vítima e sendo-lhes indiferente o efeito que tal pudesse produzir na pessoa da mesma.

2. Durante período não apurado, o referido arguido montou vigilância à morada da vítima, tendo-se inteirado das suas rotinas, periodicidade de visitas, dificuldades de locomoção e genérica fragilidade física da mesma.

3. No dia 8 de Novembro de 2019, pelas 12h45m, sabedor de que a vítima GG se encontraria sozinha na sua residência, o arguido AA, acompanhado do referido indivíduo cuja identidade se não apurou em concreto, deslocaram-se à residência da vítima e tocaram à campainha da mesma, enquanto se afastavam da área de visão do óculo da porta, para não serem vistos.

4. A vítima GG, julgando tratar-se da sua neta, abriu a porta, sendo imediatamente surpreendida pelos dois, arguido e acompanhante, que a empurraram de encontro ao chão e entraram no interior da residência, enquanto lhe diziam para não gritar.

5. Em acto contínuo, manietaram e imobilizaram a vítima GG, tendo um deles, sem que se apurasse qual, envolvido o pescoço da mesma com um braço, enquanto colocava o segundo braço por detrás da cabeça, fazendo pressão em frente, manobra vulgarmente designada como “mata-leão”.

6. Enquanto isso, o outro percorreu as diversas divisões da residência, remexendo-a, em busca de objectos de ouro ou numerário.

7. Em momento não concretamente apurado, trocaram de posições, tendo o indivíduo que realizava o “mataleão” passado a vasculhar a residência, ficando o outro a agarrar a ofendida.

8. Enquanto vasculhavam a residência, o arguido AA e o seu acompanhante foram-se apoderando dos seguintes objectos, que fizeram seus e que eram propriedade da vítima GG:

a. Uma aliança em ouro amarelo, com a inscrição “HH 1966”, com o valor aproximado de €500,00 (quinhentos euros);

b. Um fio em ouro amarelo, com o valor aproximado de €400,00 (quatrocentos euros);

c. Dois relógios de marca Tissot, um deles com bracelete dourada, de valor não apurado, mas certamente superior a €102,00.

9. Por fim, arrancaram, com recurso à força física das mãos, a aliança de ouro amarelo que a vítima GG tinha aposta no seu dedo anelar, com a inscrição “GG 1966”, em ouro amarelo, e com valor aproximado de €500,00 (quinhentos euros).

10. O arguido AA e o seu acompanhante pegaram então na vítima, conduziram-na ao quarto e atiraram-na bruscamente para cima da cama, posto o que fecharam a porta do quarto da mesma e abandonaram o local.

11. Como resultado e consequência directa do referido evento, a vítima GG sofreu um traumatismo facial, na zona do lábio superior, o qual exigiu 4 (quatro) dias para a cura, todos com afectação da capacidade de trabalho geral.

12. Ao actuar do modo descrito, e em comunhão de esforços entre si, o arguido AA e o acompanhante sabiam e quiseram apoderar-se de objectos de ouro pertencentes à vítima GG, fazendo-os seus e agindo contra vontade da vítima.

13. Para esse efeito, mais sabiam e quiseram servir-se da força física e de agressões para lograr essa apropriação, tendo em vista quebrar qualquer eventual resistência da vítima e constrangê-la a permitir a retirada dos objectos em causa.

14. Sabiam também que a vítima era pessoa especialmente vulnerável, por força da idade avançada que tinha à data dos factos, circunstância que não apenas não os coibiu de agir do modo descrito, como até os motivou a concretizar a sua intenção de atentar contra a mesma e seu património.

15. Sabiam e quiseram ainda introduzir-se na residência da vítima, sem autorização da mesma.

16. Agiram de forma livre, voluntária e consciente, pese embora soubessem que o seu comportamento é censurado por lei como crime.

Proc. 122/20.1...

17. No dia 04 de Fevereiro de 2020, cerca das 10h00m, indivíduo de identidade não concretamente apurada deslocou-se à residência de EE, nascida a ........1929, sita na ..., sabendo, porque previamente acompanhou a sua rotina, que aquela se encontraria sozinha.

18. Ali chegado, e uma vez que aquela ali não se encontrava, aguardou pela mesma, mantendo-se nas escadas entre o 1º e o 2º pisos.

19. Cerca das 10h, EE chegou à sua residência e, no momento em que abria a porta do seu apartamento, o indivíduo, aproveitando que aquela se encontrava de costas para si, saltou para o patamar atrás dela, agarrou-a e, usando a força física, puxou-a para o interior daquela residência.

20. De seguida, batendo-lhe na cabeça e dando-lhe um pontapé com força abaixo do joelho, exortou que lhe indicasse onde guardava o dinheiro e bens de valor.

21. EE respondeu que não guardava dinheiro em casa, tendo o indivíduo então conseguido que a ofendida lhe desse a aliança em ouro amarelo com as inscrições “25/02/51” que tinha no dedo, no valor de €350,00, e uns brincos de bijuteria que trazzia nas orelhas, dizendo-lhe que os arrancaria se lhos não desse.

22. De seguida, o referido indivíduo, prendendo EE com os braços, e tapando-a com uma manta, encaminhou-a para a casa-de-banho, trancando-a no seu interior com a chave.

23. Após, deslocou-se ao quarto de EE e subtraiu a aliança em ouro do falecido marido daquela, com as inscrições “25/02/51”, no valor de €350,00, um relógio de senhora, de valor não concretamente apurado e € 50,00 em numerário.

24. Na posse daqueles artigos, que fez seus, retirou-se daquela habitação, deixando EE trancada à chave na casa de banho, enrolada numa manta e deitada no chão.

25. EE manteve-se trancada naquela divisão até ao fim do dia, cerca das 17h30m, altura em que II, seu filho, ali se deslocou e abriu a porta.

26. EE deu entrada nesse dia no Hospital 2, apresentando hematomas na zona da cabeça e no joelho esquerdo.

27. Ao actuar do modo descrito, o referido indivíduo sabia e quis apoderar-se de objectos de ouro, relógio e numerário pertencentes à vítima EE, fazendo-os seus e agindo contra vontade da vítima.

28. Para esse efeito, mais sabia e quis servir-se da força física e de agressões para lograr essa apropriação, tendo em vista quebrar qualquer eventual resistência da vítima e constrangê-la a permitir a retirada dos objectos em causa.

29. Sabia também que a vítima era pessoa especialmente vulnerável, por força da idade avançada que tinha à data dos factos, circunstância que não apenas não o coibiu de agir do modo descrito, como até o motivo a concretizar a sua intenção de atentar contra a mesma e seu património.

30. Sabia e quis ainda introduzir-se na residência da vítima, sem autorização da mesma.

31. Após subtrair os artigos acima indicados, manteve EE privada da sua liberdade, o que sucedeu durante cerca de 7 horas.

32. Agiu com o propósito conseguido de privar a ofendida EE de toda e qualquer liberdade de movimentos, bem sabendo que o fazia contra a sua vontade, impedindo-a de sair da casa-de-banho, mesmo após abandonar o local, bem sabendo que a mesma ficava impossibilitada de se mover para procurar a ajuda de terceiros.

33. Agiu de forma livre, voluntária e consciente, pese embora soubesse que todo o seu comportamento é censurado por lei como crime.

Proc. 849/20.8...

34. Em data não apurada, mas anterior a 9 de Setembro de 2020, os arguidos BB e AA acordaram e planearam que iriam, em comunhão de esforços, aceder ao interior da residência sita na ..., onde residiam os ofendidos DD (nascido a ...-...-1930) e FF (nascida a ...-...-1932), casados entre si, e apoderar-se de bens de valor de propriedade dos mesmos, concretamente de ourivesaria, utilizando violência física e ameaças, fazendo-se valer da idade avançada e especial vulnerabilidade das vítimas e causando, se necessário, a morte dos ofendidos em caso de resistência.

35. Com vista à concretização desse plano, e nos dias que antecederam a aludida data de 9 de Setembro de 2020, o arguido AA montou uma vigilância discreta à residência dos ofendidos, tendo a isto aderido o arguido BB quando disso teve conhecimento, no mesmo dia, inteirando-se dos seus hábitos, apercebendo-se de que residiam sozinhos, de que tinham dificuldades de locomoção e também da periodicidade com que se deslocavam à residência uma empregada de limpeza e uma massagista.

36. No dia 9 de Setembro de 2020, pelas 10h32, os arguidos BB e AA deslocaram-se até às imediações da residência dos ofendidos, onde montaram uma vigilância discreta, como havia sido feita em dias anteriores.

37. Na tarde do mesmo dia, e sabendo que no dia seguinte os ofendidos receberiam visitas, os arguidos acordaram que iriam agir nesse momento.

38. Pelas 16h00 do mesmo dia, os arguidos, conhecedores de que nesse momento os ofendidos se encontravam sozinhos em casa, deslocaram-se até junto da residência daqueles [acima indicada] e acederam ao interior da mesma, de modo não apurado.

39. Estando o ofendido DD, na sala-de-estar, os arguidos acercaram-se do mesmo e exigiram-lhe a entrega de objectos de ouro que tivesse em sua posse, ameaçando que o agrediriam se não o fizesse.

40. Como o ofendido recusou, os arguidos desferiram-lhe diversas pancadas, de natureza não concretamente apurada, que lhe visaram e atingiram a cabeça, os braços, as pernas e tórax, até lograrem superar a resistência do ofendido, tendo o mesmo ficado caído no chão.

41. Os arguidos muniram-se então de objecto de características não apuradas, com o qual cortaram as duas alianças de casamento, em ouro e com gravação do nome da sua mulher e da data do casamento, que o ofendido DDtrazia no dedo anelar da sua mão esquerda, apoderando-se dos referidos objectos, propriedade do ofendido e de valor não apurado, mas seguramente superior a €102,00.

42. De seguida, os arguidos percorreram as demais divisões da residência, e aperceberam-se de que a ofendida FF se encontrava no interior da casa-de-banho, não se tendo apercebido do que sucedera.

43. Um dos arguidos, não se tendo apurado qual, introduziu-se então no interior da casa-debanho e, de imediato, dirigiu-se à ofendida dizendo-lhe “a senhora não grita, não faça nada que eu não lhe faço mal”.

44. O referido arguido começou então a observar as alianças que a ofendida tinha no seu dedo anelar e a mostrar interesse em apoderar-se das mesmas, tendo a ofendida rogado que não o fizesse.

45. Nesse momento, o outro arguido que não entrara na casa de banho inicialmente, entrou na aludida divisão, aproximou-se da ofendida e, ignorando as súplicas desta, retirou-lhe, pela força, as duas alianças que trazia no dedo anelar da mão esquerda, ambas de ouro e cravadas com o nome do marido da ofendida e a data de casamento, de valor não apurado, mas seguramente superior a €102,00.

46. Posto isto, os arguidos abandonaram o local, levando consigo os bens de que se haviam apoderado.

47. Os arguidos, antes de saírem do interior da residência, não se inteiraram, nem manifestaram qualquer preocupação pelo estado de saúde do ofendido DD

48. Devido ao choque emocional associado a este evento, em que foi vítima de diversas pancadas que os arguidos lhe desferiram, o ofendido DD sofreu um enfarte que lhe causou a morte, por insuficiência de aporte de sangue ao coração.

49. O ofendido DD sofreu as seguintes lesões na cabeça: congestão cianótica; equimose arroxeada na região frontal; escoriação na região parietal direita; equimose arroxeada bipalpebral direita; duas sufusões hemorrágicas nas conjuntivas palpebrais à esquerda; equimose fortemente avermelhada no dorso do nariz; equimose arroxeada na região labial superior; equimoses arroxeadas na face inferior da língua; equimose arroxeada na região mentoniana; no membro superior direito: equimose avermelhada na face lateral do cotovelo; escoriação apergaminhada na face lateral do cotovelo; no membro superior esquerdo: equimose arroxeada no terço médio da face posterior do antebraço; equimose arroxeada na região da articulação metacarpofalângica do 4º dedo com mobilidade anómala da articulação adjacente; escoriação apergaminhada na região da articulação interfalângica proximal do 4º dedo; no membro inferior direito: escoriação apergaminhada na face anterior do joelho; duas escoriações apergaminhadas no terço médio da região anterior; no membro inferior esquerdo: escoriação apergaminhada no dorso do pé; no tórax: infiltração sanguínea na face anterior, ao nível do 3º e 4º músculos intercostais; fractura pelo arco anterior da 2ª à 6ª costela; fractura pelo arco posterior da 3ª à 4ª costelas, todas elas provocadas directamente por acção dos arguidos.

50. Após saírem do referido local, os arguidos acordaram que o arguido AA ficaria em posse dos objectos furtados, incumbido de os guardar em local seguro, para que posteriormente se procedesse à sua venda e repartição do produto entre ambos.

51. No mesmo dia 9 de Setembro de 2020, pelas 17h24, o arguido AA, agindo sempre com o acordo do arguido BB, contactou com JJ, que sabia ser adquirente e «passador» regular de objectos furtados, e marcou um encontro com o mesmo.

52. Pelas 17h36m do mesmo dia, o arguido AA encontrou-se com JJ no ..., a quem entregou os objectos que havia subtraído, juntamente com o arguido BB, para que JJ os guardasse, tendo em vista uma posterior venda a terceiros, com entrega do produto ao arguido.

53. Ao actuar do modo descrito, os arguidos BB e AA, em comunhão de esforços, sabiam e quiseram apoderar-se de objectos de ouro pertencentes aos ofendidos FF e DD, fazendo-os seus e agindo contra vontade das vítimas.

54. Para esse efeito, mais sabiam e quiseram servir-se da força física e de agressões para lograr essa apropriação, tendo em vista quebrar qualquer eventual resistência dos ofendidos e constrangê-los a permitir a retirada dos objectos em causa.

55. Sabiam também que as vítimas eram pessoas especialmente vulneráveis, por força da idade avançada que tinham à data dos factos, circunstância que não apenas não os coibiu de agir do modo descrito, como até os motivou a concretizar a sua intenção de atentar contra as mesmas e seu património.

56. Sabiam e quiseram ainda introduzir-se na residência dos ofendidos, sem autorização dos mesmos.

57. Os arguidos BB e AA, em comunhão de esforços, sabiam e quiseram também sujeitar o ofendido DD a agressões físicas que, tendo em conta a idade avançada deste último, seriam sempre idóneas a causar-lhe perigo para a vida, negligenciando o resultado que daí pudesse advir para o mesmo, desde logo a sua morte.

58. A actuação dos arguidos foi determinada por avidez, com vista à apropriação de bens de propriedade do ofendido e agindo com esse propósito.

59. Em todo o descrito circunstancialismo, os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, pese embora soubessem que o seu comportamento é censurado por lei como crime.

60. Desde data não concretamente apurada, o arguido AA, com intenção de obter proventos económicos, decidiu dedicar-se à venda e/ou cedência a terceiros de produtos estupefacientes, designadamente canábis, a troco de dinheiro.

61. Para tanto, no dia 26.09.2020, pelas 07h no interior do seu quarto, na habitação sita na ..., o arguido AA tinha na sua posse: a) 5,085 gramas de canábis (resina), com o grau de pureza de 26,5%, do seu princípio activo (THC), suficiente para produzir 26 doses de consumo; b) 27,014 gramas de canábis (resina), com o grau de pureza de 26,6%, do seu princípio activo (THC), suficiente para produzir 143 doses de consumo; c) 1,272 gramas de canábis (folhas), com o grau de pureza de 7,7%, do seu princípio activo (THC), suficiente para produzir 1 dose de consumo; d) uma réplica de um gládio (espada curta), com 517mm de comprimento de lâmina, sem gume (arma da classe F).

62. Mais tinha o arguido na sua posse uma balança de precisão, bem como a quantia global de €4080,00.

63. À data dos factos o arguido não desempenhava qualquer actividade profissional, nem dispunha de qualquer outra fonte de rendimentos lícita, que lhe permitisse assegurar a sua subsistência.

64. O arguido destinava o produto estupefaciente, em partes não determinadas, à entrega/cedência a terceiros, a troco de dinheiro.

65. A quantia de dinheiro acima indicada, apreendida na posse do arguido, era produto das vendas do dito produto estupefaciente a terceiros e dos artigos em ouro que obtinha de forma ilícita, que eram, àquela data, as únicas fontes de rendimento deste arguido.

66. O arguido conhecia a natureza e as características daquelas substâncias estupefacientes, bem sabendo que não podia detê-las consigo, nem as ceder ou vendê-las a ninguém e, não obstante, não se eximiu de actuar do modo descrito de modo a obter vantagens económicas.

67. O arguido agiu sempre livre, deliberada e conscientemente bem sabendo que a sua conduta era punida por lei penal.

68. No dia 26.09.2020, pelas 08h30m, no interior do veículo automóvel de matrícula ..-XI-.., parqueado na ..., o arguido AA tinha:

a) um revolver, de marca Astra, calibre .22 Long Rifle, contendo seis munições de calibre 0,22 no interior do tambor e um invólucro de uma munição deflagrada, encontrando-se os mecanismos de percussão e segurança do revolver em boas condições de funcionamento e as munições em boas condições de utilização.

69. O arguido não é titular de licença de uso e porte de arma, nem possui qualquer manifesto de arma de fogo ou autorização para a posse de armas.

70. O arguido previu e quis ter consigo os objectos referidos em 61. d) e 68. a), apesar de conhecer a sua natureza e características e, bem assim, que a respectiva detenção apenas é permitida às pessoas que são titulares de licença/autorização, habilitação de que bem sabia não ser titular.

71. O arguido agiu sempre livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era punida por lei penal.

72. JJ, desde data não concretamente apurada aqui mas, pelo menos, anterior aos primeiros destes factos, tem-se dedicado à venda de bens que foram objecto de actos ilícitos contra o património, procedendo à sua venda, repartindo o valor obtido com a pessoa que os entregou, estando referenciado pelo OPC com essa actividade.

73. Em data não concretamente apurada, mas anterior a 08.11.2019, o arguido AA entrou em contacto com JJ e, sabendo que aquele tinha meios para vender os produtos em ouro que subtraía em residências, combinou com o mesmo que lhos entregaria para que este procedesse à sua venda.

74. O que sucedeu, pelo menos, após os dias 08.11.2019, 04.02.2020 e no dia 09.09.2020, quando o arguido AA entregou a JJ as alianças em ouro, o fio em ouro amarelo, os dois relógios da marca TISSOT que subtraiu a GG, as duas alianças em ouro que subtraiu a EE e, entre outros, as quatro alianças de casamento, propriedade dos ofendidos FF e DD, respectivamente.

75. No dia 26.09.2020, pelas 07h00m, JJ guardava na sua residência [sita na ...] diversos objectos em ouro e de outros metais preciosos, três relógios das marcas SEIKO e OMEGA, nove telemóveis das marcas HUAWEY, SAMSUNG, APPLE, ALCATEL e NOKIA e um IPAD da APPLE, melhor descritos a fls. 455 a 463, para que se remete e que aqui se dão por integralmente reproduzidas.

76. Artigos que JJ ia vender e que lhe foram entregues por indivíduos cuja identidade se desconhece, mas também pelo arguido AA, e cujo valor é superior a €10.000,00.

77. Nessa ocasião, o mesmo JJ possuía a quantia de €290,00.

78. O referido JJ não tem actividade profissional conhecida, dedicando-se à venda dos artigos que lhe são entregues após a prática de actos ilícitos contra o património, sendo essa a sua fonte de rendimento conhecida e referenciada pelo OPC.

79. JJ permitia, com a actividade a que se dedicava, que indivíduos como os arguidos AA e BB a ele recorressem para escoar tais produtos da sua actividade ilícita.

80. JJ está referenciado pelo OPC, desde logo pela PJ, com a actividade de receptação de artigos, desde logo joelharia, subtraídos.

81. O arguido CC foi condenado, entre outros, no processo comum colectivo n.º 887/15.2... do Juízo Central Criminal ... – Juiz ..., por acórdão proferido em 19.01.2016, transitado em 19.02.2016, pela prática em 17.07.2015, de crime de roubo, na pena de 4 anos de prisão efectiva.

82. Pela prática de tal crime, o arguido esteve privado da liberdade desde 25.07.2015, data em que lhe foi aplicada a medida de coacção de prisão preventiva, à ordem daqueles autos, mantendo-se ininterruptamente preso até ter sido libertado no fim da pena em 24.07.2019.

84. O arguido BB foi condenado, entre outros, no processo comum colectivo n.º 637/15.3... do Juízo Central Criminal ... – Juiz ..., por acórdão proferido em 1.03.2016, transitado em 11.04.2016, pela prática em 28.05.2015, entre o mais, de crime de roubo qualificado tentado, na pena de 3 anos e 4 meses de prisão efectiva.

85. Pela prática de tal crime, o arguido esteve privado da liberdade em prisão preventiva, desde 29.05.2015 a 10.04.2016, à ordem daqueles autos, e após em cumprimento de pena até data não concretamente apurada.

86. Não obstante a pena de prisão que lhe foi aplicada e apesar de poder e dever actuar de forma a respeitar a Lei, o arguido optou por continuar a praticar factos ilícitos, deixando claro que as condenações anteriores não lhe serviram de advertência suficiente contra o crime.

Resulta ainda provado que,

87. O arguido BB tem antecedentes criminais averbados no CRC emitido pelas Autoridades nacionais, tendo sido condenado – por crime de receptação e roubo [proc. 1617/04.0... – decisão de 02.07.2007]; roubos [proc. 464/07.1... – decisão de 30.04.2009]; furto qualificado [proc. 225/06.5... – decisão de 05.01.2010]; roubo [proc. 72/07.7... – decisão de 26.04.2010]; condução ilegal [proc. 40/11.4... – decisão de 07.07.20112]; roubo [proc. 557/12.3... – decisão de 15.05.2013]; tráfico de estupefacientes [proc. 8/12.3... – decisão de 03.12.2014]; roubo [proc. 887/15.2... – decisão de 19.02.2016].

88. Das suas condições pessoais, apurou-se que:

BB nasceu na ..., sendo o filho mais velho de uma fratria de quatro irmãos, mencionando ter mais nove irmãos consanguíneos, dedicando-se os progenitores à agricultura, sendo o pai reformado das forças armadas portuguesa e a mãe doméstica tendo a mesma ficado a viver no país de origem.

O processo de socialização do arguido desenvolveu-se na ... onde permaneceu até aos onze anos de idade, altura em que vem viver para Portugal com o progenitor e os irmãos mais velhos.

A nível escolar, iniciou em idade própria, tendo dificuldades de adaptação à língua portuguesa na altura que integrou o sistema de ensino em Portugal.

Neste período, reprovou no 5.º ano de escolaridade, descrevendo-se um percurso pautado por diminuto investimento, tendo concluído o 9.º ano de escolaridade.

Ainda se inscreveu num curso de tipografia, mas acabou por desistir.

Após o abandono escolar, e com o regresso do progenitor para a ..., o arguido foi residir com um dos seus irmãos para a cidade de ..., em Inglaterra com a intenção de aprender a língua inglesa.

Após ter aprendido inglês foi residir sozinho para ... com ajuda governamental, estadia que se revelou problemática pelos comportamentos desviantes que passou a evidenciar e que culminaram numa primeira condenação.

Durante esse período, o arguido cometeu outro ilícito criminal tendo regressado a Portugal em Março de 2015, referindo ter sido expulso para com interdição de entrada em Inglaterra devido aos contactos judiciais com o sistema judicial naquele país.

Quanto ao seu percurso laboral, em contexto de entrevista perante a DGRSP, refere no período que esteve em Inglaterra alguns trabalhos temporários, como empregado num hotel e na lavagem de automóveis.

No seu regresso a Portugal integrou o agregado familiar de origem constituído pelo progenitor e um primo, passando o progenitor maior parte do tempo na ....

Entretanto, em termos judiciais, o arguido deu entrada no Estabelecimento Prisional ..., em 29 de Maio de 2015, data em que regista a sua primeira prisão em Portugal, tendo sido colocado, primeiro, sob medida de coação de prisão preventiva à ordem do processo 637/15.3..., da Comarca de Lisboa Oeste – ... – Juízo Central Criminal – ..., indiciado pela prática dos crimes de roubo e detenção de arma proibida. Posteriormente veio a ser condenado na pena de 3 anos e 4 meses de prisão.

Em 19.05.2017 foi desligado destes autos e colado à ordem do processo n.º 528/13.2..., da Comarca de Lisboa Oeste – ... – Juízo de Pequena Criminalidade - J., que foi condenado numa pena de prisão de 2 anos e 4 meses, suspensa na sua execução, pelo prático de um crime de furto qualificado, tendo a mesma sido revogada.

No decurso do seu percurso prisional anterior, o arguido teve um longo registo disciplinar onde se salientam várias medidas de permanência obrigatória no alojamento por resistir a ordens legítimas tendo sido transferido do Estabelecimento Prisional ... para o Estabelecimento Prisional ... para o regime de segurança, tendo, entretanto, beneficiado da lei do perdão em 11 de abril de 2020.

Não se conhecem problemas de saúde ou registo de conduta aditiva do arguido.

No período que antecedeu à actual prisão preventiva, encontrava-se integrado no agregado de origem, coabitando com o pai e um primo, tratando-se de uma habitação do pai do arguido, passando este vários períodos, longos, na ..., onde reside a mulher e outros filhos.

A nível laboral, à data dos factos, estava sem emprego, desculpando-se naquele mesmo contexto de entrevista com o facto de os seus documentos de identificação estarem caducados, privilegiando um quotidiano gerido em torno do grupo de pares.

Do ponto de vista das suas características pessoais, o arguido mostra-se como um individuo imaturo, com manifestas dificuldades do foro reflexivo e consequencial, subjacentes às anteriores medidas a que foi condenado, que aliadas ao seu envolvimento com indivíduos com comportamentos anti normativos se configuram como relevantes fatores de risco a ter em conta.

Em liberdade, não tem assegurado qualquer projeto nem dispõe de perspetivas de emprego.

89. O arguido AA tem antecedentes criminais averbados no seu CRC emitido pelas Autoridades nacionais, tendo sido condenado por crimes de: roubos qualificados [proc. 1381/09.6... – decisão de 15.03.2011]; detenção de arma proibida [proc. 51/13.5... – decisão de 06.09.2018].

90. Das suas condições pessoais, apura-se que:

AA, mais novo de 2 irmãos, nasceu na ..., onde permaneceu até aos 2 anos de idade, altura em que o pai, de nacionalidade ..., abandonou o agregado familiar, situação que levou a que o arguido passasse a viver com a mãe e irmã em Portugal, onde a mãe veio a reconstituir família com o padrasto do arguido, também de nacionalidade .... Não mais contactou com o progenitor.

O agregado familiar do arguido é descrito como detendo uma condição económica equilibrada, com existência de transmissão de valores socialmente normativos, embora se destacando, falhas por parte da mãe em exercer as suas funções maternas ao nível da transmissão de afecto, do acompanhamento educativo e escolar e no apoio do quotidiano do arguido, situação que teve impacto negativo no processo de crescimento deste.

A função laboral do padrasto, como engenheiro em embarcações, permanecendo este cerca de 7/8 meses por ano fora do agregado, levou a que a mãe, empregada de balcão num bar, se constituísse como a principal figura parental, pelo que o quotidiano do arguido se revelou sem controlo parental, gerindo o próprio o seu quotidiano que se revelou pouco funcional em alguns aspetos.

Embora integrado na escola e em actividades desportivas no seu bairro como federado em atletismo e futebol, o arguido começou, a partir da adolescência, a apresentar comportamentos desajustados ao nível de incumprimento de regras familiares e a associar-se a grupo de pares que o influenciaram negativamente.

Veio a cumprir uma Substituição de Multa por Trabalho, no âmbito de um processo de 2013.

Em termos escolares, o arguido concluiu o 9º ano de escolaridade em contexto de ensino profissionalizante, no curso profissional de ..., tendo abandonado os estudos com cerca de 17 anos quando frequentava o 11º ano de escolaridade, também em contexto de curso profissionalizante.

Ainda viveu um período no agregado da avó e tio maternos até se autonomizar, passando a viver sozinho num quarto arrendado, numa altura em que trabalhava na área da restauração, actividade que durou cerca de 2 anos, vindo posteriormente a iniciar uma curta relação marital com a mãe da sua filha, após a filha ter nascido.

Em 2013, com cerca de 21 anos, o arguido emigra sozinho para Inglaterra integrando o agregado familiar da sua irmã mais velha.

Após um período de meses, em que exerceu alguns trabalhos indiferenciados com o companheiro da irmã, o arguido passou a viver com amigos com estilos de vida pouco convencionais, alguns dos quais seus amigos de infância, em contexto de vida pouco funcional, com manifestação de comportamentos associais que implicaram a sua condenação a pena de prisão efetiva de 3 anos por roubos, cumpridos em instituição para jovens reclusos, vindo a ser extraditado para Portugal em 2017.

Durante a sua reclusão, o arguido completou um curso profissional de nutricionismo e “Manager“ de pesos.

Em Portugal, integrou o agregado familiar de origem durante cerca de duas semanas, saindo incompatibilizado com a mãe e padrasto, vindo a reintegrar o agregado da avó e tio maternos e a trabalhar, de forma não concretamente apurada, num ginásio do bairro como instrutor e “personal trainer”, e por tempo não concretamente apurado.

No período que antecedeu a presente reclusão, o arguido residia sozinho num quarto em ... em contexto de maior instabilidade emocional e dificuldades socioeconómicas, desconhecendo-se qualquer actividade profissional regular exercida nessa ocasião, de onde tirasse rendimentos lícitos, para além de umas sessões, em número não apurado, de treinos que a testemunha que indicou contratou com o mesmo.

Mantinha uma relação próxima com a ex-companheira e filha.

Em reclusão, tem vindo a beneficiar de apoios da irmã e companheira, que restabeleceu a relação afectiva com o arguido.

Verbaliza perante a DGRSP que, quando liberto da presente situação jurídico-penal, vir a constituir família com a companheira e filha no agregado actual desta e pretender retomar os estudos em horário noturno com a finalidade de vir mais tarde a concluir um curso superior, que seja compatível com o exercício da sua actividade como “personal trainer” ou instrutor de “fitness”.

Em termos pessoais, avalia a DGRSP aspetos ligados à eventual dificuldade do arguido em efectuar uma avaliação autocritica de aspetos disfuncionais seus, caso das duas condenações a que foi sujeito.

Ficaram, por fim, provados ainda os seguintes factos,

91. O Hospital 1, na assistência prestada a EE, gastou recursos que importaram um custo de 196,07€ que ainda não lhe foram ressarcidos.

92. Como consequência directa dos factos de que foi vítima, a ofendida GG foi subtraída da posse e propriedade dos objectos que acima se deram como provados, diminuída do valor patrimonial deles, sendo que a acção do arguido teve um forte impacto físico e emocional na mesma, que sofreu lesões no rosto, pescoço, braços e pernas, sofrendo ainda psicologicamente com esses acontecimentos e em pânico e temor cada vez que lhe tocam à campainha, vivendo atemorizada desde então, tendo, após os factos, sido transportada para o Hospital, onde ficou internada.

93. O casal DD vivia em harmonia, sendo muito dedicados um ao outro, vivendo um em função do outro, sobretudo o falecido que tratava de todos os assuntos da sua mulher que tinha menos capacidade física para o conseguir realizar.

94. Tendo casado em comunhão de bens em 08.12.1956, não tinham filhos, sendo a demandante a única herdeira do falecido.

95. Tinham um relacionamento sólido, com muito amor e carinho reciprocamente, com muita cumplicidade, há mais de 63 anos, sendo esse afecto recíproco notado por todos.

96. O falecido era coronel do exército na reforma, com longa carreira militar, condecorado e louvado pelos serviços prestados, tendo feito diversas campanhas nas ex colónias portuguesas, como ... (onde foi preso de guerra vários meses) e ..., entre outras, onde esteve sempre acompanhado da mulher.

97. Era pessoa alegre, de fácil trato, estimada e considerada por todos, devotando todos os cuidados à mulher que, com a sua morte, se viu sem a pessoa que mais a amava e dela tratava diariamente.

98. O falecido vivia com autonomia, fazendo as voltas diárias pelas compras e bancos, lendo o jornal, conduzindo a sua viatura, e tratando de todos os assuntos do casal.

99. Da forma como ocorreram os factos e das lesões infligidas antes da morte, retira-se que teve angústia e sofrimento, antes de falecer.

100. A ofendida, sua mulher, fez a vida em função do marido e, muito embora fosse professora, acompanhou sempre aquele em todas as comissões militares.

101. Sofreu as lesões físicas com a acção dos arguidos que lhe tiraram pela força as alianças que tinha no dedo, de enorme valor simbólico e emocional, tendo entrado em pânico e em choque com a violência usada nos factos pelos arguidos, tendo sido confrontada com a imagem do seu marido no chão, ensanguentado, com diversos ferimentos, sem dar de si sinal.

102. Foi conduzida para o Hospital após os factos, onde foi assistida, ficando internada.

103. Porque era o seu marido que provia todas as suas necessidades, e devido também ao choque emocional que a morte do mesmo lhe causou, teve de ser integrada num Lar/Residência Sénior, onde todas as suas necessidades são providas por terceiros, vivendo no desgosto de ter perdido o marido e sem vontade de viver sem ele, e com o temor de voltar a encontrar os autores dos factos, com o que sonha frequentemente.

104. Paga 2.300€ mensais para estar no referido Lar [C.... ...... ..... ......., no ...], a que acrescem medicamentos e tratamentos, entre o mais, tendo já pago, aé à junção do PIC a estes autos, o total de 29.350€ a esse título.

105. EE, na sequência dos factos, foi levada para o Hospital, sofrendo as lesões decorrentes das agressões na cabeça e joelho esquerdo, que lhe provocaram dor, angústia e temor, vivendo ainda com o medo permanente de sair à rua, o que lhe causa angústia permanente.

106. Na data da busca que foi realizada à sua casa, o arguido AA tinha na sua posse a quantia de 4.080,00€ que lhe provinham dos ilícitos que cometia, contra o património de terceiros e de venda de estupefaciente.

107.O arguido CC tem antecedentes criminais averbados no seu CRC, tendo sido condenado por crimes de receptação [proc. 1617/04.0...], roubo [proc. 464/07.1...], furto qualificado [proc. 225/06.5...], roubo [proc. 72/07.7...], condução ilegal [proc. 40/11.4...], roubo [proc. 557/12.3...], tráfico de estupefacientes [proc. 8/12.3...], roubo [proc. 887/15.2...].

108. O mesmo arguido não compareceu atempadamente na DGRSP para elaboração do seu relatório social.

O tribunal “a quo” deu como não provados os seguintes factos:

Não resultaram provados os seguintes factos:

Proc. 694/19.3...

Que o arguido CC teve qualquer intervenção nos factos provados de 1 a 14, inclusivamente se os praticou, conjuntamente com o arguido AA.

Proc. 122/20.1...

Que foi o arguido AA quem praticou os factos relativos a este processo.

Que os factos constantes de 17 dos provados ocorreram entre as 09h00m e as 10h00m concretamente.

Que nas circunstâncias descritas em 21, o indivíduo sentou EE numa cadeira da cozinha e beliscando-lhe a face e o nariz.

Que, na circunstância referida em 21, o mesmo puxou do dedo da ofendida a aliança em ouro amarelo e das orelhas os brincos de bijuteria.

Proc. 849/20.8...

Que nas circunstâncias referidas em 40, os arguidos, concretamente, desferiram diversos murros, pontapés e apertos de pescoço, com os quais visaram sobretudo a zona da cabeça do ofendido, deixando-o inconsciente, além daquilo que fica provado.

Que, nas circunstâncias provadas em 46, os arguidos tenham, ou não, ainda dito à ofendida “a gente volta!”, o que fizeram com o desiderato de a atemorizar e levá-la a abster-se de contactar com as autoridades.

Que, nas circunstâncias referidas em 57 e 58, os arguidos AA e BB quiseram provocar a morte do ofendido DD, a qualquer título, desde logo de forma premeditada, além do que fica provado.

Não obstante a pena de prisão que foi aplicada ao arguido CC referida em 84, e apesar de poder e dever actuar de forma a respeitar a Lei, o arguido optou, ou não, por continuar a praticar factos ilícitos, deixando claro que as condenações anteriores não lhe serviram de advertência suficiente contra o crime.

Qualquer outra circunstância relativa a danos sofridos pela ofendida GG.

Não resultam provados quaisquer outros factos relativos a danos decorrentes dos factos para as pessoas dos ofendidos, ou quaisquer outras características de personalidade dos mesmos, ou hábitos de vida.

Não se prova que os arguidos AA e BB tivessem, à data de qualquer destes factos, actividade profissional regular, de onde retirassem dinheiro de forma lícita para se sustentarem.

Não se prova que o produto estupefaciente apreendido ao arguido AA se destinasse a ser por si consumido, total ou, sequer, parcialmente.

*

Deixa-se consignado que não ficam dados como provados ou não provados os juízos conclusivos ou interpretativos que sobre os meios de prova fez a investigação, desde logo relativamente ao sentido interpretativo conferido às intercepções telefónicas, uma vez que não se trata de matéria factual, mas de juízos ou conclusões de prova que, como tal, devem constar da fundamentação da decisão de facto.

Conforme resultará dos factos provados e não provados, foi dali retirada toda a referência interpretativa que estava na decisão de pronúncia, como se disse, sobretudo conclusões retiradas do cruzamento das localizações celulares e da contextualização das intercepções telefónicas.

Por outro lado, e tendo em conta que o ex co arguido JJ foi separado destes autos por despacho oportunamente proferido e o julgamento prosseguiu para apreciação da responsabilidade dos demais, toda a factualidade constante da decisão de pronúncia que, cindível do contexto de actuação dos restantes, lhe dissesse respeito, fica aqui por provar pela óbvia razão de que não cumpre aqui averiguar a sua eventual responsabilidade nos factos.

Assim, apenas e quando se revelou que a referência ao mesmo seja imprescindível, no contexto que se pretenda esclarecer, designadamente quanto à actuação do mesmo que implique com a actuação dos arguidos aqui julgados, optou o Tribunal por considera-la, sem com isso fazer juízo de valor substancial sobre a sua culpabilidade..

(…)”]

7- Os arguidos aludidos (AA e BB) recorreram para este STJ do assinalado 2º Acórdão do TRL, formulando as seguintes (embora prolixas) conclusões:


7.1- O Arguido AA


“(…)

1.ªOra, desde logo, entende o arguido recorrente AA que o Acórdão recorrido, carece da superior correção de Vossas Excelências, Colendos Senhores Juízes Conselheiros, porque:

iv.) Padece duplamente da nulidade prevista na al. c) do n.º 1 do artigo 379º do Código de Processo PenalOmissão de pronúncia;

v.) Padece amplamente da nulidade prevista na al. c) do n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo PenalErro notório na apreciação da prova;

e

vi.) Consequentemente, confirmou a aplicação de uma pena única – portanto uma pena final – desconforme, evidentemente, alicerçada em erros e vícios de direito penal adjectivo e bem assim, excessiva e desproporcional.

2.ªAssim, entende o arguido recorrente AA, que o Acórdão recorrido padece duplamente do vício de pronúncia, previsto na al. c) do n.º 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal, porquanto, deixou de se pronunciar e decidir acerca da verificação da nulidade invocada de contradição insanável da fundamentação, prevista na al. b) do n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, suscitada pelo arguido no ponto 1.1.1 das motivações e concluído a pontos 2 e 3, bem como, acreditando que por mero lapso, considerou, erroneamente, que o vício de omissão de pronúncia suscitado pelo arguido no seu ponto 1.1.2 das motivações e respaldo nos pontos 4 a 6 das respetivas conclusões já tinha sido alvo de apreciação no anterior Acórdão da 9º Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, pelo que, sobre esta concreta questão já havia sido formado caso julgado.

3.ªOra, desde logo, no que toca ao vício de omissão de pronúncia acerca da invocada contradição insanável da fundamentação, prevista na al. b) do n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, suscitada pelo arguido no ponto 1.1.1 das motivações e concluído a pontos 2 e 3, o arguido, não consegue alcançar nas cerca de 160 (cento e sessenta) páginas que compõem o Acórdão recorrido em que parte é que este julgou e decidiu aquele suscitado e invocado vício de contradição insanável da fundamentação.

4.ª É, francamente, verdade que o Acórdão recorrido aborda ampla e teoricamente os diferentes tipos de vícios que compõem o artigo 410º do Código de Processo Penal, bem como reconhece, efetivamente a questão invocada pelo arguido AA acerca da existência do vício da al. b) do n.º2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, adiantando que irá posteriormente debruçar-se acerca do mesmo em simultâneo com a reapreciação probatória que também fora alegada e suscitada pelo arguido, em sede de impugnação ampla da matéria de facto, contudo, apesar desta realidade, o Tribunal a quo, afinal deixa de se pronunciar e portanto, de decidir, concreta e esclarecidamente acerca dessa mesma questão, emergindo, assim, um novo vício de omissão de pronúncia nos termos da al. c) do n.º 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal.

5.ª O Tribunal recorrido, aborda a autoria dos factos ocorridos no dia 09/09/2020, bem como a questão da causa da morte e do seu nexo causal, contudo fá-lo sempre numa perspetiva de reapreciação da prova carreada para o efeito, determinando a boa decisão condenatória proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, porquanto dentro do âmbito de aplicação do artigo 127º do Código de Processo Penal, mas jamais se pronúncia e julga o vício da al. b) do n.º2 do artigo 410º do Código de Processo Penal.

6.ª Assim, sobre esta concreta e especialíssima questão suscitada pelo arguido – existência de um vício de contradição insanável da fundamentação entre os pontos 48 e 57 da matéria de facto assente, nos termos da al. b) do n.º2 do artigo 410º do Código de Processo Penal torna-se claro que o Tribunal a quo não apresenta qualquer fundamentação, deixando de se pronunciar e, portanto, de a julgar, o que configura um autêntico vício de omissão de pronúncia, nos termos da al. c) do n.º 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal, que desde já, se invoca.

7.ª Pelo que, por tudo isto, acreditando que Vossas Excelência certamente acompanharão o nosso entendimento, deverão julgar procedente o ora invocado vício de omissão de pronúncia, nos termos da al. c) do n.º 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal e consequentemente, ordenar a baixa do processo à 9º Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, a fim daquele Tribunal se pronunciar acerca daquilo que anteriormente deixara de julgar, mormente, apreciar e decidir acerca da questão suscitada pelo arguido recorrente da existência de um vício de contradição insanável da fundamentação entre os pontos 48 e 57 da matéria de facto assente, nos termos da al. b) do n.º2 do artigo 410º do Código de Processo Penal.

8.ª Mas, o Acórdão recorrido não padece isoladamente do vício de omissão de pronúncia e apenas e tão-só relativamente à questão acima apresentada.

9.ª Na verdade, o Acórdão recorrido, salvo melhor entendimento de Vossas Excelências, incorre em outro momento e sobre outra questão, igualmente no vício de omissão de pronúncia, crendo, parece-nos que em claro erro, que a mesma já havia sido apreciada no Acórdão proferido pela 9º Secção do Tribunal da Relação, o que não sucedeu.

10.ª Assim, entendeu o Tribunal a quo que o vício invocado pelo arguido recorrente AA no ponto 1.1.2, com respaldo nas conclusões 4º a 6º isto é, relativamente ao invocado vício de omissão de pronúncia, nos termos da al.c) do n.º1 do artigo 379 do Código de Processo Penal, já havia sido alvo de apreciação e decisão em sede do Acórdão proferido pela 9º Secção da Relação, motivo pelo qual, constituindo aquela decisão caso julgado, encontrava-se-lhe vedado voltar a julga-las.

11.ª Contudo, contrariamente àquilo que o Tribunal recorrido entende, da leitura do Acórdão proferido pela 9º Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, verifica-se que em parte alguma aquele Tribunal aprecia e julga esta concreta questão.

12.ª É verdade que, o Acórdão proferido pela ... Secção identificou o invocado vício de omissão de pronúncia em sede de objeto do recurso, no seu ponto B, reconhecendo, assim, a necessidade de sobre ele se pronunciar, contudo, por imperativos processuais que forçaram a imediata baixa do processo sem a apreciação plena do recurso apresentado pelo arguido recorrente, aquele Tribunal não teve oportunidade de apreciar e julgar aquele vício, jamais se pronúnciando acerca da sua (im)procedência.

13.ª Com efeito, a ausência de pronúncia e decisão acerca de uma questão suscitada pelo arguido recorrente, ainda que assente, como nos parece, num claro lapso de leitura ou erro de interpretação por parte do Tribunal a quo, faz suportar o Acórdão recorrido também no vício de omissão de pronúncia, nos termos da al. c) do n.º1 do artigo 379º do Código de Processo Penal.

14.ª A par de que, a invocação perante o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa da contaminação do Acórdão proferido pelo Tribunal de Primeira Instância pelo vício de omissão de pronúncia, previsto na al. c) do n.º 1 do art. 379º do Cód. do Processo Penal, não consubstancia simples argumentos, opiniões ou doutrinas expendidas; afigura-se-nos, neste sentido, que ao Tribunal a quo se impunha pronunciar sobre os invocados vícios, sob pena de a sua Decisão – aquela que ora se coloca em crise – se apresentar eivada com o vício processual penal petitionem brevis, entre nós, como vimos atrás, previsto al. c) do n.º 1 do art. 379º do Cód. do Processo Penal, o que não se verificou.

15.ª Com efeito, deverão Vossas Excelências, altíssimos Juízes, reconhecer que o Acórdão recorrido padece do vício de omissão de pronúncia, nos termos da al. c) do n.º1 do artigo 379º do Código de Processo Penal, porquanto não apreciou a questão suscitada pelo arguido no ponto 1.1.2 do recurso apresentado e, em consequência, determinar que o Tribunal recorrido se pronuncie acerca da mesma, isto é, se o Acórdão proferido pelo Tribunal de Primeira Instância, padece ou não, também ele, do vício de omissão de pronúncia.

16.ª Para além do já alegado e invocado vício de omissão de pronúncia com o qual o Acórdão recorrido, na ótica do arguido recorrente AA, se encontra ferido, parece-nos que o mesmo suporta ainda o seu entendimento e fundamentação num claro erro notório na apreciação da prova, nos termos da al. c) do n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, nomeadamente, acerca da autoria do resultado morte e do crime de trafico de menor gravidade, tendo assentado como demonstrados factos totalmente insustentados de prova direta e extraviados das regras da experiência comum e da normalidade, alcançando um caminho ilógico, arbitrário e portanto inaceitável.

17.ª Assim, desde logo, considera-se, em conflito com o entendimento do Tribunal recorrido, que não poderá ser exigível, ao homem médio e, portanto, ao arguido recorrente AA, saber ou poder saber que uma das suas vítimas encontrava-se incapaz para gerir o choque emocional que um roubo daqueles provoca.

18.ª Com efeito, acompanhando a mesma linha de pensamento do Tribunal a quo, parece-nos que apesar da existência de expressões populares amplamente conhecidas, tais como, susto de morte ou linda de morrer, isso não significa que seja imposto e exigível ao homem comum, saber ou perspetivar, a priori, que a sua beleza ou aquele susto poderá levar à morte de terceiros.

19.ª Pelo que, jamais poderá o (violação) dever objetivo de cuidado ser aferido mediante a existência de uma expressão popular. Não é esta realidade que traduz a violação do dever de cuidado e por sua vez, endurece o nexo de causalidade entre a conduta do arguido e o resultado morte.

20.ª Depois, apesar de pertencer, efetivamente, ao domínio comum que uma pessoa com 90 anos de idade, é uma pessoa por natura mais frágil, tal e qual refere o Tribunal a quo, tal não significa que a sua fragilidade seja de tal modo acentuada que o impeça de vivenciar situações com um elevado grau de intensidade, sejam elas felizes ou tristes, porquanto dali poderá resultar o seu falecimento, ou melhor, isso não significa que todas as pessoas com 90 anos de idade, sofrem de uma incapacidade cardíaca.

21.ª Veja-se que, um ser humano, individualmente considerado, apresenta traços morfológicos e fisiológicos totalmente distintos, influenciados pela genética, modo de vida, hábitos de alimentação, etc., não existindo, como se sabe, dois seres humanos totalmente iguais. Pelo que, neste sentido, nem todos os idosos com 90 anos de idade, têm as mesmas doenças e por conseguinte, morrem pelos mesmos motivos.

22.ª E facto é que, a sua esposa, também ela idosa e submetida igualmente a estes lamentáveis factos, felizmente não morreu. E não morreu, porque, apesar de também ela apresentar uma idade avançada, simplesmente, não padecia de insuficiência cardíaca ou outra doença que a colocasse em risco em situação de adrenalina.

23.ª Para além de que, uma pessoa de 90 anos de idade, débil, poderá sofrer de alzheimer, parkinson, colesterol alto, hipertensão, diabetes, osteoartrite, cataratas, demência, lúpus, entre outras e em nenhum destes casos é evidente e provável que a sua sujeição a um crime de roubo resulte na sua morte.

24.ª E esse ultrapassar claro do patamar da razoabilidade, parece resultar claro da hipotética situação da vítima se deparar com máscaras assustadoras na noite de Halloween, quando, por não esperar, apanha, como nas palavras do Tribunal a quo um susto de morte, e por não conseguir aportar aquele efeito adrenalitico, devido à sua insuficiência cardíaca, ali falece.

25.ª E nesta situação, estamos em crer que o caminho a percorrer não será o da condenação daquelas pessoas por violação do dever de cuidado, por lhes ser exigido saberem que um idoso de 90 anos de idade, padece de insuficiência cardíaca que o impede de vivenciar situações mais intensas .

26.ª E mais, no caso em concreto, a derradeira prova dos nove surge com o próprio modo de vida da vítima, que apesar de ser um senhor com 90 anos de idade, a verdade é que deslocava-se sem qualquer auxílio externo e era ele quem ajudava a sua esposa, nada fazendo, assim, crer na sua débil saúde, o que vem, trazer força à imprevisibilidade daquele desfecho.

27.ª Com efeito, a morte de DD, tal e qual resulta do relatório médico, não ocorreu pela sua idade, não ocorreu pelas censuráveis agressões, na verdade só ocorreu porque sofria de insuficiência cardíaca que o impediu de conseguir, como um idoso sem essa insuficiência conseguiria, gerir toda aquela carga emocional; concorreu, pois, um fator externo, imprevisível, improvável e anormal, cujo conhecimento não podia ser antes presumido: a insuficiência cardíaca.

28.ª Pois, uma pessoa com 90 anos de idade não é por definição uma pessoa irresistível

a um crime de roubo e tal não é, que como acima dissemos, a sua esposa, felizmente sobreviveu.

29.ª Pelo que, parece-nos que, face a tudo quanto apresentámos, tendo em conta as regras da experiência comum e da normalidade, não era previsível que a prática daquele crime tivesse como consequência a morte de DD, pelo que, o desconhecimento da doença de que a vítima padecia, não poderá revelar a violação de um dever objetivo de cuidado, sob pena de se entrar num nível de exigibilidade inaceitável.

30.ª Por tudo isto, estamos seriamente em crer que o entendimento que vem adotado pelo Tribunal de Primeira Instância e confirmado pelo Tribunal a quo consubstancia um vício de erro notório na apreciação da prova, nos termos da al. c) do n.º2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, pelo que só poderá resultar indemonstrada a imputação subjetiva do resultado morte ao autor daquele roubo, considerando-se como não provado o ponto 57 da matéria de facto, na parte em que se considerou que os arguidos BB e AA (...) sabiam e quiseram (...) causar-lhe perigo para a vida, negligenciando o resultado que daí pudesse advir para o mesmo, desde logo a sua morte.

31.ª Depois, no que ao crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade concerne, jamais o arguido poderá concordar e aceitar o que fora pelo Tribunal a quo determinado, acreditando que aquele entendimento resulta de um erro notório na apreciação da prova previsto na al. c) do n.º2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, bem como, tendo em conta o caracter dinâmico do nosso ordenamento jurídico, concretamente a entrada em vigor da Lei n.º 55/2023, de 08 de setembro, deveria o Tribunal a quo, oficiosamente, ter lançado mão da aplicação da lei mais favorável ao arguido, nos termos do artigo do Código de Processo Penal e consequentemente, proceder à requalificação jurídica dos factos imputados ao arguido, condenando-o pela prática de um crime de tráfico para consumo, p. e p. pelo artigo 40º, n.º 2, do referido Decreto-Lei, revisitando a pena parcelar aplicada.

32.ª Ora, desde logo, dos meios de prova considerados na condenação do arguido pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, resulta, resumidamente, que: (i) foi apreendido, na posse do arguido, 33,371 gramas de canábis, cerca de 170 doses para consumo, e (ii) o arguido era consumidor de canábis desde os seus 25 anos, tendo aumentado, exponencialmente o seu consumo nos últimos tempos.

33.ª Contudo, considerou o Tribunal recorrido que o numero de doses apreendidas era fundamento bastante a evidenciar e comprovar o tráfico de estupefacientes na modalidade de venda e/ou cedência a terceiros.

34.ª Sucede que, parece-nos que a apreensão ao arguido de cerca de 33,371 gramas de canábis, suficiente para cerca de 170 doses para consumo, sem a recolha de quaisquer outras informações, nomeadamente imagens de videovigilância, escutas telefónicas e/ou depoimentos de fornecedores ou consumidores, que demonstrem o desenvolvimento de uma atividade de venda de estupefacientes, não poderá ser suficiente a alcançar aquele entendimento, isto é, que se destinem à sua venda ou cedência.

35.ª Pois, ficou por se apurar, a cadeira probatória do crime de tráfico, em concreto, o tempo, modo, lugar em que se desenvolvia a hipotética atividade de trafico e as respetivas quantidades de estupefacientes transacionadas e preços para a realização do negocio, o que consubstancia, desde logo, uma violação das garantias de defesa do arguido, uma vez que a matéria factual assente demonstra-se vaga, imprecisa e abstrata, negando quaisquer possibilidades do arguido vir apresentar uma defesa cabal e digna.

36.ª Neste conspecto, as substâncias apreendidas, desapoiadas de quaisquer outros elementos e aliadas, tão-só às informações resultantes do relatório social parece-nos vir, efetivamente, retirar qualquer suporte probatório e lógico ao entendimento do Tribunal a quo, vincando a realidade do arguido possuir aquele produto estupefacientes apenas e só para o seu consumo próprio e exclusivo.

37.ª Veja-se que, o próprio Tribunal de Primeira Instância, a páginas 31 do Acórdão condenatório, e consequentemente o Tribunal a quo dão como não provada uma realidade que resulta nitidamente do teor do relatório social – o arguido era consumidor assíduo de canábis, com especial regularidade e intensidade nos últimos tempos, resultando isso, de um erro notório na apreciação da prova.

38.ª Pelo que, estamos em crer que o caminho trilhado inicialmente pela Primeira Instância e ora solidificado pelo Tribunal a quo, afasta-se totalmente da normalidade das coisas e da experiência comum, resultando numa descoordenação factual, entre aquilo que é diretamente conhecido e o entendimento final alcançado, o qual surge em plena contradição e extrapolação das regras da experiencia comum e da normalidade.

39.ª Para além de que, no percurso que o Tribunal a quo percorre para determinar a prática de um crime de tráfico de menor gravidade, apresenta uma imensidão de espaços vazios no percurso lógico e probatório segundo as regras da experiencia comum, o que determina um corte na continuidade do raciocínio, e retira o juízo do domínio da presunção, remetendo-o para o campo da mera possibilidade física mais ou menos arbitrária ou dominada pelas impressões.

40.ª Pelo que, consubstancia erro notório na apreciação da prova, nos termos da al. c) do n.º2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, entender-se que a posse de cerca de 33,371 gramas de canábis, per si, impossibilita a inferência de que aquele produto estupefaciente se destina exclusivamente ao consumo, quando, em seu beneficio e concordância, tal ficou apurado no relatório social elaborado pela Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais.

41.ª Com efeito, a experiência comum e a normalidade das coisas, parece-nos apontar para o contacto do arguido com as substâncias ilícitas apenas no plano do consumo individual, pelo que os factos provados – 60 a 67 – e não provados e os termos da fundamentação, revelam, assim, a existência do vício previsto na al. c) do n.º2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, mormente, erro notório na apreciação da prova, por se verificar a consolidação de um entendimento totalmente afastado do disposto no artigo 127º do Código de Processo Penal, que, desde já, de argui.

42.ª Para além disso, o Tribunal a quo deveria ter lançado mão da mais recente alteração legislativa que entrou em vigor com a Lei n.º 55/2023 de 08 de setembro, a qual veio estabelecer um regime mais favorável aos arguidos, eliminando qualquer limite da aquisição e detenção de produto estupefaciente, pelo que, verificada a posse em quantidade superior a 10 dias, esta apenas constitui indicio de que o seu propósito pode não ser o de consumo, cabendo ao órgão responsável pela orientação e direção do inquérito e a quem compete o ónus de acusar – Ministério Publico - reunir prova de que aquela droga se destinava efetivamente ao tráfico e não ao consumo do próprio.

43.ª Pelo que, falhando, como vimos demonstrando e defendendo, a carreação de suporte probatório essencial à comprovação do desenvolvimento, pelo arguido, de um crime de tráfico, porquanto emerge, somente, nos presentes autos, a posse pelo arguido de substâncias ilícitas em quantidade superior à necessária pelo período de 10 dias, jamais poderá ser-lhe imputada a prática de um crime de trafico de estupefacientes, devendo, agora e ao invés ser punido pela prática de um crime de tráfico para consumo, nos termos do artigo 40º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, por força da entrada em vigor da Lei n.º 55/2023, de 08 de setembro, a qual veio estabelecer um regime mais favorável ao arguido.

44.ª Por fim, estamos em crer que que Vossas Excelências darão integral provimento aos vícios invocados, o que determinará, em consequência, a baixa do processo ao Tribunal a quo para sanação dos mesmos.

45.ª Mas, concedendo, por mera cautela e dever de patrocínio que Vossas Excelências rejeitem por completo todos os fundamentos expostos – o que, com humildade, não cremos que venha a ocorrer, confiando incondicionalmente no conhecimento e experiência de Vossas Excelências - pedimos uma reponderação da pena única de 17 (dezassete) longos anos aplicada ao arguido, que mais servirá a estigmatização e a marginalização familiar e social que a reintegração.

Pelo exposto, (…) deverá:

I. Ser reconhecido que o Acórdão recorrido padece do vício de omissão de pronúncia, nos termos da al. c) do n.º 1 do art.º 379º do Cód. do Processo Penal, devendo ser ordenada a reelaboração do Acórdão;

II. Ser reconhecido que o Acórdão recorrido padece do vício a que alude a al. c) do n.º 2 do art.º 410º do Cód. do Processo Penal e;

Em todo o caso,

III. Considerar-se que a pena de 17 (dezassete) anos aplicada é excessivamente estigmatizante.

(…)”

7.2 - O Arguido BB

“l.a Ora, desde logo, entende o arguido recorrente BB que o Acórdão recorrido, carece da superior correção de Vossas Excelências, Colendos Senhores Juízes Conselheiros, porque:

(…) iv.) Padece da nulidade prevista na al. c) do n.° 1 do artigo 379° do Código de Processo Penal - Omissão de pronúncia;

v.) Padece da nulidade prevista na alínea c) do n.° 2 do artigo 410° do Código de Processo Penal - Erro notório na apreciação da prova;

e

vi.) Consequentemente, apesar da louvável diminuição da pena aplicada, estamos em crer que a pena ora fixada, mantém-se excessiva e desproporcional.

2.a Para além disso, tendo em conta toda a tramitação processual devidamente descrita nas motivações aqui apresentadas, mais concretamente no capítulo referente ao objeto do recurso, deverão, Vossas Excelências agora julgar e decidir a questão que fora unicamente apreciada no Acórdão proferido pela 9º Secção da Relação, cujo recurso foi considerado inadmissível e portanto, ali ficou pendente, relativamente à nulidade da recolha das localizações celulares ao intermediário, por ser agora, parece-nos, o momento processual oportuno para o efeito, uma vez que já fora conhecida, pelo Tribunal a quo a globalidade do objeto final do processo.

3.a Assim, no que a esta concreta e última questão concerne entende o arguido recorrente BB que é destituída de apoio lógico a consideração segundo a qual o intermediário pode ser, à margem de um prévio juízo de adequação e necessidade, sujeito a monitorização de movimentos porque, estando já, legitimamente, sujeito a escutas telefónicas e sendo esta medida mais intrusiva que aquela, haverá que convocar a conhecida máxima de direito, segundo a qual uma vez permitido o mais, permitido fica o menos, nos termos e para os efeitos do disposto conjugadamente nos arts. 187°, n.° 4, e 189°, n.° 2, do Código do Processo Penal.

4.a É mais intrusivo estar sob escuta telefónica e, acrescidamente, ter os movimentos monitorizados, no tempo e no espaço, pela localização celular, que apenas estar sob escuta telefónica.

5.a Não se trata, evidentemente, contrariamente ao perspetivado pelo Tribunal recorrido, de saber se há um mais que faz consentir um menos, mas, de saber que há um mais que não tem de ser reforçado com um menos que lhe estende o alcance e dilata a intensidade.

6.a Os fundamentos do Despacho proferido pelo Tribunal a autorizar a escuta telefónica do intermediário, não são automaticamente válidos para per se sustentarem a sua monitorização celular [do intermediário]. São decisões diferentes que estão condicionadas por diferentes razões. E se, no nosso caso, até nos parece válida a fundamentação em que assentou a Decisão que sujeitou o intermediário BB às escutas telefónicas, já nos parece repugnante da razão a Decisão que lhe determinou a monitorização celular.

7.a A questão em análise tem que, necessária e concretamente, ser ponderada no âmbito do juízo de proporcionalidade e necessidade - imposto pelo atrás invocado Princípio da Necessidade, com assento no n.° 2 do art. 18° da Constituição da República Portuguesa.

8.a Monitorizar, através das localizações celulares, os movimentos do intermediário BB, do dia 25/08/2020 em diante (fls. 255 e 281 do inquérito n.º 694/19.3...), apre sentava-se, indubitavelmente, desnecessário.

9.a Desde logo, porque em 25/08/2020 apenas se investigavam crimes de execução imediata ocorridos em 08/11/2019 e 04/02/2020 relativamente aos quais BB não era suspeito, mas apenas intermediário.

10.a Depois, porque BB não podia efetivamente ser suspeito, porquanto à data da prática dos factos que se investigavam estava preso, tendo apenas sido libertado em 11/04/2020.

ll.a Por último, porque eram claramente conhecidas as rotinas de vida e de movimentos do suspeito AA de quem o intermediário BB era amigo, a localização do BB não tinha qualquer funcionalidade instrumental.

12.a É inconstitucional, por violação dos artigos 24°, n.° 1 e 34°, n.° 4 da Constituição da Republica Portuguesa, a interpretação do artigo 187°, n.° 4, alínea b,) do Código de Processo Penal, segundo a qual a autorização das intercepções e gravações telefónicas, contra a pessoa que sirva de intermediário, permite legitimamente a monitorização, através da localização celular, de todos os passos dessa pessoa, quando não é a própria a visada pela investigação e não se procura com essa monitorização localizar o suspeito cujo paradeiro se desconheça.

13.a É inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 18°, n.° 2, 26°, n.° 1, e 32°, n.° 8, da Constituição da República Portuguesa, a interpretação conjugada do disposto na alínea b) do n.° 4 do art. 187° e no n.° 2 do art. 189°, ambos do Código de Processo Penal do Código de Processo Penal, segundo a qual o rastreio das localizações celulares do mero intermediário não exige um juízo de ponderação da necessidade e adequação, materialmente autónomo do que, eventualmente seja feito para que essas mesmas pessoas sejam sujeitas a escutas telefónicas, considerando-se que uma vez alcançada e fundamentada pela autoridade judiciária a necessidade e adequação da escuta (aos intermediários) fica, automaticamente, alcançada e fundamentada a necessidade e adequação do rastreio da localização celular (aos intermediários).

14.a Os Despachos de fls. fls. 255, 281 e 344, proferidos no âmbito do processo n.º 694/19.3..., na parte em que com eles se autorizou a interceção das comunicações para além das escutas telefónicas, mormente a recolha dos respetivos metadados, onde se incluem as localizações celulares, consubstancia prova proibida nos termos e para os efeitos do n.° 3 do art. 126° do Código do Processo Penal, sob pena de outra interpretação, como vimos, violar a Constituição.

15.a E mais, entende o arguido recorrente que o Acórdão recorrido padece amplamente do vicio de omissão de pronúncia, previsto na al. c) do n.° 1 do artigo 379° do Código de Processo Penal, porquanto:

i.) Deixou de se pronunciar e decidir acerca da verificação da nulidade invocada de contradição insanável da fundamentação, prevista na al. b) do n.° 2 do artigo 410° do Código de Processo Penal, suscitada pelo arguido no ponto 1.1.1 das motivações e concluído a pontos 2 e 3;

ii.) bem como, acreditando que por mero lapso, considerou, erroneamente, que o vicio de omissão de pronúncia suscitado pelo arguido no seu ponto 1.1.2 das motivações e respaldo nos pontos 4 a 6 das respetivas conclusões já tinha sido alvo de apreciação no anterior Acórdão da 9º Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, pelo que, sobre esta concreta questão já havia sido formado caso julgado;

iii.) Igualmente, considerou erroneamente, que a invocada nulidade dos Despachos de fls. 255, 281 e 344, com motivações no ponto 1.2.1 e ponto 8º das conclusões, já tinha sido objeto de apreciação no Acórdão proferido pela 9º Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, pelo que, também aqui, formara-se caso julgado, pelo que nada havia a ser apreciado.

16.a Assim, no que toca ao vicio de omissão de pronúncia acerca da invocada contradição insanável da fundamentação, prevista na alínea b) do n.° 2 do artigo 410° do Código de Processo Penal, suscitada pelo arguido no ponto 1.1.1 das motivações e concluído a pontos 2 e 3, o arguido, não consegue alcançar nas cerca de 160 (cento e sessenta) páginas que compõem o Acórdão recorrido em que parte é que este julgou e decidiu aquele suscitado e invocado vicio de contradição insanável da fundamentação.

17.a É, francamente, verdade que o Acórdão recorrido aborda ampla e teoricamente os diferentes tipos de vícios que compõem o artigo 410° do Código de Processo Penal, bem como reconhece, efetivamente a questão invocada pelo arguido BB acerca da existência do vicio da alínea b) do n.°2 do artigo 410° do Código de Processo Penal, adiantando que irá posteriormente debruçar-se acerca do mesmo em simultâneo com a reapreciação probatória que também fora alegada e suscitada pelo arguido, em sede de impugnação ampla da matéria de facto, contudo, apesar desta realidade, o Tribunal a quo, afinal deixa de se pronunciar e portanto, de decidir, concreta e esclarecidamente acerca dessa mesma questão, emergindo, assim, um novo vicio de omissão de pronúncia nos termos da alínea c) do n.° 1 do artigo 379° do Código de Processo Penal.

18.a O Tribunal recorrido, aborda a autoria dos factos ocorridos no dia 09/09/2020, bem como a questão da causa da morte e do seu nexo causal, contudo fá-lo sempre numa perspetiva de reapreciação da prova carreada para o efeito, determinando a boa decisão condenatória proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, porquanto dentro do âmbito de aplicação do artigo 127° do Código de Processo Penal, mas jamais se pronúncia e julga o vicio da alínea b) do n.°2 do artigo 410° do Código de Processo Penal, isto é, se apesar de tudo aquilo, o Tribunal de Primeira Instância, acerca da causa da morte e suportado naquele acervo probatório, assenta ou não, como provado duas realidades distintas e incompatíveis entre si, tal e qual é invocado e requerido pelo arguido recorrente.

19.a Assim, sobre esta concreta e especialíssima questão suscitada pelo arguido -existência de um vício de contradição insanável da fundamentação entre os pontos 48 e 57 da matéria de facto assente, nos termos da alínea b) do n.°2 do artigo 410° do Código de Processo Penal - torna-se claro que o Tribunal a quo não apresenta qualquer fundamentação, deixando de se pronunciar e, portanto, de a julgar, o que configura um autentico vicio de omissão de pronúncia, nos termos da alínea c) do n.° 1 do artigo 379° do Código de Processo Penal, que desde já, se invoca.

20.a Pelo que, por tudo isto, acreditando que Vossas Excelência certamente acompanharão o nosso entendimento, deverão julgar procedente o ora invocado vicio de omissão de pronúncia, nos termos da alínea c) do n.° 1 do artigo 379° do Código de Processo Penal e consequentemente, ordenar a baixa do processo à 9º Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, a fim daquele Tribunal se pronunciar acerca daquilo que anteriormente deixara de julgar, mormente, apreciar e decidir acerca da questão suscitada pelo arguido recorrente da existência de um vicio de contradição insanável da fundamentação entre os pontos 48 e 57 da matéria de facto assente, nos termos da alínea b) do n.°2 do artigo 410° do Código de Processo Penal.

21.a Mas, o Acórdão recorrido não padece isoladamente do vicio de omissão de pronúncia e apenas e tão-só relativamente à questão acima apresentada.

22.aNa verdade, o Acórdão recorrido, salvo melhor entendimento de Vossas Excelências, incorre em outros dois momentos e sobre outras duas diferentes questões igualmente no vicio de omissão de pronúncia, crendo, parece-nos que em claro erro, que as mesmas já haviam sido apreciadas no Acórdão proferido pela ... Secção do Tribunal da Relação, o que não sucedeu.

23.a Assim, entendeu o Tribunal a quo que os vícios invocados pelo arguido recorrente BB no ponto 1.1.2, com respaldo nas conclusões 4º a 6º e no ponto 1.2.1, devidamente concluído a ponto 8º, do recurso apresentado, isto é, relativamente ao invocado vicio de omissão de pronúncia e nulidades dos Despachos de fls. 255, 281 e 344, já haviam sido alvo de apreciação e decisão em sede do Acórdão proferido pela ... Secção da Relação, motivo pelo qual, constituindo aquela decisão caso julgado sobre ambas as questões, encontrava-se-lhe vedado voltar a julga-las.

24.a Contudo, contrariamente àquilo que o Tribunal recorrido entende, da leitura do Acórdão proferido pela 9º Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em parte alguma aquele Tribunal aprecia e julga estas concretas questões.

25.a Pelo que, jamais se poderá falar aqui da constituição de caso julgado que, eventualmente a verificar-se, determinaria a impossibilidade da sua reapreciação, uma vez que, repita-se, a questão em apreço, não foi naquele Acórdão apreciada e até ao momento e em parte alguma objeto de discussão e decisão.

26.a É verdade que, o Acórdão proferido pela ... Secção identificou o invocado vicio de omissão de pronúncia em sede de objeto do recurso, no seu ponto B, reconhecendo, assim, a necessidade de sobre ele se pronunciar, contudo, por imperativos processuais que forçaram a imediata baixa do processo sem a apreciação plena do recurso apresentado pelo arguido recorrente, aquele Tribunal não teve oportunidade de apreciar e julgar aquele vicio, jamais se pronunciando acerca da sua (im)procedência.

27.a Tal como é verdade que, o Acórdão da 9º Secção, julgou apenas a questão suscitada no ponto 1.2.2 do recurso apresentado pelo arguido BB, referente à nulidade da recolha das localizações celulares ao intermediário, contudo apesar dos Despachos de fls. 255, 281 e 344, cuja nulidade se invoca, terem efetivamente autorizado aquelas localizações celulares que ora também se colocam em crise, a matéria subjacente a ambas as questões é diversa, reportando fundamentos e consequências distintas. Pelo que, apesar de apresentarem uma ligação cronológica, devem as mesmas serem alvo de uma apreciação isolada e autónoma, merecendo, separadamente, julgamento e tomada de decisão.

28.a Assim, parece-nos que, contrariamente àquilo que entende o Tribunal a quo, cremos por mero lapso ou erro de interpretação, as questões suscitadas pelo arguido recorrente BB nos ponto 1.1.2 e 1.2.1 das motivações apresentadas, não foram apreciadas pelo Acórdão proferido pela 9º Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, nem em outro qualquer momento, permanecendo até ao momento num vazio decisório.

29.a Com efeito, a ausência de pronúncia e decisão acerca de uma questão suscitada pelo arguido recorrente, ainda que assente, como nos parece, num claro lapso de leitura ou erro de interpretação por parte do Tribunal a quo, faz suportar o Acórdão recorrido também no vicio de omissão de pronúncia, nos termos da alínea c) do n.°l do artigo 379° do Código de Processo Penal.

30.a A par de que, a invocação perante o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa da contaminação do Acórdão proferido pelo Tribunal de Primeira Instância pelo vicio de omissão de pronúncia, previsto na alínea c) do n.° 1 do art. 379º do Cód. do Processo Penal, bem como o seu suporte em nulidades, - Despachos de fls. 255, 281 e 344 - não consubstanciam simples argumentos, opiniões ou doutrinas expendidas; afigura-se-nos, neste sentido, que ao Tribunal a quo se impunha pronunciar sobre os invocados vícios, sob pena de a sua Decisão - aquela que ora se coloca em crise - se apresentar eivada com o vício processual penal petitionem brevis, entre nós, como vimos atrás, previsto alínea c) do n.° 1 do art. 379º do Cód. do Processo Penal, o que não se verificou.

31.a Com efeito, impendia sobre o Tribunal a quo tomar posição e afinal decidir acerca do que fora pelo arguido apresentado e alegado, concedendo ou não provimento às suas pretensões, o que não sucedeu - o Tribunal a quo deixou de se pronunciar igualmente acerca de duas questões relevantes suscitadas no recurso levado ao seu conhecimento, pelo que, esta totalmente ausência de julgamento, faz incorrer o Acórdão recorrido no vicio de omissão de pronúncia, nos termos da alínea c) do n.°l do artigo 379° do Código de Processo Penal, o que, aqui também se deixa arguido.

32.a Para além do já alegado e invocado vicio de omissão de pronúncia com o qual o Acórdão recorrido se encontra ferido, parece-nos que o mesmo assenta ainda o seu entendimento num claro erro notório na apreciação da prova, nos terma da alínea c) do n.° 2 do artigo 410° do Código de Processo Penal, no que à autoria do resultado morte concerne, tendo assentado como demonstrados factos totalmente insustentados de prova direta e extraviados das regras da experiência comum e da normalidade, alcançando um caminho ilógico, arbitrário e portanto inaceitável.

33.a Para tanto, considera-se, em conflito com o entendimento do Tribunal recorrido, que não poderá ser exigível, ao homem médio e, portanto, ao arguido recorrente BB, saber ou poder saber que uma das suas vitimas encontrava-se incapaz para gerir o choque emocional que um roubo daqueles provoca; na verdade aquela impotência ou incapacidade cardíaca de DD era incognoscível, em abstrato, por um homem médio colocado naquela posição de assaltante.

34.a Ora, desde logo, acompanhando a mesma linha de pensamento do Tribunal a quo, parece-nos que apesar da existência de expressões populares amplamente conhecidas, tais como, susto de morte ou linda de morrer, isso não significa que seja imposto e exigível ao homem comum, saber ou perspetivar, a priori, que a sua beleza ou aquele susto poderá levar à morte de terceiros. Aliás, como se viu, as expressões populares, não passam disso mesmo, expressões, uma vez que até aos dias de hoje, desconhece-se quem já tenha falecido por excesso de beleza.

35.a Pelo que, jamais poderá o (violação) dever objetivo de cuidado ser aferido mediante a existência de uma expressão popular. Não é esta realidade que traduz a violação do dever de cuidado e por sua vez, endurece o nexo de causalidade entre a conduta do arguido e o resultado morte.

36.a Depois, apesar de pertencer, efetivamente, ao domínio comum que uma pessoa com 90 anos de idade, é uma pessoa por natura mais frágil, tal e qual refere o Tribunal a quo, tal não significa que a sua fragilidade seja de tal modo acentuada que o impeça de vivenciar situações com um elevado grau de intensidade, sejam elas felizes ou tristes, porquanto dali poderá resultar o seu falecimento, ou melhor, isso não significa que todas as pessoas com 90 anos de idade, sofre de uma incapacidade cardíaca.

37.a Veja-se que, ser humano, individualmente considerado, apresenta traços morfológicos e fisiológicos totalmente distintos, influenciados pela genética, modo de vida, hábitos de alimentação, etc, não existindo, como se sabe, dois seres humanos totalmente iguais. Pelo que, neste sentido, nem todos os idosos com 90 anos de idade, têm as mesmas doenças e por conseguinte, morrem pelos mesmos motivos.

38.a E facto é que, a sua esposa, também ela idosa e submetida igualmente a estes lamentáveis factos, felizmente não morreu. E não morreu, porque, apesar de também ela apresentar uma idade avançada, simplesmente, não padecia de insuficiência cardíaca ou outra doença que a colocasse em risco em situação de adrenalina.

39.a Para além de que, uma pessoa de 90 anos de idade, débil, poderá sofrer de alzheimer, parkinson, colesterol alto, hipertensão, diabetes, osteoartrite, cataratas, demência, lúpus, entre outras e em nenhum destes casos é evidente e provável que a sua sujeição a um crime de roubo resulte na sua morte.

40.a Na verdade, impor-se ao homem médio, mormente ao arguido recorrente BB, que tivesse conhecimento do estado de saúde da vítima DD, parece-nos, salvo todo o devido respeito, extravasar o limite da razoabilidade.

41.a E esse ultrapassar claro do patamar da razoabilidade, parece-nos resultar claro da hipotética situação da vítima se deparar com máscaras assustadoras na noite de Halloween, quando, por não esperar, apanha, como nas palavras do Tribunal a quo um susto de morte, e por não conseguir aportar aquele efeito adrenalitico, devido à sua insuficiência cardíaca, ali falece.

42.a E nesta situação, parece-nos claro que o caminho a percorrer não será o da condenação daquelas pessoas por violação do dever de cuidado, por lhes ser exigido saberem que um idoso de 90 anos de idade, padece de insuficiência cardíaca que o impede de vivenciar situações mais intensas.

43.a E mais, no caso em concreto, estamos em crer que a derradeira prova dos nove surge com o próprio modo de vida da vítima. Apesar de ser um senhor com 90 anos de idade, a verdade é que deslocava-se sem qualquer auxilio externo e era ele quem ajudava a sua esposa, nada fazendo, assim, crer na sua débil saúde, o que vem, trazer força à imprevisibilidade daquele desfecho.

44.a Com efeito, a morte de DD, tal e qual resulta do relatório medico, não ocorreu pela sua idade, não ocorreu pelas censuráveis agressões, na verdade só ocorreu porque sofria de insuficiência cardíaca que o impediu de conseguir, como um idoso sem essa insuficiência conseguiria, gerir toda aquela carga emocional; concorreu, pois, um fator externo, imprevisível, improvável e anormal, cujo conhecimento não podia ser antes presumido: a insuficiência cardíaca.

45.a Pois, uma pessoa com 90 anos de idade não é por definição uma pessoa irresistível a um crime de roubo e tal não é, que como acima dissemos, a sua esposa, felizmente sobreviveu.

46.a Pelo que, parece-nos que, face a tudo quanto apresentámos, tendo em conta as regras da experiencia comum e da normalidade, não era previsível que a prática daquele crime tivesse como consequência a morte de DD, pelo que, o desconhecimento da doença de que a vitima padecia, não poderá revelar a violação de um dever objetivo de cuidado, sob pena de se entrar num nível de exigibilidade inaceitável.

47.a Por tudo isto, estamos seriamente em crer que o entendimento que vem adotado pelo Tribunal de Primeira Instância e confirmado pelo Tribunal a quo consubstancia um vicio de erro notório na apreciação da prova, nos termos da alínea c) do n.°2 do artigo 410° do Código de Processo Penal, pelo que só poderá resultar indemonstrada a imputação subjetiva do resultado morte ao autor daquele roubo, considerando-se como não provado o ponto 57 da matéria de facto, na parte em que se considerou que os arguidos BB e AA (...) sabiam e quiseram (...) causar-lhe perigo para a vida, negligenciando o resultado que daí pudesse advir para o mesmo, desde logo a sua morte.

48.a Com efeito, estamos em crer que Vossas Excelências darão integral provimento aos vícios invocados, o que determinará, em consequência, a baixa do processo para sanação dos mesmos e expurgação da prova proibida.

49.a Mas, concedendo, por mera cautela e dever de patrocínio que Vossas Excelências rejeitem por completo todos os fundamentos expostos - o que, com humildade, não cremos que venha a ocorrer, confiando incondicionalmente no conhecimento e experiência de Vossas Excelências - pedimos uma reponderação da pena única de 15 (quinze) longos anos aplicada ao arguido, que mais servirá a estigmatização e a marginalização familiar e social que a reintegração.

50.a E neste âmbito, jamais poderemos deixar de aqui salientar e sublinhar que, desde logo, estamos apenas perante um único episodio criminoso, não um vasto leque de reiteradas praticas ilícitas, prolongadas no tempo e diversificadas no espaço, com a afetação de inúmeras vítimas, bem como não se demonstrar uma tendência criminosa por parte do arguido recorrente.

51.a A par de que, jamais pugnando pelo agravamento da condenação do arguido AA, mas chamando-o à colação numa ótica de justiça distributiva, parece-nos clara a desproporcionalidade e excessividade da pena concretamente aplicável ao recorrente, o qual vindo apenas condenado na pratica de dois crimes, em coautoria com o arguido AA, vê a sua punição distanciar-se, fixando-se num patamar inferior, da condenação do arguido AA, por um período de 2 (dois) anos. Ou seja, o grau de punição de dois crimes em confronto com a punição de cinco crimes, é diferenciado pela aplicação de uma pena de dois anos mais diminuída, o que evidencia o desmedido poder sancionatório que continua a ser aplicado.

52.a Pelo que, por tudo isto, vimos perante Vossas Excelências, apelando ao amplamente reconhecido rigor jurídico e sensibilidade humana, reclamar um juízo de censura mais baixo sobre a conduta adotada pelo recorrente, pugnando, respeitosamente, em consequência, pela aplicação da pena única mais diminuída.

Pelo exposto,

Ressalvado o doutíssimo suprimento de Vossas Excelências, Colendos Senhores Juízes Conselheiros deste Supremo Tribunal de Justiça, deverá:

I. Ser julgada e reconhecida a nulidade da recolha das localizações celulares aos intermediários;

II. Ser declarado inconstitucional, por violação dos artigos 24º, n.º 1 e 34º, n.º 4 da Constituição da Republica Portuguesa, a interpretação do artigo 187º, n.º 4, al. b,) do Código de Processo Penal, segundo a qual a autorização das intercepções e gravações telefónicas, contra a pessoa que sirva de intermediário, permite legitimamente a monitorização, através da localização celular, de todos os passos dessa pessoa, quando não é a própria a visada pela investigação e não se procura com essa monitorização localizar o suspeito cujo paradeiro se desconheça.

III. Ser declarado inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 18º, n.º 2, 26º, n.º 1, e 32º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa, a interpretação conjugada do disposto na al. b) do n.º 4 do art. 187º e no n.º 2 do art. 189º, ambos do
Código de Processo Penal do Código de Processo Penal,
segundo a qual o rastreio das localizações celulares do mero intermediário não exige um juízo de ponderação da necessidade e adequação, materialmente autónomo do que, eventualmente seja feito para que essas mesmas pessoas sejam sujeitas a escutas telefónicas, considerando-se que uma vez alcançada e fundamentada pela autoridade judiciária a necessidade e adequação da escuta (aos intermediários) fica,
automaticamente, alcançada e fundamentada a necessidade e adequação do rastreio da localização celular (aos intermediários);

IV. Ser reconhecido que o Acórdão recorrido padece do vicio de omissão de pronúncia, nos termos da al. c) do n.º 1 do art.º 379º do Cód. do Processo Penal, devendo ser ordenada a reelaboração do Acórdão;

V. Ser reconhecido que o Acórdão recorrido padece do vicio a que alude a al. c) do n.º 2 do art.º 410º do Cód. do Processo Penal e;

Em todo o caso,

VI. Considerar-se que a pena de 15 (quinze) anos aplicada é
excessivamente estigmatizante.”

8. Em resposta, o MPº emitiu a seguinte posição:

São as seguintes as questões suscitadas pelos recorrentes:

i. nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal – omissão de pronúncia:

ii. nulidade prevista no artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal – erro notório na apreciação da prova:

Sustentam os recorrentes que o Acórdão recorrido aborda ampla e teoricamente os diferentes tipos de vícios que compõem o artigo 410º do Código de Processo Penal, bem como reconhece, efetivamente a questão invocada pelo arguido AA acerca da existência do vicio da al. b) do n.º2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, adiantando que irá posteriormente debruçar-se acerca do mesmo em simultâneo com a reapreciação probatória que também fora alegada e suscitada pelo arguido, em sede de impugnação ampla da matéria de facto, contudo, apesar desta realidade, o Tribunal a quo, afinal deixa de se pronunciar e portanto, de decidir, concreta e esclarecidamente acerca dessa mesma questão, emergindo, assim, um novo vicio de omissão de pronúncia nos termos da al. c) do n.º 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal.

Reportam-se os recorrentes à por eles antes invocada contradição insanável da fundamentação, nos termos do n.º 2 doart.410º do Código de Processo Penal, mais concretamente entre os factos 48 e 57, relativamente ao crime de roubo praticado no dia 09/09/2020.

O acórdão recorrido começa por definir, além do mais, o vício da contradição insanável da fundamentação, esclarecendo depois que em termos estritos de lógica jurídica, a apreciação das questões atinentes às nulidades consignadas no artº 410 nº2 do C.P.Penal deveria preceder a reapreciação probatória, fundada em erro de julgamento da matéria de facto (…) todavia, no caso dos autos, tendo em atenção que tais matérias se mostram suscitadas na decorrência umas das outras (ou mesmo indiscriminadamente misturadas), optar-se-á por se proceder à análise das questões relativas à matéria de facto, nestas duas vertentes, em simultâneo, seguindo-se (sempre que possível) a ordem lógica de numeração da factualidade apurada.

O acórdão procede, de seguida, à análise dos recursos interpostos em sede de matéria factual.

Aludindo, expressamente, à invocada contradição insanável da fundamentação invocada pelos recorrentes.

Prossegue, afastando primeiramente qualquererroou vício queimponha a alteração da convicção alcançada pelo tribunal sobre a identificação dos dois arguidos como os perpetradores das ações de queforamvítimas FF e DD, aborda a questão da imputação do resultado morte aos arguidos, enunciando que estamos assim perante um nexo de causalidade de cariz puramente jurídico, cuja verificaçãose traduzna imputação da produçãodo resultado desvalioso (nestecaso, a morte) à violação do dever objectivo de cuidado, segundo um critério de adequação, sendo de imputar ao agente a lesão do bem jurídico sempre que esta surgir como uma consequência previsível e possível da violação do dever de cuidado, em que se traduz a negligência, e conclui que existe, pois, nexo de causalidade adequada, entre a acção dos arguidos e o resultado morte, nexo este que se funda num comportamento negligente, numa falta de cuidado, numa leviandade de actuação.

Ora, acompanhando o raciocínio lógico desenvolvido no acórdão, é notório que o acórdão tomou posição sobre a invocada contradição insanável da fundamentação: concluiu que não se verificou.

Pode não ter produzido uma afirmação expressa, autónoma, isolada, mas não deixa margem para qualquer interpretação que não seja a de não ter por verificado tal vício.

Alegam ainda os recorrentes que o acórdão recorrido incorre, em outro momento e sobre outra questão, igualmente no vício de omissão de pronúncia porquanto, relativamente às transcrições de concretos trechos das interceções não eram fiéis reproduções escritas daquilo que os escutados falaram uns com os outros, entendeu que a mesma já havia sido apreciadano Acórdão proferido pela 9º Secção do Tribunal da Relação, o que não sucedeu.

A questão foi abordada na resposta apresentada pelo Ministério Público em 1.ª instância e na qual, a este propósito, se formularam as seguintes conclusões:

8. Caberá ainda esclarecer que em nosso ver inexiste qualquer omissão de pronúncia. Pelo contrário, a questão da reprodução de intercepções telefónicas foi suscitada pelos arguidos em sede de contestação, peça processual onde foi requerida e logo foi apreciada por douto despacho judicial datado de 11.04.2022 e que se transcreveu supra.

9. Assim, não tendo sido renovado o requerimento nem tendo sido aquela reprodução determinada pelo próprio Tribunal, entendemos que não se verifica o invocado vício de nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, por omissão de pronúncia.

10. Não compreendemos o motivo pelo qual vem o recorrente BB suscitar uma vez mais esta mesmíssima questão que foi já objecto de análise edecisão pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa no douto acórdão datado de 26.01.2023, em sentido contrário ao pugnado pelo recorrente, relativamente à validade e valoração das intercepções telefónicas.

11. Tendo sido esta questão objecto de análise e decisão pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, não podia o recorrente sindicá-la novamente, para a mesma instância, tendo incidido já caso julgado no que concerne à mesma.

12.Contrariamente ao alegado pelo recorrente, verificamosdoteordodouto acórdão recorrido proferido pelo Tribunal Colectivo que a decisão foi efectivamente expurgada de toda a prova considerada proibida pelo Venerando TRL, isto é, a referente aos metadados utilizados indevidamente nos NUIPC 122/20.1... e 694/19.3...

13.Ademais, no NUIPC694/19.3PCOER a convicção sobre a autoria dos factos pelo arguido AA sempre se formou com recurso a outras provas produzidas, sem que os metadados se revelassem essenciais à descoberta da verdade.

14.Assim, no que concerne às duas condenações do arguido BB, relativas à sua co-autoria dos factos relativos ao NUIPC 849/20.8... (ofendidos DD e FF), nada impede a valoração de localização celular, por respeitarem a registos referentes a eventos de rede ocorridos após a prolação do respectivo despacho de autorização no NUIPC 694.

15. Ou seja, aqui não valem as preocupações do período admissível de conservação de dados pessoais, intromissão na vida privada e protecção de dados. São dados/eventos de rede que provêm de intercepções ocorridas em tempo real.

O acórdão recorrido pronunciou-se sobre tais questões, nomeadamente nos seguintes termos:

Antes de mais, cabe apreciar se, no acórdão reformulado, se mostra cumprido o ordenado pelo acórdão da 9ª secção, de Janeiro de 2023, no que concerne à não utilização da prova cujo uso foi considerado como integrando prova proibida.

Como supra já se referiu, tal prova proibida circunscrevia-se a um segmento específico e apenas a este, determinando a exclusão da apreciação probatória dos dados de localização celular obtidos a partir de registos conservados pelas operadoras em data anterior à decisão que ordena a sua solicitação a essas mesmas operadoras.

Lida a nova fundamentação realizada em sede da decisão que ora nos cumpre apreciar, constatamos que o tribunal “a quo” cumpriu escrupulosamente tal exclusão; isto é, seleccionou, no que concerne aos elementos de prova, entre os dados de localização celular que haviam sido obtidos e conservados pelas operadoras, em data anterior à decisão que ordenou a solicitação às mesmas, excluindo-os da apreciação probatória (pois constituíam prova proibida) e atendeu apenas, nesta específica sede, aos dados de localização obtidos a partir da data da sua solicitação (prova essa permitida).

Atendeu igualmente ao teor das escutas telefónicas adquiridas para os autos, por o anterior acórdão da 9ª secção ter entendido que, quanto às mesmas, nenhum vício ocorria, sendo prova válida e legalmente obtida, o que determina que tenha de ser tida em apreciação.

Pelo que o acórdão ora recorrido pronúncia-se expressamente sobre as questões suscitadas pelos recorrentes, referindo, a propósito das escutas telefónicas, que nenhumreparo suscita a fundamentaçãorealizada pelo tribunal“a quo”, mostrando-se aliás a mesma exaustiva e compreendendo apenas os elementos de prova que, de acordo com decisão superior transitada em julgado, foi considerada legal e válida.

Pelo que devem os recursos improceder nesta parte.

iii. penas aplicadas excessivamente estigmatizantes:

Acompanhamos integralmente o acórdão recorrido, o qual, note-se, reduziu a pena única aplicada ao arguido BB para 15 anos de prisão e manteve a pena única aplicada ao arguido AA em 17 anos de prisão.

Refere o acórdão recorrido no que ao arguido BB diz respeito:

«Não obstante, haverá que atender nesta sede a um factor de grande relevo, que se prende com o número de actos que foram por si praticados, a que acresce o facto de terem sido cometidos em simultâneo; isto é, pese embora o elevado grau de ilicitude e de culpa, não cremos que, sopesada a personalidade que ressalta deste arguido, atento o facto de ter actuado em sede de um único episódio, se mostre adequada a imposição de uma pena correspondente ao ponto médio da moldura respectiva, por entendermos não ser possível concluir, sem dúvidas, que nos encontramos perante uma tendência criminosa, antes se entendendo que a mesma se deveria situar em limite inferior, designadamente nos 15 anos de prisão.

Assim e nesta parte, cremos assistir razão ao recorrente BB.»

E bem. Se alguma censura o acórdão da 1.ª instância poderia merecer, foi já a mesma extirpada pelo acórdão ora recorrido nos termos sobredito.

E, igualmente bem, o acórdão recorrido, no que ao arguido AA respeita, decidiu:

O que resulta da apreciação integral dos factos e das circunstâncias é que a pena única imposta ao arguido AA se mostra fixada em patamar adequado, face às características do caso, às fortíssimas exigências de prevenção especial e às fortes necessidades de prevenção geral, bem como à culpa do arguido, que se situa num patamarsuperior. Nãose vêpoiscomo poderia haverlugar à sua redução, combase nas circunstâncias atenuativas que o arguido invoca, que foram oportunamente atendidas.

Pelo que, também nesta parte, devem os recursos improceder.

Em consonância com o exposto, por sou de entender que o douto acórdão recorrido não merece qualquer censura.

Termos em que, em conclusão, se pugna que seja negado provimento aos recursos e, assim, confirmando a decisão recorrida (…)”

9. Admitidos os recursos e remetidos a este Supremo Tribunal de Justiça, o MºPº emitiu parecer no sentido do não provimento, dizendo, em síntese (nossa):

“(…)

Acompanhamos o entendimento do Ministério Público na Relação.

Na verdade, o acórdão ora recorrido, da Relação de Lisboa (datado de 22.11.2023), acabou por afastar a pronúncia acerca de diversos aspetos invocados pelos recorrentes nas suas motivações de recurso com base na alegação de que o anterior acórdão daquela mesma Relação (de 09.05.2023) se havia já pronúnciado acerca de tais questões.

Ora, ao contrário do referido pelos recorrentes, este ‘omitir’ de apreciação com base na existência de caso julgado não teve a abrangência que se lhe quer dar. Não implicando, como pretendido, a vício de omissão de pronúncia.

Pois que a realidade é que o acórdão recorrido se pronunciou acerca das questões que lhe foram colocadas, de forma que os recorrentes poderão não ter apreciado, é certo, mas pronunciou-se de modo efetivo (parece-nos que o ora alegado poderá ter na sua base o facto de o acórdão, depois de ter referido o caso julgado quanto aos demais assuntos, se ter limitado a transcrever partes da decisão anterior apenas quanto à questão dos elementos probatórios recolhidos através de metadados).

Assim: - Verifica-se que existiu efetiva pronúncia acerca da alegada nulidade por contradição insanável da fundamentação prevista na alínea b) do no 2 do artº 410º do CPP, suscitada no ponto 1.1.1 da motivação.

O acórdão recorrido referiu (depois de tecer várias considerações acerca do que se deve entender por contradição insanável da fundamentação ou entra a fundamentação e a decisão – fls. 90 e seguintes) e erro notório na apreciação da prova (fls. 91), que apenas poderá o tribunal superior proceder à alteração da matéria de facto – e é esta a finalidade do recorrente ao invocar a existência da contradição – “quando do reexame realizado dentro das balizas legais, se concluir que os elementos probatórios impõem uma decisão diversa, mas já não assim quando esta análise apenas permita uma outra decisão; isto é, quando se constate que o apuramento fáctico não se mostra suportado pelos elementos probatórios constantes nos autos”.

E, depois, parte para a análise da (in)existência dos vícios invocados (fls. 97 e seguintes), concretamente quanto à alegada contradição da fundamentação (ponto 10 a fls. 108).

E então foi apreciada, especificadamente, a matéria levantada pelos recorrentes, sendo analisados os pontos 48 e 57 da matéria de facto provada. Não existe qualquer «lacuna» do acórdão recorrido. Analisou o alegado e pronunciou-se acerca da sua (ir)relevância.

Os recorrentes pretendem ‘confundir’ a análise efetuada com a apreciação da matéria de facto. Mas o certo é que a contradição é isso mesmo – é uma análise que o tribunal superior deve fazer quanto à matéria de facto que o tribunal recorrido entendeu – no caso – como provada. Só assim se pode verificar da existência da alegada contradição.

O acórdão recorrido não sofre da nulidade em causa.

E, ligado indissociavelmente com o acabado de referir, entende-se que nada há a alterar quanto à matéria de facto (o que igualmente é pedido), pelos motivos atrás referidos, analisados de forma aprofundada pelo tribunal da Relação.

Nada justifica que não seja dado como provado ter a morte sido causa da ação dos arguidos, como se referira em sede de decisão de 1ª instância e foi analisada em sede de recurso.

Esclarecida está, com base em basta argumentação, lógica, consentânea com as regras da experiência comum e ainda com recurso a perícia, a relação direta entre a morte da vítima e a atuação dos arguidos.

Não basta a alegação de meras possibilidades académicas, como fazem os recorrentes, para se cair numa qualquer situação de in dubio pro reo.

A decisão de 1ª instância e a da Relação são bem claras e objetivas quanto à forma como alcançaram a convicção de que existiu o nexo de causalidade discutido pelos arguidos, concluindo – corretamente – no sentido positivo quanto à sua real verificação, não subsistindo quaisquer dúvidas quanto a tal aspeto. Como nada justifica que exista alteração à matéria de facto dada como provada quanto ao crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo art. 25º com refª ao artº 21º, nº1 do Decreto-Lei nº 15/93 de 22-1, por referência à Tabela I-C anexa, pelo qual foi condenado o arguido/recorrente AA.

Na verdade, o mesmo pretende agora aditar um facto que está em contradição com os demais dados como provados, qual seja o de que, não obstante a elevada quantidade de estupefacientes que foi encontrada na sua posse, tudo se destinaria ao seu exclusivo consumo.

Isto para beneficiar da alteração legislativa introduzida ao artº 40º da Lei nº 15/93, de 22.1, pela Lei nº 55/2013, de 08.09. Isto para beneficiar da alteração legislativa introduzida ao artº 40º da Lei nº 15/93, de 22.1, pela Lei nº 55/2013, de 08.09.

Para isto, refere que «a experiência comum e a normalidade das coisas, parece-nos apontar para o contacto do arguido com as substâncias ilícitas apenas no plano do consumo individual».

Ora, sdr, se algo nos ensina a normalidade das coisas é, precisamente, o contrário, qual seja a de deter o arguido aquela quantidade (apta a fabricar cerca de 170 doses individuais) com vista a fornecer terceiros.

Aliás, o arguido não pretendeu esclarecer minimamente o Tribunal quanto ao destino que daria a toda a quantidade que lhe foi apreendida, acabando por ser dado como provado que destinava o estupefaciente à entrega e cedência a terceiros (sendo que, recorde-se, o arguido não desempenhava qualquer atividade profissional, nem dispunha de qualquer fonte de rendimentos que lhe permitisse assegurar a sua subsistência).

Daqui que – conforme provado ficou – a quantia em dinheiro apreendida era, em parte, precisamente resultante de vendas de estupefacientes efetuadas a terceiras pessoas.

Não se pode agora – apenas porque o arguido assim o pretende – alterar a matéria de facto de forma a «caber» na previsão do artº 40º, na redação introduzida pela Lei nº 55/2023, de 08.09 (que, aliás, mantém no seu nº 3, a referência quanto a constituir indício de que não será para consumo a detenção de quantidades que excedam o consumo individual para 10 dias).

Recorde-se, aliás, que nem pode este STJ proceder a tal alteração, tendo em conta que apenas aprecia matéria de direito, não de facto, tendo já o Tribunal da Relação proferido pronúncia final quanto a este ilícito, confirmando a decisão de 1ª instância.

Assim, entende-se nada haver a alterar em termos de condenação do arguido AA pela prática do crime de tráfico de menor gravidade. Como também não se verifica a outra nulidade invocada (parte II. b) da motivação), quando se alega que o acórdão recorrido não se pronunciou acerca da matéria constante no ponto 1.1.2., que, por sua vez, alegava a existência de omissão de pronúncia quanto a pedidos que efetuara em sede de contestação (alegação de que as «gravações das conversações telefónicas em causa não foram reproduzidas, não resultando, ademais, do Acórdão que essa questão tivesse sido objeto de ponderação, de fundamentação e muito menos de decisão por parte do Tribunal de julgamento»). Vêm agora os recorrentes dizer que o acórdão recorrido não se pronunciou acerca desta matéria.

Sucede que, como referido pelo Ministério Público, a questão se mostrava ultrapassada, porquanto acerca da mesma --, que foi levantada em sede de contestação -- houve decisão em 11.04.2022 do tribunal, decisão que não mereceu contestação e na qual se referiu que «Quanto à reprodução das intercepções em audiência impõe-se considerar que, havendo transcrição delas sem impugnação da veracidade do processo de recolha e transcrição, será admitida se nisso se mostrar relevância em julgamento, podendo renovar-se o requerimento ou ser essa reprodução determinada pelo próprio Tribunal». Ora, não tendo sido renovado o requerimento nem tendo sido aquela reprodução determinada pelo próprio Tribunal, entendemos que Não se verifica o invocado vicio de nulidade prevista no artigo 379.o, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, por omissão de pronúncia.

De qualquer forma, há a notar ainda que o anterior acórdão havia feito, aqui sem qualquer dúvida, caso julgado quanto a toda a matéria das intersecções, quer quanto a impossibilidade de utilização de alguns metadados, quer quanto a, pelo contrario, nenhum vicio ocorrer quanto aos demais elementos probatórios dali decorrentes, estando-se perante prova valida e legalmente obtida (fls. 108 do acórdão).

Inexiste, assim e também aqui, qualquer vicio a apontar a decisão recorrida.

Passando agora especificamente a motivação de recurso do arguido BB, quando o mesmo entende pela utilização de prova proibida, consistente na autorização e utilização de intercepções e gravações telefónicas contra a pessoa que sirva de intermediaria, permitindo a monitorização através da localização celular, de todos os passos dessa pessoa.

Verifica-se que o acórdão recorrido se pronunciou acerca desta questão.

Daqui que, acerca da matéria, exista já decisão transitada em julgado, não passível de ser novamente discutida, como pretendido, tendo sido a decisão já expurgada (nomeadamente com reflexos no arguido AA) dos elementos entendidos como resultante de produção de prova inadmissível.

Não entendemos como possível que venha agora o arguido BB tentar ¡¥estender¡¦ uma proibição de prova que já foi considerada como existente, mas apenas relativamente a aspetos concretos que Não aqueles que ora são invocados e que mereceram já decisão anterior transitada em julgado

Refere ainda este recorrente BB que, para alem das inconstitucionalidades que invoca, existiu erro na apreciação da prova, pretendendo terem sido julgados de forma incorreta os factos constantes nos pontos 34 a 48 e 50 a 59 da matéria de facto, ou seja, os que consubstanciam a pratica do crime ocorrido no dia 09.09.2020 Sucede que, como já atras se referiu quanto a outro aspeto em que no recurso e pedida a alteração da matéria de facto dada como provada, este STJ Não aprecia tal matéria de facto, versando os recursos apenas matéria de direito, como estabelece o artº 434º do CPP.

Ora, assim sendo, e Não se estando perante caso excecionado no final desse mesmo preceito, nesta parte devera ser o recurso rejeitado, sem mais.

Note-se que o recorrente acaba, nesta parte, por apenas alegar que, sem a prova resultante da localização celular, restariam dúvidas quanto a sua participação nos factos. Sucede que, para alem de a prova ter sido adquirida de forma legitima, mesmo que o Não tivesse sido, muitas outras apontaram para aquela prática, Não subsistindo quaisquer dúvidas quanto a responsabilidade do arguido BB.

Não basta lançar a ideia de que, eventualmente, poderiam surgir duvidas, para, sem mais, serem alterados para Não provados e absolver.

Pelo que, também nesta parte, Não se afigura minimamente procedente o recurso.

Finalmente, quanto as penas concretas aplicadas aos arguidos/recorrentes: O pedido de redução das penas tem como pressuposto a alteração/revogação das condenações pela prática de crimes pelos quais se verificou a condenação dos arguidos. Nada havendo a alterar nessa parte, consequentemente cai a sustentação do pedido de redução daquelas penas.

De qualquer forma, sempre se dirá que o quantum das penas foi já retificado, no que respeita ao entendido como adequado, pelo Tribunal da Relação de Lisboa. Não entendemos existir necessidade de proceder a outra correção.

Como é sabido, quanto ao controle da fixação concreta da pena a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça tem de ser necessariamente “parcimoniosa”, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada” Aplicando estes ensinamentos ao presente processo, entende-se que não existem, motivos para alterar o decidido em termos de penas parcelares e únicas impostas aos arguidos/recorrentes.

…….

-- Termos em que é parecer do Ministério Público que o acórdão recorrido deverá ser mantido na totalidade, julgando-se totalmente improcedentes os recursos interpostos pelos arguidos AA e BB.

(…)”

10. Não houve resposta dos arguidos a este parecer, apenas se tendo pronunciado a assistente GG, com o qual manifestou a sua total concordância.


11- Após exame preliminar e vistos legais foram remetidos os autos à Conferência, cumprindo agora explicitar a deliberação tomada.


II- Delimitação das questões a conhecer no âmbito do presente recurso


2.1- Visando permitir e habilitar este Supremo Tribunal a conhecer as razões de discordância da decisão recorrida e tal como tem sido, aliás, posição pacífica da jurisprudência, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões, devidamente congruentes, que o(s) recorrente(s) extrai(em) da respectiva motivação, sem prejuízo da ponderação das questões que sejam de conhecimento oficioso. (1)


As questões suscitadas apenas deverão e poderão ser conhecidas pelo STJ dentro dos respectivos poderes de cognição.


2.2- Assim, atentas as conclusões formuladas pelos recorrentes, as questões a decidir no presente recurso, sem prejuízo das devam e possam ser de conhecimento oficioso, por ordem de precedência lógica, são as seguintes:

A) Arguido AA:

i).Nulidade prevista na al. c) do n.º 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal por Omissão de pronúncia

«O Tribunal deixou de se pronunciar e decidir acerca da verificação da nulidade invocada de contradição insanável da fundamentação, prevista na al. b) do n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, suscitada pelo arguido no ponto 1.1.1 das motivações e concluído a pontos 2 e 3;

e porque considerou, erroneamente, que o vício de omissão de pronúncia suscitado pelo arguido no seu ponto 1.1.2 das motivações e respaldo nos pontos 4 a 6 das respetivas conclusões já tinha sido alvo de apreciação no anterior Acórdão.»

ii).Nulidade prevista na al. c) do n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal – «Erro notório na apreciação da prova, em 2 aspetos:

- Por ter sustentado o seu entendimento «acerca da autoria do resultado morte e
do crime de tráfico de menor gravidade, tendo assentado como demonstrados
factos totalmente insustentados de prova direta e extraviados das regras da
experiência comum e da normalidade, alcançando um caminho ilógico, arbitrário
e portanto inaceitável», pedindo que seja dado como não provado o ponto 57 da
matéria de facto, na parte em que se considerou que os arguidos BB e
AA (...) sabiam e quiseram (...) causar-lhe perigo para a vida,
negligenciando o resultado que dai pudesse advir para o mesmo, desde logo a
sua morte; e

- Por ter erradamente concluído que a detenção de estupefacientes
suficientes para cerca de 170 doses, «sem a recolha de quaisquer outras
informações, nomeadamente imagens de videovigilância, escutas telefónicas
e/ou depoimentos de fornecedores ou consumidores, que demonstrem o
desenvolvimento de uma atividade de venda de estupefacientes, não poderá ser
suficiente a alcançar aquele entendimento, isto é, que se destinem à sua venda
ou cedência», antes devendo ter concluído destinarem-se apenas ao seu
consumo. Alega ainda que deveria ter sido apreciado o caso perante o regime
mais favorável que entrou em vigor com a Lei nº 55/2023, de 08.09, sendo
condenado agora pela prática de um crime de tráfico para consumo, nos termos
do artº 40º, nº 1 do Dec-Lei nº 15/93, de 22.01.»

«iii Aplicou uma pena única desconforme, alicerçada em erros e vícios de direito penal adjetivo e bem assim, excessiva e desproporcional»

Por sua vez, o arguido/recorrente BB, alega, em resumo, o mesmo que o co-arguido, pedindo uma redução da pena e aditando ainda o seguinte:

«i. Ter-se verificado omissão de pronúncia quanto a diversos vícios alegados pelo recorrente (conclusão 8ª do recurso apresentado), por se ter entendido erroneamente que tais matérias já haviam sido objeto de apreciação em anterior decisão da Relação, devendo ser agora analisada e decidida a questão «que fora unicamente apreciada no Acórdão proferido pela 9º Secção da Relação, cujo recurso foi considerado inadmissível e portanto, ali ficou pendente, relativamente à nulidade da recolha das localizações celulares ao intermediário, por ser agora, parece-nos, o momento processual oportuno para o efeito, uma vez que já fora conhecida, pelo Tribunal a quo a globalidade do objeto final do processo», entendendo como «repugnante» da razão a decisão que lhe determinou a monitorização celular, por violação do princípio da necessidade (artº 18º, nº 2, da Constituição).

ii. Daqui pretendendo retirar diversas inconstitucionalidades, referindo, entre o mais, entender ser «inconstitucional, por violação dos artigos 24º, n.º 1 e 34º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, a interpretação do artigo 187º, n.º 4, al. b,) do Código de Processo Penal, segundo a qual a autorização das interceções e gravações telefónicas, contra a pessoa que sirva de intermediário, permite legitimamente a monitorização, através da localização celular, de todos os passos dessa pessoa, quando não é a própria a visada pela investigação e não se procura com essa monitorização localizar o suspeito cujo paradeiro se desconheça», estando-se perante prova proibida.»

2.3 - O Direito


2.3.1- As questões processuais comuns a ambos os arguidos


2.3.1.1-O AA, como vimos já anteriormente, foi condenado, além do mais, com total confirmação pelo acórdão da Relação do qual agora veio recorrer, pela prática, em concurso real e na forma consumada:

• em co-autoria (com o arguido BB) material de um crime de roubo agravado, p. e p. nos termos do disposto nos arts. 210.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), por referência ao disposto no art. 204.º, n.º 1, alínea d) e f) do Código Penal (ofendida FF), a pena de 9 (nove) anos de prisão;

• em co autoria (com o arguido BB) material de um crime de roubo agravado também pelo resultado morte, p. e p. nos termos do disposto nos arts. 210.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), por referência ao disposto no art. 204.º, n.º 1, alínea d) e f) e nº 3 do mesmo artº 210º do Código Penal (ofendido DD), a pena de 12 (doze) anos de prisão;

• em autoria material de um crime de roubo agravado, p. e p. nos termos do disposto nos arts. 210.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), por referência ao disposto no art. 204.º, n.º 1, alínea d) e f) do Código Penal (ofendida GG), a pena de 7 (sete) anos de prisão;

• em autoria material de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25º com refª ao artº 21º, nº1 do Decreto-Lei nº 15/93 de 22-1, por referência à Tabela I-C anexa, a pena de 2 (dois) anos de prisão;

• em autoria material de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º n.º 1 al. c), por referência aos artigos 2º n.º 1 aad) e 3º n.º 5 al. d), da Lei n.º 5/2006 de 23.02, em concurso aparente com a contra-ordenação, prevista e punida pelos artigos 97º n.º 1, do mesmo diploma legal (entendendo-se que a detenção simultânea pelo mesmo agente de objectos, sendo que uns integram a prática de crime e outros a prática de contra-ordenação é susceptível de um único juízo de censura, integrando os factos o crime de detenção de arma proibida como ilícito mais grave), a pena de 2 (dois) anos de prisão;

Fixando a este arguido a pena única de prisão em 17 (dezassete) anos;

Por sua vez o arguido BB foi condenado, além do mais, pela prática, em concurso real e forma consumada, de:

• em co-autoria (com o arguido AA) material de um crime de roubo agravado, p. e p. nos termos do disposto nos arts. 210.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), por referência ao disposto no art. 204.º, n.º 1, alínea d) e f) do Código Penal (ofendida FF), a pena de 9 (nove) anos de prisão;

• em co-autoria (com o arguido AA) material de um crime de roubo agravado também pelo resultado morte, p. e p. nos termos do disposto nos arts. 210.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), por referência ao disposto no art. 204.º, n.º 1, alínea d) e f) e nº 3 do mesmo artº 210º do Código Penal (ofendido DD), a pena de 12 (doze) anos de prisão;

Fixando a 1ª instância a pena única de prisão a este arguido em 16 anos e 6 meses de prisão e que a Relação entretanto baixou no acórdão ora recorrido para 15 anos.

Ambos os arguidos fundamentam o seu recurso apontando “vícios” da decisão e excessividade das penas únicas.


2.3.1.2-Quanto aos alegados “vícios”.


A) “Omissão de pronúncia sobre o vício de contradição insanável da fundamentação.


Os arguidos recorrentes argumentam que o Acórdão do Tribunal da Relação ora recorrido:-

Padece da nulidade prevista na al. c) do n.º 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal – Omissão de pronúncia, porquanto, deixou de se pronunciar e decidir acerca da verificação da nulidade invocada de contradição insanável da fundamentação, prevista na al. b) do n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, suscitada pelo arguido no ponto 1.1.1 das motivações e concluído a pontos 2 e 3, bem como, acreditando que por mero lapso, considerou, erroneamente, que o vício de omissão de pronúncia suscitado pelo arguido no seu ponto 1.1.2 das motivações e respaldo nos pontos 4 a 6 das respetivas conclusões já tinha sido alvo de apreciação no anterior Acórdão da ... Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, pelo que, sobre esta concreta questão já havia sido formado caso julgado.”

E referem que:

-“(…)não consegue alcançar nas cerca de 160 (cento e sessenta) páginas que compõem o Acórdão recorrido em que parte é que este julgou e decidiu aquele suscitado e invocado vício de contradição insanável da fundamentação.

Mais dizem que:

-“(…) embora o Acórdão recorrido identifique efetivamente a questão invocada acerca da existência do vício da al. b) do n.º2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, adiantando que irá posteriormente debruçar-se acerca do mesmo em simultâneo com a reapreciação probatória que também fora alegada e suscitada pelo arguido, em sede de impugnação ampla da matéria de facto, contudo, apesar desta realidade, o Tribunal a quo, afinal deixa de se pronunciar e portanto, de decidir, concreta e esclarecidamente acerca dessa mesma questão, emergindo, assim, um novo vício de omissão de pronúncia nos termos da al. c) do n.º 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal.

Vejamos de seguida se efectivamente existe a primeira das nulidades invocadas.


No (2º) recurso interposto para a Relação o arguido AA no ponto 1.1.1 da motivação aludiu ao seguinte:

“ 1.1.1. CONTRADIÇÃO INSANÁVEL DA FUNDAMENTAÇÃO - AL. B) DO N.º 2 DO ART. 410º DO CÓD. DO PROCESSO PENAL.

Salvo melhor entendimento (…) parece-nos verificável uma contradição insanável da fundamentação do Acórdão recorrido, concretamente, entre os factos assentes nos pontos 48 e 57, da fundamentação de facto, nos termos do n.º 2 do art. 410º do Código do Processo Penal.

No ponto 48 da fundamentação de facto, o Tribunal a quo considerou como provado que:

“Devido ao choque emocional associado a este evento, em que foi vítima de diversas pancadas que os arguidos lhe desferiram, o ofendido DD sofreu um enfarte que lhe causou a morte, por insuficiência de aporte de sangue ao coração.

No entanto, no ponto 57 da mesma fundamentação, assentou o Tribunal recorrido que:

“Os arguidos BB e AA, em comunhão de esforços, sabiam e quiseram também sujeitar o ofendido DD a agressões físicas que, tendo em conta a idade avançada deste último, seriam sempre idóneas a causar-lhe perigo para a

vida, o resultado que daí pudesse advir para o mesmo, desde logo a sua morte “

Como se verifica, procurando operacionalizar a teoria da causalidade adequada relativamente ao agravamento pelo resultado morte do crime de roubo, o Tribunal imputa objetivamente a morte ao choque emocional (facto 48), mas, aquando da verificação probatória dos factos atinentes à imputação subjetiva, atribui o resultado morte a agressões físicas que, tendo em conta a idade avançada deste último, seriam sempre idóneas a causar-lhe perigo para a vida (facto 57).

Independentemente do que alegaremos, adiante, em sede de impugnação da matéria de

facto, para o que convocaremos o resultado da autópsia de fls. 592 e seguintes, a verdade é

que uma e outra consideração, neste nosso caso, são incompatíveis entre si. Não é logicamente válido, no âmbito da operacionalização da teoria da causalidade adequada, considerar-se que DD faleceu por força de uma incapacidade orgânica para gerir aquele embate emocional próprio de um roubo com tais contornos e, simultaneamente, aceitar-se demonstrado que a morte deve ser imputada aos autores do roubo porque estes ao agredirem fisicamente DD sabiam que essas agressões, atenta a idade deste, podiam determinar-lhe a morte, deixando, o Decisor, perceber que entendeu e assentou que, com as agressões físicas, terão os arguidos atuado com negligência relativamente ao resultado morte.

(…)

Com efeito, resulta que entre o que se assentou nos pontos 48 e 57 da fundamentação, isto é, entre o que se considerou provado ao nível da imputação objetiva e o que se deu por provado a respeito da imputação subjetiva, em ambos os casos relativamente ao mesmo resultado agravado do crime de roubo, verifica-se uma contradição insanável da fundamentação, nos termos da já indicada al. b) do n.º 2 do art. 410º do Cód. de Processo Penal, que se deixa, assim, arguida.”

E remata, depois, nas conclusões desse recurso, nos pontos 2 a 6:

“2.ª Resulta do Acórdão recorrido uma contradição insanável da fundamentação, nos termos do n.º 2 do art. 410º do Código de Processo Penal, mais concretamente entre os factos 48 e 57, relativamente ao crime de roubo praticado no dia 09/09/2020, que aqui se transcrevem:

[ponto 48] (…) Devido ao choque emocional associado a este evento, em que foi vítima de diversas pancadas que os arguidos lhe desferiram, o ofendido DD sofreu um enfarte que lhe causou a morte, por insuficiência de aporte de sangue ao coração.

[ponto 57] Os arguidos BB e AA, em comunhão de esforços, sabiam e quiseram também sujeitar o ofendido DD a agressões físicas que, tendo em conta a idade avançada deste último, seriam sempre idóneas a causar-lhe perigo para a vida, o resultado que daí pudesse advir para o mesmo, desde logo a sua morte.

3.ª Esta contradição insanável impede a cabal verificação dos pressupostos relativos à imputação subjetiva do resultado morte, enquanto resultado agravado do crime de

roubo, pelo que desde já se arguiu a sua nulidade, nos termos da al. b) do n.º 2 do art. 410º do Código de Processo Penal.

4.ª Foi alegado pela Defesa, em sede de contestação no seu ponto 29º, que as transcrições de concretos trechos das interceções não eram fiéis reproduções escritas daquilo que os escutados falaram uns com os outros, motivo pelo qual requereu que as mesmas fossem ouvidas em sede de julgamento.

5.ª Acontece que, nem as escutas foram ouvidas em sede de julgamento, nem tão pouco o Tribunal a quo se pronunciou, em momento algum, acerca daquela desconformidade, pelo que, nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal, é nulo o Acórdão, quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.”

*

Por sua vez, consta do Acórdão recorrido do Tribunal da Relação de Lisboa (de 22 de Novembro de 2023), ao que agora importa, que o mesmo identificou a questão e também quanto a ela, além de extensa elaboração de considerações gerais dogmáticas e jurisprudenciais acerca da natureza e inserção processual das nulidades e vícios de decisão e do regime de impugnação de facto, a aplicação das regras da experiência bem como o alcance do princípio in dubio pro reo, se pronunciando claramente sobre o vício invocado, negando a sua existência.


Senão vejamos (transcrição):

“ (…)

II – questões a decidir elencadas pelo Tribunal da relação de Lisboa.

a. questão prévia.

b. errada apreciação probatória.

c. errado enquadramento jurídico.

d. errada dosimetria das penas.

III – fundamentação.

a. questão prévia.

1. Nos seus recursos, os recorrentes alegam e pedem o seguinte:

AA:

4.ª Foi alegado pela Defesa, em sede de contestação no seu ponto 29º, que as transcrições de concretos trechos das interceções não eram fiéis reproduções escritas daquilo que os escutados falaram uns com os outros, motivo pelo qual requereu que as mesmas fossem ouvidas em sede de julgamento.

5.ª Acontece que, nem as escutas foram ouvidas em sede de julgamento, nem tão-pouco o Tribunal a quo se pronunciou, em momento algum, acerca daquela desconformidade, pelo que, nos termos do disposto na al. c) do n.° 1 do artigo 379° do Código de Processo Penal, é nulo o Acórdão, quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.

6.ª Com efeito, desde já, se deixa arguida a nulidade do Acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, nos termos e por força da al. c) do n.° 1 do artigo 379° do Código de Processo Penal.

10.ª Sucede, porém, que, a visão que o Tribunal a quo faz das localizações celulares juntamente com as escutas telefónicas, perspetivando aquela que foi a logica cronológica da prática do crime, faz assentar a sua decisão em prova proibida e, portanto, insuscetível de ser valorada.

(…)

(2) Padece da nulidade prevista na al. c) do n.° 1 do art.° 379° do Cód. do Processo Penal – Omissão de Pronúncia;

(…)

II. Ser reconhecida a nulidade do Acórdão recorrido e ordenada a sua reformulação em conformidade, nos termos da al. c) do n.° 1 do art.° 379° do Cód. do Processo Penal;

BB:

(2) Padece da nulidade prevista na al. c) do n.° 1 do art.° 379° do Cód. do Processo Penal – Omissão de Pronúncia;

(3) Convocou, para a formação do juízo probatório em que se alicerça, prova proibida, nos termos do n.° 3 do art. 126° do Código do Processo Penal, qual seja a análise dos metadados obtidos no âmbito da Lei n.° 32/2008, de 17 de julho;

(…) 4.ª Foi alegado pela Defesa, em sede de contestação no seu ponto 29º, que as transcrições de concretos trechos das interceções não eram fiéis reproduções escritas daquilo que os escutados falaram uns com os outros, motivo pelo qual requereu que as mesmas fossem ouvidas em sede de julgamento.

5.ª Acontece que, nem as escutas foram ouvidas em sede de julgamento, nem tão-pouco o Tribunal a quo se pronunciou-se acerca daquela estranha irregularidade, pelo que, nos termos do disposto na al. c) do n.°1 do artigo 379° do Código de Processo Penal, é nulo o Acórdão, quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.

6.ª Com efeito, desde já, se deixa arguida a nulidade do Acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, nos termos e por força da al. c) do n.° 1 do artigo 379° do Código de Processo Penal.

7.ª Para além dos vícios resultantes do Acórdão recorrido – e aqui já arguidos -entende o arguido, ora recorrente, que a sua condenação assentou numa base probatória proibida.

8.ª Ora, desde logo, os despachos de autorização das interceções telefónicas a fls. 255, 281 e 344, padecem de insuficiente fundamentação, verificando-se a omissão de cumprimento de um formalismo exigido pelo n.°1 do artigo 187° do Código de Processo Penal, quando assenta as interceções telefónicas num prévio despacho fundamentado, pelo que, por força do artigo 190° do Código de Processo Penal, tais despachos e por consequência, todos os dados dai recolhidos, terão de considerar-se nulos, configurando prova insuscetível de valoração, nos termos do n.°3 do artigo 126° do Código de Processo Penal.

9.ª Seguidamente, vislumbra-se que as respetivas interceções telefónicas, mais concretamente a fls. 255 e 281, foram autorizadas ao recorrente, na qualidade de suspeito, sucede, porém, que, numa logica cronológica tal suspeição era impossível, uma vez que à data da prática dos factos o recorrente encontrava-se recluído.

10.ª Parecendo-nos que nesse sentido as interceções telefónicas a fls. 255 e 281, ao recorrente, foram na qualidade de pessoa que sirvia de intermediário, nos termos da al. b) do n.°4 do artigo 187° do Código de Processo Penal, entendemos que dessa forma, a extensão e abrangência com que foram autorizadas, revela-se excessiva, desproporcional e desnecessária face aos fins da investigação, bem como contrária ao espirito da lei.

11.ª Acompanhando aquela que foi a intenção do legislador, bem como a Jurisprudência deste Venerando Tribunal, no seu Acórdão proferido em 06/12/2007, no âmbito do processo n.º 10278/07-9, quando não esteja em causa a captura do principal suspeito, as interceções telefónicas a pessoa que sirva de intermediário, ter-se-ão de encontrar limitadas às escutas telefónicas e jamais, englobar a geolocalização, sob pena de violação do direito à reserva da vida privada, previsto no artigo 26", n." 1 da Constituição da República Portuguesa.

12.ª Com efeito, tendo as interceções telefónicas sido autorizadas em clara violação dos requisitos impostos no artigo 187" do Código de Processo Penal, mais concretamente por terem sido autorizadas para alem do legalmente estabelecido na al. b) do n."4 do respetivo artigo, extravasando injustificadamente o seu âmbito de aplicação, tais localizações celulares terão de considerar-se nulas, por força do artigo 190" do Código de Processo Penal e, em consequência toda a prova daí recolhida, terá de ser considerada prova proibida, nos termos do n." 3 do artigo 126" do Código de Processo Penal.

13.ª Aliás é inconstitucional, por violação dos artigos 24", n." 1 e 34", n." 4 da Constituição da Republica Portuguesa, a interpretação do artigo 187", n." 4, al. b,) do Código de Processo Penal, segundo a qual a autorização das interceções e gravações telefónicas, contra a pessoa que sirva de intermediário, permite legitimamente a monitorização, através da localização celular, de todos os passos dessa pessoa, quando não é a própria a visada pela investigação e não se procura com essa monitorização localizar o suspeito cujo paradeiro se desconheça.

14.ª Procedendo todas as apresentadas invalidades, na senda da recente jurisprudência do Tribunal Constitucional ínsita no Acórdão n.º 268/2022, verifica-se que até à data de 18/9/2020 as autorizações para o rastreamento das localizações celulares relativas ao arguido BB são nulas porque ele era um simples intermediário das comunicações cuja interceção se justificava na relação de intimidade que tinha com o suspeito e não como veiculo de localização do suspeito, por foragido ou em paradeiro incerto.

15.ª Pelo que, encontrava-se vedado às operadoras, por força daquela jurisprudência constitucional entretanto proferida, o armazenamento de todo e qualquer dado respeitante ao período anterior a esta data, incluído está, claramente, os respetivos dados de localização celulares do dia 09/09/2020, pelo que a transmissão dos dados referente ao período solicitado pela Juiz de Instrução, em 22/09/2022, de 01/07/2020 a 15/09/2020, é inadmissível porque sustentada em diploma legislativo considerado inconstitucional, pelo que essas consultas às bases de dados das operadoras telefónicas consubstanciam, igualmente, prova proibida, nos termos n.º 3 do artigo 126º do Código do Processo Penal.

16.ª Igualmente por referência ao crime praticado no dia 09/09/2020, cuja interceção telefónica foi autorizada em 18/09/2020, por Despacho de fls. 344, por promoção do Ministério público, veio o Juiz de Instrução a 15/12/2020, oficiar à operadora NOS o envio de dados de tráfego e localizações celulares, pelo período entre 01/09/2020 a 11/09/2020, os quais vieram a ser efetivamente enviados a 15/01/2021.

17.ª Verifica-se que é nestas precisas situações que se alicerçou o Tribunal a quo para determinar a condenação do recorrente pelos factos descritos sob os pontos 34 a 59 do Acórdão, porem, salvo melhor opinião, a conservação, pela operadora telefónica, e o posterior tratamento, pelo OPC, daqueles dados de tráfego reflete aquela que em que assentou a decisão do Tribunal Constitucional, no Acórdão supra citado, provocando, no nosso caso, a proibição de valoração probatória da informação de fls. 866 a 873, nos termos e para os efeitos do n.° 3 do art. 126° do Código do Processo Penal.

(…)

II. Ser declarada a inconstitucionalidade, por violação dos artigos 24º, n.º 1 e 34º, n.º 4 da Constituição da Republica Portuguesa, a interpretação do artigo 187º, n.º 4, al. b), do Código de Processo Penal, segundo a qual a autorização das interceções e gravações telefónicas, contra a pessoa que sirva de intermediário, permite legitimamente a monitorização, através da localização celular, de todos os passos dessa pessoa - quando não é a própria a visada pela investigação - e não se procura com essa monitorização localizar o suspeito cujo paradeiro se desconheça;

III. Ser declarada proibição de prova, nos termos do n.º 3 do art. 126º do Código do Processo Penal, da valoração da análise dos metadados;

(…)

I. Ser reconhecida a nulidade do Acórdão recorrido e ordenada a sua reformulação em conformidade, nos termos da al. c) do n.º 1 do art.º 379º do Cód. do Processo Penal;

II. Ser declarada a inconstitucionalidade, por violação dos artigos 24º, n.º 1 e 34º, n.º 4 da Constituição da Republica Portuguesa, a interpretação do artigo 187º, n.º 4, al. b), do Código de Processo Penal, segundo a qual a autorização das interceções e gravações telefónicas, contra a pessoa que sirva de intermediário, permite legitimamente a monitorização, através da localização celular, de todos os passos dessa pessoa - quando não é a própria a visada pela investigação - e não se procura com essa monitorização localizar o suspeito cujo paradeiro se desconheça;

III. Ser declarada proibição de prova, nos termos do n.º 3 do art. 126º do Código do Processo Penal, da valoração da análise dos metadados;

2. Apreciando.

O acórdão que presentemente se mostra sujeito a exame por este tribunal, constitui um segundo acórdão, prolatado após recurso interposto pelos arguidos ora recorrentes, relativamente à inicial decisão.

De facto, no seguimento dos ditos recursos interpostos, foi proferido acórdão, pela 9ª secção deste TRL, em 26 de Janeiro de 2023, que determinou a final, julgar nula a decisão recorrida, nos termos do art.º 126.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, e ordenar a sua repetição, pelo mesmo tribunal, nos termos do art.º 410.º, n.º 3 do mesmo diploma legal, sem a ponderação da prova proibida, nos termos acima explicitados.

Procedeu então o tribunal “a quo” à elaboração de novo acórdão, em cumprimento do que lhe havia sido determinado e é sobre este que os arguidos de novo recorreram para o TRL recorrem.

Este, agora em segunda decisão, considerou:”

3. Como se constata pela leitura do acórdão prolatado pela 9ª secção deste TRL, todas as questões acima transcritas, que correspondem a segmentos das conclusões apresentadas pelos arguidos, nestes novos recursos que apresentaram em relação à segunda decisão proferida pelo tribunal “a quo”, já haviam sido anteriormente suscitadas, apreciadas e decididas, em sede do dito acórdão de Janeiro de 2023.

4. Apenas uma das específicas questões propostas pelos recorrentes obteve vencimento, designadamente a que se reportava ao uso, como meio de prova, de dados de localização celular obtidos a partir de registos conservados pelas operadoras em data anterior à decisão que ordena a sua solicitação a essas mesmas operadoras e a sua junção ao processo, como resulta da leitura do 1º acórdão do TRL, cujo segmento se transcreve (sublinhados nossos):

Nestes termos, duas conclusões se nos afiguram óbvias:

a) casos há na presente decisão em que dados de localização celular utilizados na formação da convicção do tribunal em relação ao julgamento da matéria de facto foram obtidos a partir de registos conservados pelas operadoras em data anterior à decisão que ordena a sua solicitação a essas mesmas operadoras e a sua junção ao processo, o que cai diretamente sob a alçada da declaração de inconstitucionalidade acima referida, não obstante o processo poder já estar pendente e sendo já dirigido contra as pessoas a quem os dados dizem respeito;

b) decisão contém uma fundamentação insuficiente (porque pouco esclarecedora) em relação aos elementos do processo ou processos (apensados ou outros) a partir dos quais foram obtidos dados desse jaez e que demonstrem cabalmente que a sua utilização é possível nos termos atrás referidos: assim, impõe-se que nessa fundamentação conste expressamente qual a decisão (e processo em que foi proferida) que determinou a obtenção de dados de localização celular, bem como a respetiva data, para poder concluir que o seu registo e envio apenas contém dados posteriores a essa ordem – caso contrário, ter-se-á de concluir que os dados estavam “conservados”; para tanto, tais elementos devem ser pedidos a esses processos e juntos aos presentes autos; caso não sejam juntos aos autos não podem ser tidos em conta, designadamente através de “informações de serviço”, que não servem para isso – note-se que a fundamentação da decisão também é relevante no processo de controlabilidade da decisão em sede de recurso, como afirma Maria João Antunes, in Direito Processual Penal, 4.ª Edição, Almedina, pag. 231.

A primeira das situações configura a nulidade prevista no art.º 126.º, n.º 3, do CPP:

Métodos proibidos de prova

(...)

3 - Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.

(...)

Tal nulidade apenas é sanável mediante consentimento do visado, o que manifestamente não ocorre no caso, uma vez que ambos os recorrentes invocam esta invalidade, não constando dos autos qualquer consentimento prestado em fase anterior.

Assim, por falta do dito consentimento, esta nulidade deve considerar-se insanável. A situação cai assim sob a alçada do disposto no art.º 410.º, n.º 3, do CPP, e tem como consequência a repetição da decisão pelo mesmo tribunal recorrido, mas desta feita sem a ponderação da prova proibida – cfr. a este respeito Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código de Processo Penal, UCE, 2.ª Edição, atualizada, pag. 320, nota 4, e pag. 322, nota 10.

5. No que se refere a todas as restantes questões e pedidos supra transcritos, o acórdão prolatado em Janeiro de 2023 entendeu não assistir razão aos recorrentes; ou seja, apreciou as questões propostas e determinou a sua não procedência.

Efectivamente, aí se mostra escrito (sublinhados nossos):

Afirmam os recorrentes que:

8.ª Desde logo, a posterior recolha das localizações celulares com referência aos crimes praticados em 08/09/2019 e em 04/02/2020 - processos n.°s 694/19.3... e 122/20.1..., respetivamente, porquanto fora do âmbito de uma autorização judicial, enquadra-se integralmente naquela que foi a decisão proferida pelo Tribunal Constitucional, Acórdão n.° 268/2022, de 19/4/2022, relativamente à recolha de metadados, configurando uma proibição de valoração probatória da informação de fls. 854 a 865, e, claro está, do conteúdo integral do correspetivo suporte magnético remetido pela operadora, nos termos e para os efeitos do n.° 3 do artigo 126° do Código do Processo Penal.

A questão prende-se, portanto, com o valor legal da prova recolhida, e utilizada na formação da convicção do tribunal no juízo sobre os factos, nomeadamente através das chamadas localizações celulares, tendo em conta o decidido no recente Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 268/2022, de 19/04.

Nesse Acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional foi decidido:

“(...) a) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 4.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, conjugada com o artigo 6.º da mesma lei, por violação do disposto nos números 1 e 4 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 26.º, em conjugação com o artigo n.º 18.º, todos da Constituição;

b) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 9.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, relativa à transmissão de dados armazenados às autoridades competentes para investigação, deteção e repressão de crimes graves, na parte em que não prevê uma notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, do momento em que tal comunicação não seja suscetível de comprometer as investigações nem / ou integridade física de terceiros, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 35.º e do n.º 1 do 20.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º, todos da Constituição. (...)”.

O que resulta deste acórdão, em síntese, tal como se lê na douta declaração de voto do Exmo. Conselheiro Lino Ribeiro (único magistrado vencido na deliberação) é o seguinte:

- no que respeita à obrigação dos fornecedores de serviços de comunicações eletrónicas conservarem os dados de base que não pressupõem a análise de quaisquer comunicações (incluindo os endereços de protocolo IP que identificam a fonte da comunicação), «o direito da União Europeia não põe em causa a ponderação de proporcionalidade feita pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 420/2017, sendo esta conforme ao parâmetro europeu, cujo sentido foi clarificado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça»;

- já quanto aos dados de tráfego e dados de localização, ainda que não gerados em virtude de uma comunicação pessoal, à luz dos parâmetros europeus aqui convocáveis (Acórdão do TJUE, la quadrature du net) «trata-se de uma solução legislativa desequilibrada, por atingir sujeitos relativamente aos quais não há qualquer suspeita de atividade criminosa. Ao conservar todos os dados de localização e de tráfego de todos os assinantes, abrangem-se as comunicações eletrónicas de quase toda a população, sem qualquer diferenciação, exceção ou ponderação face ao objetivo perseguido»;

- o regime de acesso aos dados armazenados constante do artigo 9.º da Lei n.º 32/2008, ao não prever a notificação ao visado de que os seus dados foram acedidos, restringe de modo desproporcionado o direito à autodeterminação informativa e o direito a uma tutela jurisdicional efetiva, uma vez que não se criam «as condições efetivas para não só saber da difusão dos seus dados como de exercer um controlo sobre a licitude e regularidade daquele acesso», tal como o TJUE decidiu no Acórdão Tele 2.

A Lei 32/2008, de 17 de julho, transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2006/24/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março, relativa à conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de comunicações.

Alegam os recorrentes, como já se disse, que as localizações celulares documentadas nestes autos e que fundamentam, em parte, a decisão sobre a matéria de facto constante do acórdão recorrido, resultam da posterior recolha das localizações celulares com referência aos crimes praticados em 08/09/2019 e em 04/02/2020 - processos n.°s 694/19.3... e 122/20.1..., respetivamente, porquanto fora do âmbito de uma autorização judicial, pelo que tal meio de prova foi obtido de forma ilegal, face à referida declaração de inconstitucionalidade.

Como acima se viu, o acórdão recorrido abordou a questão, pelo que, para melhor compreensão, transcreve-se de novo a decisão nesta parte:

A nulidade suscitada pela defesa

A Defesa dos arguidos AA e BB veio, em alegações finais, alegar que a recente jurisprudência saída do Tribunal Constitucional assenta neste caso como uma luva, referindo-se às localizações celulares e transcrições de escutas neste processo.

Muito embora se desconheça a razão da alegação quanto às transcrições, e com o perdão antecipado de o podermos ter mal-entendido, não resulta dos autos qualquer irregularidade ou nulidade que diga respeito ao deferimento das escutas, realização das mesmas, fiscalização das mesmas e transcrição das mesmas.

Como se referirá abaixo com mais pormenor, em sede de fundamentação, as escutas nestes autos (incorporados sucessivamente) estão activas desde 17.07.2020 (fls. 194 e 195 do proc. 694).

No entanto, no âmbito de outros processos, identificados a fls. 165 e 178 do mesmo processo, estavam já a investigar-se factos de natureza semelhante, envolvendo outro suspeito e os contactos dele com o aqui arguido AA, estando activas escutas desde data que desconhecemos (porque não é aqui relevante), mas tendo sido através dessas que o número do arguido AA chegou a este processo.

Ora, estando as escutas activas noutros processos, desde logo num dos que depois foi aqui incorporado (694 aqui incorporado relativamente à ofendida GG), e, antes dele, noutro processo que estava também a ser investigado (434/20.4... – veja-se fls. 165), as escutas em simultâneo com o registo de trace back que estava a ser efectuado não permitem concluir que os dados respectivos estiveram armazenados nas condições em que a Directiva comunitária considera inadmissível e, por maioria de razão, o nosso Tribunal Constitucional também.

Ou seja, enquanto os dados estão a ser recolhidos em tempo real, já ao abrigo de decisão judicial que assim determinou, o conhecimento contemporâneo a essa investigação que seja transmitido a outro processo, também em investigação, não constitui a base em que assenta o juízo de censura constitucional que visa a decisão do TC.

Mais do que isso, se bem interpretamos a decisão do Tribunal Constitucional, mesmo que essas informações não transitassem de processo para processo, a partir do momento em que, num deles, os dados estão a ser coligidos ao abrigo de decisão judicial, não estamos perante armazenamento de dados sem finalidade definida que é, se bem interpretamos a decisão, a questão que envolve violação de privacidade não se coloca.

É o que resulta, salvo melhor opinião, das informações de fls. 157 do proc. 694, conjugada com a de fls. 854 do proc. principal.

As informações constantes destes autos, diversas (conferindo-se no proc. 694 fls. 165, 177, 365, 421, 541 e 559, e fls. 81 e 197 do proc. 849), são de molde a concluir-se nesse sentido, neste último se referindo expressamente que é das intercepções activas num processo 674/19.3... que parte dessas informações são retiradas também.

Ou seja, aquilo que resulta deste processo é que, havendo diversas investigações activas por crimes de roubo, procuraram-se as semelhanças, confirmaram-se contactos comuns e/ou recíprocos e chegou-se à conclusão de que os aqui arguidos eram suspeitos noutros processos ou contactos de suspeitos de outros processos, partilhando-se as informações. Isto decorre também do depoimento da primeira testemunha da PJ ouvida em julgamento.

Depois, com a paciência toda do mundo, há que cruzar a informação que está no processo e que, porque ainda não havia decisão do TC, não foi tratada e nem condensada na perspectiva de que seria precisa.

Posto que assim se nos afigura, vejamos a decisão do TC em causa no Acórdão de Abril passado.

O TC, no acórdão de 19 de Abril, declarou inconstitucionais as normas da chamada lei dos metadados, que determinam que os fornecedores de serviços telefónicos e de internet devem conservar os dados relativos às comunicações dos clientes, entre os quais a origem, destino, data e hora, tipo de equipamento e localização, pelo período de um ano, para eventual utilização em investigação criminal.

A chamada lei dos metadados, de 2008, transpôs para o ordenamento jurídico nacional a directiva europeia de 2006 que, entretanto, o Tribunal de Justiça da União Europeia declarou inválida já em 2014.

O artº 6º da Lei nº 32/2008 de 17.07 prevê que os fornecedores de serviços de comunicação electrónica devem conservar [a expressão é ter o dever de] os dados de tráfego e localização das comunicações referidas no artº 4 pelo período de um ano.

Esta Lei transpôs para a ordem interna a Directiva 2006/24/CE do Parlamento e Conselho. No acórdão de 08.04.2014, porém, o TJUE declarou a invalidade dessa directiva [Digital Rights Ireland Lda e outros] por violação do princípio da proporcionalidade e porque o princípio da Directiva impunha uma restricção inadmissível dos direitos ao respeito pela vida privada e familiar e protecção de dados pessoais, consagrados nos arts. 7 e 8 da CDFUE.

Em face disto, a nossa CNPDP decidiu, logo em 2017 [Deliberação 1008/2017].

Os dados que aqui estão em causa não abrangem o conteúdo das comunicações, dizendo apenas respeito às suas circunstâncias. Razão pela qual são designados por metadados ou dados sobre dados.

Assim, o conjunto de metadados a que refere o artº 4 da citada Lei abrange mais do que uma categoria de dados, o que tem relevância na medida em que a tutela constitucional não é a mesma para todas as categorias de dados potencialmente abrangidos, isto mesmo se dizendo no Acórdão.

No entanto, a questão que se suscita não é relativa à forma como é ordenada a recolha de dados em si, mas relativa, neste caso, ao armazenamento desses dados, pelo prazo de um ano, da generalidade indeterminada dos sujeitos, quando sabemos que, por exemplo, pelo menos para efeitos de facturação, os dados terão de ficar recolhidos, de alguma forma, pelo menos por 90 dias, atentos os prazos fixados nas normas que regulam a prestação de serviços ao consumidor.

Ora, mostrando-se aqui salvaguardadas as exigências dos arts. 2º e 9º da citada lei, como evidencia o processado, e as normas inerentes à determinação das intercepções e localizações do CPP, o que resta apurar é se o Acórdão do TC coloca em causa as informações aqui recolhidas, de modo a torná-las inválidas e imponderáveis para efeito de prova, tanto mais quando, como vemos, estamos perante uma criminalidade muitíssimo grave e em que as localizações celulares ajudam a consolidar os restantes elementos de prova.

Se nos factos relativos aos processos 694 (em que existem vestígios lofoscópicos que colocam o arguido AA na casa da ofendida a mexer no seu guarda-jóias, entre os outros elementos de prova que se verão) e 849 (em que as intercepções colocam os dois arguidos nos factos e as jóias apreendidas a JJ consolidam o resto dos elementos de prova, também como adiante veremos), as localizações celulares são apenas mais um elemento de prova entre vários outros, já no proc. 122, as localizações celulares assumem maior relevo, pelo que não é aqui indiferente esta decisão do TC, caso seja aqui aplicável.

A certo passo, diz-se no Acórdão o seguinte:

(...) 142- Com efeito, tendo em conta o caráter sensível das informações que os dados de tráfego e os dados de localização podem fornecer, a sua confidencialidade é essencial para o direito ao respeito da vida privada. Assim, e tendo em conta, por um lado, os efeitos dissuasivos no exercício dos direitos fundamentais consagrados nos artigos 7.º e 11.º da Carta, referidos no n.º 118 do presente acórdão, que a conservação desses dados pode produzir e, por outro, a gravidade da ingerência que tal conservação implica, é necessário, numa sociedade democrática, que esta seja a exceção e não a regra, como prevê o sistema instituído pela Diretiva 2002/58, e que esses dados não possam ser objeto de uma conservação sistemática e contínua. Esta conclusão impõe-se mesmo em relação aos objetivos de luta contra a criminalidade grave e de prevenção das ameaças graves contra a segurança pública, bem como à importância que lhes deve ser reconhecida.

Daqui resultam duas coisas fundamentais e distintas: em primeiro lugar, que o que está em causa é o armazenamento dos dados em causa (por um ano e de número indeterminado de pessoas) e, em segundo lugar, mesmo nos casos de criminalidade grave, como este, a preservação desses dados, para efeitos de investigação criminal, deve ser excepcional.

Ora, de acordo com o que acima já referimos e resulta do processado, esta investigação, que começou por serem três em separado, terminando num único processo (ainda que se não perceba o critério da incorporação do 122 e da manutenção em separado do 694, determinadas pela investigação), foi feita com recurso a diversas informações recolhidas de outros processos que estavam em fase activa de investigação, como aliás refere a testemunha KK, da PJ, sendo que num deles o suspeito investigado era também o irmão do aqui arguido BB, que chegou a ser aqui considerado e foi descartado porque estava preso à data do cometimento dos factos aqui investigados.

Conforme resulta das informações de serviço acima referidas [e esta informação não se mostra condensada porque não se adivinhava que podia vir a ter a sua importância], as informações juntas a estes autos provieram de outras investigações. Isso aconteceu relativamente ao proc. principal com o 694 (que acabou apenso), e com o 122 que já estava referenciado no mesmo 694 e acabou aqui incorporado.

Mas também se recolheram informações de outros processos, como acima se viu e se deixaram anotadas as respectivas informações de serviço.

É desses processos que chegam, ao que parece resultar do processado, as informações das localizações anteriores ao início das aqui determinadas e que, estando a ser feitas em tempo real, nenhuma questão quanto ao respectivo armazenamento suscita, pois que estão a ser armazenadas neste processo, ao abrigo da respectiva ordem judiciária.

Resultando do processado que assim estava também a acontecer noutros processos que estavam a ser investigados e estão ali indicados, também nenhuma questão se coloca a esse nível, não sendo aplicável a jurisprudência do TC, o que permite concluir pela validade das localizações celulares que constam deste processo (única prova que estava vulnerável a esta jurisprudência).

O que resulta do presente acórdão é que só é possível impor um período de conservação de dados de tráfego relativamente a pessoas em relação às quais existam indícios de que o seu comportamento possa ter algum nexo com os crimes graves enunciados na alínea g) do n.º 1 do artigo 2.º da Lei nº 32/2008. A ser assim, os fornecedores de serviços de telecomunicações apenas podem conservar os dados quando a autoridade judiciária competente os solicitar no decurso de uma investigação criminal, como aliás aqui aconteceu.

Ora, estando activas intercepções e localizações ordenadas noutros processos em investigação, a conservação dos dados não está a ser feita em violação do direito à privacidade, mas no âmbito de uma compressão a esse direito determinada judicialmente, nos termos de decisão que ponderou, desde logo, a necessidade da excepcionalidade e a proporcionalidade da medida, salvaguardando-se assim a Constituição da República Portuguesa e a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

E também se não coloca a questão aqui da segunda inconstitucionalidade declarada, por falta de notificação ao visado da consulta de dados, uma vez que, como decorre dos autos e até da decisão de manter sucessivamente o segredo de justiça, como decorre dos factos, essa comunicação, não apenas resultaria num prejuízo irremediável para a investigação, como colocaria em risco, em face da gravidade do que aqui se julga, a integridade pessoal dos ofendidos.

Em face desta decisão e da posição do Ministério Público na resposta e no parecer, o recorrente BB vem na sua resposta apresentada nos termos do art.º 417.º, n.º 2, do CPP, defender, reafirmando, que, as localizações celulares obtidas em relação a si no processo 649/19.3... não respeitaram a lei porque foram solicitadas indicando o arguido como suspeito quando o mesmo só poderia ser intermediário, uma vez que se encontrava em reclusão.

Ora, não se percebe o alcance desta questão porque o artigo 189.º, n.º 2, do CPP, prevê expressamente a possibilidade de obtenção de localizações celulares quando aos crimes previstos no art.º 187.º (como é o caso – n.º 1, alínea a)) e em relação às pessoas referidas no n.º 4 do mesmo artigo ( alínea b – intermediário).

Na verdade, o rebuscado, mas muito inteligente, raciocínio do recorrente, e que já constava da sua motivação, se bem o entendemos, consiste no seguinte: atendendo à restrição constante da alínea b) do n.º 4 do art,ç 187.º do CPP (no caso de intermediário apenas se podem ordenar escutas telefónicas se houver fundadas razões para crer que recebe ou transmite mensagens destinadas ou provenientes de suspeito ou arguido) o n.º 2 do art.º 189.º não seria aqui aplicável caso se tratasse de um simples intermediário, pois a sua intervenção não justificaria a tão profunda devassa da sua privacidade, resultante das localizações celulares – isto é, se é só por receber ou transmitir mensagens destinadas ou provenientes de suspeito ou arguido, não há necessidade de rastrear a sua localização sucessiva porque a sua intervenção seria só ao nível das comunicações e não de outra ações.

Ora, independentemente da qualificação como intermediário ou suspeito da pessoa em causa, há um dado que é objetivo: o n.º 2 do art.º 189.º do CPP não procede a qualquer distinção neste campo, afirmando perentoriamente que o seu regime é aplicável “ (...) em relação às pessoas referidas no n.º 4 do mesmo artigo”, onde se incluem os intermediários. E, já que falamos de intromissão na vida privada, não há qualquer dúvida de que é incomensuravelmente maior a medida da intromissão na vida privada nas escutas telefónicas do que nas localizações celulares. Assim, mal se compreenderia que a lei permitisse o mais e não permitisse o menos, quando não efetua sequer qualquer distinção a esse respeito, e afirma expressamente a sua possibilidade, como vimos.

Assim sendo, em relação às escutas telefónicas não se vislumbra qualquer utilização de prova proibida.

(…)

“6. Temos, pois, no que se refere ao acórdão da 9ª secção deste TRL, de Janeiro de 2023, que o mesmo se debruçou já sobre as questões que os arguidos agora novamente apresentam, no que respeita a putativa prova proibida, correlacionada com as escutas telefónicas, tendo considerado que os argumentos e os pedidos a esse respeito avançados pelos recorrentes, não obtinham provimento. E, por outra via, esse mesmo acórdão entendeu que, quanto a um segmento específico e apenas quanto a este, assistia razão aos recorrentes e ordenou o reenvio dos autos para suprimento da nulidade de utilização de prova proibida, relacionado com o emprego probatório de dados de localização celular obtidos a partir de registos conservados pelas operadoras em data anterior à decisão que ordena a sua solicitação a essas mesmas operadoras.

Resta então apurar as consequências jurídicas de tais decisões.

7. Os efeitos do caso julgado são matéria que (no que ao problema que agora se aprecia se reporta) não vem expressamente contemplada no C.P.Penal, razão pela qual, ao abrigo do disposto no artº 4º desse diploma legal, nos teremos de socorrer das disposições constantes no C.P.Civil.

Aí se estipula, no seu artº 620, que as sentenças que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo, o que constitui o chamado caso julgado formal (ou seja, o que tem efeitos apenas dentro do processo em que foi proferido, em contraposição com o caso julgado material, em que a eficácia da decisão proferida se estende a qualquer processo ulterior com o mesmo objecto); isto é, passa a existir uma garantia de imodificabilidade da decisão proferida.

Tal significa que, uma vez transitado em julgado, tem força vinculativa dentro do processo. É essa a função do caso julgado formal. O seu objectivo é o de conferir certeza e segurança jurídica aos cidadãos, que poderão assim saber que uma decisão proferida por um juiz e não susceptível já de posterior recurso ordinário (artº 628 do C.P.Civil), dentro daquele processo, resolve definitivamente aquela questão, assegurando-se pois a paz jurídica e o perigo de eventuais decisões contraditórias.

8. O que daqui decorre é simples - não pode este tribunal reabordar as questões já anteriormente decididas, no âmbito da decisão proferida em Janeiro de 2023, pela 9ª secção deste TRL, sob pena de violação da força de tal caso julgado, que o vincula dentro destes autos, mostrando-se já esgotado o poder jurisdicional a este título.

9. Diga-se, aliás, que ainda que assim se não entendesse, sempre resultaria, na prática, a inexequibilidade de qualquer decisão que este colectivo viesse a tomar sobre tais questões.

De facto, se o caso julgado atribui eficácia definitiva a uma decisão tomada, tal significa que qualquer resolução posterior, proferida sobre tal matéria já irrevogavelmente fixada, é violadora dessa força do caso julgado, pelo que não se pode manter, pois de outro modo teríamos um dilema jurídico de impossível resolução – tendo ambas as decisões contraditórias igual força e alcance, nenhuma delas poderia ser executada, cumprida, sem detrimento da outra.

A solução legal mostra-se vertida no artº625 do C.P.Civil (aplicável ex vi artº 4º do C.P.Penal), que determina que havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, se deverá cumprir a que passou em julgado em primeiro lugar.

Ora, tal decisão é a que se mostra proferida no acórdão de Janeiro de 2023, deste TRL. Assim, consequentemente, qualquer eventual decisão que o presente colectivo viesse a prolatar a tal respeito, nunca seria de passível cumprimento, pelo que redundaria em mera inutilidade proceder-se sequer a tal apreciação.

10. Face ao que se deixa dito, retira-se que não é possível proceder à apreciação dos fundamentos dos recursos interpostos pelos arguidos acima enunciados, nem dos pedidos respectivos, por sobre tais matérias existir já decisão transitada em julgado, que se pronunciou definitivamente pela sua improcedência.”

(…)

Mais adiante, lê-se ainda no Acórdão do TRL recorrido:

“6. Estabelecidas que se mostram as regras gerais relativas aos dois fundamentos de recurso de matéria de facto que os recorrentes invocam, haverá agora que debruçarmo-nos sobre alguns pontos de natureza genérica, que se referem aos recursos apresentados e ao modo como os fundamentos acima referidos aí se mostram invocados.

i. Como se constata pela sua mera leitura (e como resulta, aliás, do teor das conclusões apresentadas), ambos os recorrentes (embora de modo não muito claro) invocam quer a ocorrência dos vícios previstos no artº 410 nº2 do C.P.Penal, quer a existência de erro de julgamento quanto à matéria de facto apurada.

ii. Em termos estritos de lógica jurídica, a apreciação das questões atinentes às nulidades consignadas no artº 410 nº2 do C.P.Penal deveria preceder a reapreciação probatória, fundada em erro de julgamento da matéria de facto.

Todavia, no caso dos autos, tendo em atenção que tais matérias se mostram suscitadas na decorrência umas das outras (ou mesmo indiscriminadamente misturadas), optar-se-á por se proceder à análise das questões relativas à matéria de facto, nestas duas vertentes, em simultâneo, seguindo-se (sempre que possível) a ordem lógica de numeração da factualidade apurada.”

(…)

8. Revista a prova, procederemos, de seguida, à análise dos recursos interpostos, em sede de matéria factual.

Antes de mais, cabe apreciar se, no acórdão reformulado, se mostra cumprido o ordenado pelo acórdão da 9ª secção, de Janeiro de 2023, no que concerne à não utilização da prova cujo uso foi considerado como integrando prova proibida.

Como supra já se referiu, tal prova proibida circunscrevia-se a um segmento específico e apenas a este, determinando a exclusão da apreciação probatória dos dados de localização celular obtidos a partir de registos conservados pelas operadoras em data anterior à decisão que ordena a sua solicitação a essas mesmas operadoras.

Lida a nova fundamentação realizada em sede da decisão que ora nos cumpre apreciar, constatamos que o tribunal “a quo” cumpriu escrupulosamente tal exclusão; isto é, seleccionou, no que concerne aos elementos de prova, entre os dados de localização celular que haviam sido obtidos e conservados pelas operadoras, em data anterior à decisão que ordenou a solicitação às mesmas, excluindo-os da apreciação probatória (pois constituíam prova proibida) e atendeu apenas, nesta específica sede, aos dados de localização obtidos a partir da data da sua solicitação (prova essa permitida).

Atendeu igualmente ao teor das escutas telefónicas adquiridas para os autos, por o anterior acórdão da 9ª secção ter entendido que, quanto às mesmas, nenhum vício ocorria, sendo prova válida e legalmente obtida, o que determina que tenha de ser tida em apreciação.

9. Temos, pois, que nesta parte, nenhum reparo suscita a fundamentação realizada pelo tribunal “a quo”, mostrando-se aliás a mesma exaustiva e compreendendo apenas os elementos de prova que, de acordo com decisão superior transitada em julgado, foi considerada legal e válida.

Por tal razão, mostram-se arredadas e sem fundamento quaisquer críticas que os recorrentes dirijam a respeito da força e validade probatória de qualquer um destes elementos probatórios, sendo certo que, em bom rigor, os arguidos nem sequer invocam que a decisão não respeitou o determinado pelo acórdão proferido pela 9ª secção, antes fundando o seu desacordo na tentativa de reabertura da discussão a propósito da prova relativa a dados e escutas, já definitivamente tratada pelo referido acórdão de Janeiro de 2023.

Assim, e a este respeito, nada mais resta a este tribunal decidir.

10. Passemos então às concretas questões, que se prendem com a factual

idade dada como assente, cujo teor os recorrentes impugnam e que se mantém ainda por decidir.

Concretizando:

Os arguidos entendem verificar-se uma contradição insanável da fundamentação, nos termos do n.° 2 do art. 410° do Código de Processo Penal, mais concretamente entre os factos 48 e 57, relativamente ao crime de roubo praticado no dia 09/09/2020, por virtude, em seu entender, de inexistência de nexo causal entre as ofensas realizadas e o resultado morte, por considerarem que serão de excluir o relatório de autópsia de fls 592 e ss, os exames médicos de fls. 906 e os elementos clínicos de fls. 282 e 51, por estes apenas demonstrarem a morte e as ofensas físicas sofridas por DD e por FF, inexistindo qualquer outro elemento probatório que assaque tal resultado à acção dos arguidos.

Consideram ainda terem sido incorretamente julgados os pontos 34 a 48, 50 a 59, 73 a 74, 76 e 79 (relativamente ao roubo praticado no dia 09/09/2020); e, quanto ao arguido AA apenas, os pontos 60 a 67 (relativamente ao crime de tráfico de estupefacientes), e os pontos 61, 68 a 71 (relativamente ao crime de detenção de arma proibida) da matéria de facto tida como provada, por o tribunal “a quo” se ter baseado em prova indirecta, que entende corresponder a prova presumida, com base nos duvidosos dados de localização celular e nas imprecisas escutas telefónicas, anteriores e durante as horas do crime. Assim, nada de substancial ao nível probatório coloca os arguidos dentro daquela habitação, nas mencionadas circunstâncias de tempo, modo e lugar, o que implicará que se considerem como não provados os factos 34 a 48, da matéria de facto assente e, claro está, que sejam absolvidos do crime em causa, portanto do crime de roubo agravado ocorrido no dia 09/09/2020.

O resultado morte, ocorrido aquando da prática do crime de roubo no dia 09/09/2020, não poderá ser imputado aos recorrentes, porquanto, de acordo com a chamada teoria da adequação, para que haja uma imputação objetiva da ação, de acordo com as regras da experiência comum, a conduta que deu origem a um determinado facto, tem de ser abstractamente adequada a produzir um específico e determinado resultado, mostrando-se como uma consequência natural e previsível daquela acção, sendo necessário que, numa prévia análise, aquela conduta se apresente como idónea e previsível para alcançar uma determinada consequência, que, sendo juridicamente relevante, e – de acordo com as regras da experiência comum - se mostre adequada à produção daquele resultado.

Como resulta do relatório de autópsia de fls. 592, a causa da morte de DD, foi o embate emocional causado por todo aquele contexto em que o roubo ocorreu, pelo que não poderá ficar demonstrado que o ou os autores daquele roubo soubessem ou pudessem saber que uma da suas vitimas encontrava-se incapaz para gerir o choque emocional que um roubo daqueles provoca, não sendo certo e portanto perspetivável que as vitimas de roubo tenham enfartes e morram.

Assim, terá de considerar-se como não provado o ponto 57 da matéria de facto, na parte em que se considerou que os arguidos BB e AA (...) sabiam e quiseram (...) causar-lhe perigo para a vida, negligenciando o resultado que daí pudesse advir para o mesmo, desde logo a sua morte.”

11. Vejamos então.

Por uma questão de ordem lógica, iniciaremos a reapreciação com a questão relativa à autoria dos factos ocorridos no dia 9 de Setembro de 2020, ter sido, na versão dos recorrentes, erroneamente imputada aos arguidos.

12. Já acima deixámos expostas as considerações que entendíamos adequadas, a propósito da validade e do modo como opera a apreciação probatória e a análise e validade da chamada prova indirecta, assim como do uso de ilações, pelo que para as mesmas remetemos, sendo que serviram de enquadramento à apreciação que infra se realizará.

13. Começaremos por constatar que nenhum dos recorrentes questiona que os factos em si, dados como assentes, no que respeita ao incidente de 9.09.2020, ocorreram do modo e com as consequências descritas, pelo que, nesta parte, não nos cabe reapreciar a prova testemunhal que levou o tribunal “a quo” a tal convicção.

De facto, o que os recorrentes questionam é terem sido eles os autores das agressões e das apropriações, bem como ter sido por virtude de tal actividade – ainda que a mesma venha a ser confirmada como assente – que tenha ocorrido a morte de DD

14. Analisemos então a questão da autoria.

A este respeito, deixou o tribunal “a quo” exarado, na parte que aqui nos importa, o seguinte:

[A testemunha KK, inspector da PJ, veio dizer que, na data referida nos autos, foi acionada a PSP ... pela morte do falecido e porque a mulher dizia terem sido vítimas de roubo.

A PJ dirigiu-se ao local e viram, à esquerda da sala pela entrada, o marido da ofendida, já morto, deitado de lado.

A placa dentária estava a uns passos do corpo.

Eram imediatamente visíveis várias escoriações no falecido.

A mulher tinha já sido encaminhada para o hospital e tinha dado a informação de que dois indivíduos tinham entrado na casa e a tinham fechado na csasa-de-banho, tendo só visto depois o marido morto na sala.

Perceberam que tinha sido um assalto.

Como andavam a verificar e investigar diversos factos semelhantes, e grupos que actuavam da mesma forma, fizeram pesquisas e foram informados por outros colegas de que estavam a ser investigados dois indivíduos, eventualmente suspeitos desses factos, sendo o AA e o BB.

Pediram a consulta do sistema (na investigação que estava em curso) e verificaram que as antenas de localização celular davam indicação de que os telemóveis escutados (dos arguidos) os colocava no local deste crime.

O arguido AA vivia perto da PJ e o BB em ....

Desses contactos, cujas escutas estavam em simultâneo a ser feitas, resultava também que o AA teria estabelecido contactos com um receptador, que já estava também referenciado há muitos anos por essa actividade, sendo que das conversas resultava que o AA, após estes factos, teria dito ao receptador que se preparasse “para comer muito”. Resultando também dessa investigação que o telemóvel do AA accionara a antena do ... que coincidia com a combinação de encontro entre ambos, que estava nas escutas.

Dessas intercepções resultava também que, na véspera destes factos, o AA ligara para o BB a dizer que tinha já pessoas marcadas e era bom irem lá de manhã.

Nesse dia, de manhã, resultava dessas localizações determinadas noutro processo, o AA tinha ido buscar o BB a casa e tinham seguido para o local dos factos, na sequência da conversa em que dissera que tinha de ser feito pela manhã.

Na altura, estavam a ser investigados na PJ dois casos semelhantes, de 2019 e 2020, sendo que, no primeiro, os suspeitos teriam entrado na casa da idosa, teriam tirado a aliança da mão da vítima, de modo semelhante; e, no segundo caso, havia mesmo vestígios identificativos do AA no local do crime.

O que perceberam da investigação é que o AA rotinava as vítimas, estudando-as, projectando depois o assalto com violência na cassa das vítimas.

Há um roubo em Março/Abril de 2020 em que o AA iria sozinho e deixa a vítima fechada na casa-de-banho, e em que uma vizinha da vítima até se cruzou com ele nas escadas e depois o reconhece por fotografia, mas não pessoalmente, até porque ele já estava fisicamente diferente, desde logo mais gordo.

Quer o caso de ..., quer o de ... estavam em relação com os factos também por via das localizações celulares que estavam activas – no caso de ... a antena acionada é a da zona da residência da vítima e, no caso de ..., em que o arguido AA ria com o co arguido CC, também é acionada a antena junto da casa da vítima.

A identificação do arguido CC foi demorada, uma vez que tiveram de analisar todo o tráfego de chamadas das escutas que estavam a ser feitas, e é nessa seqência que o vêm a identificar e descobrem depois as conexões com os factos ....

Resulta da análise dos elementos, desde logo das intercepções que estavam a ser feitas, que no dia dos factos ocorridos em ..., o AA liga para o CC e activa a mesma célula, sendo convicção da investigação que estiveram juntos no cometimento desses factos.

Nessa sequência, foram pedidas buscas às casas dos três arguidos (AA, BB e CC), na sequência dos factos ocorridos com as vítimas DD.

Relativamente ao (ex arguido) JJ, são identificados vários dos objectos que ele tentou esconder, na busca, de entre elas as alianças do casal DD (dois pares, brancas e amarelas), que o ligam a estes factos também como receptador.

Das escutas, desde logo das conversas com o BB, resultava que o AA andava também armado.

Apreenderam no carro do AA o aspirador a que também se faz referência nas escutas. Porventura, deduz a investigação, o aspirador era usado pelo arguido eventualmente como demonstração de funcionamento para eventual venda, servindo de engodo.

Na busca à casa do AA foi apreendida droga e um revolver.

Confirma fls. 137 e 131, a informação de fls. 161 e do auto de fls. 180 (muito embora o declarante tenha estado na busca à casa do receptador e não nessa habitação, tomando depois conhecimento das apreensões), fls. 37 a 56, 854 a 873 (que reportam as localizações de 8/9 e 4/9 de 2020), 860 e seguintes (desde logo o email de confirmação das localizações), 862 (das localizações do NUIPC 694 quanto ao AA), 863 (quando ao NUIPC 122 quanto ao AA), 864 (quanto ao BB), 868 (10h27m o telefone do BB aciona a antena perto do local dos factos, bem como a da área da sua residência antes disso), 873, 877 a 879 e 883 e 884.

Refere, ainda, que relativamente ao crime de 8/11, a operadora enviou aos autos informação sobre o AA e de onde decorria que, nesse dia, o AA contacta três vezes o número terminado em 854 (do CC), sendo que os últimos dois contactos já o colocam nas antenas da zona de residência do mesmo CC.

Esteve na busca do JJ mas não sabe se o seu nome consta do auto (que depois verifica estar e constar a sua assinatura), confirmando o mesmo e fls. 165 a 180, sendo que quando o mesmo JJ tenta esconder da polícia alguns objectos o declarante ainda não tinha chegado ao local da busca, tendo chegado logo após isso.

O BB também tinha objectos em ouro mas o declarante não esteve nessa busca, confirmando fls. 150 e 151 apenas porque disso teve conhecimento no âmbito da investigação.

Foram apreendidos ao AA e BB os telefones que estavam a ser interceptados nas escutas, e que tinham na sua posse.

Também foram apreendidos os telemóveis do JJ.

Recorda que, para além da placa dentária do falecido projectada a uns passos do corpo, também o aparelho auditivo do falecido estava longe do corpo do mesmo.

Em autópsia viu-se que o dedo do falecido estava lesado de antes da morte.

A casa do falecido tinha peças em marfim também. Mas percebe-se pelos indícios e do decurso da investigação que o alvo era a obtenção de ouro.

Na casa ... não há vestígios lofoscópicos dos arguidos.

Confirmando fls. 133 das transcrições, 868 e seguintes relativamente às antenas (a fls. 873 vem a morada da localização exacta da antena), conforme ao que consta de fls. 88.

Confirma também o teor de fls. 199 e seguintes.

A testemunha LL, também inspector da PJ, veio dizer que esteve na busca a casa do AA, no quarto do mesmo, e viatura do mesmo, na ..., que refere ser um apartamento dividido, morando lá também o locatário, tendo falado também com o proprietário do mesmo.

Enquanto iniciavam os procedimentos da busca ouviram barulho e verificaram que era o arguido AA a tentar fugir, tendo os seus colegas dito para parar e seguindo no seu encalço, sendo ele detido mesmo antes de a busca ser finalizada.

Não recorda já se o Talf esteve na busca porque se feriu num pé a tentar fugir e mal se mexia, tendo sido chamada a ambulância.

Foi feita busca ao quarto do AA, depois de os presentes identificarem o AA (que estava fugir) como morador naquele quarto, sendo o quarto pequeno e confuso, porque estava desarrumado.

Encontraram no quarto dinheiro (que parcialmnente deixou cair na tentativa de fuga), ouro (brincos, pulseiras, medalhões) e droga, mas também apreenderam telemoveis e cartões telefónicos.

Confirma fls. 370 e seguintes do apenso 694, referindo que a casa em causa é um r/c e não um 1º andar; confirmando também a busca à viatura do arguido, mercedes preto, estacionada perto da casa, conforme fls. 395.

(…)

Finalmente, no dia 09 de Setembro de 2020, ocorrem os factos do proc. 849 [que se assumiu como processo principal], indiciando-se na acusação e instrução que foram praticados pelos arguidos BB e AA, na sequência dos quais veio a falecer a vítima DD e a sua mulher, FF ficou ferida e traumatizada.

Já vimos acima, pelo depoimento das testemunhas que conheciam o casal, que eram de provecta idade também, muito dedicados um ao outro, muito autónomo o falecido, que tratava da vida de ambos com a destreza que a normalidade nessas idades permite se considere, sem que lhe fossem, a ele, reconhecidas doenças.

Também ficámos a saber pelas testemunhas que este casal era muito cuidadoso, não abrindo a porta a estranhos, não atendendo em casa senão pessoas com aviso prévio.

Este cuidado, no entanto, como explicou a testemunha que fazia as limpezas nessa casa, não impediu que se extraviasse uma das chaves de casa, no dia imediatamente antes dos factos, que a mesma pensou ter perdido nas escadas quando foi ajudar a patroa a subir para casa, tendo sido pedida a assistência da casa de chaves, que ficou de comparecer na casa do casal precisamente na data dos factos.

Muito embora esta seja uma coincidência estranha, aliás, muito estranha, tanto mais que não existem sinais de arrombamento e o falecido era conhecido por nunca abrir a porta a ninguém, o que é certo é que não se apurou qualquer elemento que permita concluir que não se tratou de uma infeliz coincidência.

A empregada, que era a única que tinha a chave, não perdeu a respectiva chave, pelo que se terá extraviado uma outra chave do casal [já que o falecido mantinha a sua].

Ora, o que sabemos, do que temos prova, é de que nesse dia, tendo a massagista e também aqui testemunha feito o seu trabalho habitual com a ofendida, deixou a casa como sempre fazia, sabendo que a casa das chaves ali iria mais tarde, conforme combinado com o falecido antes.

Um pouco antes da hora combinada com a casa das chaves (cuja ida estava marcada para as 17 horas), entraram na casa do casal DD, por forma não concretamente apurada [mas que se evidencia possa ter sido o mesmo a abrir a porta na expectativa de que fosse a referida empresa de chaves, de quem estava à espera], os arguidos AA e BB que, depois de manterem à força a ofendida na casa-de-banho, agrediram o marido na sala, arrancaram-lhe as alianças do dedo, tendo-o atirado ao chão, de forma não concretamente apurada, onde viria a falecer antes de chegar ajuda a casa, já na noite desse dia [recorda-se que foi a casa das chaves que contactou a senhora da massagem (que os tinha contactado em nome do falecido para lá irem por causa da chave desaparecida) que, por seu lado, preocupada por não conseguir que lhe atendessem o telefone, estranhando isso mesmo, e porque ela não tinha chave de casa, contactou a senhora que fazia a limpeza naquela casa, que tinha chave, para que ali se deslocasse a saber o que se passara].

A casa estava toda remexida, foram subtraídos dali diversos bens e valores, parcialmente recuperados na busca à casa do ex arguido JJ, a quem o arguido AA entregou o ouro para que lhe fosse receptado por aquele e pago o respectivo preço.

Esta entrega, resultando isso evidenciado das escutas e localizações, foi imediata, tendo o arguido seguido, depois de deixar o arguido BB, para resolver esta entrega do objecto do roubo ao referido JJ.

Tudo isto fica demonstrado no processo com notada clareza.

Evidenciam-no as declarações para futura memória, mas conjugadas com a restante prova testemunhal, desde logo, uma vez que a ofendida pouco ajuda na descrição do que se passou, sobretudo, sem que visse e já com as decorrências da idade que tem.

(…)

MM, filha da testemunha NN, que ali foi com a mãe e contou o que se passou.

Esta testemunha ainda identificou várias das joias [que conhecia há anos, porque a madrinha lhas mostrava, porque ali passou a infância a vê-las, tal como tinha feito durante o inquérito], apreendidas na casa do referido JJ, que lhe foram entregues pelo arguido AA.

Todos estes factos, para além dos depoimentos destas três testemunhas e das da PJ, resultam dos documentos juntos a fls. 3 (auto de notícia), verificação do óbito (fls. 6, 7, 10 e 21 a 26, 32 a 35), a recolha de objectos e apreensão e inspecção ao local (fls. 38 e seguintes – notando-se, particularmente, as lesões no falecido, produzidas antes da morte, como se retira da autópsia e dos vestígios projectados para fora do corpo do seu utilizados, como o aparelho auditivo e a placa dentária – fls. 46, 48 e 57).

Depois, como estavam a ser investigados factos semelhantes noutros processos, como começou por se dizer, intercambiaram-se informações e chegou a investigação à conclusão de que os autores dos factos eram os referidos arguidos AA e BB.

(…)

Vejamos.

Estes arguidos não têm por hábito [recorde-se que, à data destes factos, estavam escutas e localizações celulares em tempo real a serem feitas no proc 694] deslocarem-se para ou em ... (morada dos ofendidos).

No entanto, conforme resulta das localizações celulares documentadas nos autos (veja-se fls. 86 e seguintes), o arguido AA, no dia antes dos factos (8/9) esteve na localização de antena daquela casa e no dia dos factos o seu percurso, registado pelas mesmas antenas, a sair de casa e ir buscar o arguido BB à casa deste e seguirem para ..., para a localização da morada da casa dos ofendidos, sendo que, após os factos [que sabemos localizar sem dúvidas pouco antes das 17 horas, porque às 17 horas a empresa das chaves já não conseguiu contactar o casal e logo ligou para a senhora que com eles combinara a deslocação], o registo das localizações celulares dá-nos conta de que os arguidos abandonam aquele local.

O auto de informação de fls. 197 e seguintes é muito esclarecedor e quando junto às escutas não deixa qualquer dúvida.

O arguido AA esteve na casa das vítimas com o arguido BB, consumaram o roubo ambos.

Estes factos resultam [para além das escutas, das apreensões, dos exames periciais] da localização celular feita em tempo real no proc. 694, que logo foi analisada e junta a este processo, mesmo antes da decisão de os tramitar conjunta ou incorporadamente.

Mas não apenas as localizações, sendo que estas até se revelam de importância residual neste acervo probatório enorme existente.

Das intercepções resulta que no dia anterior a este assalto, o AA tem uma conversa telefonica com o BB (produto 39137 do registo de sessões 38969 a 39891) em que refere ter umas pessoas de idade marcadas para fazer.

Não é preciso grande locubração para entender que é disto que se trata.

O facto de o arguido AA dizer que «um gajo tem uns cotas marcados», no específico contexto em que tem de ser integrado no resto das conversas e dos elementos de prova, não é, como pretende a Defesa, um precalço nesta relação de elementos.

De facto, o arguido AA usou essa expressão, como resulta do registo audio das intercepções, mas ela não significa mais do que o mesmo arguido a falar dele como na terceira pessoa [como quando se diz «um gajo está aqui a trabalhar quando os outros estão a passear», por exemplo], sendo que essa conversa conjugada com as restantes, esclarecem perfeitamente que era o arguido AA quem tinha os «cotas» marcados [tanto mais, que ligou depois ao mesmo arguido BB a reagendar os planos porque, na altura que estava pensada, haveria muita gente a entrar e sair daquela casa, pelo que sabia que movimento tinha a casa, porque a vigiara antes e a «marcara» - veja-se fls. 133].

Os arguidos falam, inclusivamente, na eventualidade de usarem um aspirador como engodo, aspirador esse que foi apreendido no carro do arguido AA, de facto (fls. 393 do proc. 694).

Ora, das mesmas escutas resulta que o arguido AA vai buscar o arguido BB a casa, dizendo-lhe «desce aí» quando lá chega, precisamente no dia dos factos (fls. 300 e respectivo registo audio), sendo que, a essa hora [10h09m] o telemóvel do arguido AA está na localização da casa do arguido BB (fls 197 e seg, vendo-se ainda fls. 200 a 206), seguindo depois para ..., sendo localizado na antena da casa dos ofendidos às 10h32m (..., lote 18, localização da própria antena), onde permaneceu até às 16h21m, seguindo depois para o ..., accionando essa antena (16h27m), depois a do ... (16h47m), ... (16h55), percurso que é todo acompanhado pela localização de antenas do telemovel do arguido BB (veja-se as referências a fls. 197, 860, 866, 873, 134, 197, 134, entre o mais), depois seguindo o arguido AA para ..., tendo deixado o arguido BB em casa, onde activou a antena do ... às 17h37m. ... esse que era o local onde se iria encontrar com o seu receptador (informação de fls. 197 e registos de transcrições), JJ, a quem vieram a ser apreendidos (fls. 152 e seguintes, maxime fls. 162 e seguintes) diversos artigos dali subtraídos, dentre eles as alianças dos ofendidos (fls. 161, 165, 175) – os contactos com o JJ estão perfeitamente documentados, tendo mesmo havido vigilância do OPC em acompanhamento de uma deslocação – vejam-se as referências de fls. 136, 137, 660 do proc. 694, 662 idem, 363 idem.

Depois dos factos, como resulta das escutas, o arguido AA encontra-se com o referido JJ, a quem entrega o produto do roubo na casa do casal DD, e que foi depois apreendido na posse do referido JJ, conforme autos de apreensão (fls. 161, 165, 175), sendo que grande parte desses artigos em ouro, além das alianças que têm as data comemorativas do respectivo casamento, foram reconhecidas pela testemunha OO no processo e em sala de julgamento – veja-se o apenso I em especial, onde estão fotografadas as refeidas alianças com identificação dos proprietários e data do casamento.

Além disto, temos a apreensão no carro do arguido AA do aspirador a que se refere na conversa com o arguido BB que foi interceptada, temos a apreensão na casa do arguido AA de uma luva de latex [que terá sido usada para praticar os factos e que, muito embora o exame não consiga concluir que é a que foi efectivamente usada, confirma que os vestigios deixados na casa do casal são compatíveis com o uso da mesma - fls. 38 e seguintes, 187, 1183, 1439 e volume III do NUIPC694].

As testemunhas da PJ, sobretudo a primeira, esclareceram a sequência dos factos.

Os arguidos estiveram na casa deste casal, roubaram os mesmos, e a mulher que, outra coincidência, estava na casa-de-banho, lá ficou, com um deles a guardá-la (das suas declarações e do resto dos factos parece ter sido o arguido BB), enquanto lhe tiravam vários artigos de joalharia (depois apreendidos ao ex arguido JJ, com quem o AA se encontrou nesse mesmo dia para os entregar, como resulta das escutas e localizações celulares e mesmo de uma vigilância/relatório de diligência externa junta ao processo que permite confirmar tais contactos) que levaram dali ao receptador.]

15. Procedendo à reapreciação da prova, temos que existe, desde logo, um facto que, aliás, nem os próprios arguidos questionam - no dia 9 de Setembro de 2020, foram apreendidos a JJ objectos em ouro, que haviam sido subtraídos, horas antes, aos ofendidos DD e FF. Estamos perante um facto objectivo, directamente demonstrado pela apreensão realizada e pelo reconhecimento das peças por uma testemunha, que bem as conhecia.

Pergunta: Como é que foi possível chegar-se a tal apreensão, isto é, como é que os agentes policiais tiveram conhecimento de que o dito JJ tinha em seu poder tais objectos? Porque, na sequência de anteriores suspeitas quanto à autoria, pelos arguidos, de outros actos de carácter semelhante, os mesmos estavam já a ser seguidos, as suas conversações a serem escutadas e a sua localização celular a ser obtida.

Assim, por virtude quer do teor de conversas telefónicas, escutadas em tempo real, quer por força da localização celular, quer ainda pela confirmação alcançada pela vigilância que foi realizada e que se mostra vertida no auto de vigilância/relatório de diligência externa que o tribunal “a quo” refere, o arguido AA foi visto a contactar o dito JJ e a entregar-lhe os objectos que foram de seguida apreendidos ao mesmo. Esses bens pertenciam ao casal que tinha sido assaltado pouco antes, DD e FF.

16. Daqui resulta, com manifesta objectividade e por virtude de prova directa, que o arguido AA tinha em seu poder bens pertencentes ao casal que tinha acabado de ser assaltado. Ora, não havendo notícia de tais objectos terem a possibilidade mágica de se autolocomoverem, o que resulta de uma básica regra de experiência comum, e não tendo o arguido fornecido qualquer justificação para a detenção de tais bens, que lhe não pertenciam, a explicação que necessariamente surge será a de que o arguido foi uma das duas pessoas (a prova testemunhal, não impugnada pelos arguidos, demonstra que foram dois homens que realizaram aqueles actos) que participou no assalto àquele casal.

Tal ilação mostra-se, para além do mais, corroborada pela prova resultante das escutas telefónicas e das localizações celulares, que colocam este arguido no local dos factos, nos momentos temporais em que ocorreram. E, de igual modo, também assim sucede, no que se refere à identificação do co-participante, o seu co-arguido BB.

17. Assim, revista a prova neste segmento, não se constata a existência de qualquer erro ou vício que imponha a alteração da convicção alcançada pelo tribunal “a quo”; isto é, que determine, que determine qualquer alteração à matéria factual nestes segmentos, uma vez que a identificação dos dois arguidos como os perpetradores das acções de que foram vítimas FF e DD, mostra-se substanciada pela conjugação dos elementos probatórios carreados para os autos e pela sua apreciação face às mais básicas regras de pensamento comum (o pensamento mágico da possibilidade de auto-deslocação de um objecto inanimado é algo que cessa no final da infância…).

18. Ultrapassada esta questão, resta-nos então apurar se, de facto, da actuação dos arguidos, resultou a morte de DD

Comecemos então pela problemática relativa à perícia - consubstanciada no relatório de

médico-legal - realizada pelo perito médico designado pelo INML.

Antes de mais, caberá fazer uma breve exposição sobre este meio de prova.

(…)

xii. Mostrou-se este intróito necessário para explicar aos recorrentes que, em sede legal, a perícia ordenada pelo tribunal ao INML e o depoimento de PP, não têm similar força probatória, nem estão sujeitos ao mesmo tipo de apreciação.

xiii. Efectivamente, a testemunha PP, não tem nestes autos, nem a qualidade de perita, nem sequer de consultora, pelas razões já acima apontadas, uma vez que não foi nomeada como perito pelo INML. Assim, as suas declarações estão sujeitas à livre apreciação do julgador, como sucede com praticamente toda a restante prova.

xiv. Já não assim, todavia, no que se refere à perícia realizada pelo perito designado pelo INML pois, nesse caso, como determina o artº 163 do C.P. Penal, o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador sendo que, sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência.

xv. Daqui decorre que, no normal correr das coisas, o julgador aceita o juízo científico expresso em tais perícias, sendo que, caso a sua convicção divirja – e só então – terá de justificar as razões da sua divergência.

19. Estamos agora em condições de prosseguir na análise da questão da causa morte, bem como do respectivo nexo causal.

Como resulta da fundamentação da convicção realizada pelo tribunal “a quo”, entendeu este que o depoimento prestado pela testemunha PP não merecia credibilidade e explicou porquê.

Em bom rigor, nenhum dos recorrentes faz qualquer referência a esse depoimento, pelo menos de forma directa embora, pela via indirecta, acabem por se servir do mesmo para questionar o nexo causal entre o susto e o enfarte.

Curiosamente (ou talvez não…), todavia, o silêncio de ambos os recursos, a respeito do debate quer do que efectivamente resulta do relatório de autópsia, quer dos argumentos avançados pelo tribunal “a quo” para explicar as razões pelas quais entendeu existir tal causalidade, é realmente ensurdecedor. Limitam-se a afirmar que não é perspectivável, na óptica do homem comum, que as vítimas de roubo tenham enfartes e morram.

Salvo o devido respeito, é sim. Desde logo pela mera existência de uma expressão popular, mais do que vulgarizada (isto é, do conhecimento do homem médio), de que alguém apanhou “um susto de morte”.

Mas adiante.

20. A propósito da causa de morte e do nexo causal entre a actuação dos arguidos e o óbito de DD, que determinou que tenham sido dados como assentes, pelo tribunal “a quo”, os factos constantes nos pontos 48 e 57 (48. Devido ao choque emocional associado a este evento, em que foi vítima de diversas pancadas que os arguidos lhe desferiram, o ofendido DD sofreu um enfarte que lhe causou a morte, por insuficiência de aporte de sangue ao coração. 57. Os arguidos BB e AA, em comunhão de esforços, sabiam e quiseram também sujeitar o ofendido DD a agressões físicas que, tendo em conta a idade avançada deste último, seriam sempre idóneas a causar-lhe perigo para a vida, negligenciando o resultado que daí pudesse advir para o mesmo, desde logo a sua morte.), consta o seguinte em sede de motivação:

(…)

A testemunha PP, investigadora da faculdade de medicina ... e geneticista molecular, que disse não conhecer os arguidos, veio dizer que tem conhecimentos medoico-legais e considera que a morte da vítima DD não teve relação com os factos ocorridos, mas tem causa na arteroesclorose que consiste no depósito de placas de gordura nos grandes vasos que interfere no fluxo sanguíneo para o coração e que é a principal causa de enfarte.

O estudo histopatológico faz parte do protocolo no caso de morte e aqui confirma a doença esquémica crónica do falecido.

Refere que o termo “enfarte” é a falta de afluxo sanguíneio e, nos casos em que são controlados a tempo, deixam ainda assim cicatriz.

O enfarte também pode ter causa aguda num choque emocional. No entanto, os estudos que existem referem que apenas 15% das pessoas sujeitas a essas circunstâncias sofrem enfarte. Pode acontecer, mas depende das restantes comorbilidades.

O falecido tomava bromazepam, que é um ansiolítico, prescrito a quem sofre também de cardiopatias e doenças obstrutivas pulmonares e outras.

Não é a violência que provoca a arteroesclerose.

Só teve acesso ao relatório de autópsia e, através dele, ao estudo de histopatologia, antes destas declarações.

Segundo entende, a causa de morte foi a arteroesclerose e o enfarte que pode ocorrer em qualquer momento, porque há uma obstrução na artéria, que nem era recente neste caso.

A ansiedade, agitação, tendências para a depressão, tudo isto pode levar à prescrição médica da bromazepam.

Perguntada pelo Tribunal se, numa situação de choque violento, destas dimensões, uma pessoa com as características físicas do falecido podia ter sofrido um enfarte, repondeu que, neste caso, não, porque o falecido não integra os 15% de pessoas a quem isso pode suceder, estando, antes, nos restantes 85%.

Tendo em conta que estamos perante uma pessoa de 90 anos, ansiosa, com uma obstrução ainda que seja de 75% de artéria mas que faz a vida normal, subindo e descendo escadas diariamente, fazendo uma vida normal, foi perguntado pelo Tribunal se, numa situação grave, violenta, de choque, não poderia esta situação provocado o enfarte, respondeu que não.

Perguntada porque razão disse que não e integra a vítima fora dos 15% de pessoas a quem isso podia acontecer, respondeu que era a sua opinião, sem outras justificações.

(…)

Não temos aqui dúvidas - ao contrário do que a Defesa terá pensado conseguir com o depoimento de uma testemunha (PP) que em nada influenciou o Tribunal devido à avidez com que, mesmo em face de objectivações colocadas por nós, permaneceu na obstinada defesa da teoria segundo a qual a vítima mortal falecera porque tinha as artérias obstruídas -, de que a vítima mortal faleceu na sequência destes factos e por causa deles.

Não temos dúvidas de que, como refere o relatório de autópsia, que é a perícia dos autos, a comoção dos acontecimentos terá provocado um efeito adrenalítico no corpo do agora falecido que lhe exigiu um aumento substancial de sangue/oxigenação, que não conseguiu aportar (por causa da artéria obstruída, ou por causa da medicação contra a ansiedade que fazia, ou por outra causa qualquer), tendo sido isso que provocou o ataque cardíaco que o levou à morte.

Essa é a causa de morte.

Além dela, existem as lesões que lhe foram provocadas pelos arguidos, seus agressores, que o mesmo relatório esclarece.

Os acontecimentos terão sido tão violentos que a placa dentária da vítima foi expelida para metros do seu corpo, como o aparelho auditivo (fls. 46, 47, 48, 49, 50 e 51). As imagens valem aqui como mil palavras. Quem olha para elas não fica indiferente à violência que retratam. Todas provocadas em vida, numa pessoa de 90 anos de idade.

De tudo isto se convenceu o Tribunal, quanto à vítima mortal e sua mulher, resultando provados todos os factos da prova reunida.

Excepto um.

E esse facto, que o Tribunal considera que não logrou provar-se (ou dois factos, para ser mais preciso) é o que respeita à circunstância de terem sido os arguidos a matar directamente o ofendido, querendo-o fazer.

Esta questão não é de somenos, uma vez que é esta uma das imputações feitas, a mais grave, por sinal.

O facto de concluirmos, como fazemos, decorrendo isso da autópsia, que a morte foi devida a enfarte, impõe que se exclua a possibilidade de qualquer das agressões a que a vítima foi sujeita (e foi-o, como resulta das fotografias e da autopsia) terem sido causa directa da sua morte.

Se não foram, e não foram, então importa concluir que os arguidos, que quiseram produzir tais lesões e por isso o agrediram dessa forma, como quiseram, não pretenderam directamente visar o falecimento da vítima, mas atentar contra a sua integridade física, ainda que gravemente.

E parece-nos que esta é a conclusão que mais se aproxima da verdade dos factos.

Sabemos que quiseram agredir, isso é visível no corpo da vítima, nenhuma dessas lesões decorrendo do acaso ou de uma corrente de ar que se apanha.

Essa pessoa, que ainda nesse dia, pela manhã, fez as suas rotinas habituais e ninguem o viu machucado, foi agredido, violentamente como decorre do relatório da autópsia, pelos assaltantes.

E isto, eles quiseram.

Porque se não quisessem não o teriam feito, porque é esta a forma de agirem (para neutralizarem as vítimas), porque ninguém agride dessa maneira sem querer fazê-lo.

Mas disto tudo que os dois arguidos quiseram - porque actuaram em conjunto aceitando reciprocamente o comportamento do outro e interagindo no mesmo -, não resulta evidente que queriam também a morte da vítima.

Nada retiravam os arguidos dessa morte que não retirassem do facto de ele se manter vivo, embora neutralizado pela violência das agressões que já lhe tinham provocado.

Naquele que era o objectivo dos arguidos, mesmo gostando de violência como gosta o arguido AA, este desfecho não faz sentido.

Não decorre directamente das lesões físicas infligidas e nenhum elemento de prova permite concluir que a intenção dos arguidos era tirar a vida à vítima.

Assim, a prova não permite consolidar os indícios de crime de homicídio doloso, devendo deles ser absolvidos os arguidos.

No entanto, tal não significa que estes arguidos foram alheios a este desfecho.

Como se viu, pelo contrário.

Os arguidos agrediram violentamente [os traços da violência já acima se notaram] uma pessoa de 90 anos de idade, o que significa que sabiam que o uso dessa violência sobre essa pessoa o deixaria moagoado, negligenciando o resultado para a vida do mesmo que daí podesse advir.

Ou seja, a exclusão da vontade de homicídio faz sobrevir a qualificação dos factos, neste particular, não como um crime de roubo agravado e um crime de homicídio [como imputados], mas como um crime de roubo agravado pelo resultado morte da vítima.

O nº 3 do artº 210º CP é um crime agravado pelo resultado - crime de roubo agravado pelo resultado morte.

Nos termos do artigo 18º do CP, do que aqui se trata é da fusão de um crime doloso (roubo) com um evento agravante negligente (homicídio) - Se do facto resultar a morte, o que significa que a morte deve provir do comportamento levado a cabo para roubar, ou seja, dos meios usados para subtrair ou constranger à entrega do bem e do específico perigo que lhe está associado, por aqui se estabelecendo a necessidade de unidade de acção.

E a imputação do resultado morte é sempre feita a título de negligência, como neste caso decorre dos factos.

De facto, é este o enquadramento legal que resulta mais adequado aos factos que se provam.

Pelo que, desde já nos permitimos concluir que a matéria de facto provada assenta nesta avaliação da prova que antecede e que permite excluir da acção dos arguidos AA e BB a intenção directa, livre e determinada de também porem termo à vida da vítima DD, mas que permite, aliás sem permitir sequer menos do que isso, concluir que estes arguidos tiveram a intenção de roubar, para o que exerceram violência sobre a vítima, negligenciando o efeito dessas agressões nela e descurando qualquer assistência ou socorro.

(…)

21. No que respeita à causa de morte, não existem dúvidas que, face ao relatório pericial, a mesma resultou, como afirma o tribunal “a quo”, da comoção dos acontecimentos (que) terá provocado um efeito adrenalítico no corpo do agora falecido que lhe exigiu um aumento substancial de sangue/oxigenação, que não conseguiu aportar (por causa da artéria obstruída, ou por causa da medicação contra a ansiedade que fazia, ou por outra causa qualquer), tendo sido isso que provocou o ataque cardíaco que o levou à morte.

Efectivamente, no segmento “Discussão” de tal relatório, consta, pela mão do perito nomeado:

“Tendo em conta tudo o atrás exposto, considera-se que o contexto da alegada presença de indivíduos estranhos na casa da vítima, que nesta infligiram lesões traumáticas como comprovado pelo exame autóptico, despoletou no ora falecido um mecanismo de ativação adrenérgica e consequente aumento da demanda de oxigénio a nível miocárdico, por taquicardia. Face à existência de alterações orgânicas relevantes, nomeadamente cardíacas (como anteriormente referido), que adicionam particular vulnerabilidade nesta vítima em concreto, pode não ter existido reserva fisiológica suficiente para suprir as necessidades do músculo cardíaco, comprovadamente já afetado de alterações entendíveis em contexto de isquémia crónica.”

Destarte, conjugando os elementos circunstanciais com os dados autópticos e o resultado dos exames complementares de diagnóstico realizados, considera-se que a morte de DD foi devida a cardiopatia isquémica, tendo o contexto de alegado assalto violento contribuído de forma determinante para o exitus letalis.”

E, por seu turno, na 1ª conclusão:

“1ª Conjugando os elementos circunstanciais com os dados autópticos e o resultados do exames complementares de diagnóstico realizados, considera-se que a morte de DD foi devida a cardiopatia isquémica em contexto de alegado assalto violento (ver Discussão).”

22. Determina o artº 163º do C.P.Penal que o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador. Sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência.

No caso, não vislumbramos – nem os recorrentes, neste recurso, apresentam qualquer argumentação rebatedora do afirmado em tal relatório – qualquer razão para discordarmos de tal juízo pericial, pelo que teremos de concluir não merecer a censura que os recorrentes lhe dirigem, a decisão do tribunal “a quo” de o aceitar e determinar a factualidade concernente à causa da morte, nos termos em que o fez.

23. Finalmente, e no que se refere ao nexo causal.

A vítima em questão tinha 90 anos de idade. Não existe qualquer prova que essa sua idade real não fosse imediatamente aparente, aos arguidos.

Aos 90 anos de idade, como é do conhecimento de qualquer pessoa e, obviamente, do homem médio, já se ultrapassou o limiar da média de vida em Portugal, sendo certo que o corpo e a mente, dado o avanço dos anos e o normal e natural decaimento físico e psíquico, que a idade aporta, tornam essa pessoa frágil, quer em termos do funcionamento físico (degenerescência de órgãos internos e externos, que leva ao seu significativo enfraquecimento), quer de resiliência psíquica a qualquer alteração de rotina ou eventos de carácter traumatizante.

Tudo isto era do conhecimento dos arguidos pois, não havendo notícia de padecerem de alguma patologia que lhes tolde o entendimento, é matéria que qualquer homem comum domina. Daí, aliás, que todos os serviços prestados ao público em geral tenham legislação e sinaléctica que, entre outras pessoas especialmente vulneráveis, protege e privilegia o atendimento prioritário de pessoas de idade. Precisamente porque são frágeis.

24. Ora, os arguidos surgiram inesperadamente em casa de um casal de muita idade, para os assaltarem, agredindo ambos e, em especial, DD, que sofreu agressões que lhe provocaram equimose arroxeada na região frontal; escoriação na região parietal direita; equimose arroxeada bipalpebral direita; duas sufusões hemorrágicas nas conjuntivas palpebrais à esquerda; equimose fortemente avermelhada no dorso do nariz; equimose arroxeada na região labial superior; equimoses arroxeadas na face inferior da língua; equimose arroxeada na região mentoniana; no membro superior direito: equimose avermelhada na face lateral do cotovelo; escoriação apergaminhada na face lateral do cotovelo; no membro superior esquerdo: equimose arroxeada no terço médio da face posterior do antebraço; equimose arroxeada na região da articulação metacarpofalângica do 4º dedo com mobilidade anómala da articulação adjacente; escoriação apergaminhada na região da articulação interfalângica proximal do 4º dedo; no membro inferior direito: escoriação apergaminhada na face anterior do joelho; duas escoriações apergaminhadas no terço médio da região anterior; no membro inferior esquerdo: escoriação apergaminhada no dorso do pé; no tórax: infiltração sanguínea na face anterior, ao nível do 3º e 4º músculos intercostais; fractura pelo arco anterior da 2ª à 6ª costela; fractura pelo arco posterior da 3ª à 4ª costelas, todas elas provocadas directamente por acção dos arguidos.

25. Resta então do que deixámos dito retirar as pertinentes ilações.

Só poderá ser assacável ao agente a imputação do resultado morte se, para além da existência de um nexo causal, se poder entender que este agiu negligentemente, isto é, que com a sua actuação violou um dever de cuidado que sobre si impendia e a que, segundo as circunstâncias, estava sujeito e de que era capaz.

26. A teoria da causalidade adequada visa excluir o nexo de causalidade quando os danos resultam de “desvios fortuitos”, quando tenha intercedido uma evolução extraordinária, imprevisível, improvável e anormal. Assim, a apreciação do nexo de adequação terá de ser aferido segundo um juízo ex ante e não ex post.

Isto significa que ao julgador é imposto que realize uma apreciação segundo um juízo de prognose póstuma, deslocando-se mentalmente para o passado, para o momento em que foi praticada a conduta e que pondere, enquanto observador objectivo se, dadas as regras da experiência comum e o normal correr das coisas, a acção praticada pelo agente poderia, previsivelmente, ter como consequência a produção daquele determinado resultado. Se entender que a produção do resultado era imprevisível ou que, sendo previsível, era improvável ou de verificação muito rara, então a imputação a título de negligência não deverá ter lugar.

27. Estamos assim perante um nexo de causalidade de cariz puramente jurídico, cuja verificação se traduz na imputação da produção do resultado desvalioso (neste caso, a morte) à violação do dever objectivo de cuidado, segundo um critério de adequação, sendo de imputar ao agente a lesão do bem jurídico sempre que esta surgir como uma consequência previsível e possível da violação do dever de cuidado, em que se traduz a negligência.

28. Efectivamente, determina o artº 15 do C. Penal que “age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz, representa como possível a realização de um facto correspondente a um tipo de crime, mas actua sem se conformar com essa realização, ou não chega sequer a representar a possibilidade de realização do facto”.

Assim, distingue-se entre culpa consciente - em que o agente sente, prevê a possibilidade de ocorrência do resultado (morte da vítima) ou o perigo dele ocorrer, acreditando contudo, que o perigo não se verificará, ou seja, o resultado é previsto mas, de modo imponderado, espera-se que não venha a verificar-se - e a culpa inconsciente - em que o agente não prevê, sequer, essa consequência como resultado da sua conduta, ou seja, o resultado não é previsto, por descuido, distracção ou leviandade, mas é previsível.

29. Como refere Figueiredo Dias, in “Direito Penal - Parte Geral”, Tomo I, pág. 866, a característica mais saliente dos tipos de ilícito negligentes, por contraposição aos dolosos, reside na diferente relação que intercede entre acção e resultado ou, mais exactamente, entre acção e realização típica integral. Nos crimes dolosos a vontade do agente dirige-se ao resultado ou à realização integral do tipo, nos negligentes não; a relevância jurídico-penal daquela vontade resulta, não imediatamente do seu conteúdo, mas de uma comparação com o comportamento imposto”.

Por seu turno, Jescheck, in “Tratado de Derecho Penal — Parte General”, vol. II, Ed. Bosch, p. 513, explicita que “a negligência é aferida quer ao nível da ilicitude (objectiva), quer ao nível da culpa (subjectiva). No primeiro caso, constitui a violação do cuidado objectivamente devido numa determinada situação de perigo; no segundo, refere-se à censurabilidade pessoal da falta de cuidado de que o autor era capaz, segundo a sua formação, destreza e experiência de vida”.

30. Passando estes considerandos para o caso em apreciação - em que não está em causa a prática de um crime de homicídio negligente mas antes a imputação, a título de negligência, de um resultado: a morte - diríamos que, não obstante, serão elementos integradores do preenchimento da circunstância qualificativa agravante prevista no artº 210 nº2 do C. Penal por um lado, a omissão do dever objectivo de cuidado (desvalor da acção) e, por outro, a produção, causação e previsibilidade do resultado (desvalor do resultado), como referem Faria Costa, in “Aspectos Fundamentais da Responsabilidade Objectiva no Direito Penal Português”, FDUC, p. 23; e Eduardo Correia, in “Direito Criminal”, I, p. 254.

31. Assim, fazendo o juízo de prognose póstuma a que acima fizemos referência, sendo este resultado evitável para o homem prudente, dotado das capacidades que detém o homem médio pertencente à categoria e ao círculo de vida dos agentes, não podemos deixar de concluir pelo preenchimento, a título negligente, da imputação do resultado morte às condutas dos arguidos. Actuaram assim os arguidos, a este título, com negligência, já que o resultado morte, o dano, não resultou de nenhum desvio fortuito, nem de uma evolução extraordinária, imprevisível, improvável e anormal.

Existe, pois, nexo de causalidade adequada, entre a acção dos arguidos e o resultado morte, nexo este que se funda num comportamento negligente, numa falta de cuidado, numa leviandade de actuação.

(…)

37. Em conclusão:

Face ao que se deixa dito, tem de se concluir que a reapreciação probatória realizada não é de molde a permitir a alteração da matéria factual dada como provada. Na verdade, os elementos probatórios recolhidos e acima reapreciados não impõem que outro juízo tivesse forçosamente de ser alcançado e assim, a decisão tomada em 1ª instância, que se mostra detalhada, exaustiva e correcta, mostra-se inatacável e intocável, não merecendo censura a determinação dos factos assentes e não assentes por si realizada, que se deve manter. De igual modo, não se vislumbra a ocorrência de qualquer um dos vícios consignados no artº 410 nº2 do C.P.Penal, pelo que nada há a suprir.

Mantém-se, pois, inalterada, a matéria de facto dada como assente, na sua integralidade

Improcedem assim, nesta parte, os recursos interpostos pelos arguidos.”( fim de citação)

*

Vejamos então o caso concreto:


Perante o que extensamente se acabou de referir, a matéria do vício de contradição na fundamentação, relativamente à densificação do papel da reacção emocional do ofendido causadora do enfarte mortal, face à conduta dos arguidos, na relação consequencial decorrente das ofensas sofridas foi amplamente analisada e decidida, sendo claríssimo inexistir qualquer nulidade por omissão de pronúncia.


Não têm razão neste segmento os recorrentes AA e BB.


B) Quanto à omissão de pronúncia sobre a alegada nulidade por omissão de pronúncia suscitada pelos arguidos no seu ponto 1.1.2 das motivações e com respaldo nos pontos 4 a 6 das respetivas conclusões.


Alegam que o acórdão não se pronunciou dizendo apenas que a questão já tinha sido alvo de apreciação no anterior Acórdão da Relação que anulara parcialmente a primeira decisão da 1ª instância.


E isso, porquanto no ponto 1.1.2 da Motivação de cada um dos recursos para o Tribunal da Relação fora invocado:

“1.1.2. OMISSÃO DE PRONÚNCIA - AL. C) DO N.º 1 DO ART. 379º DO CÓDIGO DO

PROCESSO PENAL.

O arguido alegou, no ponto 29º da Contestação:

(...) incongruências nas interpretações das Intercepções para as Transcrições face ao conteúdo de alguns dos ficheiros de Intercepções, em que o trabalho das Transcrição não foi efectuado com a atenção que o mesmo deve merecer, dando como exemplos estas Transcrições:

- A transcrição do produto no 39254 – Data: 08/09/2020 (cfr. fls. 133);

- A transcrição do produto no 39393 – Data: 09/09/2020 (cfr. fls. 135);

- A transcrição do produto no 39462 – Data: 10/09/2020 (cfr. fls. 135);

- A transcrição do produto no 39651 – Data: 12/09/2020 (cfr. fls. 136).

Ademais, ainda na mesma peça, sob a epigrafe requerimento probatório, deixou pedido o seguinte:

Requer-se que as Intercepções que deram origem às 4 (quatro) Transcrições do

produto no 39254 – Data: 08/09/2020 (cfr. fls. 133), do produto no 39393 – Data: 09/09/2020 (cfr. fls. 135), do produto no 39462 – Data: 10/09/2020 (cfr.fls. 135) e do produto no 39651 – Data: 12/09/2020 (cfr. fls. 136) sejam reproduzidas e ouvidas em sede de Julgamento para que se demonstrem as Incongruências nas Transcrições.

Sucede que, pese embora essas interceções não tenham sido reproduzidas em Audiência de Julgamento, acresce que, para além desse pedido de reprodução da gravação áudio das conversas telefónicas, ficou alegado na Contestação que as transcrições desses concretos trechos das interceções não são fiéis reproduções escritas daquilo que os escutados falaram uns com os outros.

Verifica-se, todavia, das atas das várias sessões da Audiência de Julgamento que aquelas gravações das conversações telefónicas em causa não foram reproduzidas, não resultando, ademais, do Acórdão que essa questão tivesse sido objeto de ponderação, de fundamentação e muito menos de decisão por parte do Tribunal de julgamento.

Sucede que, consabidamente, resulta da al. c) do n.º 1 do art. 379º do Código do Processo Penal, para o que aqui importa, que É nula a sentença § Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.

(…)

E rematam, depois, com a menção do que alegaram nas conclusões nos pontos 4 a 6 de recurso interposto para a Relação:

“4.ª Foi alegado pela Defesa, em sede de contestação no seu ponto 29º, que as transcrições de concretos trechos das interceções não eram fiéis reproduções escritas daquilo que os escutados falaram uns com os outros, motivo pelo qual requereu que as mesmas fossem ouvidas em sede de julgamento.

5.ª Acontece que, nem as escutas foram ouvidas em sede de julgamento, nem tãopouco o Tribunal a quo se pronunciou-se acerca daquela estranha irregularidade, pelo que, nos termos do disposto na al. c) do n.º1 do artigo 379º do Código de Processo Penal, é nulo o Acórdão, quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.

6.ª Com efeito, desde já, se deixa arguida a nulidade do Acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, nos termos e por força da al. c) do n.º 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal.”

Tendo em atenção esse segmento de conclusões, vieram agora perante o Supremo Tribunal de justiça, no presente recurso, dizer de novo que:

“Parece-nos, com toda a nossa humildade, que a impugnação do conteúdo daquelas transcrições das escutas telefónicas, portanto a impugnação da veracidade daquela prova documental pré-adquirida, não consubstancia simples argumentos, opiniões ou doutrinas expendidas;

5-Afigura-se-nos, neste sentido, que ao Tribunal se impunha pronúncia sobre a invocada impugnação, sob pena de a sua Decisão – aquela que ora se coloca em crise – se apresentar eivada com o vício processual penal petitionem brevis, entre nós, como vimos atrás, previsto al. c) do n.º 1 do art. 379º do Cód. do Processo Penal – o que deixamos, assim, arguido.”

Vejamos de seguida o que no Acórdão da Relação ora recorrido se menciona a este respeito:


Ali, desde logo, foi identificada tal como questão prévia, já acima transcrita na enunciação e decisão em 2.3.1.2 - A). (…)”


E, em particular, nos segmentos de “8. Revista a prova, procederemos, de seguida, à análise dos recursos interpostos, em sede de matéria factual. (…) a “17 (…)” anteriormente também já transcritos.


Desses excertos decorre pois com clareza que o Tribunal da Relação identificou as questões, debruçou-se sobre elas e decidiu-as.


Não se compreende que os arguidos venham agora repristinar uma temática sob a capa da alegada nulidade por omissão de pronúncia quando o Tribunal da Relação teve o cuidado de identificar os problemas e de os decidir.


Ademais, sobre a questão das localizações celulares e da prova proibida, o primeiro acórdão da Relação que anulou a primeira decisão da 1ª instância foi impactante desde logo na identificação daquela temática, compreendendo-se pois o agora decidido na sequência do novo recurso, agora para este STJ.


Na verdade, alegaram os recorrentes que o acórdão recorrido incorrera no “vício” (cremos que terão querido significar, antes, “na nulidade”) de omissão de pronúncia porquanto, dizem:

“(…)relativamente às transcrições de concretos trechos das interceções não eram fiéis reproduções escritas daquilo que os escutados falaram uns com os outros, entendeu que a mesma já havia sido apreciadano Acórdão proferido pela 9º Secção do Tribunal da Relação, o que não sucedeu (…)”.

Essa questão da reprodução de intercepções telefónicas já havia sido convocada pelos arguidos em sede de contestação, mas que veio a ser apreciada por despacho judicial datado de 11.04.2022, requerimento que não foi renovado nem tendo sido tal reprodução determinada pelo próprio Tribunal.


Daí que, mais uma vez o salientamos, não se vislumbra omissão alguma de pronúncia geradora da nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal.


Por fim, é de considerar que a mesma questão foi efectivamente objecto de análise edecisão pelo Tribunal da Relação de Lisboa no 1º acórdão anulatório datado de 26.01.2023, embora em sentido contrário ao defendido pelos recorrentes e relativamente à validade e valoração das intercepções telefónicas.


Desse modo, não podia o recorrente sindicá-la para a mesma instância outra vez, uma vez que incidiu sobre ela caso julgado.


No acórdão recorrido proferido pelo Tribunal Colectivo da 1ª instância a decisão foi expurgada de toda a prova considerada proibida pelo TRL, isto é, a referente aos metadados utilizados indevidamente nos NUIPC 122/20.1... e 694/19.3...


No NUIPC694/19.3PCOER a convicção sobre a autoria dos factos pelo arguido AA baseou-se noutras provas produzidas, pelo que os metadados nem sequer foram essenciais ao apuramento dos factos.


E mais se conclui que em relação às duas condenações do arguido BB, relativas à sua co-autoria dos factos relativos ao NUIPC 849/20.8... (ofendidos DD e FF), a valoração de localização celular é legal e permitida, por se aterem a registos referentes a eventos de rede ocorridos após a prolação do respectivo despacho de autorização no NUIPC 694.


Por isso, são espúrios e inconsistentes os temores sobre o tempo admissível de conservação de dados pessoais e a alegada intromissão na vida privada e desprotecção de dados. São dados/eventos de rede que provêm de intercepções ocorridas em tempo real.


O acórdão da Relação recorrido tomara posição acerca desses segmentos de recurso nos seguintes termos, aqui em mais apertada síntese:

Antes de mais, cabe apreciar se, no acórdão reformulado, se mostra cumprido o ordenado pelo acórdão da 9ª secção, de Janeiro de 2023, no que concerne à não utilização da prova cujo uso foi considerado como integrando prova proibida.

Como supra já se referiu, tal prova proibida circunscrevia-se a um segmento específico e apenas a este, determinando a exclusão da apreciação probatória dos dados de localização celular obtidos a partir de registos conservados pelas operadoras em data anterior à decisão que ordena a sua solicitação a essas mesmas operadoras.

Lida a nova fundamentação realizada em sede da decisão que ora nos cumpre apreciar, constatamos que o tribunal “a quo” cumpriu escrupulosamente tal exclusão; isto é, seleccionou, no que concerne aos elementos de prova, entre os dados de localização celular que haviam sido obtidos e conservados pelas operadoras, em data anterior à decisão que ordenou a solicitação às mesmas, excluindo-os da apreciação probatória (pois constituíam prova proibida) e atendeu apenas, nesta específica sede, aos dados de localização obtidos a partir da data da sua solicitação (prova essa permitida).

Atendeu igualmente ao teor das escutas telefónicas adquiridas para os autos, por o anterior acórdão da 9ª secção ter entendido que, quanto às mesmas, nenhum vício ocorria, sendo prova válida e legalmente obtida, o que determina que tenha de ser tida em apreciação.

9. Temos, pois, que nesta parte, nenhum reparo suscita a fundamentação realizada pelo tribunal “a quo”, mostrando-se aliás a mesma exaustiva e compreendendo apenas os elementos de prova que, de acordo com decisão superior transitada em julgado, foi considerada legal e válida.

Por tal razão, mostram-se arredadas e sem fundamento quaisquer críticas que os recorrentes dirijam a respeito da força e validade probatória de qualquer um destes elementos probatórios, sendo certo que, em bom rigor, os arguidos nem sequer invocam que a decisão não respeitou o determinado pelo acórdão proferido pela 9ª secção, antes fundando o seu desacordo na tentativa de reabertura da discussão a propósito da prova relativa a dados e escutas, já definitivamente tratada pelo referido acórdão de Janeiro de 2023.

Assim, e a este respeito, nada mais resta a este tribunal decidir.”

Em nota final nesta análise, podemos pois resumir que o acórdão da Relação ora recorrido pronunciou-se também expressamente sobre esta questão, afirmando que a propósito das escutas telefónicas, nenhumreparo suscitava a fundamentação exaustiva por parte do tribunal“a quo”, e compreendendo apenas os elementos de prova que, de acordo com decisão superior transitada em julgado, foi considerada legal e válida.


O tribunal de 1ª instância, na 2ª decisão proferida após a anulação do seu primeiro acórdão e que se releu com atenção, foi claro no expurgar da prova proibida quanto ao uso das localizações celulares afectadas e que ali se especificaram, cumprindo escrupulosamente tudo o que estava em conexão com o que decidira no primeiro recurso o Tribunal da Relação.


Os factos (34 a 59) relativos à coautoria do arguido BB e AA e quanto ao sucedido no assalto a casa dos ofendidos DD (marido e esposa)a 9/9/2020 (processo Proc. 849/20.8... ficaram desde logo resolvidos com trânsito em julgado do primeiro acórdão da Relação e que validou a prova atinente às interceptações/escutas telefónicas e localizações celulares judicialmente autorizadas.


Quanto ao processo 694/13 (ocorridos a 8.11.2019- ofendida GG- factos provados de 1 a 16), o tribunal de 1ª instância, na 2ª decisão, como se lê claramente da fundamentação transcrita expurgou os elementos de prova proibida baseado apenas em localizações anteriores à validação judicial (de 28.9.2020) e de forma fundamentada explicou todos os restantes elementos de prova coadjuvantes de uma sólida convicção para além dessas localizações celulares proibidas e, nomeadamente, atendendo aos vestígios lofoscópicos encontrados:

“(…)Relativamente a este NUIPC 694, importa ainda referir que, tendo os factos ocorrido em 11 de Novembro de 2019, a informação de fls. 884 e 897 que faz a ligação do telemóvel do arguido AA com o do arguido CC [e resultando também de fls. 1116 que o mesmo AA (nº .......53) liga para o telefone do segundo (nº .......54) antes dos factos ocorrerem] é obtida pelo processo mais de seis meses após o cometimento do crime, razão pela qual, nos termos da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que anulou o nosso acórdão anterior não pode ser atendida por este Tribunal por estar ao abrigo da proibição de prova decidida pelo TC no âmbito dos chamados metadados.

Foi ordenada posteriormente busca à sua residência [do arguido AA] que, realizada, nada veio trazer de outros indícios (fls. fls. 1026).

Ouvido em interrogatório judicial, o arguido CC remeteu-se ao silêncio, postura que manteve em julgamento.

Por outro lado, como se percebe das declarações da vítima/ofendida, nada de substancial se retira que permita concretizar quem era o segundo elemento (o primeiro sabemos que é o arguido AA porque deixou prova das suas mãos na manipulação do cofre onde estavam as joias) nesta ocorrência.

Assim, sem outro aporte de prova no que à participação do arguido CC respeita, não se tendo consolidado em julgamento os indícios que levaram à acusação, importa concluir que não se faz prova da intervenção deste arguido nos factos.

Assim, pelo exposto, importa absolver o arguido CC destes factos.

Aliás, como requereu o Ministério Público em alegações finais.

Na busca à casa do ex arguido JJ foram apreendidos as alianças, o fio de ouro, dois relógios que foram subtraidos da casa da ofendida GG, entregues certamente pelo arguido AA, uma vez que, como resulta das escutas, era JJ o seu contacto para receptar as joias que roubava.

Assim, pelo contrário, dos elementos de prova resulta à evidência que os vestígios de lofoscopia (fls. 1179) encontrados na casa da vítima GG, pertencentes ao arguido AA, colocam este arguido no cometimento desse roubo sem qualquer dúvida, sendo quanto a ele procedente, sem qualquer hesitação, a imputação de factos renovada pela pronúncia.

Também resulta das escutas que se encontram nos autos, desde logo, no que aqui releva, daquelas registadas a partir de 06.09.2020 que os arguidos AA e BB têm planos conjuntos para cometerem outros actos da mesma natureza, como é evidente.

(…)”

Deste modo, foi por isso o arguido CC absolvido (no caso 694/13- sendo ofendida GG), mas mantida a imputação de responsabilidade do arguido AA, como aliás se explicou com clareza no acórdão de 1ª instância. Este porém, do mesmo modo que quanto àquele, por expurgo de prova proibida, já no tocante ao caso do processo 122/20 (ofendida EE) acabou por ser absolvido.


Daí que inexistisse sequer vício de fundamentação ou omissão de pronúncia nesse segmento ou incumprimento pela primeira instância do decidido pelo primeiro acórdão da Relação.


Consequentemente, bem andou também o Tribunal da Relação no segundo recurso quando referiu, em clara pronúncia sobre a arguida nulidade como supra se transcreveu já.


Improcede assim a 2ª nulidade de omissão de pronúncia atinente ao problema das localizações celulares e prova proibida invocada em ambos os recursos.


C) O arguido AA coloca ainda uma terceira questão, que qualifica como sendo nulidade prevista na al. c) do n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal – Erro notório na apreciação da prova, em 2 aspetos:

a)- Por ter sustentado o seu entendimento «acerca da autoria do resultado morte e
do crime de tráfico de menor gravidade, tendo assentado como demonstrados
factos totalmente insustentados de prova direta e extraviados das regras da
experiência comum e da normalidade, alcançando um caminho ilógico, arbitrário
e portanto inaceitável», pedindo que seja dado como não provado o ponto 57 da
matéria de facto, na parte em que se considerou que os arguidos BB e
AA (...) sabiam e quiseram (...) causar-lhe perigo para a vida,
negligenciando o resultado que daí pudesse advir para o mesmo, desde logo a
sua morte; e

b) - Por ter erradamente concluído que a detenção de estupefacientes
suficientes para cerca de 170 doses, «sem a recolha de quaisquer outras
informações, nomeadamente imagens de videovigilância, escutas telefónicas
e/ou depoimentos de fornecedores ou consumidores, que demonstrem o
desenvolvimento de uma atividade de venda de estupefacientes, não poderá ser
suficiente a alcançar aquele entendimento, isto é, que se destinem à sua venda
ou cedência», antes devendo ter concluído destinarem-se apenas ao seu
consumo. Alega ainda que deveria ter sido apreciado o caso perante o regime
mais favorável que entrou em vigor com a Lei nº 55/2023, de 08.09, sendo
condenado agora pela prática de um crime de tráfico para consumo, nos termos
do artº 40º, nº 1 do Dec-Lei nº 15/93, de 22.01.

Começando desde logo por esta última questão atinente ao crime de tráfico em que apenas o arguido AA é autor.


Antes de mais, assinale-se uma correcção terminológica e que se atém ao facto de o vício de erro notório não ser processualmente uma nulidade de sentença (na previsão elencada no artº 379º do CPP) mas um vício (passe a redundância) previsto no artº 410º nº2 alínea c) do CPP


Tratando-se de crime sujeito a dupla conforme e a que foi aplicada pena inferior a 5 anos, todas as questões que lhe respeitem, de facto, de direito, nulidades, vícios, inconstitucionalidades, etc, estão subtraídas à apreciação deste STJ, face ao disposto no artº 432º nº1 alínea b), a contrario e 400º, nº1, alínea f) do CPP.


Tratar-se-ia, ademais, de matéria de direito visando a interpretação e subsunção jurídica de factos relativos à caracterização dos mesmos como crime de tráfico de menor gravidade, tendo em conta que não se evidenciou que fosse minimamente notório que o estupefaciente apreendido se destinasse exclusivamente ao consumo do arguido, quer pelo número de doses em causa, quer por força da ausência de modo de vida dedicado ao trabalho lícito ou remunerado quer ainda face aos objectos e montante apreendido nas buscas.


De todo o modo, nunca seria matéria de convocação em recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, blindado que estava pelo limite criado pela dupla conforme.


Na verdade,


O recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito (artigos 46.º da LOSJ e artigo 434.º do Código de Processo Penal), sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 432.º, alíneas estas que se reportam:


a) decisões das relações proferidas em 1.ª instância e


c) acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos”,


o que não é o caso dos autos pois, como se viu, houve uma decisão do tribunal colectivo da 1ª instância que foi confirmada em recurso nos termos sobreditos pelo Tribunal da Relação e aplicou parte das penas parcelares e as penas unitárias acima dos 8 anos de prisão.


O recurso, como acontece no caso agora em concreto, será admissível para o STJ apenas nos termos daquela alínea b) do artº 432º do CPP, segundo a qual essa admissibilidade decorre da incidência sobre decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º;


No regime de recursos em vigor, na sequência das alterações introduzidas ao Código de Processo Penal pela Lei n.º 94/2021, de 21 de Dezembro (e que ampliou o regime de admissão de recursos ordinários para o Supremo Tribunal de Justiça (1) , apenas nos casos previstos no artigo 432.º, n.º 1, alíneas a) e c) do Código de Processo Penal, o Supremo Tribunal de Justiça pode conhecer da invocada existência dos vícios da decisão previstos no n.º 2 do artigo 410.º, do Código de Processo Penal, em conformidade com o artigo 434.º do Código de Processo Penal :“O recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do artigo 432.°.”


Com fundamento nos vícios previstos no artigo 410.º do Código de Processo Penal ou com fundamento em nulidade não sanada (artigo 379.º, .º 2 e 410.º, n.º 3, do Código de Processo Penal), apenas cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões das relações proferidas em 1.ª instância ou nos casos de recurso directo de acórdãos finais proferidos pelo tribunal de júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos.


Assim, para além dos casos previstos no artigo 432.º, n.º 1, alínea a) e c), do Código de Processo Penal, não é admissível recurso de acórdão da Relação proferido em recurso com um dos fundamentos previstos no artigo 410.º, do Código de Processo Penal, pois com esses fundamentos apenas é admissível recurso de decisões proferidas em 1.ª instância, incluindo a Relação, se os demais pressupostos legais também estiveram verificados.


A jurisprudência deste Supremo Tribunal assim tem entendido, como se pode ler, entre outros, no Ac. de 14 de março de 2018, processo 22/08.3JAL RA.E1.S1:

“(…)estando o STJ impedido de conhecer do recurso interposto de uma decisão, estará também impedido de conhecer de todas as questões processuais ou de substância que digam respeito a essa decisão, tais como os vícios da decisão indicados no artigo 410º do CPP, respetivas nulidades (artigo 379º e 425º, n.º 4) e aspetos relacionadas com o julgamento dos crimes que constituem (…)”

No mesmo sentido, mais recentemente, vd. o Ac. de 06/04/2022, Proc. 85/15.5GEBRG.G1.S1, publicado no mesmo site da DGSI.


Trata-se de jurisprudência reiterada neste Supremo Tribunal, da qual não se vê razão para divergir.


Sobre esta matéria, em síntese jurisprudencial, aliás também mencionada no parecer do MP (Acórdãos do STJ de 11.11.2020, P-74/17.5JACBR.C1.S1;de 17.06.2020, P- 91/18.8JALRA.E1.S1 e o Ac. do STJ de 27.01.2022, P-960/19.8JAAVR.P2.S1). podem ver-se ainda o recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21-2-2024, no processo n.º 424/21.0PLSNT.S1.L1.S1, o acórdão de 01.03.2023, Proc. 685/10.0GDTVD.L2.S1, retomando o acórdão de 30.11.2022, Proc. 1052/15.4PWPRT.P1.S1, em www.dgsi.pt, e jurisprudência nele citada, de 15.02.2023, já citº, e o acórdão de 02.12.2021, Proc.º 923/09.1T3SNT.L1.S1, em www.dgsi.pt); (cfr ainda o comentário de Pereira Madeira ao artigo 400º - Henriques Gaspar et alii, Código de Processo Penal Comentado, 4ª ed. 2022).


Ocorre uma situação de “dupla conforme”, quando uma decisão assente na identidade de concordância entre duas instâncias na apreciação, vg. quanto ao mérito da causa.


Ademais, precisando o conceito de “dupla conforme” ínsito ao art.º 400.º, n.º 1, al. f), do CPP., por economia de esforços, remetemos para o extenso desenvolvimento contido nas anotações 10 a 14 do Comentário ao CPP de Paulo Pinto de Albuquerque, vol II, 5ª edição actualizada,- UCP Editora, de pags 574 a 576).


Aliás, ainda como esclarece Eduardo Maia Costa, no acórdão de 26.02.2014 (proc. n.º 851/08.8TAVCT. G1. S1), diremos em total concordância que “a confirmação não significa nem exige a coincidência entre as duas decisões. Pressupõe apenas a identidade essencial entre as mesmas, como tal devendo entender-se a manutenção da condenação do arguido, no quadro da mesma qualificação jurídica, e tomando como suporte a mesma matéria de facto.


E esta confirmação admite “a redução da pena pelo tribunal superior; ou seja, haverá confirmação quando, mantendo-se a decisão condenatória, a pena é atenuada, assim se beneficiando o condenado.2


Ora, o presente recurso foi interposto de uma decisão do Tribunal da Relação que confirmou a decisão de 1ª instância (mantendo tudo quanto ao arguido AA e apenas diminuindo de 16 anos e 6 meses para 15 anos de prisão a pena unitária aplicada ao arguido BB) e sem voto de vencido.


Em concreto, trata-se pois de um recurso interposto de uma decisão proferida pelo Tribunal da Relação, em recurso e com dupla conforme (excepto na pena unitária do arguido BB que se confirmou até aos 15 anos de prisão), sendo que acima deste limite não se pode mais discutir a diferença na pena única pois o recurso foi interposto pelo arguido e em respeito pelo princípio da proibição da reformatio in pejus). Também quanto às penas parcialmente superiores a 8 anos de prisão, apesar da dupla conformidade, o recurso será admissível.


Caso a pena unitária aplicada o tivesse sido até ao limite de 8 anos de prisão, com a constatação da dupla conforme face ao decidido no TRL, nem sequer os arguidos conseguiriam recorrer para o STJ e, quanto ao arguido AA , face às penas pelo crime de tráfico e pelo crime de detenção de arma proibida, porquanto inferiores a 8 anos de prisão, todas as questões a eles atinentes não podem ser repristinadas em recurso para o STJ.


Portanto, todas as sobreditas questões atinentes às confirmadas condenações nas penas parcelares pelos respectivos crimes inferiores a 8 anos de prisão, nelas incluída a invocação de vícios como o da insuficiência para a decisão de direito da matéria de facto provada, serão desde logo insindicáveis. As únicas que poderão ainda sê-lo atêm-se somente à avaliação da proporcionalidade das penas parcelares superiores a 8 anos de prisão pelos crimes de roubo, incluídas naturalmente as penas unitárias aplicadas em sede de cúmulo jurídico.


Por conseguinte, face ao que viemos de referir quanto aos limites de aplicação do artº 400º, nº1 do CPP, na sua alínea f), e ao conceito de dupla conforme, ainda que in minus (no caso da diminuição da pena unitária do arguido BB, ainda assim acima dos 8 anos de prisão), o recurso para o STJ, quando haja dupla conforme, só abrange, como acontece no caso concreto, a discussão sobre as penas superiores a esse limite de 8 anos de prisão, tendo vindo a ser entendimento acolhido, pensamos que já largamente maioritário, que a interposição de recurso com base na invocação da existência dos vícios do artº 410º , onde se inclui aquele alegado ( erro notório), não é admissível, sem prejuízo de, apenas sendo de tal modo evidentes ou manifestos, poderem ainda ser conhecidos oficiosamente, o que não é o caso dos autos.


En passant, lembraremos aqui que com a alteração do art. 400º do Cod. Proc. Penal (introduzida pela Lei nº 20/2013, de 21/02), o legislador pretendera já reduzir a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça relativamente aos acórdãos proferidos, em recurso pela Relação, constituindo jurisprudência sedimentada que, ocorrendo “dupla conforme” e tendo sido aplicadas várias penas, por crimes em concurso, que foram objecto da aplicação de uma pena única em cúmulo jurídico (nos termos do art. 77º do Cod. Penal), só será admissível recurso para este Supremo Tribunal quanto às penas acima desses 8 anos de prisão, ou seja, quanto aos crimes punidos também com penas desta dimensão.


O Tribunal Constitucional também já se pronunciara sobre esta questão quando decidiu, no seu Ac. nº 186/2013, “não julgar inconstitucional a norma constante da alínea f), do n.º 1, do artigo 400.º, do Código de Processo Penal, “na interpretação de que havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objeto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão”.


Consequentemente, não se conhece da questão que o arguido AA coloca quanto ao crime de tráfico porquanto abrangida pela dupla conforme enunciada e fica por isso definitivamente assente a decisão que sobre ela foi tomada pelo Tribunal da Relação.


Pelas mesmas razões, a matéria relativa ao crime de detenção de arma se mostra insindicável.


D) Passando agora ao tema do vício do erro notório atinente ao resultado morte e à responsabilização dos arguidos por negligência.


-O erro notório na apreciação da prova traduz-se numa «falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, seja que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável (…), ou que há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis» ( cit Simas Santos e Leal-Henriques in Recursos em Processo Penal, Editora Rei dos Livros, 6.ª edição, 2007, (págs. 74-75);


- Este vício, tal como aliás os restantes aflorados no artº 410º nº2 do CPP, deve resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou com recurso às regras da experiência e da vida, sem coadjuvação de elementos que lhe sejam externos, o que significa «que não se pode ir fora da decisão buscar outros elementos para fundamentar o vício invocado, nomeadamente de eventuais contradições entre a decisão e outras peças processuais, como por exemplo recorrer a dados de inquérito, da instrução ou do próprio julgamento» (op.ibidem)


No caso concreto, defendem ambos os recorrentes que se verifica esse vício por ter sido sustentado pelo tribunal o entendimento «acerca da autoria do resultado morte e (…) tendo assentado como demonstrados factos totalmente insustentados de prova direta e extraviados das regras da experiência comum e da normalidade, alcançando um caminho ilógico, arbitrário e portanto inaceitável», pedindo que seja dado como não provado o ponto 57 da matéria de facto, na parte em que se considerou que os arguidos BB e AA (...) sabiam e quiseram (...) causar-lhe perigo para a vida, negligenciando o resultado que daí pudesse advir para o mesmo, desde logo a sua morte


Embora se reportem à convicção formada pelo tribunal sobre o elemento subjectivo, argumentam na sua perspectiva com apoio em relação às regras da experiência e que dizem terem sido violadas.


Ou seja, o que acabam por contrapor mais não é do que o afirmarem que não é das regras da vida e da experiência alguém praticar um crime como o que foi incidente sobre o ofendido DD e terem o dever de cuidado em minimamente prever que este poderia morrer de enfarte por choque emocional.


Decorre dos autos que ofendido tinha cerca de 90 anos.


Na explicação do nexo causal e da imputação o tribunal de primeira instância referiu o seguinte na fundamentação e que de novo aqui recordaremos:

“ (…)

57. Os arguidos BB e AA, em comunhão de esforços, sabiam e quiseram também sujeitar o ofendido DD a agressões físicas que, tendo em conta a idade avançada deste último, seriam sempre idóneas a causar-lhe perigo para a vida, negligenciando o resultado que daí pudesse advir para o mesmo, desde logo a sua morte.

(…)

Não temos aqui dúvidas - ao contrário do que a Defesa terá pensado conseguir com o depoimento de uma testemunha (PP) que em nada influenciou o Tribunal devido à avidez com que, mesmo em face de objectivações colocadas por nós, permaneceu na obstinada defesa da teoria segundo a qual a vítima mortal falecera porque tinha as artérias obstruídas -, de que a vítima mortal faleceu na sequência destes factos e por causa deles.

(…)

Como refere o relatório de autópsia, (perícia dos autos), a comoção dos acontecimentos terá provocado um efeito adrenalítico no corpo do agora falecido que lhe exigiu um aumento substancial de sangue/oxigenação, que não conseguiu aportar (por causa da artéria obstruída, ou por causa da medicação contra a ansiedade que fazia, ou por outra causa qualquer), tendo sido isso que provocou o ataque cardíaco que o levou à morte.

Essa é a causa de morte.

Além dela, existem as lesões que lhe foram provocadas pelos arguidos, seus agressores, que o mesmo relatório esclarece.

Os acontecimentos terão sido tão violentos que a placa dentária da vítima foi expelida para metros do seu corpo, como o aparelho auditivo (fls. 46, 47, 48, 49, 50 e 51). As imagens valem aqui como mil palavras. Quem olha para elas não fica indiferente à violência que retratam. Todas provocadas em vida, numa pessoa de 90 anos de idade.

De tudo isto se convenceu o Tribunal, quanto à vítima mortal e sua mulher, resultando provados todos os factos da prova reunida.

Excepto um.

E esse facto, que o Tribunal considera que não logrou provar-se (ou dois factos, para ser mais preciso) é o que respeita à circunstância de terem sido os arguidos a matar directamente o ofendido, querendo-o fazer.

Esta questão não é de somenos, uma vez que é esta uma das imputações feitas, a mais grave, por sinal.

O facto de concluirmos, como fazemos, decorrendo isso da autópsia, que a morte foi devida a enfarte, impõe que se exclua a possibilidade de qualquer das agressões a que a vítima foi sujeita (e foi-o, como resulta das fotografias e da autopsia) terem sido causa directa da sua morte.

Se não foram, e não foram, então importa concluir que os arguidos, que quiseram produzir tais lesões e por isso o agrediram dessa forma, como quiseram, não pretenderam directamente visar o falecimento da vítima, mas atentar contra a sua integridade física, ainda que gravemente.

E parece-nos que esta é a conclusão que mais se aproxima da verdade dos factos.

Sabemos que quiseram agredir, isso é visível no corpo da vítima, nenhuma dessas lesões decorrendo do acaso ou de uma corrente de ar que se apanha.

Essa pessoa, que ainda nesse dia, pela manhã, fez as suas rotinas habituais e ninguem o viu machucado, foi agredido, violentamente como decorre do relatório da autópsia, pelos assaltantes.

E isto, eles quiseram.

Porque se não quisessem não o teriam feito, porque é esta a forma de agirem (para neutralizarem as vítimas), porque ninguém agride dessa maneira sem querer fazê-lo.

Mas disto tudo que os dois arguidos quiseram - porque actuaram em conjunto aceitando reciprocamente o comportamento do outro e interagindo no mesmo -, não resulta evidente que queriam também a morte da vítima.

Nada retiravam os arguidos dessa morte que não retirassem do facto de ele se manter vivo, embora neutralizado pela violência das agressões que já lhe tinham provocado.

Naquele que era o objectivo dos arguidos, mesmo gostando de violência como gosta o arguido AA, este desfecho não faz sentido.

Não decorre directamente das lesões físicas infligidas e nenhum elemento de prova permite concluir que a intenção dos arguidos era tirar a vida à vítima.

Assim, a prova não permite consolidar os indícios de crime de homicídio doloso, devendo deles ser absolvidos os arguidos.

No entanto, tal não significa que estes arguidos foram alheios a este desfecho.

Como se viu, pelo contrário.

Os arguidos agrediram violentamente [os traços da violência já acima se notaram] uma pessoa de 90 anos de idade, o que significa que sabiam que o uso dessa violência sobre essa pessoa o deixaria moagoado, negligenciando o resultado para a vida do mesmo que daí podesse advir.

Ou seja, a exclusão da vontade de homicídio faz sobrevir a qualificação dos factos, neste particular, não como um crime de roubo agravado e um crime de homicídio [como imputados], mas como um crime de roubo agravado pelo resultado morte da vítima.

(…)

E a imputação do resultado morte é sempre feita a título de negligência, como neste caso decorre dos factos.

De facto, é este o enquadramento legal que resulta mais adequado aos factos que se provam.

Pelo que, desde já nos permitimos concluir que a matéria de facto provada assenta nesta avaliação da prova que antecede e que permite excluir da acção dos arguidos AA e BB a intenção directa, livre e determinada de também porem termo à vida da vítima DD, mas que permite, aliás sem permitir sequer menos do que isso, concluir que estes arguidos tiveram a intenção de roubar, para o que exerceram violência sobre a vítima, negligenciando o efeito dessas agressões nela e descurando qualquer assistência ou socorro.

(…)


No relatório da autópsia, na parte “Discussão”, foi mencionado pela mão do perito nomeado:

“Tendo em conta tudo o atrás exposto, considera-se que o contexto da alegada presença de indivíduos estranhos na casa da vítima, que nesta infligiram lesões traumáticas como comprovado pelo exame autóptico, despoletou no ora falecido um mecanismo de ativação adrenérgica e consequente aumento da demanda de oxigénio a nível miocárdico, por taquicardia. Face à existência de alterações orgânicas relevantes, nomeadamente cardíacas (como anteriormente referido), que adicionam particular vulnerabilidade nesta vítima em concreto, pode não ter existido reserva fisiológica suficiente para suprir as necessidades do músculo cardíaco, comprovadamente já afetado de alterações entendíveis em contexto de isquémia crónica.

Destarte, conjugando os elementos circunstanciais com os dados autópticos e o resultado dos exames complementares de diagnóstico realizados, considera-se que a morte de DD foi devida a cardiopatia isquémica, tendo o contexto de alegado assalto violento contribuído de forma determinante para o exitus letalis.”

(…)”


Ficou pois assente que os arguidos sabiam e quiseram (...) causar-lhe perigo para a vida, negligenciando o que daí pudesse advir para o mesmo, desde logo a sua morte.


Resulta da actuação directa sobre o ofendido um conjunto de ofensas que revelam a barbaridade directa do arguido AA. E, não contente com isso, abandonam o local deixando-o caído no chão, sem assistência durante horas. Apesar de saberem ser uma pessoa idosa. Não é contrário às regras da vida presumir ou dever presumir-se que uma pessoa daquela idade é uma pessoa vulnerável. Sabiam que o ofendido era pessoa receosa de assaltos (foi vigiado pelo AA durante algum tempo) e não abria a porta a qualquer um. Com as ofensas infligidas, (veja-se que até algumas costelas ficaram partidas), vendo-o no chão inanimado, sem defesa, sem qualquer ajuda, deviam ter pensado, podiam ter pensado que algo de mais grave se teria passado ou poderia vir a passar-se com o estado de saúde do mesmo. A regra é a de qualquer pessoa, mesmo de menos idade, ter uma reacção de medo, até de pânico, ao ver a sua casa invadida por desconhecidos, usando da força física, para subtração de bens, quanto mais pessoas como o ofendido, com idade provecta,. A regra da vida é a de pessoas com essa idade terem já problemas de saúde, de tensão alta, de colesterol, de maior intensidade de receio de doenças ou de incapacidade de autodefesa em caso de assalto ou violência. Ainda que não seja frequente um choque emocional provocar uma morte, é do bom senso e do pensamento geral de qualquer cidadão médio ter de agir com maior cuidado perante pessoas muito idosas, mesmo que aparentem um estado de saúde e autonomia de vida ainda razoável.


O relatório de autópsia revela o choque emocional como causa decorrente das ofensas sofridas. Estas eram sabidas dos arguidos e, ainda que não tenham querido a morte do ofendido, era-lhes exigido um dever de maior cuidado na co-actuação, cuidado esse de que eram capazes e mesmo assim não tiveram, deixando aquele entregue à sua sorte mesmo não tendo representado (assim se provou) que o resultado morte acontecesse.


Não vislumbramos pois, que mesmo tendo retirado a imputação por homicídio, questão que não está em discussão agora, não vai minimamente contra as regras da experiência a imputação feita quanto ao elemento negligência no resultado morte.


O artº 18 do CP dispõe que, quando a pena aplicável a um facto for agravada em função da produção de um resultado, a agravação é sempre condicionada pela possibilidade de imputação desse resultado ao agente pelo menos a título de negligência.


A negligência é definida no artº 15º do CP como a acção/omissão de quem não procede com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz. Os arguidos tinha a obrigação e a capacidade de não agir de forma tão violenta sobre um ofendido já de provecta idade e por isso particularmente vulnerável ou muito mais vulnerável e bem saberiam que um assalto naquelas circunstâncias geraria forte temor a qualquer normal cidadão em face da invasividade do domicílio e da violência das ofensas sobre o ofendido DD. E, mesmo não tendo representado a morte como possibilidade consequencial do facto (artº 15º alínea b) do CP), naquelas concretas circunstâncias aquele excesso de violência e temor podia ter sido por eles evitado e melhor acautelado face à provecta idade e vulnerabilidade do ofendido.


No artº 210º nº3 do CP está em causa um crime preterintencional- na fusão de um crime fundamental doloso ( roubo) e de um evento agravante negligente ( morte). Tendo o legislador eliminado a “referência à negligência grave”, passa a valer o princípio estabelecido no artº 18º, bastando a mera negligência para haver agravação pelo resultado. (3) [ no mesmo sentido cfr. os Acórdãos do STJ de 11.06.1997 (Proc. 96P1451); de 18.03.1999 (P. 98P1116); e de 15.10.2014 (Proc. 107/13.4JACBR.C1.S1)]4


“Se do facto resultar a morte” significa que “a morte deve provir do comportamento levado a cabo para roubar, ou seja, dos meios usados para subtrair ou constranger à entrega do bem e do específico perigo que lhe está associado, por aqui se estabelecendo a necessidade de unidade de acção. A imputação do resultado morte é sempre feita a título de negligência, trate-se de negligência grosseira ou grave ou de mera negligência. Não cabe no preceito o latrocínio (roubo doloso com homicídio doloso). [Ac. STJ de 09-04-2015, no procº 31/12.7JALRA.S1- Relatora Isabel Pais Martins] 5


Ora, aquele comportamento face às regras da experiência gera só por si um forte temor e comoção e que em pessoas mais vulneráveis (idosos) pode desencadear reacções emocionais mais violentas (que os arguidos deviam ter previsto e podiam ter previsto dada a fragilidade do ofendido decorrente da sua idade) que associadas a ofensas corporais graves intensifiquem aquelas ao ponto de poder desencadear um enfarte, como aconteceu.


Se bem que afirmem os recorrentes que a fragilidade de uma pessoa com 90 anos não é de tal modo acentuada que o impeça de vivenciar situações com um elevado grau de intensidade, sejam elas felizes ou tristes, porquanto dali poderá resultar o seu falecimento, ou melhor, que isso não significa que todas as pessoas com 90 anos de idade, sofrem de uma incapacidade cardíaca, diremos pois que é exactamente a “regra” da experiência e não a excepção, que nos diz que é muito mais provável admitir-se e dever prever-se que uma pessoa de 90 anos sofrerá mais provavelmente de doenças e fragilidades físicas e psíquicas, quantas vezes apenas minimizadas por tratamentos e medicação, nomeadamente cardíacas e /ou pulmonares do que ser pessoa de saúde sem mácula que aguente sem particular dificuldade e comoção eventos como o sucedido em casa do ofendido falecido e sua esposa.


Isto, tanto mais que os arguidos foram quem criou um perigo proibido (ou não permitido, na fórmula de Klaus Roxin, citado por Fig Dias, in nota infra) de evento agravante ainda que sem o terem representado. Em todo o caso, a agravação pelo resultado, aqui adiantamos dizê-lo, tem a sua razão de ser matéria na especificidade do nexo entre o crime fundamental (doloso) e o evento agravante ( resultado morte) e que se consubstancia , usando aqui de uma expressão do prof Figueiredo Dias 6

«no perigo normal, típico, quase se diria necessário que, para certos bens jurídicos está ligado à realização do crime fundamental e a violação de um dever objectivo de cuidado por agente capaz de a observar»

Não está pois para além das regras da experiência o surgimento deste tipo de evento num idoso vulnerável de 90 anos, agredido com a insensibilidade e a violência como o foi com perigo para a vida e a descoberto de assistência durante várias horas.


De todo o modo, e regressando ao passo inicial, a verdade é que inexiste o vício de erro notório apontado, este pacificamente considerado, na doutrina e na jurisprudência como sendo aquele que, na apreciação da prova, é evidente para qualquer indivíduo de médio discernimento e deve resultar do texto da decisão, por si só ou conjugadamente com as regras da experiência comum.


2.3.1.3 - Medida das penas únicas


A) Ambos os recorrentes apenas discutem as penas únicas, dizendo-as excessivas e estigmatizantes.


O arguido AA limita-se a pedir, mais não dizendo, que seja efectuada “(…)a reponderação da pena única de 17 (dezassete) longos anos aplicada (…), que mais servirá a estigmatização e a marginalização familiar e social que a reintegração (…)”


Por sua vez o arguido BB considera, em particular, mas de forma mais desenvolvida, a pena a si aplicada muito próxima ainda da fixada ao arguido AA, rematando que se está

“(…) apenas perante um único episódio criminoso, não perante um vasto leque de reiteradas praticas ilícitas, prolongadas no tempo e diversificadas no espaço, com a afetação de inúmeras vítimas, bem como não se demonstrar uma tendência criminosa por parte do arguido recorrente.

A par de que, jamais pugnando pelo agravamento da condenação do arguido AA, mas chamando-o à colação numa ótica de justiça distributiva, parece-nos clara a desproporcionalidade e excessividade da pena concretamente aplicável ao recorrente, o qual vindo apenas condenado na prática de dois crimes, em coautoria com o arguido AA, vê a sua punição distanciar-se, fixando-se num patamar inferior, da condenação do arguido AA, por um período de 2 (dois) anos. Ou seja, o grau de punição de dois crimes em confronto com a punição de cinco crimes, é diferenciado pela aplicação de uma pena de dois anos mais diminuída, o que evidencia o desmedido poder sancionatório que continua a ser aplicado.

Entendeu o Tribunal a quo que a pena fixada ao arguido pelo Tribunal de Primeira Instância, encontrada no ponto médio do cúmulo jurídico realizado, vislumbrava-se desadequada e excessiva, pelo que determinou a sua diminuição e consequente fixação na pena de 15 (quinze) anos de prisão.”

Já no recurso para a Relação o recorrente defendeu que:

“A sua pena é excessiva porque:

(i) limitou-se a aderir naquele mesmo dia a um plano já previamente estabelecido e delimitado pelo arguido AA;

(ii) não efetuou qualquer vigilância à casa das vítimas em dias anteriores, demonstrando a premeditação do crime;

(iii) o recorrente não guardou/armazenou objectos fruto desse crime na sua casa, como se verifica pelo resultado das apreensões feitas à sua residência;

(iv) das escutas telefónicas não se retira qualquer incentivo à prática do crime, muito pelo contrário, o recorrente adopta sempre uma atitude passiva e sem grande conteúdo de relevo; e

(v) o recorrente não teve qualquer contacto com o receptador.

No que respeita às primeiras duas circunstâncias, as mesmas mostram-se por
demonstrar.

No que se refere às três restantes, a passividade, de igual modo, mostra-se por confirmar facticamente, sendo certo que, quanto às sobrantes, atenta a actuação em co-autoria, que implica, muitas vezes, divisão de tarefas, todavia orientada a um propósito e um fim comuns, mostram-se as mesmas despiciendas, por não terem qualquer valor atenuante.”

Na análise deste segmento do recurso o Tribunal da Relação diminuiu para 15 anos de prisão a pena unitária considerando que:


“ (…)


12. Não obstante, haverá que atender nesta sede a um factor de grande relevo, que se prende com o número de actos que foram por si praticados, a que acresce o facto de terem sido cometidos em simultâneo; isto é, pese embora o elevado grau de ilicitude e de culpa, não cremos que, sopesada a personalidade que ressalta deste arguido, atento o facto de ter actuado em sede de um único episódio, se mostre adequada a imposição de uma pena correspondente ao ponto médio da moldura respectiva, por entendermos não ser possível concluir, sem dúvidas, que nos encontramos perante uma tendência criminosa, antes se entendendo que a mesma se deveria situar em limite inferior, designadamente nos 15 anos de prisão.


Assim e nesta parte, cremos assistir razão ao recorrente BB.”


A partir desta decisão, o arguido BB continua a entender que:

[“(…) Apesar de louvar a postura do Tribunal a quo quando determinou e fixou a sua pena abaixo do ponto médio do cúmulo jurídico, ainda assim a pena ora fixada continua a pecar por desproporcionalidade e excessividade.

Desde logo, porquanto o Tribunal a quo entende que ficou por se demonstrar que o arguido (i) limitou-se a aderir naquele mesmo dia a um plano já previamente estabelecido e delimitado pelo arguido AA; (ii) não efetuou qualquer vigilância à casa das vítimas em dias anteriores, demonstrando a premeditação do crime; (iii) o recorrente não guardou/armazenou objectos fruto desse crime na sua casa, como se verifica pelo resultado das apreensões feitas à sua residência; (iv) das escutas telefónicas não se retira qualquer incentivo à prática do crime, muito pelo contrário, o recorrente adopta sempre uma atitude passiva e sem grande conteúdo de relevo; e (v) o recorrente não teve qualquer contacto com o receptador; pelo que, não relevam em termos de atenuação. Realmente, mesmo que o arguido tivesse praticado aquele crime, de todo o acervo probatório carreado, das escutas, localizações recolhidas e apreensões feitas na sua residência, em parte se colocaria o arguido naquela morada ou sequer aproximada em dias anteriores; em momento algum foram apreendidos objetos fruto desse crime em sua casa; em parte alguma ficou evidenciada a postura de incentivo ao crime por parte do arguido e nunca se apurou qualquer contacto do mesmo com o recetador.

Para além disso, conforme o arguido já tem vindo a defender e tal e qual reconhece o Tribunal a quo, na determinação do cumulo jurídico dessas penas parcelares concretamente aplicadas e fixação da pena única, parece-nos que, ter-se-á de verificar uma mitigação do juízo de censura, influenciado pelo grau de culpa na conduta do recorrente, porquanto, correspondeu apenas a um único ato, um único desígnio criminoso, executado e ocorrido no imediato lapso temporal, ou seja correspondeu apenas a uma única vontade e ação, limitada espácio-temporal.

Pelo que, ponderando a condenação, por mera cautela de patrocínio, o facto de estarmos apenas perante um único episódio criminoso, não um vasto leque de reiteradas praticas ilícitas, prolongadas no tempo e diversificadas no espaço, com a afetação de inúmeras vítimas, bem como não se demonstrar uma tendência criminosa por parte do arguido, conforme e bem afirma o Tribunal a quo, pese embora o impacto social, ilícito e penalmente relevante da conduta, parece-nos que ainda assim, a pena aplicada, apesar de já se fixar abaixo do ponto médio do cúmulo, deverá distanciar-se consideravelmente daquele.

Para além disso, jamais pugnando pelo agravamento da condenação do arguido AA, mas chamando-o à colação numa ótica de justiça distributiva, parece-nos clara a desproporcionalidade e excessividade da pena concretamente aplicável ao recorrente, o qual vindo apenas condenado na pratica de dois crimes, em coautoria com o arguido AA, vê a sua punição distanciar-se, fixando-se num patamar inferior, da condenação do arguido AA, por um período de 2 (dois) anos. Ou seja, o grau de punição de dois crimes em confronto com a punição de cinco crimes, é diferenciado pela aplicação de uma pena de dois anos mais diminuída, o que evidencia o desmedido poder sancionatório que continua a ser aplicado.

Parecendo-nos, desta forma que em aplicação de uma justiça distributiva e igualitária, a pena concretamente aplicada ao recorrente, peca, claramente, por excessividade, revestindo-se de um caracter altamente castigador, ultrapassando, no nosso modesto entender, a medida da culpa.

Assim,

Salvo melhor opinião e o douto suprimento de Vossas Excelências, na operação de fixação da pena única, não pode olvidar-se que o grau de culpa do recorrente, aquando da participação do crime, revela-se manifestamente atenuado e não lhes correspondem diferentes condutas típicas adotadas em diferentes momentos da vida, com motivações e vontades distintas, bem como o arguido BB não releva qualquer tendência criminosa, pelo que, terá de refletir-se uma intensificação da mitigação do juízo de censura e da culpa, reclamando a fixação da pena única, mais atenuada e ponderada, a distanciar-se do ponto médio do cumulo.

Com efeito, (…) apelando ao amplamente reconhecido rigor jurídico e sensibilidade humana, reclamar um juízo de censura mais baixo sobre a conduta adotada pelo recorrente, pugnando, respeitosamente, em consequência, pela aplicação da pena única mais diminuída.

(…)”]

B) Antes de prosseguirmos vejamos primeiramente os critérios gerais de fixação da pena unitária.


Nos termos do artigo 40.º do CP, que dispõe sobre as finalidades das penas, “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”, devendo a sua determinação ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, de acordo com o disposto no artigo 71.º, do mesmo diploma.


Como se tem reiteradamente afirmado, encontra este regime os seus fundamentos no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP), segundo o qual “a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”. A restrição do direito à liberdade, por aplicação de uma pena (artigo 27.º, n.º 2, da CRP), submete-se, assim, tal como a sua previsão legal, ao princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, que se desdobra nos subprincípios da necessidade ou indispensabilidade – segundo o qual a pena privativa da liberdade se há-de revelar necessária aos fins visados, que não podem ser realizados por outros meios menos onerosos – adequação – que implica que a pena deva ser o meio idóneo e adequado para a obtenção desses fins – e da proporcionalidade em sentido estrito – de acordo com o qual a pena deve ser encontrada na “justa medida”, impedindo-se, deste modo, que possa ser desproporcionada ou excessiva[ [cfr. Canotilho / Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, notas aos artigos 18.º e 27.º.]


A projecção destes princípios no modelo de determinação da pena justifica-se pelas necessidades de protecção dos bens jurídicos tutelados pelas normas incriminadoras violadas (finalidade de prevenção geral) e de ressocialização (finalidade de prevenção especial), em conformidade com um critério de proporcionalidade entre a gravidade da pena e a gravidade do facto praticado, avaliada, em concreto, por factores ou circunstâncias relacionadas com este e com a personalidade do agente, relevantes para avaliar da medida da pena da culpa e da medida da pena preventiva que, não fazendo parte do tipo de crime (proibição da dupla valoração), deponham a favor do agente ou contra ele (artigos 40.º e 71.º, n.º 1, do CP).


Como se tem reafirmado, para a medida da gravidade da culpa há que, de acordo com o citado artigo 71.º, n.º 2, considerar os factores reveladores da censurabilidade manifestada no facto, nomeadamente, os factores capazes de fornecer a medida da gravidade do tipo de ilícito objectivo e subjectivo – indicados na alínea a), primeira parte (grau de ilicitude do facto, modo de execução e gravidade das suas consequências), e na alínea b) (intensidade do dolo ou da negligência) –, os factores a que se referem a alínea c) (sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram) e a alínea a), parte final (grau de violação dos deveres impostos ao agente), bem como os factores atinentes ao agente, que têm que ver com a sua personalidade – factores indicados na alínea d) (condições pessoais e situação económica do agente), na alínea e) (conduta anterior e posterior ao facto) e na alínea f) (falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto).


Na consideração das exigências de prevenção, destacam-se as circunstâncias relevantes por via da prevenção geral, traduzida na necessidade de protecção do bem jurídico ofendido mediante a aplicação de uma pena proporcional à gravidade dos factos, reafirmando a manutenção da confiança da comunidade na norma violada, e de prevenção especial, que permitam fundamentar um juízo de prognose sobre o cometimento de novos crimes no futuro e, assim, avaliar das necessidades de socialização. Incluem-se aqui o comportamento anterior e posterior ao crime [alínea e)], com destaque para os antecedentes criminais) e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto [alínea f)].


O comportamento do agente, a que se referem as circunstâncias das alíneas e) e f), adquire particular relevo para determinação da medida da pena em vista das exigências de prevenção especial (sobre estes pontos, para melhor aproximação metodológica na determinação do sentido e alcance da previsão do artigo 71.º do CP, (cfr. Anabela Miranda Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, Os Critérios da Culpa e da Prevenção, Coimbra Editora, 2014, em particular pp. 475, 481, 547, 563, 566 e 574, e Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 3.ª reimp., 2011, pp. 232-357).


Como se acentuou, há que ponderar as exigências antinómicas de prevenção geral e de prevenção especial, em particular as necessidades de prevenção especial de socialização “que vão determinar, em último termo, a medida da pena”, seu “critério decisivo”, com referência à data da sua aplicação (assim, acentuando estes pontos, Figueiredo Dias, ob. cit., §309, p. 231, §334, p. 244, §344, p. 249), tendo em conta as circunstâncias a que se refere o artigo 71.º, do CP, nomeadamente, as condições pessoais do agente e a sua situação económica e a conduta anterior e posterior ao facto, especialmente quando esta tenha em vista a reparação das consequências do crime, que relevam por esta via.


Em síntese: A determinação da pena, realizada em função da culpa e das exigências de prevenção geral de integração e da prevenção especial de socialização, de harmonia com o disposto com os artigos citados - 40.º e 71.º - , deve, no caso concreto, corresponder às necessidades de tutela do bem jurídico em causa e às exigências sociais decorrentes daquela lesão, sem esquecer que deve ser preservada a dignidade humana do delinquente.


(…).


Vejamos, ainda, quando se trate de determinar uma pena unitária em caso de concurso de infracções.


O artigo 77.º, n.º 1, do CP, estabelece que o critério específico a usar na fixação da medida da pena única é o da consideração em conjunto, os factos e a personalidade do agente (cfr. ainda supra 11. e 12.).


Não tendo o legislador nacional optado pelo sistema de acumulação material (soma das penas com mera limitação do limite máximo), nem pelo da exasperação ou agravação da pena mais grave (elevação da pena mais grave, através da avaliação conjunta da pessoa do agente e dos singulares factos puníveis, elevação que não pode atingir a soma das penas singulares, nem o limite absoluto legalmente fixado), é forçoso concluir que, com a fixação da pena conjunta, se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e, especialmente, pelo respectivo conjunto, e não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente – (cfr Professor Jorge de Figueiredo Dias, em “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas, 1993, pp. 290-292 ) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado.


O todo não equivale à mera soma das partes e, além disso, os mesmos tipos legais de crime são passíveis de relações existenciais diversíssimas, a reclamar uma valoração que não se repete, de caso para caso.


A este novo ilícito corresponderá uma nova culpa (que continuará a ser culpa pelo facto) mas, agora, culpa pelos factos em relação entre si – afinal, em valoração conjunta dos factos e da personalidade, de que fala o Código Penal.


Na avaliação da personalidade– unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência ou, eventualmente, mesmo a uma “carreira” criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, não já no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta.


Acresce que importará relevar o efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).


Realce-se ainda, que na determinação da medida das penas parcelar e única não é admissível uma dupla valoração do mesmo factor com o mesmo sentido: assim, se a decisão faz apelo à gravidade objectiva dos crimes está a referir-se a factores de medida da pena que já foram devidamente equacionados na formação das penas parcelares.


Será, assim, o conjunto dos factos que fornece a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique.


Um dos critérios fundamentais em sede daquele sentido de culpa, numa perspectiva global dos factos, é o da determinação da intensidade da ofensa e dimensão do bem jurídico ofendido, sendo certo que assume significado profundamente diferente a violação repetida de bens jurídicos ligados à dimensão pessoal e em relação a bens patrimoniais.


Por outro lado, importa determinar os motivos e objectivos do agente, no denominador comum dos actos ilícitos praticados e, eventualmente, dos estados de dependência, bem como a tendência para a actividade criminosa expressa pelo número de infracções, pela sua permanência no tempo, pela dependência de vida em relação àquela actividade.


Na avaliação da personalidade expressa nos factos é todo um processo de socialização e de inserção, ou de repúdio pelas normas de identificação social e de vivência em comunidade, que deve ser ponderado[Ac. deste STJ de 19-09-2019, Processo n.º 101/17.6GGBJA.E1. S1- 5.ª secção.].


O artigo 77.º, n.º 2, do CP, por seu turno, estabelece que pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão, e 900 dias tratando-se de pena de multa; e, como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.


Será, assim, o conjunto dos factos que fornece a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação, a conexão e o tipo de conexão, que se verifique entre os factos concorrentes.


O concurso de crimes tanto pode decorrer de factos praticados na mesma ocasião, como de factos perpetrados em momentos distintos, temporalmente próximos ou distantes.


Está hoje ultrapassada a visão retribucionista da pena, segundo a qual esta varia apenas em função da culpa do agente. Ela estabelece antes, o limite máximo da pena a aplicar.


Considerações de prevenção geral, devem determinar o seu limite mínimo; senão, a pena seria considerada laxista pela comunidade social, e serviria como foco impulsionador de outras condutas desviantes.


Dentro destes parâmetros, são as exigências de prevenção especial ou, dito de outra forma, a necessidade de reinserção social do agente que determinará a medida da pena a aplicar (neste sentido, F. Dias, "Direito Penal Português", Ed. Notícias, 1993, págs.214 e segs.; Robalo Cordeiro, "Escolha e Medida da Pena", em "Jornadas de Direito Criminal", págs. 235 e segs.; Anabela M. Rodrigues, "Rev. Port. Ciência Criminal", Ano1, Nº2, págs. 248 e segs.).


Na linguagem de Figueiredo Dias, op. cit., pág. 227, “As finalidades de aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida possível, na reinserção do agente na comunidade. Por outro lado, a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa.”


Como refere na mesma obra, pág. 230, : “A culpa traduz-se numa incondicional proibição de excesso: a culpa constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas”.


Ou ainda, a págs. 231,


“Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração (…) podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena.”


D) Assim e em suma, no que se refere à pena única – medida do cúmulo, haverá que verificar se foi calculada com base na globalidade dos factos praticada e a personalidade do agente – art.º 77º/1 C.P.


Desde logo podemos retirar do conjunto dos factos a decorrência de muito elevadas necessidades quer de prevenção geral quer, sobretudo, de prevenção especial e que neste caso são intensas ligeiramente diferentes para cada arguido, com maior expoente no caso do arguido AA.


Na fixação da moldura penal do concurso, corresponderá o seu limite máximo à soma das penas concretas aplicadas aos vários crimes que o integram – limite que, contudo, não pode ultrapassar os limites expressamente fixados na lei – e o seu limite mínimo à mais elevada das penas parcelares (nº 2 do art.77º do C. Penal).


Num momento seguinte haverá que determinar a medida concreta da pena conjunta do concurso, dentro dos limites da respectiva moldura penal, em função dos aludidos critérios gerais da medida da pena – culpa e prevenção – fixados no art. 71º do C. Penal, e do critério especial previsto no art. 77º, nº 1, parte final do mesmo código, nos termos do qual, na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.


Podemos sem controvérsia dizer que o conjunto dos factos indicará a gravidade do ilícito global praticado – sendo particularmente relevante para a sua valoração a conexão que possa existir entre os factos integrantes do concurso –, enquanto a avaliação da personalidade unitária do agente permitirá saber se o conjunto dos factos integra uma tendência desvaliosa ou se, pelo contrário, é apenas uma pluriocasionalidade que não tem origem na personalidade, sendo que, só no primeiro caso, o concurso de crimes deverá ter um efeito agravante.


Igualmente importante será a análise do efeito previsível da pena sobre a conduta futura do agente”


E) Posto isto, voltemos ao caso concreto.


Importa referir que o tribunal de 1ª instância fundamentou como se segue a fixação das penas únicas:

“V. DETERMINAÇÃO DAS PENAS CONCRETAS e cúmulo

Atento o manancial de factos e comportamentos a ponderar, opta-se por escalonar esta apreciação, generalizando-a quando assim possa fazer-se pelo substrato comum das actuações, e concluindo pela individualização das penas.

O critério de escolha da pena encontra-se previsto no artigo 70° do Código Penal.

Ensina Figueiredo Dias que as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. Assim, a medida da pena há-de ser dada pela medida de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto, que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada.

O critério legitimador das normas penais assenta cada vez mais na ideia de prevenção racional e eficaz da violação dos bens jurídicos socialmente considerados.

As penas são necessárias na medida em que protegem bens jurídicos - princípio de necessidade (cfr. artº 18°, n° 2 da CRP).

Assim, para a determinação da medida da pena, deve encontrar-se, dentro do limite máximo da moldura abstracta da pena, uma moldura de prevenção geral de integração - sendo que o limite máximo desta moldura deve consistir na tutela óptima dos bens jurídicos protegidos pela norma e o limite inferior na tutela mínima dos bens jurídicos protegido pelas normas, sem se colocar em causa o ordenamento jurídico e a confiança dos cidadãos na validade dela.

Depois, dentro desta moldura de prevenção, deve calcular-se a medida concreta da pena – aqui, tendo-se em conta as exigências de prevenção especial, de reintegração, ou de socialização e de intimidação.

Nos termos do artº 71º CP, deverá o Tribunal atender a todas as circunstâncias que deponham a favor ou contra o arguido, valorando-as em função da culpa do agente e das exigências de ressocialização (prevenção especial), e de confiança da comunidade na vigência da ordem jurídica (prevenção geral) .

Deve atender-se, assim, em primeiro lugar e como limite máximo, à culpa do agente - que constitui, em atenção à dignidade do ser humano, o fundamento e limite máximo da própria pena.

O limite mínimo é determinado em função da prevenção geral, uma vez que a pena visa a protecção de bens jurídicos (mas também a tutela das expectativas comunitárias na manutenção e reforço da norma infringida).

Apenas calculados estes parâmetros, e dentro deles, fixará o Tribunal a pena, de acordo com as exigências da prevenção especial de socialização.

Em face da manifesta e até de quase impossível adjectivação da gravidade destes factos provados a que se fizeram reconduzir as imputações penais, todos e cada um deles, na medida em que interferiram cada um dos arguidos, atenta a natureza dos bens jurídicos lesados que são os fundamentais e dizem respeito à integridade emocional e física da pessoa humana, e da Sociedade que toma cada pessoa como reflexo e projecção de direitos fundamentais, que têm que ver com a preservação da liberdade como bem fundamental para o ser humano, mas também com a vida patrimonial das pessoas, o direito a ela com conforto e segurança, tendo em conta as consequências extremamente gravosas decorrentes destes comportamentos – quer sejam os gerais de segurança e paz social, ou da integridade física e emocional ou liberdade ou património dos destinatários destas acções, ou simplesmente (e ainda que o simplesmente seja já um mundo inteiro de direitos pessoais, de liberdade, de integridade da pessoa em concreto) as consequências para os ofendidos, cada um deles, as sequelas, o sofrimento causado -, são de considerar elevadíssimas as exigências de prevenção geral.

Por outro lado, tendo em conta aquelas características e, ainda, as que decorrem da própria natureza de cada um destes crimes, de cada uma destas actuações, do desprezo revelado pela vida humana, seja em que dimensão ela se pense, a barbaridade dos actos e a predisposição destes arguidos para os cometer, a absoluta insensibilidade e frieza na actuação em cada um dos casos, a personalidade retorcida, reveladora de baixeza de carácter, displicente sinal de impunidade absoluta, enfim, a infâmia social que constituem todos os comportamentos aqui apurados, sem excepção, não podemos descurar as exigências de prevenção especial que no caso se fazem sentir, na medida em que ambos os arguidos AA e BB têm antecedentes criminais, por crimes violentos contra as pessoas, e o facto de serem inequívocos os sinais de que estes arguidos, os que se condenam (já que quanto ao que se absolve nada se dirá aqui) estariam já familiarizados com comportamentos violentos, até pela destreza emocional com que executaram estes factos.

Não há que distinguir as condenações dos arguidos AA e BB quanto aos factos de que são co-autores (roubos do casal DD, de que sobreveio a morte do marido), já que o passado criminal de ambos se equivale (em Portugal e no RU).

Nos outros factos, só o arguido AA tem intervenção, pelo que as considerações feitas valem apenas para ele.

Assim, pelo exposto, com vista à promoção de uma consciência ética social, sendo inequívoca a necessidade de lhes aplicar penas de prisão, a todos e por todos os crimes provados, há que determinar o quantum das mesmas.

Quem comete os crimes que aqui estão, como aqui estão, ainda por cima não revelando qualquer grau de arrependimento, por mínimo que seja, não tem em seu benefício qualquer possibilidade de ponderação de uma prognose que seja favorável.

Atribui-se à culpa a função única de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena, e à prevenção geral a função de fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite máximo é dado pela medida óptima da tutela dos bens jurídicos, dentro do que é considerado pela culpa, e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro da referida moldura de prevenção, e que melhor sirva as exigências de socialização do agente.

Na determinação da medida concreta das penas, há que ponderar factores:

A ilicitude dos factos, que se revela, o mínimo é dizer-se, especialmente acentuada, em todos e cada um deles.

Tendo em conta o acima exposto, quanto aos roubos sobretudo, os que se repetiram no arguido AA, sendo que a violência utilizada em cada um deles ultrapassou em muito e comum das circunstâncias, o facto de estarmos perante uma criminalidade altamente geradora de sentimentos de desamparo social e pânico, o facto de revelar cobardia e baixeza de atitude e carácter a forma como foram cometidos.

O facto de estes arguidos não serem pessoas que revelem empenhamento social de relevo, quase nada fazem, e o que fazem nada adianta para o bem comum, pelo contrário, como aqui se vê, como resulta do teor das intercepções, algumas vergonhosamente desprovidas de qualquer respeito pelos outros, pelas pessoas em geral, pelo mundo que fica depois do umbigo de cada um destes arguidos, o facto de, em rigor e de uma maneira ou outra, se poder concluir que ambos (sendo embora que mais factos procedem contra o arguido AA), todos se repetem na forma (excepto o que redunda na morte de um dos ofendidos), convivendo bem estes dois arguidos com o sofrimento limite de terceiros, que provocaram ou ajudaram a provocar e manter.

As consequências dos ilícitos, que assumem especial e acentuada gravidade, plasmada nos autos, a natureza insubstituível dos bens jurídicos atingidos, pessoal, liberdade individual, de dignidade, de paz e ordem pública, que afectam irremediavelmente, além das vítimas, a sociedade no seu todo.

O grau da culpa que, mercê disso mesmo, se mostra acentuadíssimo, em termos de nocividade social destas condutas, de todas elas, tendo em conta que os arguidos agiram sempre com dolo directo (excepto quanto à consequência da perda de vida por parte de DD como se deixou explicado), todos eles e em qualquer das circunstâncias em que actuaram, sem que houvesse qualquer causa próxima ou remota para as suas actuações que justificasse, excluísse a culpa ou a diminuísse por qualquer forma.

Tudo isto associado às condições de vida dos arguidos – sem carências económicas ou sociais de maior nota, muito embora vivendo dentro de padrões de conrtenção financeira - e à falta de confissão parcial ou integral e sem reservas dos factos, a total irrelevância que a censura penal constitui para estas pessoas, impossibilitando qualquer juízo de prognóse favorável que a seu respeito aqui se pudesse fazer, ainda que fosse numa perspectiva de longo prazo, a falta também de arrependimento relevante como se disse, pelo contrário, revelando a postura em julgamento que, além do facto de estarem presos, muito pouco lhes dizem os valores protegidos pelas normas que violaram e que aqui se evidenciam.

Os arguidos não mostram arrependimento nenhum, pelo contrário.

E as testemunhas que trazem, porventura movidas pelo seu próprio desgosto face a eles, apenas lhes servem de justificação legal para poder ser invocada em qualquer sede, como a de recurso.

Nenhum esforço fizeram, nenhuma desculpa dirigiram aos ofendidos ou à sociedade, nenhum traço do seu rosto se mexeu ante o Colectivo com cada um dos depoimentos.

Tudo isto ponderado, tudo isto sopesado, avaliado de acordo com o leque comum do sentimento social dominante, afigura-se-nos ajustado, quer atentas as respectivas molduras penais, quer atenta a total ausência de juízo de prognose favorável com vista à sua reinserção que pudesse fazer-se, fixar as penas concretas da seguinte forma.

Quanto ao arguido AA:

(…)

Quanto ao arguido BB:

(…)

*

Concurso de crimes e fixação das penas únicas

O sistema penal português, assentando no pressuposto da ressocialização do indivíduo, convive pacificamente, e estimula, as situações de cumprimento de pena em que se responsabilize o indivíduo pelo passado que não deveria ter tido e o futuro que a ordem jurídica e social desejam que tenha. Sem pudores, sem subterfúgios, a nossa Legislação abre mão da vingança social, para assentar na renovação do indivíduo, investindo-se assim indirectamente na humanidade de todos nós, na busca de uma sociedade que reinvista a justiça e justeza de julgamento num futuro melhor para todos e com todos.

Procurando a pacificação social, o Legislador deixou ao critério prudente de quem julga a fixação da pena concreta, porque deve assim ser, porque só assim se entende.

Esta faculdade, ao contrário de estimular a arbitrariedade, exige ponderação, equilibrio e responsabilização. Porque, afinal, o que aqui se decide implica com a vida de todos.

A Jurisprudência – a decisão dos Prudentes -, vem adoptando dois critérios fundamentais de avaliação de situações de crimes concursais para fixação de pena única, critérios esses que, não pretendendo ser o todo que espartilha cada uma das suas partes, servem de guia, de pêndulo ou prumo, como pontos de partida de onde possa retirar-se, por um lado a certeza e segurança judiciárias e, por outro lado, a homogeneidade que respeite o princípio da igualdade, tal como vem sendo constitucionalmente entendido.

Estes critérios, partindo do mínimo da pena de concurso, e tendo como máximo de ponderação a soma material de todas elas, pode fazer variar a pena concreta do cúmulo entre a ponderação do terço ou metade de cada uma das demais que, além daquela, garantiriam o mínimo da prevenção relativamente àquele indivíduo em concreto, ponderada que seja a natureza dos crimes em concurso, as consequências deles, e a gravidade das circunstâncias em que se increveram as actuações no contexto social relevante.

Tendo em conta a relação concursal destes ilícitos, ponderados os critérios apontados do artº 77º do CP, e a necessidade de fixar a pena única aos arguidos e os factores atrás notados, entende o Tribunal que esta pena única deve reflectir a anti-socialidade e danosidade social dos comportamentos dos arguidos, mas também a natureza dos crimes, a que acresce a personalidade dos arguidos, a gravidade dos factos ponderada no seu conjunto e a total impossibilidade de, atento os mesmos, poder sequer prever-se neste momento quando será possível pensar num juízo de prognose favorável quanto a qualquer deles, sobretudo, como resulta claro, quanto ao arguido AA, entre o máximo das molduras de cúmulo e os seus mínimos, fixar as penas únicas que seguem:

Para o arguido AA:

- entre o mínimo de 12 anos de prisão e o máximo de 25 anos de prisão, a que se reduz o limite material por imposição legal, fixar a pena única ao arguido AA em 17 (dezassete) anos de prisão;

Para o arguido BB:

- entre o mínimo de 12 anos de prisão e o máximo de 21 anos de prisão, fixar a pena única ao arguido BB em 16 (dezasseis) anos e 6 (seis) meses de prisão;

(…)”

Esta última pena unitária ( arguido BB), como se viu já, foi descida pela Relação para 15 anos de prisão.


F) - Vejamos então cada um dos casos de per se


f.1) - A Pena unitária quanto ao arguido AA


Sem prejuízo do que se analisará quanto a este recorrente, diremos de antemão que bem podia ter feito mais esforço de impugnação argumentativa, explicando a razão de entender que a pena é assim tão excessiva e estigmatizante e em que aspectos o tribunal não terá fundamentado adequadamente a razão e os critérios da fixação da pena.


Só por aí mereceria também neste segmento uma rejeição do recurso já que não aponta violação de regras e critérios legais e não aponta caminhos alternativos que em seu entender justificassem uma diminuição da pena unitária de 17 anos de prisão. Ainda que não fundamente no recurso apresentado as razões da sua divergência com a decisão do Tribunal, o que também limita o Tribunal de recurso, pois desconhecem-se as bases da discordância, sempre se dirá, porém o seguinte:


Recordando de novo aqui, o arguido AA foi condenado pela prática, em concurso real e forma consumada, de:

• em co-autoria (com o arguido BB) material de um crime de roubo agravado, p. e p. nos termos do disposto nos arts. 210.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), por referência ao disposto no art. 204.º, n.º 1, alínea d) e f) do Código Penal (ofendida FF), a pena de 9 (nove) anos de prisão;

• em co autoria (com o arguido BB) material de um crime de roubo agravado também pelo resultado morte, p. e p. nos termos do disposto nos arts. 210.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), por referência ao disposto no art. 204.º, n.º 1, alínea d) e f) e nº 3 do mesmo artº 210º do Código Penal (ofendido DD), a pena de 12 (doze) anos de prisão;

• em autoria material de um crime de roubo agravado, p. e p. nos termos do disposto nos arts. 210.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), por referência ao disposto no art. 204.º, n.º 1, alínea d) e f) do Código Penal (ofendida GG), a pena de 7 (sete) anos de prisão;

em autoria material de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25º com refª ao artº 21º, nº1 do Decreto-Lei nº 15/93 de 22-1, por referência à Tabela I-C anexa, a pena de 2 (dois) anos de prisão;

• em autoria material de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º n.º 1 al. c), por referência aos artigos 2º n.º 1 aad) e 3º n.º 5 al. d), da Lei n.º 5/2006 de 23.02, em concurso aparente com a contra-ordenação, prevista e punida pelos artigos 97º n.º 1, do mesmo diploma legal (entendendo-se que a detenção simultânea pelo mesmo agente de objectos, sendo que uns integram a prática de crime e outros a prática de contra-ordenação é susceptível de um único juízo de censura, integrando os factos o crime de detenção de arma proibida como ilícito mais grave), a pena de 2 (dois) anos de prisão;

Fixando a este arguido a pena única de prisão em 17 (dezassete) anos;

Estamos perante 5 crimes em concurso efectivo, dos quais a pena mais grave foi de 12 anos de prisão, sendo este o limite mínimo da moldura do concurso efectivo. O limite máximo em soma material será de 32 anos de prisão mas limitado a 25 anos por ser este o máximo geral admitido.


O “quantum” acrescido de mais 5 anos de prisão a partir do mínimo moldural no intervalo deste até 25 anos de prisão máximo admissível representa pouco mais de 1/3 (que seria de 4 anos e 4 meses) do remanescente.


O tribunal da Relação ponderou o modo claro do profícuo desenvolvimento dos critérios gerais e concretos vindos da 1ª instância e mais considerou que:

(…)em sede de reapreciação de penas já anteriormente fixadas, “relativamente à determinação do quantum exacto de pena (só) será objecto de alteração se tiver ocorrido violação das regras da experiência ou se se verificar desproporção da quantificação efectuada”; que a ilicitude da actuação do arguido mostra-se elevada, assim como a sua culpa, sendo certo que num curto espaço temporal, praticou três crimes de acentuada gravidade – roubo agravado – a que acrescem mais dois, também fortemente censurados em termos comunitários (tráfico e detenção de arma proibida); que não cremos restarem dúvidas, face às circunstâncias do caso, que esta pluriocasionalidade radica na personalidade deste arguido, sendo reveladora de uma verdadeira tendência criminosa;(…) no caso dos autos, não se vislumbra que o tribunal “a quo” tenha, no que a este fim da pena ( prevenção geral) se refere, sobrevalorizado o seu peso, face às restantes circunstâncias e à própria medida da culpa do agente que é, como já se referiu, grave; no que concerne à avaliação da personalidade do arguido, teremos de concluir, face à persistência temporal, ao número de vítimas, ao modo de cometimento e ao tipo de actos praticados, que o comportamento do arguido revela uma tendência clara para a prática de crimes de natureza violenta e fortemente censurados pela sociedade em que se insere, tendência esta radicada, portanto, no seu carácter, o que (como acima se referiu) constitui uma agravante em sede da moldura penal conjunta.; o que resulta da apreciação integral dos factos e das circunstâncias é que a pena única imposta ao arguido AA se mostra fixada em patamar adequado, face às características do caso, às fortíssimas exigências de prevenção especial e às fortes necessidades de prevenção geral, bem como à culpa do arguido, que se situa num patamar superior. Não se vê pois como poderia haver lugar à sua redução, com base nas circunstâncias atenuativas que o arguido invoca, que foram oportunamente atendidas.”

Vemos assim que foram muito bem ponderados e analisados todos os critérios que na lei e no desenvolvimento jurisprudencial têm sido considerados adequados e coerentes na determinação da pena, conjugando aquele conjunto de factos e de personalidade dos arguidos.


No caso do arguido AA, trata-se de pessoa com clara tendência criminosa, de muito difícil recuperação, violento, de acentuada insensibilidade e sem revelar o mínimo sinal de arrependimento. Centrado na inglória e vã justificação dos seus actos, agiu em conjunto com o arguido BB numa dramática manifestação de falta de vontade em se deixar modificar pelos contactos com o sistema de justiça. O tribunal a quo foi certeiro em sublinhar a muito difícil prognose de ressocialização. A ressocialização deste arguido é deveras muito difícil de imaginar positivamente sequer a longo prazo e, se alguma crítica se pudesse fazer à 1ª instância seria, quando muito, a alguma benevolência da pena fixada. Perante crimes muito graves, com uma morte consequencial num deles, que destruíu uma vida e a felicidade de um casal nos seus últimos momentos do percurso vivencial, é pungente a insensibilidade revelada perante o desvalor dos actos praticados. Todos os critérios se conjugaram pela negativa, sem serem sequer um sortilégio pois o arguido foi sempre livre de agir de modo diferente. A pena única deve ser indubitavelmente mantida.


f.2- A Pena unitária quanto ao arguido BB


Este arguido foi condenado pelo crime de roubo agravado na pessoa de FF em coautoria com o arguido AA, na pena de 9 anos de prisão.


Igualmente em coautoria com o arguido AA foi também condenado pelo crime de roubo agravado, também pelo resultado morte, na pessoa do ofendido DD, na pena de 12 anos de prisão.


Em cúmulo jurídico, a 1ª instância fixara a pena única em 16 anos e 6 meses de prisão, mas depois, em recurso, a Relação desceu-a para 15 anos.


Em soma material as penas parcelares atingem 21 anos, sendo a mais grave a definir o mínimo moldural a pena de 12 anos de prisão.


Portanto, acima deste mínimo, o arguido sofreu um acrescento de mais 3 anos de prisão, ou seja em mais 1/3 do remanescente da pena de 9 anos pelo crime em concurso, ficando assim mais próximo do patamar mínimo do que do máximo moldural, abaixo portanto da zona intermédia daquele.


O arguido BB defendeu que a sua pena é excessiva porque, aqui relembrando de novo:

“(i) limitou-se a aderir naquele mesmo dia a um plano já previamente estabelecido e delimitado pelo arguido AA; (ii) não efetuou qualquer vigilância à casa das vítimas em dias anteriores, demonstrando a premeditação do crime; (iii) o recorrente não guardou/armazenou objectos fruto desse crime na sua casa, como se verifica pelo resultado das apreensões feitas à sua residência; (iv) das escutas telefónicas não se retira qualquer incentivo à prática do crime, muito pelo contrário, o recorrente adopta sempre uma atitude passiva e sem grande conteúdo de relevo; e (v) o recorrente não teve qualquer contacto com o receptador.”,

Mas a Relação assentou a decisão sobre estas questões mencionando o seguinte:

«No que respeita às primeiras duas circunstâncias, as mesmas mostram-se por demonstrar. No que se refere às três restantes, a passividade, de igual modo, mostra-se por confirmar facticamente, sendo certo que, quanto às sobrantes, atenta a actuação em co-autoria, que implica, muitas vezes, divisão de tarefas, todavia orientada a um propósito e um fim comuns, mostram-se as mesmas despiciendas, por não terem qualquer valor atenuante.

Assim, e neste ponto, não lhe assiste razão.


(…)

Não obstante, haverá que atender nesta sede a um factor de grande relevo, que se prende com o número de actos que foram por si praticados, a que acresce o facto de terem sido cometidos em simultâneo; isto é, pese embora o elevado grau de ilicitude e de culpa, não cremos que, sopesada a personalidade que ressalta deste arguido, atento o facto de ter actuado em sede de um único episódio, se mostre adequada a imposição de uma pena correspondente ao ponto médio da moldura respectiva, por entendermos não ser possível concluir, sem dúvidas, que nos encontramos perante uma tendência criminosa, antes se entendendo que a mesma se deveria situar em limite inferior, designadamente nos 15 anos de prisão.

Assim e nesta parte, cremos assistir razão ao recorrente BB.»


Praticamente valem quanto ao arguido BB as considerações também vertidas quanto ao arguido AA.


Porém, discordamos com firmeza da avaliação da Relação quanto à ocasionalidade da conduta. Não se verifica uma mera pontualidade ou ocasionalidade de conduta, muito violenta no caso dos roubos agravados mas também uma tendência criminosa, já assente em anomia de personalidade face ao passado criminal do arguido sobretudo no Reino Unido. De resto, no demais, a diferenciação de penas foi muito bem exposta pelas instâncias, atendendo ao menor número de crimes em concurso sendo-lhe ainda equiparável o argumento da difícil prognose de ressocialização. Não houve arrependimento nem manifestação alguma de sensibilidade pelas vítimas. O anterior comportamento criminal já no Reino Unido e prisão sofridas não lhe foi dissuasor. A pena fixada satisfaz cabalmente os critérios enunciados ao nível sobretudo da prevenção especial e da elevadíssima exigência de censura.


Improcede pois em toda linha o recurso interposto.


III- DECISÃO


3.1 - Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso de cada um dos arguidos.


3.2 - Taxa de justiça individual a cargo de cada um e que se fixa em 8 UC nos termos do art.º 513º nºs 1 a 3 do CPP e da tabela III do RCP

STJ, 20 de Junho de 2024

(texto elaborado em suporte informático , revisto e rubricado pelo relator – (artº 94º do CPP)

Agostinho Torres- (Relator)

Celso José Neves Manata (1º adjunto)

João Rato (2º adjunto)







________________________________________________

1. Neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/1999, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.↩︎

2. Ver ainda recentemente, os acórdãos do STJ de 24.11.2022, relatado por Helena Moniz e de 30.11.2022, relatado por Lopes da Mota. Como se assinala neste último citado acórdão “Em jurisprudência firme, tem o Tribunal Constitucional sublinhado que o artigo 32.º, n.º 1, da Constituição «não consagra a garantia de um triplo grau de jurisdição», isto é, de «um duplo grau de recurso», «em relação a quaisquer decisões condenatórias» (cfr. por exemplo, os acórdãos 64/2006, 659/2011 e 290/2014 do TC; assim, nomeadamente, os acórdãos de 9.10.2019 cit., de 14.03.2018, ECLI:PT:STJ:2018:22.08. 3JALRA.E1.S1.48 e de 12.12.2018, Proc. 211/13.9GBASL.E1.S1, www.stj.pt/wp-content/uploads/2019/06/criminal_ sumarios _ 2018.pdf, bem como o acórdão de fixação de jurisprudência n.º 14/2013, n.ºs 11 e 12).”↩︎

3. Na matéria, cfr. Conceição Ferreira da Cunha, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, comentário ao artigo 210.º, n.º 3, especialmente §§ 95, 99, 100, pp. 189-191↩︎

4. Na discussão sobre o nº 3 do artº 210º do CP, o prof Figueiredo dias chamou desde logo à atenção para, querer limitar-se o nº3 à negligência grosseir, manifestando o seu desacordo-[ cfr Actas da Comissao revisora, pag 329, Ed do MJª, 1993, Rei dos Livros]↩︎

5. Publicado in DGSI:

https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8668f9023d8187f580257e23003db4ba?OpenDocument↩︎

6. A págs 301 , ponto 4.3, § 59 e 60, in Direito Penal , Parte Geral, Tomo I, Questões Fundamentais; Doutrina Geral do Crime…, Coimbra Editora 2004. E, e modo muito claro e escorreito, cfr também Taipa de Carvalho, § 962 a pags 543 in Direito Penal, Parte Geral, Questões Fundamentais e teoria Geral do Crime, 2ª edição, Coimbra Editora, Setembro 2008.↩︎