Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7ª SECÇÃO | ||
Relator: | LOPES DO REGO | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO DANOS NÃO PATRIMONIAIS EQUIDADE QUESTÃO DE DIREITO | ||
Nº do Documento: | SJ | ||
Data do Acordão: | 02/22/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / INDEMNIZAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL - ARTIGO 496.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 20/5/2010, PROCESSO N.º 103/2002.L1.S1. | ||
Sumário : | I. O juízo de equidade das instâncias, essencial à determinação do montante indemnizatório por danos não patrimoniais, assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida - se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que, numa perspectiva actualística, generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade. II. Não é desproporcionada à gravidade objectiva e subjectiva das lesões sofridas por lesado em acidente de viação o montante de €25.000,00, atribuído como compensação dos danos não patrimoniais, num caso caracterizado pela existência em lesado jovem, de 27 anos de idade, de fractura de membro inferior, implicando a realização de cirurgia com permanência de material de osteossíntese, incapacidade ao longo de 8 meses e fortes dores. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA intentou contra BB — Companhia de Seguros, SA acção declarativa ao abrigo do DL 108/2006 de 8/6, alegando, em síntese, que foi atropelada numa passadeira de peões por culpa do condutor de um veículo automóvel seguro pela ré, tendo sofrido lesões pelas quais teve de ser operada e ficou impossibilitada de trabalhar por oito meses, período durante o qual a ré lhe pagou o vencimento, despesas de deslocação e tratamentos, mas, depois de ter regressado ao trabalho, ficou com sequelas que tendem a agravar-se com o tempo, que dificultam toda a sua actividade e lhe causam dores e tristeza, devendo a ré indemnizar todos estes danos. Concluiu pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 50 000,00 euros a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros desde a citação. A ré contestou, aceitando a sua responsabilidade pelos factos relativos ao atropelamento, mas impugnando os danos invocados e respeitantes às sequelas, alegando que a autora não ficou com as sequelas e dificuldades que alega. Concluiu pedindo que a acção seja julgada de acordo com a prova a produzir. Saneados os autos, procedeu-se a julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré a pagar à autora a indemnização de € 8 000,00, acrescida de juros desde a citação. Inconformadas, apelaram as partes, interpondo a A. recurso principal e a R. recurso subordinado, impugnando, desde logo, a decisão proferida acerca da matéria de facto. Tal impugnação procedeu, apenas em parte, o que ditou a estabilização do seguinte quadro factual: Factos provados: A) No dia 24 de Abril de 2011 pelas 18:15 horas a Autora encontrava-se a circular a pé na EN 10 junto à estação do metro do …, na Cova da Piedade, acompanhada de sua mãe. B) A dado momento decidiram ambas atravessar a estrada para o outro lado num local marcado com uma passadeira para peões. C) No momento em que a Autora e a sua mãe iam iniciar a travessia para o outro lado da via, certificaram-se se estava algum veículo a circular e avistaram um motociclo. D) O qual parou na passadeira de peões para lhes ceder passagem. E) Quando a Autora e a sua mãe já atravessavam a passadeira, surgiu o veículo automóvel com a matrícula …-…-RO da marca Fiat 188. F) O qual embateu no motociclo que se encontrava parado na passadeira a ceder a passagem à Autora. G) Ao ser embatido pelo veículo automóvel acima identificado, o motociclo foi projetado para a frente e foi embater na Autora e na sua mãe. H) A responsabilidade civil do veículo automóvel encontrava-se, à data do acidente, transferida para a Ré pela apólice n° …. 1) Ao ser embatida pelo motociclo, a Autora rebolou pelo pavimento, tendo sofrido como consequência do embate uma fratura do prato externo da tíbia esquerda. J) A Autora foi logo em seguida assistida no Hospital Garcia de Orta. K) Tendo sido operada no dia 29 de Abril de 2011 e sido efetuada osteossíntese com placa em L. L) Devido aos ferimentos sofridos como consequência do acidente, a Autora esteve oito meses sem trabalhar. M) Durante os oito meses em que esteve impedida de trabalhar, a Ré efectuou o pagamento do seu vencimento bem como de todas as despesas de deslocação e tratamentos. N) A Autora tinha vinte e nove anos de idade. O) A Autora esteve impossibilitada de trabalhar durante oito meses. P) A Autora foi operada e ficou com uma placa e parafusos na perna esquerda, onde o motociclo embateu. Q) Teve, durante esse período, de realizar sessões de fisioterapia e de ser seguida a nível médico e hospitalar.
1) A Autora exercia à data do acidente, e exerce a sua atividade profissional no balcão e na reposição da charcutaria do "…" (art° 13° da p.i.). 2) Tendo-lhe sido impossível trabalhar durante esse tempo (art° 14° da p.i.). 3) A Autora trabalha em pé (art° 15° da p.i.). 4) A A. ,em virtude do acidente, sofreu fortes dores
Não provados: a) Que a Autora sinta, ainda hoje, muitas dificuldades para executar o seu trabalho. b) Que a Autora tenha ficado com sequelas do acidente e tenha continuado a sofrer fortes dores na perna e no joelho. c) Que a Autora esteja impedida de andar de joelhos ou de se ajoelhar. d) Que a Autora tenha dificuldades ou limitações na sua actividade profissional, principalmente quando tem que fazer a reposição de produtos, pois não consegue agachar-se. e) Que a Autora não consiga ficar de joelhos, o que torna dificil arrumar produtos nos locais mais baixos. f) Que a Autora tenha que pedir a ajuda de colegas devido a qualquer limitação consequência do acidente. g) Que a Autora sinta muita dificuldade em andar numa marcha mais acelerada e ainda mais dificuldade em correr. h) Que a Autora sinta muita dificuldade em dobrar a perna esquerda.
i) Eliminado pela Relação j) Que a Autora, apesar de ter melhorado, sinta ainda muitas limitações em fazer a sua vida diária, quer no trabalho quer em casa. k) Que a Autora não possa estar muito tempo em pé, porque a perna começa a doer-lhe e incha. 1) Que a Autora não se possa ajoelhar, por não conseguir firmar o joelho esquerdo no chão. m) Que a Autora também não consiga permanecer de cócoras, pois não pode exercer pressão no joelho esquerdo sem que sinta fortes dores. n) Que a Autora não possa andar em passo muito acelerado nem correr porque a perna não lhe permite efectuar movimentos mais rápidos e bruscos. o) Que antes de ser vitima do acidente, a Autora executava todos os movimentos supra descritos sem qualquer dificuldade. p) Que, dada a sua idade, a A. sente-se psicologicamente afectada com o acidente, pois ficou limitada nos seus movimentos do dia-a-dia, o que antes do acidente. nunca havia sentido, o que muito a irrita e entristece. q) Que a Autora tenha sempre sido uma pessoa muito autónoma e com muita energia. r) Que a Autora se irrite sempre que tem que pedir ajuda para realizar tarefas que antes do acidente realizava com toda a naturalidade e facilidade. s) Que a Autora tema que o seu sofrimento venha a aumentar com o passar dos anos, que tenha ficado com sequelas que tendem a piorar com o avançar da idade. t) Que actualmente existam momentos em que a Autora perde a força na perna esquerda e tenha que se apoiar em algo sob pena de cair. u) Que a Autora, após o acidente, se tenha tornado uma pessoa menos alegre, mais preocupada com o futuro, inclusive com o seu futuro laborai por não poder executar todas as tarefas, com mais mau humor e trato dificil. v) Que a Autora se veja condicionada nos seus movimentos e tenha que pedir que a auxiliem para executar certas tarefas, o que muito a entristece.
Passando a apreciar a questão do cômputo da indemnização por danos não patrimoniais, considerou a Relação: A sentença recorrida fixou em 8 000,00 euros o montante de indemnização devida à autora por danos não patrimoniais, montante com o qual as partes não se conformam, pedindo a autora que a indemnização seja fixada em 50 000,00 euros e a ré, no seu recurso subordinado, em 4 000,00 euros. As lesões sofridas pela autora e o sofrimento que daí resultou merecem incontestavelmente a tutela do direito nos termos do artigo 496° do CC, devendo atender-se à culpa exclusiva do condutor, ao tipo de lesão sofrida, operação a que a autora foi sujeita, período de oito meses de incapacidade para o trabalho, fortes dores que sofreu, necessidade de acompanhamento médico e realização de sessões de fisioterapia, tudo circunstâncias que levam a considerar ser adequada a indemnização de 25 000,00 euros. Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente o recurso da autora e improcedente o recurso subordinado da ré e, consequentemente, condena-se a ré a pagar à autora a quantia de 25 000,00 euros (vinte cinco mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais.
2. Inconformada, interpôs a R. a presente revista, que encerra com as conclusões de fls. 153 e segs., em que, realçando nomeadamente os factos não provados, sustenta que o valor indemnizatório adequado à gravidade das lesões efectivamente demonstradas seria no montante de €4.000,00 A A. contra alegou, pugnando pela confirmação do acórdão recorrido.
3. Como decorre da alegação apresentada pelas recorrente, a sua dissidência incide sobre o montante indemnizatório arbitrado pela Relação no acórdão recorrido, como compensação dos danos não patrimoniais sofridos pelo lesado, pugnando pela redução de tal montante para €4.000,00, invocando, em abono da sua tese, a circunstância de relevantes factos, articulados pela lesada, terem resultado não provados. Como é evidente, a avaliação e quantificação do dano não patrimonial terá de assentar apenas na factualidade provada - o que implica, nomeadamente, que, no caso dos autos, perante os factos não provados, não possa considerar-se demonstrado o dano biológico, decorrente de invocadas sequelas incapacitantes que – não conduzindo imediatamente a uma diminuição dos rendimentos auferidos – implicassem uma perda de futuras chances profissionais e envolvessem maiores dificuldades e esforços na realização da actividade profissional corrente da lesada. O que está em causa é, deste modo, apenas a valoração do dano não patrimonial, consubstanciado nos sofrimentos decorrentes da fractura sofrida e da operação a que a lesada foi submetida, com a necessidade continuada de tratamentos médicos e hospitalares, na incapacidade laboral ao longo de vários meses e nas dores fortes sofridas durante esse período, - assente, como é sabido, decisivamente em juízos de equidade. Ora – como temos entendido reiteradamente (cfr. por ex. o Ac. de 20/5/10, proferido no P. 103/2002.L1.S1) – não poderá deixar de ter-se em consideração que tal «juízo de equidade» das instâncias, alicerçado, não na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito», pelo que tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados, e, em última análise, o princípio da igualdade. Deste modo, mais do que discutir e reconstruir a substância do casuístico juízo de equidade que esteve na base da fixação pela Relação do valor indemnizatório arbitrado, em articulação incindível com a especificidade irrepetível do caso concreto, plasmada nas particularidades singulares da matéria de facto fixada, importa essencialmente verificar, num recurso de revista, se os critérios seguidos e que estão na base de tais valores indemnizatórios são passíveis de ser generalizados para todos os casos análogos – muito em particular, se os valores arbitrados se harmonizam com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência actualista, devem sendo seguidos em situações análogas ou equiparáveis – em situação em que estamos confrontados com gravosas incapacidades que afectam, de forma sensível e irremediável, o padrão e a qualidade de vida de lesados. Os traços fundamentais que permitem identificar o caso dos autos traduzem-se no seguinte quadro fundamental: - existência, em lesado jovem, de 29 anos de idade, de traumatismo com fractura do prato externo da tíbia esquerda , implicando operação cirúrgica, com osteossíntese, ficando a lesada com uma placa e parafusos na perna esquerda e envolvendo internamento e tratamentos médicos continuados; - incapacidade laboral durante 8 meses; - sofrimento de fortes dores em consequência de tais lesões. Ora, ponderadas adequadamente tais circunstâncias do caso e os critérios jurisprudenciais que – numa jurisprudência actualista – devem ser seguidos na concretização do juízo de equidade, não se vê que o critério seguido pela Relação se afaste, de modo significativo, dos padrões que vêm sendo seguidos em casos equiparáveis, ponderadas a gravidade da lesão sofrida por lesada jovem, envolvendo nomeadamente a permanência de materiais de osteossíntese no membro inferior e as fortes dores sofridas, conforme a matéria factual fixada pela Relação: pelo contrário, neste quadro factual, o que seria totalmente desproporcionado e incompatível com tais critérios jurisprudenciais actualmente prevalecentes seria o arbitramento de uma quantia do tipo da proposta pela seguradora /recorrente, arbitrando ao lesado a irrisório montante de €4.000,00. Deste modo, perante a manifesta insuficiência do valor indemnizatório proposto pela seguradora e seguindo a via metodológica atrás enunciada, considera-se – ponderada também a culpa exclusiva do segurado no acidente - que não merece censura, perante a especificidade do caso concreto, o estabelecimento de indemnização pelos danos não patrimoniais no valor de €25.000, que assim se confirma inteiramente.
3. Nestes termos e pelos fundamentos apontados nega-se a revista, confirmando inteiramente o decidido no acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 22 de fevereiro de 2017
Lopes do Rego (Relator) Távora Victor Silva Gonçalves |