Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃO | ||
Relator: | JORGE GONÇALVES | ||
Descritores: | INSTRUÇÃO RECLAMAÇÃO HIERÁRQUICA ACÓRDÃO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA | ||
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Data do Acordão: | 05/23/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário : |
I – Perante a decisão de arquivamento tomada pelo Ministério Público titular do inquérito, em casos de investigação de crimes públicos ou semipúblicos, o assistente pode provocar a intervenção hierárquica (artigo 278.º do CPP) ou pode requerer a abertura da instrução (artigo 287.º, n.º 1, alínea b), do CPP). II - As opções facultativas da apresentação de requerimento de abertura de instrução ou da apresentação de requerimento a suscitar a intervenção hierárquica constituem modos de reação alternativos (e não cumulativos, nem sucessivos) ao despacho de arquivamento proferido pelo titular do inquérito. III - A escolha de uma das duas supra referidas vias - apresentação de requerimento de abertura de instrução ou apresentação de requerimento a suscitar a intervenção hierárquica - é da exclusiva responsabilidade do assistente e não se apresenta como indiferente, porquanto inexiste similitude total do pedido (de abertura de instrução ou de intervenção hierárquica), bem como da decisão que se visa obter. IV - Não sendo a jurisprudência uniformizada de observância estritamente obrigatória, uma decisão judicial divergente não poderá limitar-se ao seu desacato, sem que se adiante qualquer argumento relevante que seja novo, não ponderado ainda, ou sem perceção de alteração notória nas conceções, o que exige uma fundamentação mais aprofundada e completa do que o habitual, que convença suficientemente da razoabilidade dos fundamentos da divergência. V - Apesar do tempo decorrido desde o AFJ n.º3/2015, e da alteração na composição do STJ, inexistem razões para crer que a jurisprudência uniformizada está ultrapassada, pois não se vislumbra qualquer argumento novo e relevante que não tenha sido ponderado no acórdão uniformizador, não sendo patente que a evolução do STJ e da jurisprudência tenha alterado o peso relativos dos argumentos então utilizados e sopesados, ou que a maioria dos juízes das secções criminais tenha deixado de partilhar fundadamente da posição fixada. | ||
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Decisão Texto Integral: |
RECURSO n.º 113/23.0YGLSB.S1 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – RELATÓRIO 1. AA, com os sinais dos autos, interpôs recurso da decisão de 11.03.2024 que rejeitou, por extemporaneidade, o requerimento de abertura de instrução que, na qualidade de assistente, tinha apresentado. Formula, no termo da motivação do recurso, as seguintes conclusões (transcrição): a) As razões da impugnação da decisão proferida a fls. prende-se com o facto de, no entendimento do Recorrente, a decisão relevante para poder ser judicialmente confrontada com a abertura da instrução só pode ser aquela que tiver, no processo, a função de encerrar o inquérito, tomada no âmbito das competências próprias (simultaneamente internas e processuais) do órgão, e não de um seu concreto titular, ao qual compete a direção do inquérito e a decisão sobre o seu encerramento; b) Decorreram praticamente 10 anos após a prolação dos AFJ nº 3/2015 e AC T.C. n.º 713/2014, ainda que o presente processo possua circunstâncias, intervenientes e decisões tomadas com especificidades próprias; c) Acresce a atual e premente necessidade progressiva da comunidade de maior sindicância e escrutínio da atividade exercida em sede de qualquer inquérito criminal o que permite realizar, também neste contexto, uma reflexão da orientação jurisprudencial até então maioritariamente acolhida; d) Mesmo em termos constitucionais a questão agora colocada (que se prende com a contagem do prazo) o termo "a quo" para requerer a abertura de instrução - art. 287 n.º 1 do CPP - deve iniciar-se a partir da notificação a nível do último escalão hierárquico e não do primeiro patamar porque nesse momento ainda não se apurou um ato definitivo e executivo e só nesse caso decorre o prazo de 20 dias para requerer a abertura de instrução; e) O Recorrente entende, s.m.o., que a interpretação dos art.s 277, 278 e 287 n.º 1 do C.P.P. vertida na Decisão em análise, e antagónica ao anteriormente referido terá condão - a consolidar-se — para violar os arts. 20, n.º 4 e 5 e 32 n.º 4, 5, 7 e 9 da Constituição da República Portuguesa, o que expressamente se invoca. f) O aqui Recorrente - aquando do pedido de intervenção hierárquica - não permitiu que se precludisse o prazo de 20 dias para requerer tal intervenção após decisão do superior hierárquico; g) A lei, com efeito, fala em decisão do M.P. sem especificar, o que significa salvo redução ou restrição sistematicamente não autorizada — que da previsão que refere decisão do M.P. não pode estar excluída a (última) decisão que o processo permitir, tomada ainda pelo M.P. no uso de competências processuais próprias e na sequência do exercício de direitos ou faculdades processuais dos interessados; h) No entanto, no âmbito das competências de intervenção do M.P. (como órgão do Estado), a decisão de encerramento do inquérito em sentido negativo quanto ao exercício da ação penal (arquivamento) pode não ser a última decisão, no sentido de fixar, no processo a posição final sobre a acusação ou não acusação; i) Tal realidade comprovou-se nestes autos tendo a decisão objeto deste recurso aptidão para, interpretada de forma conjunta, violar os arts. 277 e 278 do C.P.P.; j) A intervenção prevista no art. 278 não relevará, unicamente, para a coordenação interna dos agentes do M.P. ordenados na respetiva estrutura segundo as suas próprias regras orgânicas; k) Nada exclui nem a letra, nem a ratio, nem o sistema que se preveja aqui, um verdadeiro direito à apreciação em outro grau, passível de exercício intraprocessual; l) Por isso o entendimento do Recorrente que, a prevalecer, será no sentido em que: - Proferido o Despacho de Arquivamento, o denunciante com a faculdade de se constituir assistente pode, como faculdade processual própria, pretender uma outra leitura indiciária do superior hierárquico que determine a formulação de acusação, ou suscitar a realização de novas diligências com o prosseguimento do inquérito, o que na realidade aconteceu e se encontra vertido na seleção da matéria de facto inerente à decisão sub judice; A partir daqui, m) A decisão relevante para poder ser judicialmente confrontada com a abertura da instrução só pode ser aquela que tiver, no processo, a função de encerrar o inquérito, tomada no âmbito das competências próprias (simultaneamente internas e processuais) do órgão, e não de um seu concreto titular, ao qual compete a direção do inquérito e a decisão sobre o seu encerramento; n) Nestes autos, como se vê da descrição sobre a evolução processual relevante, o aqui Recorrente, reclamou do Despacho de Arquivamento, requerendo o prosseguimento das investigações e foi notificado — conforme matéria de facto assente — da decisão hierárquica proferida por cartas registadas de 19.12.2023 (referências 12063380 e 12063461 , respetivamente), não à margem, mas nos termos previstos na lei de processo, que indeferiu a reclamação dando a sua concordância ao despacho reclamado; o) Este Despacho, notificado nos termos aí referidos, que alterando os argumentos do Despacho reclamado — mantém o sentido decisório — constitui nos termos das competências do M.P., a posição final relativamente ao encerramento do inquérito, daí o Tribunal a quo, no humilde entendimento do Recorrente ter interpretado incorretamente o preceito previsto no art. 287 n.º 1 do CPP quando decide da extemporaneidade de tal ato; Nestes termos deverá ser concedido provimento ao recurso, com a revogação de Douta Decisão a fls., substituindo-a por outra, e sempre com o vosso douto suprimento, que conhecesse o requerimento de abertura de instrução. 2. O Ministério Público junto deste Supremo Tribunal de Justiça respondeu ao recurso e concluiu (transcrição das conclusões): 1. O ora recorrente não se conformou com o despacho de arquivamento proferido nos autos, sem sede de inquérito. 2. Optou por formular pedido de intervenção hierárquica, ao abrigo do disposto no artº 278.º, n.º2, do CPP. 3. Vendo a mesma indeferida e mantido o despacho de arquivamento, vem agora pedir a abertura da fase de instrução. 4. O que foi indeferido no despacho recorrido, sendo o pedido rejeitado por extemporâneo por aplicação do disposto nos artºs 278.º, n.ºs 1 e 2, e 287.º, n.ºs 1, al. b), e 3, do CPP; 5. O que efetivamente se verifica, não sendo lícito ao recorrente pretender formular pedido de abertura de instrução relativamente ao despacho de arquivamento proferido a final do inquérito, mas contando o prazo a partir da data da posterior decisão do superior hierárquico do magistrado titular dos autos; 6. Tal como jurisprudência fixada acerca da questão (AFJ n.º 3/2015, publicado no DR – 1.ª Série, nº 56, de 20.03); 7. Acórdão que mantém toda a sua atualidade, não podendo ser afastado apenas porque, como refere o recorrente, se passaram quase 10 anos da sua prolação, ou por uma alegada maior necessidade de «maior sindicância e escrutínio da atividade». 8. Pelo que a decisão recorrida deverá ser mantida, julgando-se improcedente o recurso. 3. Foi efetuado exame preliminar, após o que, colhidos os vistos, foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º3, do Código de Processo Penal (doravante, CPP). *** II – Fundamentação 1. Conforme jurisprudência constante e pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso. Assim, a questão a decidir consiste em saber se o prazo de 20 dias para o assistente requerer a abertura de instrução, nos termos do artigo 287.º, n.º 1, alínea b), do CPP, conta-se sempre e só a partir da notificação do despacho de arquivamento proferido pelo magistrado do Ministério Público titular do inquérito ou por quem o substitua, ao abrigo do artigo 277.º do mesmo código, ou se, como defende o recorrente, deve relevar para esse efeito a notificação do despacho do imediato superior hierárquico que, intervindo ao abrigo do artigo 278.º, mantenha aquele arquivamento. 2. O despacho recorrido tem o seguinte teor: I. RELATÓRIO 1. AA, advogado, com os demais sinais dos autos, denunciante no inquérito n.º 33/23.9..., que correu termos nos serviços do Ministério Público (MP) junto do Supremo Tribunal e Justiça (STJ), em que eram denunciados BB, CC e DD, juízes desembargadores no Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), inconformado com a decisão de arquivamento nele proferida, em 23.10.2023, pelo procurador-geral adjunto titular, de que foi notificado por via postal simples com prova de depósito em 24/25.10.2023 (referência 11940480), dele apresentou, em 17.11.2023, com o patrocínio de mandatária constituída, reclamação hierárquica, nos termos e para os efeitos do artigo 278º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal (CPP). 2. Por decisão de 7.12.2023, proferida pelo Vice-Procurador-Geral da República, foi a referida reclamação indeferida, decisão notificada ao requerente e à sua mandatária por cartas registadas de 19.12.2023 (referências 12063380 e 12063461, respetivamente). 3. Ainda inconformado com tal indeferimento, veio agora, em 23.01.2024, requerer a abertura de instrução e a sua prévia admissão a intervir no processo como assistente, nos termos e para os efeitos dos artigos 68º, 70º, 287º, n.º 1, al. b), e 519º do CPP. 4. Cumprido o disposto no artigo 68º, n.º 4, do CPP, apenas o MP se pronunciou no sentido do indeferimento de ambos os pedidos, renovando os fundamentos da promoção de 24.01.2024, exarada no mesmo despacho em que ordenou a remessa do processo à distribuição no STJ. II – FUNDAMENTAÇÃO 5. Constitui hoje orientação uniforme, na doutrina e na jurisprudência, que a intervenção hierárquica e a instrução funcionam como meios de reação alternativa e reciprocamente prejudicial, por isso não cumulativa nem sucessiva, ao despacho de arquivamento do inquérito criminal, e que só podem ter lugar nos prazos perentórios definidos nos artigos 278º, n.ºs 1 e 2, e 287º, n.º 1, al. b), do CPP, respetivamente, com início na data da notificação do despacho de arquivamento e não da notificação do despacho do superior hierárquico que eventualmente o tenha confirmado em sede de reclamação hierárquica . 6. Ou seja, a intervenção hierárquica só pode ter lugar no prazo de 20 dias a contar da data em que a abertura de instrução já não puder ser requerida, ainda que, se provocada por reclamação do assistente ou denunciante com a faculdade de como tal se constituir, esta tenha de ser apresentada nos 20 dias seguintes à notificação do despacho de arquivamento, e a instrução ser requerida neste mesmo prazo. 7. Efetivamente, segundo a jurisprudência fixada pelo AFJ n.º 3/2015 “O prazo de 20 dias para o assistente requerer a abertura de instrução, nos termos do artigo 287º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Penal, conta-se sempre e só a partir da notificação do despacho de arquivamento proferido pelo magistrado do Ministério Público titular do inquérito ou por quem o substitua, ao abrigo do artigo 277º do mesmo código, não relevando para esse efeito a notificação do despacho do imediato superior hierárquico que, intervindo a coberto do artigo 278º, mantenha aquele arquivamento». 8. Orientação jurisprudencial já antes claramente maioritária e também sufragada, sob o prisma da respetiva conformidade constitucional, pelo Tribunal Constitucional (TC), designadamente no acórdão n.º 713/2014, de 28.10.2014, proferido no processo n.º 555/14, relatado pelo Conselheiro João Cura Mariano, e nos demais nele referenciados, no qual se decidiu “não julga(r) inconstitucional a norma contida conjugadamente nos artigos 278º, n.º 2, e 287º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual, optando por suscitar a intervenção hierárquica, o assistente ou o denunciante com a faculdade de se constituir assistente, vê, sempre e irremediavelmente, precludido o direito de requerer a abertura de instrução ou renuncia a uma apreciação jurisdicional do despacho de arquivamento do titular do inquérito” . 9. Em face desta orientação jurisprudencial, tendencialmente obrigatória nos termos do artigo 445º, n.º 3, do CPP, que aqui se tem por pertinente e aplica, por falta de argumentos que permitam dela divergir fundamentadamente, e considerando as regras sobre a contagem dos prazos e para convocação e notificação de atos processuais estabelecidas, respetivamente, nos artigos 103º a 107º-A e 111º a 115º do mesmo Código, outrossim a data da prolação do despacho de arquivamento e da sua notificação ao denunciante, consumada presumidamente no dia 30/31.10.2023, data necessariamente anterior à da reclamação hierárquica que apresentou em 17.11.2023, forçoso é concluir que, aquando da apresentação do requerimento de abertura de instrução aqui em apreço, em 23.01.2024, há muito se havia esgotado o referido prazo perentório de 20 dias para esse efeito previsto nas disposições conjugadas dos artigos 278º, n.ºs 1 e 2 e 287º, n.º 1, al. b), também do citado CPP, com a irremediável preclusão do correspondente direito. 10. Requerimento que, assim, terá de ser rejeitado, por extemporaneidade, nos termos do artigo 287º, n.ºs 1, al. b), e 3, do CPP. 11. Diferentemente, apesar dessa rejeição, o requerimento para admissão a intervir no processo como assistente, além de tempestivo, mantém utilidade porque esta qualidade é também condição necessária para eventual reação do requerente à sobredita rejeição, nomeadamente pela via do recurso, de que é também necessário e prévio pressuposto. 12. Assim sendo, porque apresentado em tempo, por quem tem legitimidade, tem interesse em agir. está representado por advogado e pagou a taxa de justiça devida, deve o requerente ser admitido a intervir nos autos como assistente. III. DECISÃO Termos em que se decide: a) admitir o requerente AA a intervir no processo como assistente, nos termos e para os efeitos dos artigos 68º, n.ºs, 1, als. a), b), e e), e 3, al. b), 69º, n.ºs 1 e 2, al. c), 70º e 519º, n.º 1, do CPP; b) Rejeitar, por extemporaneidade, o requerimento de abertura de instrução por ele apresentado, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 278º, n.ºs 1 e 2, e 287º, n.ºs 1, al. b), e 3, do CPP; c) Sem custas, para além da(s) taxa(s) de justiça já paga(s), que se mantém, sem necessidade de qualquer correção, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 519º e 524º do CPP e 8º, n.ºs 1 e 2, do RCP, aprovado pelo Decreto-Lei nº 34/2008, de 22 de fevereiro. Notifique o requerente e a sua mandatária, os denunciados/arguidos e o MP. *** 3. Apreciando 3.1. Os autos tiveram, em resumo, a seguinte tramitação: - Tiveram início como inquérito nos Serviços do Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça, em 15.09.2023, com base em denúncia efetuada pelo Senhor Advogado, Dr. AA, contra os Senhores Juízes Desembargadores, Drs. BB, CC e DD, todos em exercício de funções no Tribunal da Relação de Lisboa, pela prática, no entender do queixoso, de factos com «potencialidade de tipificar vários crimes de ilícitos designadamente, Ameaça, Difamação, Denegação de Justiça, Falsificação de documento, Acesso ilegítimo, Ultraje por motivo de crença religiosa, etc.»; - Por despacho de 23.10.2023, o Ministério Público determinou o arquivamento dos autos, ao abrigo do disposto no artigo 277.º, n.º 1, do CPP, por entender que não resultavam quaisquer indícios da prática pelos denunciados dos crimes que lhes haviam sido imputados, ou de quaisquer outros; - De tal despacho foi o queixoso notificado, nos termos do n.º 2 do artigo 277.º, notificação que foi efetuada através de carta remetida em 24.10.2023, na qual foram referidos quais os meios para, querendo, reagir àquela decisão, assim como o prazo para tal fim; - O queixoso, no dia 17.11.2023, através de requerimento subscrito pela sua Ilustre Advogada, solicitou junto da Senhora Procuradora-Geral da República a intervenção hierárquica, ao abrigo do n.º 2, do artigo 278.º, do CPP; - Por Despacho datado de 07.12.2023, foi aquele pedido de intervenção hierárquica indeferido por falta de legitimidade do requerente quanto ao crime de acesso ilegítimo e, quanto ao restante, foi mantido o despacho de arquivamento; - Tal decisão foi notificada ao queixoso e à sua Ilustre Advogada, através de cartas enviadas em 19.12.2023; - Formulou, então, através de requerimento que deu entrada no dia 23.01.2024, pedidos de constituição como assistente e de abertura de instrução; - Por despacho datado de 11.03.2024, o Ex.mo Juiz Conselheiro a quem o processo foi distribuído admitiu o requerente a intervir no processo como assistente, mas rejeitou, por extemporaneidade, o requerimento de abertura de instrução apresentado, conforme transcrição supra. 3.2. Preceitua o artigo 286.º, n.º1, do CPP: «A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.» O artigo 287.º, n.º 1, prescreve, na parte que nos importa: «A abertura de instrução pode ser requerida no prazo de 20 dias, a contar da notificação da acusação ou do arquivamento: (...) b) Pelo assistente, se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação. (…)» Nos termos do n.º 2, o requerimento para abertura da instrução: «não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como sempre que for caso disso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e outros, se espera provar, sendo ainda, aplicável ao requerimento do assistente o disposto no artigo 283.º, n.º 3, alíneas b) e c) (...).» Por sua vez, o n.º 4 do artigo 287.º estabelece que o requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução. 3.3. Perante a decisão de arquivamento tomada pelo Ministério Público titular do inquérito, em casos de investigação de crimes públicos ou semipúblicos, o assistente pode provocar a intervenção hierárquica (artigo 278.º do CPP) ou pode requerer a abertura da instrução (artigo 287.º, n.º 1, alínea b), do CPP). As opções facultativas da apresentação de requerimento de abertura de instrução ou da apresentação de requerimento a suscitar a intervenção hierárquica constituem modos de reação alternativos (e não cumulativos, nem sucessivos) ao despacho de arquivamento proferido pelo titular do inquérito. É o que resulta quer do n.º 1 do artigo 278.º do CPP, quando estabelece o prazo (20 dias a contar da data em que a abertura de instrução já não puder ser requerida) para a intervenção oficiosa ou provocada do superior hierárquico do titular do inquérito que proferiu o despacho de arquivamento, quer do n.º 2 da mesma disposição legal, quando estabelece o momento temporal para suscitar a intervenção hierárquica (se o assistente e o denunciante com a faculdade de se constituir assistente optarem por não requerer a abertura da instrução, podem suscitar a intervenção hierárquica, ao abrigo do número anterior, no prazo previsto para aquele requerimento). A escolha de uma das duas supra referidas vias - apresentação de requerimento de abertura de instrução ou apresentação de requerimento a suscitar a intervenção hierárquica - é da exclusiva responsabilidade do assistente e não se apresenta como indiferente, porquanto inexiste similitude total do pedido (de abertura de instrução ou de intervenção hierárquica), bem como da decisão que se visa obter. No nosso modelo processual penal, o Ministério Público é o titular da ação penal, investigando contra e a favor do arguido. O controlo da decisão de arquivamento pelo juiz, nunca oficioso e sempre mediante a iniciativa do assistente, tem de ser processualmente compatível com a estrutura acusatória do processo, a separação de poderes e a repartição de funções. O juiz de instrução não pode ordenar ao Ministério Público que investigue, nem pode substituir-se-lhe em fase ulterior, investigando por ele ou em vez dele. O denunciante pode sempre provocar a intervenção hierárquica prevista no artigo 278.º do CPP, para que as investigações prossigam, caminho que deverá seguir, em vez de requerer a instrução, quando a sua discordância não for apenas (ou essencialmente) quanto à decisão de não acusar, mas quando entender que a atividade investigatória foi deficiente, sendo necessário ampliar ou complementar a investigação. Dessa forma, não retirará a investigação do domínio do órgão do Estado competente, o Ministério Público. Por sua vez, discordando o assistente do arquivamento do inquérito em razão da valoração que faz dos indícios já suficientemente recolhidos ou da leitura da sua relevância jurídica, justificar-se-á a via processual do requerimento de abertura de instrução, ficando o assistente onerado à rigorosa observância das formalidades postuladas pelo n.º 2, do 287.º, do CPP, com as inerentes consequências do seu não acatamento. A decisão instrutória – seja de pronúncia, seja de não pronúncia, em qualquer caso proferida no final da fase de instrução – não é equiparável à de confirmação do arquivamento ou à que determina seja formulada acusação, proferidas pelo Ministério Público – imediato superior hierárquico. O STJ, através do Acórdão de Fixação de Jurisprudência (AFJ) n.º3/2015, (publicado no DR, 1.ª série, N.º 56, de 20 de março de 2015), fixou jurisprudência nos seguintes termos: «O prazo de 20 dias para o assistente requerer a abertura de instrução, nos termos do artigo 287º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Penal, conta-se sempre e só a partir da notificação do despacho de arquivamento proferido pelo magistrado do Ministério Público titular do inquérito ou por quem o substitua, ao abrigo do artigo 277º do mesmo código, não relevando para esse efeito a notificação do despacho do imediato superior hierárquico que, intervindo a coberto do artigo 278º, mantenha aquele arquivamento». Na fundamentação do AFJ n.º 3/2015, o STJ enfrentou questões de alegada inconstitucionalidade, afastando-as. A posição consagrada no AFJ corresponde à orientação jurisprudencial já antes claramente maioritária e, como se diz na decisão recorrida, também sufragada, sob o prisma da respetiva conformidade com a Constituição da República, pelo Tribunal Constitucional, designadamente no acórdão n.º 713/2014, de 28.10.2014, proferido no processo n.º 555/14, e nos demais nele referenciados, no qual se decidiu “não julgar inconstitucional a norma contida conjugadamente nos artigos 278.º, n.º 2, e 287.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual, optando por suscitar a intervenção hierárquica, o assistente ou o denunciante com a faculdade de se constituir assistente, vê, sempre e irremediavelmente, precludido o direito de requerer a abertura de instrução ou renuncia a uma apreciação jurisdicional do despacho de arquivamento do titular do inquérito”. Anteriormente, já o Tribunal Constitucional se havia pronunciado no sentido de que não ser inconstitucional «a norma do n.º 1 do artigo 287.º do CPP, quando interpretada no sentido de que o prazo de 20 dias para o assistente requerer a abertura da instrução se conta da notificação do despacho de arquivamento do inquérito pelo Ministério Público e não da notificação do despacho que, em intervenção hierárquica, o confirme» (Acórdão n.º 501/05, cuja jurisprudência veio a ser reiterada pelo Acórdão n.º 539/05) e, posteriormente, reafirmou a mesma posição na Decisão Sumária n.º 122/2015, sendo essa, também, a posição que tem sido uniformemente seguida pelos tribunais. Saliente-se que, no Acórdão n.º 501/05, o Tribunal Constitucional entendeu que, dos preceitos constitucionais que a recorrente nesse recurso dizia violados, só o n.º 4 do artigo 20.º e o n.º 7 do artigo 32.º podiam ser utilmente invocados, com um mínimo de racionalidade argumentativa, para confrontar a solução normativa em crise, acrescentando, relativamente aos artigos 20.º, n.º 4 e 5 e aos n.ºs 4, 5, 7 e 9 do artigo 32.º: «Com efeito, - Quanto ao n.º 5 do artigo 20.º, independentemente de não se vislumbrar de que modo direitos, liberdades e garantias pessoais, na acepção desta norma, possam estar em causa na determinação do início do prazo para o assistente em processo penal requerer a abertura da instrução, é contraditório com a finalidade da norma constitucional, que é a de que existam procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, preferir uma solução normativa que diferisse o início do prazo para o exercício de tal direito; (…) - Quanto aos n.ºs 4, 5 e 9 do artigo 32.º, nem a recorrente se esforça por demonstrar nem o Tribunal vislumbra de que modo pode a disciplina de aspectos relativos ao prazo para requerer a instrução contender com aspectos relativos à competência jurisdicional para a instrução, com a estrutura acusatória do processo penal ou com o princípio do “juiz natural”. Consequentemente, resta confrontar a norma em crise com o n.º 7 do artigo 32.º e com o n.º 4 do artigo 20.º da Constituição, isto é, para ir directamente ao que pode fazer sentido como problema de constitucionalidade, saber se o modo de determinar o início do prazo estabelecido no n.º 1 do artigo 287.º do Código de Processo Penal retira ou restringe desproporcionadamente ao ofendido, direta ou indiretamente, o direito de participar no processo penal que tenha por objeto a ofensa de que alegadamente tenha sido vítima ou conforma esse processo de modo a que deixe de ser um “processo equitativo”. A esta última questão, o Tribunal Constitucional respondeu no sentido de inexistir inconstitucionalidade, o que foi reiterado pelo Acórdão n.º 539/05. Por sua vez, o Acórdão n.º 713/2014 analisou a questão à luz dos artigos 20.º, n.º1 e 32.º, n.º7, da Constituição da República, sendo que a Decisão Sumária o fez no confronto com os artigos 13.º, n.º 1, 32.º, nºs. 4 e 5, que tinham sido invocados. Não identificamos razão para nos afastarmos da jurisprudência constitucional sobre a questão, razão por que entendemos que a decisão recorrida não acolhe, como ratio decidendi, qualquer interpretação normativa contrária à Lei Fundamental. Não sendo a jurisprudência uniformizada de observância estritamente obrigatória, uma decisão judicial divergente não poderá limitar-se ao seu desacato, sem que se adiante qualquer argumento relevante que seja novo, não ponderado ainda, ou sem perceção de alteração notória nas conceções, o que exige uma fundamentação mais aprofundada e completa do que o habitual, que convença suficientemente da razoabilidade dos fundamentos da divergência. O Ex.mo Juiz Conselheiro que proferiu a decisão recorrida não divergiu da jurisprudência uniformizada, que entendeu seguir, considerando, com base na mesma, ser extemporâneo o requerimento de abertura de instrução. O recorrente, ao invocar, em sustento da sua posição, o decurso do tempo e uma alegada maior necessidade de escrutínio das decisões, não fundamenta de forma minimamente suficiente a pretensão, subjacente ao recurso, de ver afastada a jurisprudência fixada. Da nossa parte, apesar do tempo decorrido e da alteração na composição do STJ, entendemos inexistirem razões para crer que a jurisprudência uniformizada está ultrapassada, pois não vislumbramos qualquer argumento novo e relevante que não tenha sido ponderado no acórdão uniformizador, não sendo patente que a evolução do STJ e da jurisprudência tenha alterado o peso relativos dos argumentos então utilizados e sopesados, ou que a maioria dos juízes das secções criminais tenha deixado de partilhar fundadamente da posição fixada. Conclui-se que o recurso não merece provimento. *** III – Dispositivo Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso interposto por AA, confirmando a decisão recorrida. Custas pelo recorrente, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça Supremo Tribunal de Justiça, 23 de maio de 2024 (certifica-se que o acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.ºs 2 e 3 do CPP) Jorge Gonçalves (Relator) Leonor Furtado (1.ª Adjunta) Jorge dos Reis Bravo (2.º Adjunto) |