Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06S2958
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SOUSA PEIXOTO
Descritores: PERÍODO EXPERIMENTAL
REDUÇÃO
Nº do Documento: SJ200612140029584
Data do Acordão: 12/14/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : 1. Com a entrada em vigor da LCCT foram revogadas as disposições das convenções colectivas que àquela data se encontravam em vigor que estabelecessem um período experimental diferente do estabelecido no n.º 2 do art.º 55.º da referida LCCT (60 dias).

2. A LCCT admitia que aquele período experimental fosse reduzido por convenção colectiva de trabalho, mas estabelecia que tal só podia ser levado a cabo em convenções celebradas após a sua entrada em vigor. *

* Sumário elaborado pelo Relator.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


1. "AA" propôs no Tribunal do Trabalho de Sintra a presente acção contra a Empresa-A, pedindo que a ré fosse condenada a reconhecer a ilicitude do despedimento de que ele foi alvo, a reintegrá-lo ao serviço, a pagar-lhe 7.098.702$00 de indemnização por despedimento abusivo, 1.000.000$00 de indemnização por danos não patrimoniais e as retribuições vencidas e vincendas até ao trânsito em julgado da sentença.

Em resumo, o autor alegou o seguinte:
- foi admitido ao serviço da ré em Abril de 1997;
- terminado o período de formação em Agosto de 1997, a relação laboral foi suspensa durante seis meses, tendo sido retomada em Março de 1998;
- foi admitido como revisor pese embora, na maior pare do tempo, durante os primeiros meses do ano de 1997, a ré só lhe ministrasse formação inicial;
- em 8 de Setembro de 1998, o Inspector Chefe da Revisão do Depósito de Revisão de Lisboa-Rossio comunicou-lhe verbalmente que, a partir daquela data, estava despedido, despedimento esse que lhe foi confirmado pelo Responsável pela Área de Recursos Humanos;
- a ré entregou-lhe o modelo n.º 346 da INCM, para efeitos de obtenção do subsídio de desemprego, devidamente preenchido e assinado, nele especificando que o motivo da cessação do contrato era a sua rescisão no período experimental;
- é falso que o autor ainda estivesse no período experimental, uma vez que o aquele período, segundo o Acordo de Empresa aplicável (o AE publicado no B.T.E., 1.ª Série, n.º 3, de 22.11.81), era de 15 dias e segundo a lei geral não podia ser superior a 60 dias;
- a verdadeira motivação do despedimento reside no facto do autor ter reclamado contra as condições de trabalho, tratando-se, por isso, de um despedimento abusivo;
- a notícia do despedimento deixou-o chocado, desesperado e desorientado e sentiu-se vexado, humilhado e embaraçado perante os colegas, superiores, amigos, vizinhos e familiares.

A ré contestou, alegando, em resumo, o seguinte:
- em 21.4.97, celebrou com o autor um contrato de formação, para o exercício das funções de revisor, com início em 29.4.97 e termo em 8.8.97;
- em 16.3.98, celebrou com o autor um contrato de trabalho e só a partir dessa data é que ele passou a trabalhar subordinadamente para ela;
- na cláusula 3.ª desse contrato foi convencionado que o período experimental seria o previsto na al. b) do n.º 2 do art.º 55.º do regime jurídico anexo ao Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27/2, ou seja, um período experimental de 180 dias;
- as funções inerentes à categoria profissional de revisor são funções que implicam bastante complexidade técnica e elevado grau de responsabilidade;
- durante o período experimental, o autor demonstrou não possuir algumas da capacidades fundamentais ao desempenho das funções de revisor para que tinha sido contratado e, por essa razão, em 8.9.98, comunicou-lhe que rescindia o contrato de trabalho com efeitos a partir do dia seguinte, tendo, por isso, a rescisão ocorrido no decurso do período experimental.

Realizado o julgamento e dadas as respostas aos quesitos, foi proferida sentença julgando a acção totalmente improcedente, com o fundamento de que a cessação do contrato tinha ocorrido no decurso do período experimental que era de 180 dias, uma vez que as funções de revisor eram de elevado grau de responsabilidade e de confiança e o período experimental de 15 dias fixado no AE de 1981 havia sido revogado pelo Decreto-Lei n.º 403/91, de 16/10, que deu nova redacção ao art.º 55.º da LCCT (1).

O autor apelou da sentença, mas o Tribunal da Relação de Lisboa julgou improcedente o recurso.

Mantendo o seu inconformismo, o autor interpôs o presente recurso de revista, formulando as seguintes conclusões:

A) Com base no AE /CP/SINAFE/93, 1.ª Série n.° 17, de 8/5/93, inserido na redacção do contrato de trabalho, o único invocado pelo A., deve ser considerado que o período experimental era de 15 dias, tal como, aliás, havia decido e bem o Tribunal da Relação de Lisboa.
B) A categoria profissional do A. é a de Revisor, as tarefas que integram o conteúdo funcional da mesma são apenas as constantes do IRCT alegado em A), sendo que não poderia ser dada como provada factualidade não constante do invocado AE, muito menos aquela que, tal como sucede com a função de chefe de comboio, só foi consagrada em 1999.
C) O A. sempre colocou tal questão à Ré a qual, para não cumprir integralmente o acórdão do Tribunal da Relação que constitui título executivo quanto às remunerações, reintegrou o A. e promoveu o seu despedimento, no que veio a decair por acórdão do STJ proferido no processo n.° 2129/05, 4.ª Sec., transitado em julgado.
D) O facto do STJ já ter julgado procedente a impugnação de despedimento, de ter ordenado a reintegração do A., o pagamento de todas as remunerações vencidas, sem prejuízo da categoria, antiguidade e posto de trabalho, faz com que, tratando-se da mesma causa de pedir, do mesmo pedido e das mesmas partes, se considere que com base no caso julgado deve a Ré ser condenada em custas.

A ré contra-alegou defendendo a confirmação do julgado e, neste tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se no mesmo sentido, em parecer a que as partes não responderam.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

2. Os factos
Os factos que vêm dados como provados são os seguintes:
1) A ré é uma empresa pública concessionária da exploração de transportes ferroviários.
2) O autor foi admitido como revisor.
3) A ré não instaurou ao autor qualquer processo disciplinar
4) Nem comunicou o despedimento do autor à comissão de trabalhadores da empresa ou a qualquer um dos sindicatos do sector.
5) A ré emitiu e entregou ao autor o mod. 346 do INCM, datado de 10/9/1998, preenchido como consta do documento de fls. 14.
6) Com data de 7.4.98, a ré emitiu a declaração que constitui o documento de fls. 1.
7) O autor no seu mês de trabalho que foi pago pela ré em Julho de 1998 recebeu a importância de 273.027$00.
8) O autor trabalhou por conta da ré, sob a sua direcção, orientação e fiscalização como seu trabalhador subordinado.
9) Autor e ré celebraram em 21.4.97 um contrato de formação.
10) Nos termos desse contrato, a ré obrigou-se a facultar ao autor a frequência de um curso de formação para a profissão de revisor e o pagamento de uma bolsa de formação.
11) Durante o curso de formação e durante o período que mediou o termo deste e a celebração do contrato de trabalho, o autor não prestou qualquer tipo de trabalho à ré, ou seja não recebeu ordens desta nem se manteve na sua disponibilidade.
13) Autor e ré celebraram em 16.3.98 um contrato de trabalho.
14) O qual previa nos termos expressos na sua 3a cláusula um período experimental de acordo com o disposto na alínea b) do n.° 2 do art.º 55.º do Regime Jurídico Anexo ao Decreto-Lei n.° 64°-A/89 de 27 de Fevereiro.
15) Tem sido prática uniforme dos serviços da ré considerar para a categoria profissional de revisor um período experimental de 180 dias.
16) Os serviços de Estatística do Ministério do Emprego e Solidariedade Social para efeitos de elaboração dos mapas de quadro de pessoal, balanço social, etc. atribuem à categoria profissional de factor a qualificação de Profissionais Qualificados.
17) De modo a acompanhar os crescentes desafios de modernização e de prestação de um serviço de qualidade, a ré tem vindo a aumentar o investimento na formação dos seus trabalhadores.
18) As funções como as de revisor têm vindo, progressivamente, a revestir-se de maior complexidade sendo, por esse motivo, cada vez maior o grau de exigência relativo ao modo como os trabalhadores com estas funções desempenham as mesmas.
19) As funções profissionais de "revisor" são as descritas no "Regulamento de Carreiras", que constitui o documento de fls. 47.
20) É uma profissão de contacto directo com o público o que implica necessariamente uma forte motivação, conhecimentos sobre o modo de interagir e de relacionamento com os outros.
21) Implica, igualmente, conhecimento sobre inúmeras matérias, entre outras, a rede ferroviária nacional, estações, apeadeiros e ligações nacionais e internacionais, e escalas de serviço.
22) Regulamentação interna de carácter comercial, nomeadamente a que se refere aos diversos títulos de transporte, serviços prestados ao cliente, emissão e revisão de bilhetes.
23) Regulamentação interna de segurança, nomeadamente, entre outras, a que se refere aos horários, classificações de sinais procedimentos em caso de acidente, circulação de comboios, funções do chefe de linha e do chefe de comboios
24) Por outro lado, um revisor, quando procede à venda de bilhetes em trânsito, chega a ter na sua posse várias dezenas de contos, chegando mesmo a movimentar mensalmente quantias que ultrapassam a centena de contos.
25) Os serviços dos revisores variam muito consoante os horários e os dias da semana a que esses serviços correspondem, sendo naturalmente os serviços nocturnos e de fim-de-semana aqueles onde são detectados mais problemas.
26) E são atribuídos a cada revisor de acordo com a rotação da Escala de Serviço.
27) Só depois de um revisor percorrer todos os serviços previstos na escala é que a ré está em condições de se aperceber convenientemente da postura do trabalhador face às situações mais complicadas com que se pode deparar na execução dos serviços mais complexos.
28) Atento o número de serviços previstos numa escala e o número de revisores a ela afectos, são necessários mais de 90 dias para que um revisor cumpra, pelo menos uma vez, cada um daqueles serviços.
29) Um revisor é solicitado a solucionar problemas de diversa natureza, sendo que a avaliação das capacidades exigidas apenas pode se feita com segurança "no confronto real com situações concretas".
30) A ré, por meio de carta datada de 3.9.98, comunicou ao autor que o contrato de trabalho por tempo indeterminado celebrado em 16.3.98, era revogado a partir de 9.9.98, sendo esta a data do último dia de execução do contrato.
31) Carta esta que o autor se inteirou perfeitamente, tanto mais que no final da mesma escreveu "tomei conhecimento 8.9.98".
32) Tendo assinado esta declaração.
33) O facto de tanto o autor como os seus pais terem perdido as concessões de viagens na rede ferroviária nacional é um mero resultado da cessação deste contrato de trabalho, uma vez que as mesmas apenas são concedidas aos trabalhadores reformados pensionistas da ré e seus familiares (cônjuge, ascendentes e descendentes directos).
34) A remuneração mensal do autor era de 102.992$00, acrescida de 18.282$00 pagos a título de subsídio de escala.
35) A este valor poderiam acrescer outros, correspondentes a abonos variáveis.
36) Em substituição da indemnização por antiguidade, o autor optou pela reintegração.

3. O direito
Como decorre das conclusões formuladas pelo recorrente, são três as questões que integram o objecto do recurso:
- saber qual era o período experimental a que o autor estava sujeito;
- saber se há factos que foram indevidamente dados como provados;
- saber se a instância devia ter sido extinta por inutilidade superveniente da lide;
- saber se há caso julgado.

3.1 Do período experimental
Como é sabido, o período experimental corresponde ao período inicial de execução do contrato e, durante esse período, salvo acordo escrito em contrário, qualquer um dos contraentes pode rescindir o contrato de trabalho sem aviso prévio e sem necessidade de invocação de justa causa, sem que isso dê lugar a qualquer indemnização (art.º 55.º da LCCT (2), em vigor à data em que o contrato de trabalho em apreço foi celebrado, ou seja, em 16.3.98).

Na data em que o contrato de trabalho foi celebrado (16.3.98), a duração do período experimental constava do n.º 2 do referido art.º 55.º, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 403/91, de 16/10, e era a seguinte:
a) 60 dias para a generalidade dos trabalhadores, salvo se a empresa tivesse menos de 20 trabalhadores, pois nesse caso seria de 90 dias;
b) 180 dias para os trabalhadores que exercessem cargos de complexidade técnica, elevado grau de responsabilidade ou funções de confiança;
c) 240 dias para o pessoal de direcção e quadros superiores.

Na decisão recorrida entendeu-se (tal como já tinha sido entendido na sentença da 1.ª instância) que o cargo exercido pelo autor (revisor) era de elevado grau de responsabilidade e que as funções por ele desempenhadas eram funções de confiança e que, por isso, ele estava sujeito a um período experimental de 180 dias.

No recurso de revista, o autor não questiona que as funções por si exercidas fossem de confiança nem questiona que o cargo que ocupava fosse de elevado grau de responsabilidade. Limita-se a questionar a duração do período experimental que, segundo ele, seria de 15 dias, por força do disposto no AE celebrado entre a ré e o SINAFE, publicado no BTE, 1.ª série, n.º 17, de 8.5.93. Transitou, pois, em julgado a decisão recorrida na parte em que considerou que as funções exercidas pelo autor eram de elevado grau de responsabilidade e também de confiança. E, sendo assim, apenas teremos de averiguar se ao caso era aplicável o período experimental de 15 dias previsto no AE invocado pelo autor.

E adiantando, desde já a resposta, diremos que não, por várias razões.

Em primeiro lugar, porque se desconhece se o autor tinha filiação sindical ou não. A matéria de facto é totalmente omissa a esse respeito, sendo certo que o autor também nada alegou acerca disso. Ora, como é sabido, as convenções colectivas de trabalho, salvo se forem objecto de portaria de extensão (o que no caso não aconteceu), só obrigam as entidades patronais que as subscrevem e as inscritas nas associações patronais signatárias, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros quer das associações celebrantes, quer das associações sindicais representadas pelas associações sindicais celebrantes (art.º 7.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29/12). Deste modo, não podemos concluir que o AE referido pelo autor é aplicável à relação laboral estabelecida entre o autor e a ré através do contrato de trabalho que entre si celebram em 16.3.98.

Só assim não seria se, em sede do contrato individual de trabalho, as partes tivessem acordado submeter a regulamentação do mesmo ao mencionado AE. Porém e ao contrário do que diz o recorrente, isso não aconteceu, pois, como do contrato de trabalho junto a fls. 37 e 38 dos autos se constata, as partes restringiram a sua aplicação à duração das férias (cláusula 7.ª do contrato (3), ao valor da remuneração de base inicial e demais prestações retributivas e aos períodos normais de trabalho diário e semanal (cl.ª 9.ª (4). Não convencionaram que a relação laboral seria totalmente regulada pelo mencionado instrumento de regulamentação colectiva.

Em segundo lugar, porque ainda que se entendesse que o mencionado AE era aplicável à relação laboral sub judice, a verdade é que o AE/93 referido pelo autor nada prevê acerca do período experimental. Aliás, importa referir, que aquele AE não passa de uma revisão parcial do AE que, em 1981, foi celebrado entre a ré e a Federação dos Sindicatos Rodoviários e que se encontra publicado no BTE, 1.ª Série, n.º 3, de 20.1.81. E é verdade que no n.º 1 da sua cláusula 145.ª aquele AE de 1981 fixava o período experimental em 15 dias. Acontece, porém, que a referida cláusula já não estava em vigor na data em que o contrato de trabalho inter partes foi celebrado, pois tinha sido revogada pela revogada pela LCCT.

Com efeito, por força do disposto no n.º 2 do art.º 2.º da referida LCCT, todas as disposições dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho em vigor que contrariassem o disposto naquela lei foram revogadas (5). Ora, o disposto no n.º 1 da cláusula 145.º do AE/81, ao fixar o período experimental em 15 dias contrariava o disposto no n.º 2 do art.º 55.º da LCCT, na sua redacção original, que fixava em 60 dias a duração do período experimental (6).

É certo que a LCCT, apesar da sua natureza imperativa, admitia que o regime jurídico nela estabelecido pudesse ser afastado ou modificado por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou por contrato individual de trabalho, desde que houvesse disposição legal que tal permitisse. É o que resultava do disposto no n.º 1 do seu art.º 2.º, cujo teor era o seguinte: "Salvo disposição legal em contrário, não pode o presente regime ser afastado ou modificado por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou contrato individual de trabalho."

E no que toca ao período experimental, a LCCT continha realmente duas disposições que permitiam afastar a duração do período experimental fixada no n.º 2 do art.º 55.º. A primeira constava do n.º 3 do mencionado art.º 55.º e a segunda do n.º 1 do art.º 59.º.

Na primeira dizia-se que "[a] duração do período experimental pode, por instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho ou contrato individual de trabalho, ser reduzida, assim como pode ser alargada até seis meses relativamente a postos de trabalho em que, pela sua complexidade técnica ou grau de responsabilidade, a aptidão do trabalhador para as funções contratadas não possa apurar-se com segurança no prazo referido no número anterior."

E na segunda dizia-se que "[o]s valores e critérios de definição de indemnizações consagradas neste regime, os prazos do processo disciplinar, do período experimental e de aviso prévio, bem como os critérios de preferência na manutenção de emprego nos casos de despedimento colectivo, podem ser regulados por instrumento de regulamentação colectiva de natureza convencional".

Todavia, a LCCT também dizia, no n.º 2 do referido art.º 59.º, que "[s]empre que este regime admita a prevalência de disposições convencionais, esta apenas terá lugar relativamente a convenções colectivas de trabalho celebradas após a sua entrada em vigor".
Quer isto dizer, face ao disposto nos referidos n.º 2 do art.º 2.º e n.º 2 do art.º 59.º, que a redução do período experimental de 60 dias estabelecido no n.º 2 do art.º 55.º ( na sua redacção original) através das convenções colectivas de trabalho só podia ser feita em convenções celebradas após a entrada em vigor da LCCT e que ficaram revogadas todas as disposições contidas em convenções colectivas de trabalho celebradas antes da entrada em vigor da LCCT que estabelecessem um período experimental diferente daquele.

De qualquer modo, mesmo que se entendesse que a cláusula 145.º do AE/81 não tinha sido revogada pela LCCT, a sua revogação resultaria do disposto no n.º 1 do art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 403/91, de 16/10, como se passa a explicar.
Como já foi referido, aquele Decreto-Lei alterou o disposto no n.º 2 do art.º 55.º da LCCT, mantendo em 60 dias a duração do período experimental para a generalidade dos trabalhadores, mas alargando-o, no que toca a outras categorias de trabalhadores, para 180 e para 240 dias. E alterou também a redacção do n.º 3 do art.º 55.º, aí se estipulando que a duração do período experimental referida no n.º 2 podia ser reduzida (mas já não ampliada, como acontecia na versão original) por convenção colectiva de trabalho ou por contrato individual de trabalho (7) .

Contudo, no seu art.º 2.º, n.º 1, o Decreto-Lei n.º 403/91 estatui, de forma inequívoca, que a redução do período experimental prevista no n.º 3 do art.º 55.º da LCCT só podia ser estabelecida por convenção colectiva de trabalho ou contrato de trabalho celebrados após a sua entrada em vigor (8), na linha, aliás, do que já era prescrito no n.º 2 do art.º 59.º da LCCT.

Ora, se a redução do período experimental fixado no n.º 2 do art.º 55.º, na redacção que lhe foi dada pelo D. L. n.º 403/91, só podia ser reduzida por convenção colectiva celebrada após a entrada em vigor do referido D. L., tal significa que os períodos experimentais fixados em anteriores convenções colectivas deixaram de ser aplicáveis aos contratos de trabalho celebrados após a entrada em vigor daquele diploma legal.

Poder-se-ia dizer que os outorgantes da revisão de que o AE de 1981 foi alvo em 1993, ao não incluírem nessa revisão a cláusula 145.ª, o fizeram por pretenderem que a mesma se mantivesse. Contudo, mesmo que essa tivesse sido a vontade real dos outorgantes, essa vontade não podia ser levada em consideração, uma vez que não tem na letra do texto da revisão um mínimo de correspondência verbal (art.º 9.º, n.º 2, do C.C.).

De todo o modo, encontrando-se o n.º 1 da cláusula 145.º já revogado, aquando das referida revisão do AE, o facto de ela não ter sido incluída naquela revisão só pode significar que, relativamente ao período experimental, os outorgantes quiseram deixar as coisas como estavam, ou seja, manter a revogação da cláusula.

Concluindo, diremos que o autor estava sujeito ao período experimental de 180 dias, que foi, aliás, o período expressamente convencionado na cláusula 3.ª do contrato de trabalho celebrado com a ré, pois nela ficou consignado o seguinte:
"O contrato é celebrado por tempo indeterminado com início em 17/03/98 e sujeito a um período experimental de acordo com o disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 55.º do regime Jurídico Anexo ao Decreto-Lei n.º 64-A/89 de 27/Fev."

E sendo assim, é evidente que a cessação do contrato de trabalho operada unilateralmente pela ré em 9.9.98 ocorreu no decurso do referido período experimental, sendo, por isso, lícita, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 55.º da LCCT, por não existir acordo escrito em contrário.

3.2 Da matéria de facto
Nas suas alegações, sob a epígrafe de "CATEGORIA PROFISSIONAL", o autor alega que não podiam ser dadas como assentes tarefas que não faziam parte da sua categoria profissional e que nunca lhe foram atribuídas, nomeadamente a de chefia do comboio. Na sua opinião, só podia dar-se como provadas as tarefas que integram o conteúdo funcional da categoria de revisor.

Como refere a Ex.ma Procuradora Geral Ajunta no seu douto parecer, face aos termos em que a questão vem suscitada, a mesma só pode ser perspectivada como erro na fixação dos factos materiais da causa, área em que os poderes do Supremo são extremamente limitados, uma vez que, funcionando como tribunal de revista, só poderá actuar dentro dos condicionalismos previstos no n.º 2 do art.º 722.º do CPC, que no caso não ocorrem nem invocados foram pelo recorrente. Deste modo, o Supremo não pode sindicar a matéria de facto que foi dada como provada nas instâncias.

Aliás, não tendo o recorrente impugnado a decisão da Relação na parte em que considerou que as funções por ele exercidas eram de elevado grau de responsabilidade e também de confiança, não se percebe qual o alcance por ele pretendido com a referida alegação.

3.2 Da inutilidade superveniente da lide e do caso julgado
As questões referidas prendem-se com o facto de o autor ter sido reintegrado ao serviço da ré na pendência da presente acção e com o facto de na acção apensa com o n.º 2129/95 o Supremo ter condenado a ré a reintegrá-lo e a pagar-lhe as retribuições vencidas e vincendas.

Com base naqueles factos, o recorrente entende que a instância devia ter sido extinta por inutilidade superveniente da lide e a ré condenada nas custas.

Todavia, consultados os processos apensos, o que se constata é o seguinte:
Na presente acção, o autor veio impugnar a cessação do contrato de trabalho levada a cabo pela ré em 9.9.98. Em devido tempo, o autor requereu a suspensão dessa cessação que veio a ser deferia por acórdão da Relação de Lisboa proferido em 19.9.2000. Em 20.10.2000, a ré despediu o autor, com o fundamento de que o autor não se tinha apresentado ao serviço na sequência do referido acórdão de 19.9.2000. O autor propôs nova acção contra a ré impugnando aquele despedimento que veio ser declarado ilícito pelo acórdão do Supremo de 23.11.2005 (proc. 2129/95, 4.ª Secção). Dando cumprimento ao acórdão do Supremo, a ré procedeu à reintegração do autor.

Ora, como se constata do que acaba de ser referido, a reintegração levada a cabo pela ré diz respeito ao despedimento decretado em 20.10.2000 e com a decisão proferida na providência cautelar de suspensão do "despedimento" decretado em 9.9.98.

Ora, como bem salienta a Ex.ma Procuradora Geral Ajunta, aquela reintegração não determina a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, uma vez que a questão da licitude ou ilicitude do "despedimento" em apreço na presente acção só definitivamente ficará decidida nesta acção e prevalecerá naturalmente sobre a decisão proferida na providência cautelar. Por outras palavras, diremos nós, a reintegração do autor não significa que a ré tenha reconhecido a ilicitude da cessação do contrato operada em 9.9.98.

Por outro lado, é manifesto que o decidido na outra acção de impugnação do despedimento decretado em 20.10.2000 não constitui caso julgado relativamente ao "despedimento" em apreço na presente acção, uma vez que a causa de pedir e o pedido em ambas as acções são absolutamente distintos.

4. Decisão
Nos termos referidos, decide-se negar a revista e confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 14 de Dezembro de 2006
Sousa Peixoto
Sousa Grandão
Pinto Hespanhol.
-------------------------------------------------------
(1) - Regime jurídico aprovado pelo D. L. n.º 64-A/89, de 27/2.
(2) - Forma abreviada de designar o regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27/2.
(3) - A cláusula 7.ª do contrato tem o seguinte teor:
"A duração das férias encontra-se prevista na cláusula 123.ª do AE/CP-SINAFE/93, publicado no BTE, 1.ª Série, n.º 17, de 08/05/93 e subsequentes alterações."
(4) - A cláusula 9.ª do contrato tem o seguinte teor:
"O valor da remuneração de base inicial e demais prestações retributivas e os períodos normais de trabalho diário e semanal são determinados nos termos dos Capítulos VII e VIII do AE/CP-SINAFE/93, publicado no BTE, 1.ª Série, n.º 17, de 08/05/93 e subsequentes alterações."
(5) - O n.º 2 do art.º 2.º da LCCT tinha o seguinte teor:
"2. São revogadas as disposições dos actuais instrumentos de regulamentação colectiva do trabalho que contrariem o disposto no presente diploma."
(6)- O n.º 2 do art.º 55.º da LCCT na sua redacção original tinha o seguinte teor:
"O período experimental corresponde aos primeiros 60 dias de execução do contrato, sem prejuízo do disposto no número seguinte e no art.º 43.º."
(7)- O n.º 3 do art.º 55.º, na redacção que lhe foi dada pelo D.L. n.º 403/91, tinha o seguinte teor:
"A duração do período experimental referida no número anterior pode ser reduzida por convenção colectiva de trabalho ou contrato individual de trabalho."
(8) - O n.º 1 do art.º 2.º do D.L. n.º 403/91 tinha o seguinte teor:
"A redução do período experimental prevista no n.º 3 do art.º 55.º do regime jurídico referido no artigo anterior, na redacção que lhe é dada pelo presente diploma, só pode ser estabelecida por convenção colectiva de trabalho ou contrato individual de trabalho celebrados após a sua entrada em vigor."