Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | 4ª SECÇÃO | ||
| Relator: | JÚLIO GOMES | ||
| Descritores: | DESPEDIMENTO ILÍCITO INDEMNIZAÇÃO SUBSTITUIÇÃO REINTEGRAÇÃO | ||
| Data do Acordão: | 10/03/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
| Sumário : | A possibilidade de ó trabalhador optar pela indemnização substitutiva da reintegração existe até ao termo da discussão em audiência final de julgamento. | ||
| Decisão Texto Integral: | Processo n.º 397/23.4T8FIG.C1.S1
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça, 1. Relatório AA intentou ação declarativa de condenação sob a forma do processo comum, contra Maçarico, S.A., peticionando que fosse julgada procedente e provada a presente ação e, em consequência: “1. Que seja declarado nulo o contrato de prestação de serviço que celebrou com a Ré; 2. Que se reconheça que o contrato que vinculou o Autor e a Ré, desde 01 de Julho de 2002 e 31 de Janeiro de 2023, mais não foi do que um artifício jurídico com vista a encobrir uma verdadeira relação laboral entre o Autor e a Ré, sujeita a subordinação jurídica/laboral, nos termos plasmados; 3. A condenação da Ré a reconhecer que a relação laboral estabelecida com o Autor era a de um verdadeiro contrato de trabalho subordinado sem termo, com início em 01.07.2002; 4. Que seja assim declarado ilícito o despedimento do Autor pela Ré, datado de 31 de Janeiro de 2023, por não ter justa causa nem fundamento e não ter sido precedido de procedimento disciplinar; 5. A sua reintegração como trabalhador sem termo na Ré, voltando a ocupar o posto de trabalho e a desempenhar as funções que vinha desenvolvendo desde até Janeiro de 2023 ou, tal não sendo possível, por se considerar o mesmo nulo, a indemnização que tenha por base 45 dias por cada ano e proporcional de trabalho, e que ascende a 106.060,50 euros; 6. A condenação da Ré a pagar-lhe ainda as retribuições que deixou de auferir desde 30 dias antes da entrada da acção até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento, nos termos do disposto no artigo 390º do Código do Trabalho; 7. A condenação da Ré a pagar ainda ao Autor: a) A quantia de 80.350,20 euros, respeitante aos subsídios de férias e de Natal desde o ano 2006 a 2022; b) A quantia de 40.175,10 euros, respeitante a férias nunca gozadas desde o ano 2006 a 2022; c) A quantia de 40.175,10 euros, respeitante ao não pagamento das férias desde o ano 2006 a 2022; d) A quantia de 3 690,75 euros, a título de compensação pela formação contínua não prestada ao Autor no período de 2018 a 2022; e) Juros de mora vencidos e vincendos, até integral e efectivo pagamento.”. Frustrou-se a conciliação das partes. A Ré contestou. O Autor apresentou articulado de resposta. Foi elaborado despacho saneador. Realizou-se audiência final. Por Sentença foi decidido o seguinte: “Julgo ação parcialmente procedente e: I- Declaro ilícito o despedimento de que AA foi alvo por parte da Maçarico, S.A., com efeitos a 31 de janeiro de 2023; II - Condeno Maçarico, S.A. a pagar a AA, as retribuições, férias, subsídio de férias e de Natal, vencidos desde 10 de fevereiro de 2023 até ao trânsito em julgado da presente sentença, no valor unitário de €3.367,00, acrescidas dos juros de mora computados à taxa legal de 4% desde a data do vencimento de cada prestação até efetivo e integral pagamento, descontado do subsídio de desemprego atribuído ao autor neste período e que a ré deverá entregar à segurança social; III- Condeno Maçarico, S.A. a pagar a AA, a quantia de €3.367,00, por cada ano completo ou fração, a título de indemnização de antiguidade, desde 1 de agosto de 2002 até ao trânsito em julgado da presente sentença, acrescida dos juros de mora computados à taxa legal de 4% desde a data do trânsito em julgado da presente decisão até efetivo e integral pagamento; IV- Condeno Maçarico, S.A. a pagar a AA, a quantia de €66.570,84, acrescida dos juros de mora computados à taxa legal de 4% desde a data do vencimento de cada prestação até efetivo e integral pagamento; V- Absolvo Maçarico, S.A. do restante peticionado por AA”. A Ré interpôs recurso de apelação. Por Acórdão do Tribunal da Relação foi decidido o seguinte: “Pelos fundamentos expostos: a) Não se admite a junção dos documentos que a recorrente ofereceu com a sua alegação de recurso, condenando-se a mesma na pena processual de multa que se fixa em 1 UC. b) Acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, revogar a sentença no segmento III “Condeno Maçarico, S.A. a pagar a AA, a quantia de €3.367,00, por cada ano completo ou fração, a título de indemnização de antiguidade, desde 1 de agosto de 2002 até ao trânsito em julgado da presente sentença, acrescida dos juros de mora computados à taxa legal de 4% desde a data do trânsito em julgado da presente decisão até efetivo e integral pagamento”, condenando-se a ré na reintegração do autor sem prejuízo da sua categoria e antiguidade. c) No mais, mantém-se a sentença nos seus precisos termos.”. O Autor interpôs recurso de revista. No seu recurso de revista o Recorrente pede a revogação do Acórdão recorrido no segmento em que revogou a sentença de primeira instância e determinou a reintegração do Autor na empresa Ré. A Ré contra-alegou. Em cumprimento do disposto no artigo 87.º n.º 3 do CPT o Ministério Público emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso. Fundamentação 1. De Facto Considera-se reproduzida para todos os efeitos legais a matéria de facto dada como provada nas Instâncias, sendo que a questão a resolver no presente recurso de revista incide essencialmente sobre o sentido do pedido do Autor, mormente no segmento em que pede “[a] sua reintegração como trabalhador sem termo na Ré, voltando a ocupar o posto de trabalho e a desempenhar as funções que vinha desenvolvendo desde até Janeiro de 2023 ou, tal não sendo possível, por se considerar o mesmo nulo, a indemnização que tenha por base 45 dias por cada ano e proporcional de trabalho, e que ascende a 106.060,50 euros”. De Direito A única questão a decidir neste recurso de revista é a de saber se o trabalhador com o seu pedido fez uma opção irrevogável pela reintegração, não lhe sendo possível posteriormente alterar essa opção e pedir antes uma indemnização. Isso mesmo, aliás, é reconhecido nas contra-alegações onde se pode ler que “[o] thema decidendum centra-se apenas numa única questão: a de saber se o trabalhador/recorrente poderia, em alegações de recurso optar pela indemnização em vez da reintegração, por já ter exercido essa opção na petição inicial”. O Acórdão recorrido decidiu que o trabalhador tinha optado na petição inicial pela reintegração e que tal opção era irrevogável. Fundamentou assim a sua decisão: “Entende a recorrente que o autor optou imediata e expressamente pela sua reintegração no posto de trabalho, vindo em sede de alegações finais, alterar a sua opção, nomeadamente, comunicando ao Tribunal que, afinal, pretendia a indemnização por antiguidade. E o Tribunal a quo acabou por condenar a recorrente em tal pagamento ainda que em valor inferior ao peticionado. Nos termos do art.º 389º/1/b do CT, sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado na reintegração do trabalhador no mesmo estabelecimento da empresa, salvo nos casos previstos nos artigos 391.º e 392.º. O art.º 391º do CT prevê a possibilidade do trabalhador requer a substituição da reintegração por uma indemnização de antiguidade, até ao termo da discussão em audiência final de julgamento, sendo que o art.º 392º do CT/09 prevê a possibilidade da entidade empregadora requerer a exclusão da reintegração mediante o pagamento de uma indemnização de antiguidade Suscita-se a questão de se saber se durante o processo judicial o trabalhador pode alterar a opção já tomada, nomeadamente reintegração por indemnização por antiguidade. Ensina João Leal Amado “Na ação de apreciação judicial do despedimento, o trabalhador poderá optar pela reintegração na empresa ou pela chamada «indemnização de antiguidade». Essa opção pode, aliás, ser feita até ao termo da discussão em audiência final de julgamento, como indica o no 1 do art.º 391º. Mas julga-se que a opção, uma vez exercida, é irrevogável: assim, se optar pela reintegração, o trabalhador não poderá, mais tarde, mudar de ideias e optar pela indemnização; do mesmo modo, se optar pela indemnização, o trabalhador não poderá, mais tarde, escolher a reintegração. De resto, o mais lógico será mesmo que o trabalhador não opte prematuramente, visto que, quando ele enceta uma batalha judicial contra o despedimento (decorridos, porventura, poucos dias sobre o mesmo), ser-lhe-á amiúde difícil ter ideias claras quanto àquilo que desejará quando a sentença do tribunal vier a ser proferida. Quando impugna, aquilo que o trabalhador deseja é, sobretudo, que o tribunal declare a ilicitude do despedimento, e só mais tarde (dir-se-ia: só depois de muita água correr debaixo da ponte) o trabalhador estará em condições de decidir se pretende a reintegração ou a indemnização – isto porque, entretanto, o trabalhador pode conseguir um novo emprego, pode mudar de domicílio, as suas relações com o empregador podem deteriorar-se, etc. O trabalhador poderá, pois, optar pela reintegração (ou pela indemnização substitutiva) até ao termo da discussão em audiência final de julgamento. Mas, repete-se, a norma codicística diz que o trabalhador pode optar, não diz que ele pode mudar de opção. De todo o modo, e em termos lógico-jurídicos, a reintegração detém a primazia, constituindo a solução-regra quando um despedimento é declarado ilícito: por isso mesmo, o art.º 389º, nº 1, al. b), estabelece que, em princípio, sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador será condenado a reintegrar o trabalhador no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade. Nesta medida, a reintegração constitui também a solução legal supletiva, vale dizer, na ausência de escolha por parte do trabalhador, o tribunal condenará o empregador na reintegração (ou, dito por outras palavras, a ausência de escolha expressa é tida, pelo legislador, como uma opção tácita do trabalhador no sentido da reintegração). Trata-se, aliás, da solução que melhor se compagina com a ideia de invalidade do despedimento e com a própria tutela da segurança no emprego.” Também Paula Quintas e Hélder Quintas referem que “O direito optativo do trabalhador ocorre até ao termo da discussão em audiência final de julgamento e uma vez declarado torna-se irrevogável”. Assente, que tendo o autor optado na petição inicial pela reintegração, a mesma tornou-se irrevogável, não podendo posteriormente ser substituída pela indemnização por antiguidade”. Cumpre apreciar. Antes de mais sublinhe-se que, a existir na nossa lei uma faculdade de opção do trabalhador pela reintegração não era certo pela formulação do pedido que a mesma fosse incondicionada e sem qualquer caveat, já que a fórmula usada contém uma ressalva, ainda que dificilmente inteligível; “A sua reintegração como trabalhador sem termo na Ré, voltando a ocupar o posto de trabalho e a desempenhar as funções que vinha desenvolvendo desde até Janeiro de 2023 ou, tal não sendo possível, por se considerar o mesmo nulo, a indemnização que tenha por base 45 dias por cada ano e proporcional de trabalho, e que ascende a 106.060,50 euros”. Mas e sobretudo não existe, em rigor, na lei uma opção do trabalhador pela reintegração. Face à lei atualmente em vigor o despedimento declarado ilícito não faz cessar a relação de trabalho e daí que exista como regra o direito do trabalhador a continuar a execução do contrato e a ser reintegrado. Este direito à reintegração não existe em alguns contratos especiais – por exemplo no contrato de trabalho doméstico – e sofre algumas adaptações (por exemplo nos contratos de trabalho a termo), mas a condenação na reintegração é, por assim dizer, um dos efeitos primários da ilicitude do despedimento (artigo 389.º, n.º 1, alínea b). Em suma, o trabalhador não opta pela reintegração, mas esta decorre, em regra, ope legis da declaração de ilicitude do despedimento. A lei prevê, outrossim, que a reintegração seja substituída por uma indemnização substitutiva, sendo que tal indemnização em substituição da reintegração pode ocorrer, quer a pedido do trabalhador (artigo 391.º, n.º 1), quer, em certas circunstâncias, a pedido do próprio empregador (artigo 392.º do CT), sendo que o empregador no caso dos autos não lançou mão desta faculdade de oposição à reintegração. Como refere PEDRO ROMANO MARTINEZ, “[e]m suma, o trabalhador tem, em princípio, direito à reintegração, podendo, porém, optar pela indemnização substitutiva”. A única opção que é concedida ao trabalhador, repete-se, é pela indemnização substitutiva. Limitando-se a pedir que o despedimento seja declarado ilícito com as consequências legais, se o despedimento vier efetivamente a ser declarado ilícito, será reintegrado “no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade” (alínea b) do n.º 1 do artigo 389.º). Por outro lado, a lei é inequívoca em que a opção que verdadeiramente assiste ao trabalhador, a opção pela indemnização substitutiva, pode ser exercida até “ao termo da discussão em audiência final de julgamento”. Como se vê, o legislador não impôs ao trabalhador o ónus de optar logo na petição inicial e deu-lhe mais tempo, havendo múltiplas razões para tanto. Mesmo que tenha sucesso na declaração da ilicitude do despedimento, a reintegração pode revelar-se um processo penoso também para o trabalhador e o tempo adicional permite-lhe não só avaliar melhor as condições do mercado de trabalho e ponderar as alternativas e até ter em conta a própria atitude do empregador no processo judicial. Apenas neste aspeto concordamos, pois, com a passagem citada pelo Acórdão recorrido do Professor LEAL AMADO quando refere que “[o] trabalhador pode conseguir um novo emprego, pode mudar de domicílio, as suas relações com o empregador podem deteriorar-se”. Nas suas contra-alegações a Ré refere alguma jurisprudência que considera que a opção feita pelo trabalhador é irrevogável, mas tal jurisprudência respeita sobretudo a casos em que o trabalhador exerceu efetivamente a única opção que a lei lhe atribui – a opção pela indemnização substitutiva – sendo que tal questão é diversa da do caso dos autos, pelo que não há neste recurso que analisá-la. Em conclusão, há que reconhecer que, como sublinha o Recorrente, o prazo para o exercício pelo trabalhador da opção pela indemnização substitutiva é até ao termo da discussão em audiência final de julgamento (n.º 1 do artigo 391.º do CT). Decisão: Concedida a revista, revogando-se o segmento do Acórdão recorrido que impôs a reintegração e repristinando-se a sentença de 1.ª Instância. Custas pelo Recorrido. Lisboa, 3 de outubro de 2025 Júlio Gomes (Relator) José Eduardo Sapateiro Domingos José de Morais |