Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07P3166
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: OLIVEIRA MENDES
Descritores: DUPLA ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DA DUPLA VALORAÇÃO
TENTATIVA
REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS
MEDIDA CONCRETA DA PENA
CULPA
ROUBO
ROUBO AGRAVADO
CÚMULO JURÍDICO
FUNDAMENTAÇÃO
PENA ÚNICA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Nº do Documento: SJ20071122031663
Data do Acordão: 11/22/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I - A dupla atenuação especial da pena, ou seja, a duplicação do efeito atenuante modificativo, não é legalmente admissível pela concorrência de factores de atenuação especial, tão-somente pela concorrência de situações de atenuação especial, como sucede, por exemplo, no caso de um crime tentado de roubo, posto que a lei estabelece regra específica para a punibilidade da tentativa, segundo a qual o crime tentado é punível com a pena aplicável ao crime consumado, especialmente atenuada – art. 23.º, n.º 2, do CP.
II - É o que expressamente decorre do n.º 3 do art. 72.º do CP, dispositivo introduzido na revisão operada em 1995 por efeito da publicação do DL 48/95, de 15-03, ao estatuir que «só pode ser tomada em conta uma única vez a circunstância que, por si mesma ou conjuntamente com outras circunstâncias, der lugar simultaneamente a uma atenuação especialmente prevista na lei e à prevista neste artigo».
III - Ora, o art. 4.º do DL 401/82, de 23-09, não contempla, rigorosamente, uma situação de atenuação especial, posto que não estatui a aplicação directa e imediata do instituto da atenuação especial da pena aos jovens delinquentes, limitando-se a estabelecer a sua aplicação quando verificado certo e determinado condicionalismo, concretamente, «quando o juiz tiver séria razões para crer que da atenuação resultam vantagens para a reinserção do jovem condenado.»
IV - Certo é que o julgador, na aferição de tal condicionalismo, terá de se socorrer, obviamente, de factores que se incluem na “cláusula geral” que subjaz ao instituto da atenuação especial da pena, concretamente de circunstâncias anteriores, contemporâneas ou posteriores ao crime que diminuam a ilicitude do facto, a culpa do agente e, particularmente, a necessidade da pena.
V - Por isso, conquanto não seja impossível, de todo em todo, a dupla atenuação especial da pena, por efeito conjunto ou concorrente da “cláusula geral” do art. 72.º, n.º 1, do CP, e do disposto no art. 4.º do DL 401/82, de 23-09, a verdade é que só em casos excepcionais se verificará.
VI - Culpa e prevenção constituem o binómio que o julgador terá de utilizar na determinação da medida da pena, obviamente dentro dos limites (mínimo e máximo) definidos na lei – art. 71.º, n.º 1, do CP.
VII - A culpa como expressão da responsabilidade individual do agente pelo facto e como realidade da consciência social e moral, fundada na existência de liberdade de decisão do ser humano e na vinculação da pessoa aos valores juridicamente protegidos (dever de observância da norma jurídica), é o fundamento ético da pena e, como tal, seu limite inultrapassável – art. 40.º, n.º 2, do CP.
VIII - Dentro deste limite a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pela exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial, pelo que dentro da moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais. É este o critério da lei fundamental – art. 18.º, n.º 2 – e foi assumido pelo legislador penal de 1995 (cf. Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal – 3.º Tema – Fundamento, Sentido e Finalidade da Pena Criminal, 2001, págs. 104-111).
IX - Tendo em consideração que:
- à data dos factos o arguido tinha 20 anos de idade, sendo que não trabalhava há cerca de 3/4 anos;
- consumia regularmente cocaína e heroína, sendo a toxicodependência a motivação para o seu comportamento delituoso;
- confessou os factos e deles está arrependido;
- tem um filho menor com 8 meses de idade;
- frequenta o 9.º ano de escolaridade no EP onde se encontra preso, ali dispondo de apoio psicológico e psiquiátrico;
- por decisão de 14-07-2005, foi condenado na pena conjunta de 2 anos e 6 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, com regime de prova, pela prática, em 29-05-2001, de 3 crimes de roubo, bem como pela prática, em 04-12-2001, de um crime de furto;
- por efeito da atenuação especial das penas, aos crimes de roubo agravado cabe a pena de 7 meses e 6 dias a 10 anos de prisão, aos crimes de roubo a pena de 30 dias a 5 anos e 4 meses de prisão, e ao crime de roubo tentado a pena de 30 dias a 3 anos e 6 meses e 20 dias de prisão;
e à luz do que atrás se deixou consignado, há que concluir que as penas parcelares impostas (de 2 anos e 6 meses de prisão para cada um dos dois crimes de roubo agravado, de 18 meses de prisão para cada um dos quatro crimes de roubo, e de 1 ano de prisão para um crime de roubo tentado) se situam dentro das submolduras referidas, não merecendo por isso qualquer reparo.
X - Não tendo o legislador nacional optado pelo sistema de acumulação material (soma das penas com mera limitação do limite máximo), é forçoso concluir que com a fixação da pena conjunta (cujos elementos determinadores são os factos e a personalidade do agente) se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente: como doutamente diz Figueiredo Dias (Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 290-292), como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado.
XI - Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, a existência ou não de qualquer relação entre uns e outros, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso.
XII - Verificando-se que os crimes em concurso, perpetrados entre Setembro e Dezembro de 2005, denotam um factor ou elemento comum – posto que todos eles foram motivados pela toxicodependência do arguido, concretamente pela necessidade de obtenção de valores para a aquisição de estupefacientes –, pese embora a multiplicidade de crimes cometidos e a acentuada gravidade de dois deles (roubo agravado), bem como o passado criminal do arguido (já com uma condenação por crimes de roubo e furto), não deve, por ora, atribuir-se-lhe tendência ou propensão criminosa.
XIII - Tudo sopesado, com especial destaque para a circunstância de o concurso englobar sete factos delituosos, dois dos quais de elevada gravidade, não merece qualquer censura a pena conjunta de 4 anos e 6 meses de prisão imposta ao arguido.
XIV - Por efeito das alterações introduzidas ao CP pela Lei 59/2007, de 04-09, o instituto da suspensão da execução da pena passou a ser aplicável a penas de prisão aplicadas em medida não superior a 5 anos – art. 50.º, n.º 1 –, pelo que, em face da pena aplicada e atento o que dispõem a CRP e o CP sobre a aplicação da lei criminal, há que averiguar se aquela pena deve ou não ser objecto de suspensão da sua execução.
XV - Consabido que as finalidades da punição se circunscrevem à protecção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade – art. 40.º, n.º 1, do CP –, é em função de considerações exclusivamente preventivas, de prevenção geral e especial, que o julgador tem de se orientar na opção pela pena de suspensão de execução da prisão.
XVI - Assim, para aplicação daquela pena de substituição é necessário, em primeiro lugar, que a pena de suspensão da execução da prisão não coloque irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade. Em segundo, é necessário que o tribunal se convença, face à personalidade do arguido, comportamento global, natureza do crime e sua adequação a essa personalidade, que o facto cometido não está de acordo com essa personalidade e foi simples acidente de percurso, esporádico, e que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro, evitará a repetição de comportamentos delituosos.
XVII - Por outro lado, o juízo de prognose sobre o comportamento futuro do condenado deve ter em consideração a personalidade do agente, as suas condições de vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste.
XVIII - Num caso em que estamos perante condenado que, semanas antes de haver perpetrado os 7 crimes de roubo objecto do processo, fora condenado em pena de suspensão da execução da prisão, pela prática de 3 crimes de roubo e 1 de furto, tal circunstância, só por si, impõe a formulação de um juízo de prognose negativo sobre o comportamento futuro do arguido, à qual acresce o facto de se tratar de um toxicodependente que não se exime de recorrer ao crime, designadamente ao roubo, para obtenção dos valores necessários à aquisição de estupefacientes, sendo, pois, de afastar a aplicação do instituto da suspensão da execução da pena.
Decisão Texto Integral: