Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1538/19.1PJPRT.P1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: NUNO GONÇALVES
Descritores: RECURSO PENAL
REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS
RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MEDIDA DA PENA
PENA ÚNICA
Data do Acordão: 11/03/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - A irrecorribilidade de acórdão da Relação que, em recurso, reverte - em certas circunstâncias -, mantem ou agrava a decisão da 1.ª instância, sem que a pena, singular ou única, concretamente aplicada ao arguido seja superior a 5 anos de prisão é extensiva a todas as questões relativas à atividade decisória que subjaz e que conduziu à condenação, incluindo as nulidades, os vícios lógicos da decisão, o princípio in dubio pro reo, os regimes penais substantivos aplicáveis, a escolha das penas e a determinação da respetiva medida.

II - O acórdão da Relação que, apreciou e decidiu aquelas questões, garantiu e esgotou o direito ao recurso consagrado na CRP e no direito convencional universal e europeu.

III - A avaliação do comportamento global assenta na ponderação conjugada do número e da gravidade dos crimes e das penas parcelares englobadas, da concreta medida destas, da sua relação de grandeza com a moldura penal do concurso e da interconexão que se deve estabelecer entre os crimes do concurso e as propensões da personalidade do agente revelada no cometimento e execução dos factos.

IV - O denominado «fator de compressão», deve funcionar como aferidor da justeza da medida da pena conjunta, devendo adotar frações diferenciados em função da fenomenologia dos crimes do concurso, podendo variar em função da personalidade do arguido revelada pelos factos. Um tal rigor na determinação da pena conjunta permitirá garantir a justiça relativa e a igualdade de tratamento dos condenados.

V - O princípio da proporcionalidade, deve ser especialmente ponderado quando se determina a pena conjunta.

Decisão Texto Integral:

O Supremo Tribunal de Justiça, 3ª secção, em conferência, acorda:

A - RELATÓRIO:

1. a condenação:

No Juízo Central Criminal ... - Juiz ..., acusado pelo Ministério Público, foi julgado o arguido: -------------------

- AA, de 20 anos e os demais sinais dos autos, --

e, por acórdão do Tribunal coletivo, de 2.03.2021, condenado pela prática, em coautoria material e em concurso efetivo, com atenuação especial da moldura penal respetiva por aplicação do regime penal dos jovens, de: -------

- 1 (um) crime de roubo qualificado, p. e p. pelo artº 210º, nºs 1 e 2, al. b), esta com referência ao artº 204º, nº 1, al. a), e nº 2, al. f), do Código Penal na pena de 11 (onze) meses de prisão;

- 7 (sete) crimes de roubo qualificado, p. e p. pelo artº 210º, nºs 1 e 2, al. b), esta com referência ao artº 204º, nº 2, al. f), do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão por cada um;

- 2 (dois) crimes de roubo qualificado, na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs 22º, 23º, 73º, 210º, nºs 1 e 2, al. b), esta com referência ao artº 204º, nº 2, al. f), do Código Penal, na pena de 7 (sete) meses de prisão por cada um;

- 7 (sete) crimes de roubo, p. e p. pelo artº 210º, nº 1, dois destes por desqualificação nos termos do n.º4 do art. 204º do C. Penal, do Código Penal, na pena de 7 (sete) meses de prisão, por cada um; e

- em cúmulo jurídico na pena única de 4 (quatro) anos de prisão.

Foi também condenado, solidariamente e individualmente, na perda das vantagens ilicitamente obtidas que, liquidadas, perfazem €10.221,00 (dez mil duzentos e vinte e um euros).

O Ministério Público na 1ª instância, inconformado com a aplicação aos arguidos do regime penal especial previsto no Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de setembro, recorreu para a 2ª instância.

O Tribunal da Relação ..., por acórdão de 7.07.2021, julgando parcialmente procedente o recurso do Ministério Público decidiu afastar a aplicação do regime penal especial para jovens, previsto no artigo 4º do Decreto-Lei nº 401/82 de 23 de Setembro, relativamente ao aqui recorrente AA e, em conformidade, revogar a atenuação especial da pena decretada na decisão da 1ª instância e, aplicando o regime penal geral, condenou o recorrente pela prática, em coautoria material e em concurso efetivo, de:

a) um crime de roubo simples - “desqualificado” -, p. e p. pelo art. 210º, nºs 1 e 2, al. b), por referência ao art. 204º, nº 2, al. f) e 4, “ex vi” do art. 210º, nº 2, al. b), “in fine”, todos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão (situação I, em que é ofendida BB);

b) um crime de roubo qualificado, p. e p. pelo art. 210º, nºs 1 e 2, al. b), por referência ao art. 204º, nº 2, al. f), ambos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão (situação I, em que é ofendida CC);

c) um crime de roubo qualificado, p. e p. pelo art. 210º, nºs 1 e 2, al. b), por referência ao art. 204º, nº 2, al. f), ambos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão (situação III, em que é ofendido DD);

d) um crime de roubo qualificado, p. e p. pelo art. 210º, nºs 1 e 2, al. b), por referência ao art. 204º, nº 2, al. f), ambos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão (situação III, em que é ofendida EE);

e) um crime de roubo qualificado, p. e p. pelo art. 210º, nºs 1 e 2, al. b), por referência ao art. 204º, nº 2, al. f), ambos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão (situação IV, em que é ofendida FF);

f) um crime de roubo – “desqualificado” -, p. e p. pelo art. 210º, nºs 1 e 2, al. b), por referência ao art. 204º, nº 2, al. f) e 4, “ex vi” do art. 210º, nº 2, al. b), “in fine”, todos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão (situação VII, em que é ofendido GG);

g) um crime tentado de roubo - “desqualificado” -, p. e p. pelo art.s 22º, 23º, 73º, 1, als a) e b) e 210º, nº 1 e 2, al. b), por referência ao art. 204º, nº 2, al. f) e nº 4, todos do Código Penal –, na pena de 7 (sete) meses de prisão (situação VII, em que é ofendida HH);

h) um crime de roubo qualificado, p. e p. pelo art. 210º, nºs 1 e 2, al. b), por referência ao art. 204º, nº 2, al. f), ambos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão (situação VIII, em que é ofendida II);

i) um crime de roubo - “desqualificado” -, p. e p. pelo art. 210º, nºs 1 e 2, al. b), por referência ao art.º 204º, nº 2, al. f) e 4, “ex vi” do art. 210º, nº 2, al. b), “in fine”, todos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão (situação VIII, em que é ofendido JJ);

j) um crime de roubo qualificado, p. e p. pelo art. 210º, nºs 1 e 2, al. b), por referência ao art. 204º, nº 2, al. f), ambos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 10 (dez) meses de prisão (situação X, em que é ofendida KK);

k) um crime de roubo qualificado, p. e p. pelo art. 210º, nºs 1 e 2, al. b), por referência ao art. 204º, nº 2, al. f), ambos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão (situação X, em que é ofendida LL);

l) um crime tentado de roubo qualificado, p. e p. pelo art.s 22º, 23º, 73º, 1, als a) e b) e 210º, nº 1 e 2, al. b), esta com referência ao art. 204º, nº 2, al. f), todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão (situação XI, em que é ofendido MM);

m) um crime de roubo qualificado, p. e p. pelo art. 210º, nºs 1 e 2, al. b), esta com referência ao art. 204º, nº 2, al. f), ambos do Código Penal –, na pena de 4 (quatro) anos de prisão (situação XI, em que é ofendida NN);

n) um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210º, nº 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão (situação XII, em que é ofendido OO);

o) um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210º, nº 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão (situação XII, em que é ofendido PP);

p) um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210º, nº 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão (situação XIII, em que é ofendido QQ);

q) um crime de roubo, p. e p. pelo artº 210º, nº 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão (situação XIII, em que é ofendido RR); e

- em cúmulo jurídico dessas penas, na pena única de 8 (oito) anos de prisão.


2. o recurso:

O arguido, irresignado com o agravamento da condeanação, recorre para o STJ, rematando a alegação com as seguintes conclusões (em síntese):

I - face à factualidade dada como provada e ao direito aplicável, a pena de 8 anos de prisão na qual foi condenado revela-se injusta, excessiva e desequilibradamente doseada.

II - discorda ainda que no Acórdão se tenha decidido pela não aplicação do regime especial para jovens previsto no DL n.º 401/82, de 23 de setembro.

III - O Acórdão recorrido não deu cumprimento aos critérios legais da determinação da medida da pena e da sua atenuação especial, não decidindo com ponderação, adequação, proporcionalidade e justiça, ao condenar o recorrente numa pena tão pesada.

IV - o argumento fundamental para aplicação da pena de 8 anos de prisão foi a satisfação de uma das finalidades das penas, a prevenção geral.

V - a pena aplicada espelha uma concepção negativa de prevenção especial, não é admissível no nosso sistema jurídico-penal.

VI - subjaz na decisão recorrida um efeito de defesa social através da segregação do recorrente, procurando-se atingir a sua neutralização social duradoura.

VII - a comunidade necessita de sentir que este tipo de criminalidade é fortemente punido, porém necessita também de sentir que a pena aplicada é justa, proporcional e adequada ao caso concreto. Tal não foi o caso.

VIII - o artigo 9º do Código Penal remete para legislação especial do regime penal dos indivíduos maiores de 16 e menores de 21 anos.

IX – consta do Decreto-Lei nº 401/82, de 22 de Setembro, e contém uma dupla vertente de opções: evitar, por um lado, a prisão, impondo a atenuação especial sempre que se verifiquem condições prognósticas que prevê (artigo 4º), e por outro, o estabelecimento de um quadro específico de medidas de correcção (artigos 5º e 6º).

X - O arguido mostrou-se colaborante desde o início do processo.

XI - tem consciência da ilicitude dos seus actos dos quais se envergonha, confessou, arrependeu-se e arrepende-se, tendo demonstrado vontade de não repetir e, como referido no Acórdão da 1ª instância: ―também a confissão do arguido AA, … em determinadas situações foi coadjuvante no alcance da verdade dos factos, e noutras revela a sua tomada de consciência da ilicitude dos seus atos assim como o seu arrependimento.

XII - Ficou demonstrado, através das suas declarações, das testemunhas abonatórias e do relatório social, que é capaz de reorientar a vida para o cumprimento dos valores que lhe foram transmitidos nomeadamente pela sua avó e, adoptar no futuro um comportamento normativo.

XIII - A pena de prisão de 8 anos terá um efeito nocivo ao nível das necessidades de prevenção e de reintegração do agente na sociedade.

XV - A aplicação do regime penal dos jovens é um poder-dever vinculado que o juiz deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos.

XVII - O regime penal de jovens, não pode ser considerado especial, materialmente, constitui o regime regra aplicável a todos os arguidos que estejam nas categorias etárias que prevê, verificados os pressupostos que condicionam a aplicação; constitui um regime específico e não um regime especial.

XVIII - O artigo 4º do Decreto-Lei nº 401/82, determina que a pena deve ser especialmente atenuada sempre que o juiz tiver «sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado».

XIX - A atenuação especial da pena quando aplicável pena de prisão (superior a dois anos – artigo 5º do Decreto-Lei nº 401/82), depende do juízo que possa ser formulado sobre as condições do jovem arguido, que deve ser positivo quando as diversas variáveis a considerar (idade, situação familiar, educacional, vivências, formação pessoal, traços da personalidade em formação) permitam uma prognose favorável (ou não impeçam uma prognose favorável) sobre o futuro desempenho da personalidade, mesmo, ou sobretudo, com o  acompanhamento das instituições de reinserção.

XX - a escolha da pena e da sua medida tem que ter em consideração os artigos 70º, 71º, 72º e 73º do Código Penal e, nos termos do referido artigo 70º ―Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

XXI - As reacções penais relativamente a jovens que praticam factos criminais devem, tanto quanto possível, aproximar-se das medidas de reeducação, e as exigências de prevenção, evitando penas privativas de liberdade.

XXII - conforme refere o preambulo do regime especial para jovens a pena de prisão dever ser a ultima ratio.

XIII - Não são considerações de culpa que devem ser tomadas em conta, mas juízos sobre o desempenho da personalidade do agente perante as condições da sua vida, o seu comportamento e as circunstâncias do facto, que permitam supor que as expectativas de confiança na prevenção da reincidência são fundadas.

XXIV – Deverá assim, ser aplicada ao recorrente a pena de 4 anos de prisão, por princípio, suspensa na execução.

XXV - pena não privativa da liberdade constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, de forte exigência no plano individual, adequada para, em certas circunstâncias, satisfazendo as exigências de prevenção geral, responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização.

XXVI - A suspensão da execução, acompanhada das medidas admitidas na lei, permite, manter as condições de sociabilidade evitando os riscos de fractura familiar, social, laboral e comportamental como factores de exclusão.

XXVII - Verificam-se os pressupostos do artigo 50° do Código Penal, uma vez que, a simples censura do facto e a ameaça da execução prefiguram-se suficientes para prevenir a prática de futuros crimes.

XXVII – na fixação da medida da pena é necessário, relacionar a culpa, a prevenção geral e a prevenção especial, tendo-se, em conta as agravantes se atenuantes. 

XXIX – nos termos do 70º do Código Penal, a opção pela pena de prisão só se justificará quando tal for imposto pelos fins das penas previstos no art.º 40º, n.º 1 do Código Penal: a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

XXXIV - No caso não foram ponderados todos os factores essenciais à determinação da medida da pena, não foi cumprido o disposto nos artigos 70.º e 71.º do Código de Penal e o disposto no Decreto - Lei n.º 401/82 de 23 de Setembro.

XXXV o Acórdão recorrido não avaliou em conjunto, os condicionalismos que depuseram a favor do arguido, ou seja, a determinação da medida da pena em função das exigências de prevenção especial.

XXXVII - sobrevalorizou a natureza dos crimes (cuja gravidade não se discute) e, acentuando a tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, não atentou, no arrependimento do arguido, no vertido no seu relatório social e na prova testemunhal abonatória.

XXXIX - Atenta a idade do arguido, bem como os factores apurados acerca das circunstâncias familiares, sociais e económicas do mesmo, a pena aplicada é excessiva porque desadequada a atingir o fim de ressocialização do arguido, o qual melhor se atingirá por via da aplicação de pena inferior.

XL - as exigências de prevenção geral são asseguradas com a atenuação especial da pena de prisão.

XLI - a culpa do arguido não poderá limitar a aplicação do regime especial de jovens.

XLIV - a sua idade jovem (18/19 anos aquando da prática dos crimes), a prática de um crime anterior de menor gravidade, sem que tivesse cumprido pena de prisão, o apoio da família e laços familiares coesos, considerando que se trata, pela primeira vez, de crimes desta gravidade, não existem elementos que permitam concluir que a reintegração não seja possível.

XLV - Pelo exposto, deve ser aplicado o Decreto-Lei 401/82 de 23 de Setembro, porque a aplicação de uma pena especialmente atenuada favorece a regeneração social do arguido.

XLVI - Ao não ter aplicado aquele regime e ao ter fixado a pena de prisão de 8 anos, o douto acórdão violou o disposto nos artigos 40º, 70º, 71º, 72º e 73º do Código Penal e ainda o Decreto-Lei n.º 401/82 de 23 de setembro (Regime Penal dos Jovens)

Peticiona a redução da pena para 4 anos de prisão, com execução suspensa, sujeita a regime de prova.

3. resposta do M.º P.º:

O Ministério Público na 1ª instância respondeu.  Defende a correção da decisão recorrida, pugnando pela improcedência do recurso.

4. parecer do M.º P.º:

O Digno Procurador-Geral Adjunto amparando-se em jurisprudência que cita, pronuncia-se, douta e concisamente, pela rejeição do recurso nos termos dos arts. 414º, n º 2 e 420º, n º 1, al. b) do CPP, aduzindo a fundamentação seguinte:

• quanto ao segmento atinente às penas parcelares, por inadmissível, [uma vez que se] está perante recurso de acórdão da Relação em que nenhuma das penas parcelares foi fixada em medida superior a cinco anos de prisão.

Daí que, o reexame da aplicabilidade do regime penal especial para jovens (questão de cuja resolução favorável, o recorrente pretende lograr que a medida da pena única seja fixada em 4 anos de prisão como na decisão da 1ª instância, suspendendo-se a sua execução), também não pode ter lugar.

quanto ao segmento atinente à pena única, por não ter sido validamente suscitada a questão da respetiva determinação.

Apenas da determinação da pena única é admissível recurso, que deverá aferir da correcção dos procedimentos seguidos pela Relação para a sua fixação. Contudo, compulsada a motivação e nuclearmente as conclusões, verifica-se que o recorrente não suscita o reexame da pena única, por forma processualmente válida, conquanto não alude sequer ao art.º 77º do CP ou á violação dos critérios de determinação da pena conjunta, limitando-se a repetir a pretensão de ver reexaminada a aplicabilidade in casu do regime penal especial para jovens- DL. n º 401/ 82, de 23 de Setembro.

5. contraditório:

Cumprido o disposto no art. 417º n.º 2 do CPP, o recorrente veio esclarecer que “apenas recorre [por] o Tribunal da Relação ... não ter aplicado o regime penal especial para jovens (…) não tendo recorrido das penas parcelares, mas sim de ter sido aplicada uma pena de prisão efetiva de 8 anos”.

No demais reafirma argumentação desenvolvida na alegação de recurso.


*


Colhidos os vistos, cumpre decidir.

B. OBJETO DO RECURSO:

Vêm suscitam-se as seguintes questões:

- aplicação do regime penal dos jovens

- medida da pena única;

- pena suspensa.

C. FUNDAMENTAÇÃO:

a) os factos:

As instâncias julgaram os seguintes factos provados: -------------

I (Inquérito nº 1538/19.1PJPRT)

1. No dia ... de novembro de 2019, entre a 1h50 e as 02h00, nas ..., da freguesia ..., as ofendidas CC (doravante CC) e BB (BB) foram intercetadas por cinco indivíduos do sexo masculino, entre os quais os arguidos AA (doravante AA) e SS (doravante SS), animados do propósito de conjunta e concertadamente se apoderarem de bens e valores que as mesmas fossem detentoras, em execução de acordo firmado entre todos.

2. Em concretização de tal acordo, enquanto os três indivíduos não identificados vigiavam e se mostravam atentos a intervir, caso fosse necessário, os arguidos AA e SS intercetaram as ofendidas CC e BB.

3. Então, o arguido AA, empunhando uma navalha apontada à ofendida CC disse-lhe «ou dás-me o telemóvel ou mato-te», e ato contínuo o arguido SS desferiu-lhe um soco na região abdominal, que lhe causou dor, após o que este vasculhou a sua carteira.

4. Assim, os arguidos AA e SS concretizaram a apropriação do telemóvel da ofendida CC, de marca “Huawei”, modelo “P9 lite”, de cor preto, no valor de €100 (cem euros), e de uma carteira em forma de maçã, contendo €10,00 (dez euros) em moedas do BCE.

5. Por sua vez, a ofendida BB também foi atingida com um soco na face direita, junto ao lábio, desferido pelo arguido SS, ao mesmo tempo que lhe exigia a entrega do telemóvel e dizendo «cala-te. Vou-te levar ali para trás para te foder», enquanto o arguido AA permanecia com a navalha empunhada, e reforçando a ordem de entrega de bens e valores que ela detivesse, após o que se apoderaram dos seus auriculares e de uma nota de €20,00 (vinte euros) do BCE.

6. Da agressão sofrida pela ofendida BB resultou pequena ferida com 0,5cm de comprimento, na vertente mucosa do lábio superior, à direita, que lhe determinou 5 dias para a cura, sem afetação da capacidade de trabalho geral e profissional.

7. Os arguidos SS e AA e os três indivíduos não identificados, ao atuarem de comum acordo e em conjugação de esforços, na sequência de acordo firmado entre todos, com recurso à referida navalha, e com utilização da força física sobre as ofendidas CC e BB, fizeram seus os referidos bens destas, bem sabendo que não lhes pertenciam, e que agiam contra a vontade das mesmas ofendidas, que se viram impossibilitadas de resistir.

8. Os arguidos SS e AA agiram deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo da ilicitude e punibilidade das suas condutas.

III (Inquérito 1600/19....)

17. No dia ... de dezembro de 2019, pelas 23h00, nas ..., no ..., os arguidos AA (doravante AA) e SS (doravante SS), firmaram acordo para conjunta e concertadamente assaltarem os ofendidos TT (doravante DD) e EE, identificados a folhas 3, para se apoderarem de bens e valores que estes tivessem na sua posse.

18. Em obediência a tal acordo, o arguido AA empunhou uma faca, e juntamente com o arguido SS, abordaram os ofendidos DD e EE, exigindo-lhes a entrega de dinheiro e telemóveis, tendo o arguido SS atingido o mesmo ofendido com um soco no nariz, originando sangramento.

19. Seguidamente, o arguido AA desferiu golpes na mão direita do ofendido DD com a ponta afiada da lâmina da faca que empunhava, após o que concretizaram os seus intentos.

20. Efetivamente, os arguidos AA e SS lograram apossar-se:

-Ofendido DD:

De um telemóvel da marca “Huawei”, modelo “Mate 10 Pro”, de cor azul, com cartão SIM número ...70, da Operadora...”, com cartão SIM da “NOS”, e capa de proteção, no valor de €400,00 (quatrocentos euros);

Uma carteira, contendo um cartão andante, um cartão pré-pago do “...”, e documentos.

-Ofendida EE:

Um “Iphone”, no valor de €400,00 (quatrocentos euros);

A quantia de €20,00 (vinte euros) do BCE.

21. Na posse de tais bens, os arguidos AA e SS abandonaram o local.

22. O ofendido UU teve de receber tratamento no Hospital ..., às lesões infligidas pelos arguidos AA e VV, e inclusivamente teve de ser suturado na mão atingida pelos golpes do bico da lâmina.

23. O ofendido UU veio a recuperar a carteira com os seus documentos pessoais.

24. Os arguidos AA e SS, atuaram de comum acordo e em conjugação de esforços, na sequência de acordo firmado entre ambos, com recurso à referida faca, e com utilização da força física sobre os ofendidos UU e EE, e desta forma fizeram seus os respetivos bens destes, acima descritos, bem sabendo que não lhes pertenciam, e que agiam contra a vontade dos mesmos ofendidos, que se viram impossibilitados de resistir.

25. Os arguidos AA e SS agiram deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo da ilicitude e punibilidade das suas condutas.

IV (Inquérito nº 1787/19....)

26. No dia ... de dezembro de 2019, pelas 15h45, na Praça ..., no ..., o arguido AA (doravante AA) e indivíduo não identificado, firmaram acordo, para, conjunta e concertadamente, se apossarem de bens que a ofendida FF, identificada a folhas 5, tivesse na sua posse.

27. Em execução de tal acordo, a ofendida FF foi abordada pelo arguido AA, empunhando um punhal, com 11,5 centímetros de lâmina, e o referido indivíduo não identificado agarrou-a, após o que se apoderaram da mochila que ela transportava às costas, em tecido de cor preto, bem como o respetivo conteúdo, a seguir descrito:

Um “Ipad Pro”, da marca “Apple”, de cor cinzento (€1.800,00);

Um telemóvel, da marca “Apple”, modelo “Iphone 6”, de cor dourado (€700,00);

Um telemóvel, da marca “Apple”, modelo “Iphone X”, de cor branco (€1.000,00);

Um auricular, da marca “Air Pods” (€150,00);

A quantia de €3.030,00 (três mil e trinta euros), em notas do BCE;

Dois cartões bancários do Banco ... e de um Banco ...;

Chaves da residência

Imediatamente após a prática dos factos descritos, o agente da PSP ..., conhecedor da área, com base na descrição dos assaltantes, logo intuiu quem poderia ter sido, e patrulhou as imediações, vindo a localizar o arguido AA, que ato contínuo encetou fuga, durante a qual foi alcançado.

29. Então, o referido agente logrou retirar ao arguido AA o falado punhal, e agarrá-lo pelo casaco, da marca ..., que ficou na sua posse, mas sem conseguir evitar a fuga do mesmo arguido.

30. Num dos bolsos do casaco encontrava-se o telemóvel “Iphone X”, pertença da ofendida FF, que lhe foi entregue.

31. O arguido AA e o referido indivíduo atuaram de comum acordo e em conjugação de esforços, na sequência de acordo firmado entre ambos, com recurso ao referido punhal, e com utilização da força física sobre a ofendida FF, e desta forma fizeram seus a mochila e bens nela transportados, acima descritos, bem sabendo que não lhes pertenciam, e que agiam contra a vontade da mesma ofendida, que se viu impossibilitada de resistir.

32. O arguido AA agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo da ilicitude e punibilidade da sua conduta.

VII (Inquérito nº 1818/19....)

47. No dia ... de dezembro de 2019, pelas 15h00, na Rua ..., em ..., os arguidos AA (doravante AA) e INDIVIDUO NÃO IDENTIFICADO firmaram acordo, para, conjunta e concertadamente, assaltarem os ofendidos GG e HH, identificados a folhas 3, para se apoderarem de bens e valores que estes tivessem na sua posse.

48. Em obediência a tal acordo, os arguidos AA e INDIVIDUO NÃO IDENTIFICADO, empunhando aquele uma faca, abordaram os ofendidos GG e HH, exigindo-lhes dinheiro, em inglês.

49. Face à recusa do ofendido GG em acatar a ordem, o arguido AA colocou-se na sua retaguarda, agarrando-o com uma das mãos, e com a outra encostou a faca à cara do mesmo ofendido, enquanto INDIVIDUO NÃO IDENTIFICADO se colocou na sua frente, desferindo-lhe um soco na cara.

50. Temendo pela sua vida, o ofendido GG entregou aos arguidos AA e INDIVIDUO NÃO IDENTIFICADO o que tinha, desta forma concretizado a apropriação da quantia de €15,00 (quinze euros) do BCE, que retiraram da sua carteira.

51. A ofendida HH não tinha qualquer bem na sua posse suscetível de apropriação.

52. AA E INDIVIDUO NÃO IDENTIFICADO, ao atuarem de comum acordo e em conjugação de esforços, na sequência de acordo firmado entre ambos, com recurso à referida navalha, e com utilização da força física sobre o ofendido GG, fizeram seus os referidos bens deste, bem sabendo que não lhes pertenciam, e que agiam contra a vontade do mesmo ofendido, que se viu impossibilitado de resistir.

53. AA E INDIVIDUO NÃO IDENTIFICADO, ao atuarem de comum acordo e em conjugação de esforços, na sequência de acordo firmado entre ambos, com recurso à referida navalha, queriam fazer seus bens ou valores que a ofendida HH detivesse, bem sabendo que não lhes pertenciam, e que agiam contra a vontade da mesma ofendida, só não o conseguindo por circunstância totalmente alheia às suas vontades.

54. O arguido AA agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo da ilicitude e punibilidade da sua conduta.

VIII (Inquérito nº 1819/19....)

55. No dia ... de dezembro de 2019, pelas 17h00, no Jardim..., em ..., os arguidos AA (doravante AA) e SS (doravante SS) firmaram acordo, para, conjunta e concertadamente, assaltarem os ofendidos II (doravante II) e JJ (doravante JJ), identificados a folhas 3, para se apoderarem de bens e valores que estes tivessem na sua posse.

56. Em obediência a tal acordo, os arguidos AA e SS, empunhando aquele uma navalha, abordaram os ofendidos II e JJ, exigindo-lhes dinheiro, ao mesmo tempo que diziam «cale-se; vou-vos matar».

57. De seguida, os arguidos AA e SS exigiram a entrega de telemóveis, e ordenaram à ofendida II que abrisse a mochila, o que esta acatou, ocasião em que os mesmos arguidos retiraram as carteiras, onde se encontrava um cartão bancário, exigindo que lhes dessem o PIN do cartão, ao mesmo tempo que ordenavam ao ofendido JJ que lhes entregasse a máquina fotográfica que transportava ao pescoço.

58. Os arguidos AA e SS concretizaram a apropriação de um telemóvel, da marca “Alcatel”, modelo “SY”, de cor preto, e uma capa cor-de-rosa, pertencentes à ofendida II, de valor não concretamente apurado, mas superior a €102,00 (cento e dois euros), e de uma carteira de cor preta, com documentos, e a quantia de €35,00 (trinta e cinco euro) do BCE, pertencentes ao ofendido JJ.

59. Face às recusas dos ofendidos II e JJ em acatarem a ordem de lhes dizer o PIN do cartão bancário e entregar a máquina fotográfica, o arguido SS desferiu um soco na face direita do ofendido, que, em consequência, foi projetado para o solo, ocasião em que a ofendida gritou por socorro.

60. Então, os arguidos AA e SS encetaram fuga, na posse dos referidos bens dos ofendidos II e JJ.

61. Os arguidos SS e AA, ao atuarem de comum acordo e em conjugação de esforços, na sequência de acordo firmado entre ambos, com recurso à referida navalha, e com utilização da força física sobre os ofendidos II e JJ, fizeram seus os referidos bens destes, bem sabendo que não lhes pertenciam, e que agiam contra a vontade dos mesmos ofendidos, que se viram impossibilitados de resistir.

62. Os arguidos SS e AA agiram deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo da ilicitude e punibilidade das suas condutas.

X (Inquérito nº 6/20....)

69. No dia ... de janeiro de 2020, pelas 22h15, no ..., no ..., o arguido AA (doravante AA) e indivíduo não identificado, agindo conjunta e concertadamente, em concretização de acordo firmado entre ambos, abordaram as ofendidas WW e KK (doravante KK), identificadas a folhas 3, nacionais ..., para se apoderarem de bens e valores que estas tivessem consigo.

70. Em concretização de tal acordo, o arguido AA empunhou e apontou uma faca às ofendidas LL e KK, e ato contínuo desferiu socos na cara desta, enquanto o outro referido indivíduo também desferiu socos na cara daquela, após o que lhes arrancaram das mãos, pela força física, os respetivos telemóveis, após o que encetaram fuga.

71. Assim, a ofendida LL ficou desapossada do seu telemóvel “Iphone 10S”, e a ofendida KK do seu telemóvel, marca ”Samsung S8”, ambos de valor não concretamente apurado, mas superior a €102,00 (cento e dois euros).

72. As ofendidas LL e KK tiveram de receber tratamento hospitalar às lesões infligidas pelo arguido AA e pelo mencionado indivíduo não identificado.

73. O arguido AA e o referido indivíduo não identificado agiram conjunta e concertadamente, na sequência de acordo firmado, com recurso à referida faca, e com utilização da força física sobre as ofendidas LL e KK, e desta forma fizeram seus os respetivos referidos telemóveis, bem sabendo que não lhes pertenciam, e que agiam contra a vontade das mesmas ofendidas, que se viram impossibilitadas de resistir.

74. O arguido AA agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo da ilicitude e punibilidade da sua conduta.

XI (Inquérito 2/20....)

75. No dia ... de janeiro de 2020, pouco tempo antes das 17h40, os arguidos SS (doravante SS), AA (doravante AA) e XX (doravante XX) dirigiram-se para o entroncamento da Rua ... com a Rua ..., em ..., na sequência de acordo firmado entre si, para, conjunta e concertadamente, assaltarem turistas que ali passassem, com utilização de uma faca de cozinha, e se necessário fosse usando da força física sobre as vítimas, para se apossarem de bens e valores que estas tivessem na sua posse.

76. Em concretização de tal acordo, pelas 17h40, os arguidos SS, AA e XX intercetaram e rodearam os ofendidos NN e MM, nacionais ..., empunhando o AA uma faca de cozinha, cujas dimensões não foi possível apurar.

77. Não obstante a superioridade numérica dos assaltantes e a exibição da referida faca, o mencionado ofendido MM logrou soltar-se de quem o agarrava, e encetar fuga, o mesmo não acontecendo com a ofendida NN, que foi atingida várias vezes na cabeça e na cara com pancadas desferidas com as mãos, pelos arguidos SS, AA e XX, após o que lhe que retiraram uma bolsa em tecido de cor bege, marca “Parco Della”, no valor de €10,00 (dez euros), e uma bolsa de nylon, marca “All Team”, no valor de €10,00 (dez euros), com os respetivos bens nelas transportados, concretamente:

- Quanto à bolsa “Parco Della”:

Um cachecol azul marinho, no valor de €10,00 (dez euros).

Um par de óculos graduados, da marca “Calvin Klein”, com o respetivo estojo, no valor de €130,00 (cento e trinta euros).

Um stick extensível, para tirar “selfies”, no valor de €3,00 (três euros).

Um carregador de telemóvel.

Uma power-bank, da marca “Xiaomi”, modelo “MI”, no valor de €20,00 (vinte euros).

Um estojo de pintura, da marca “Age”, modelo “20’s”, no valor de €20,00 (vinte euros).

Um estojo, contendo um kit de limpeza de lentes de contacto, no valor de €5,00 (cinco euros).

Um espelho de beleza, no valor de €3,00 (três euros).

Um pincel de maquilhagem, da marca “Yves Saint Saint Laurent”, no valor de €40,00 (quarenta euros).

Dois ímanes de frigorífico, alusivos às cidades de ... e de ..., no valor de €4,00 (quatro euros).

Um guarda-chuva, no valor de €10,00 (dez euros).

Um cartão eletrónico do hotel.

Uma moeda ... (sul coreana), de valor facial 100.00.

Uma pasta em plástico, com papéis.

-Quanto à bolsa “All Team”:

Um cartão de estudante, com o número ....

Um cartão de débito, do ....

Um cartão de crédito “Visa Platinium”, do ...”.

Um cartão de crédito.

Um telemóvel da marca “Xiaomi”, modelo “Redmi Note 5”, com o IMEI número ...36, no valor de €250,00 (duzentos e cinquenta euros), com cartão de memória da marca “SanDisk, de 32 GB, no valor de 15,00 (quinze euros).

Uma carteira de usar ao pescoço, de cor preta, da marca “B’Alenciago”, no valor de €200,00 (duzentos euros).

A quantia de €130,00 (cento e trinta euros) do BCE.

O passaporte.

78. Na posse dos referidos bens, os arguidos SS, AA e XX encetaram fuga, tendo sido perseguidos por elementos da PSP, que apenas lograram intercetar e deter o YY, e bem assim apreender a bolsa “Parco Della”, que o mesmo levava consigo, e lançou para o solo, quando passou pela Calçada ..., e que veio a ser entregue à ofendida NN.

79. Posteriormente, por ação da tia do arguido SS, ZZ, identificada a folhas 2, esta logrou recuperar outros bens da ofendida NN, que lhe foram entregues, assim como foram achados por AAA, identificada a folhas 2, documentos da mesma ofendida, que também lhe foram entregues.

80. Assim, a ofendida NN apenas não recuperou a indicada quantia em dinheiro e o passaporte.

81. Os arguidos SS, AA e XX, ao atuarem de comum acordo e em conjugação de esforços, na sequência de acordo firmado entre si, com recurso à referida faca de cozinha, e com utilização da força física sobre a ofendida NN, fizeram seus os referidos bens desta, bem sabendo que não lhes pertenciam, e que agiam contra a vontade da mesma ofendida, que se viu impossibilitada de resistir.

82. Os arguidos SS, AA e XX, ao atuarem de comum acordo e em conjugação de esforços, na sequência de acordo firmado entre si, com recurso à referida faca de cozinha, e o uso da força física, queriam fazer seus os bens ou valores que o ofendido MM tivesse consigo, bem sabendo que não lhes pertenciam, e que agiam contra a vontade do mesmo ofendido, só não o conseguindo por circunstâncias totalmente alheias às suas vontades.

83. Os arguidos SS, AA e XX agiram deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo da ilicitude e punibilidade das suas condutas.

XII (Inquérito nº 83/20....)

84. No dia ... de janeiro de 2020, pelas 0h15, na Rua ..., no ..., os arguidos AA (doravante AA), SS (doravante SS), XX (doravante XX), e um outro indivíduo não identificado, firmaram acordo, para, conjunta e concertadamente, assaltarem os ofendidos OO (doravante OO) e PP (doravante PP), identificados a folhas 3, para se apoderarem de bens e valores que estes tivessem na sua posse.

83. Em obediência a tal acordo, os AA, SS e XX, e o referido indivíduo não identificado, rodearam os ofendidos OO e PP, que se encontravam no interior da viatura de marca ..., modelo ..., matrícula ..-..-OL, daquele ofendido, que estava no lugar do condutor, dizendo-lhes «Vamos-vos roubar tudo; passem para cá o guito ou vão ser espancados».

84. Então, o ofendido OO entregou-lhes a quantia de €5,00 (cinco euros) do BCE, após o que foi agredido com socos e pontapés na cabeça e tronco do lado esquerdo, por um dos assaltantes.

85. O ofendido PP saiu da viatura para pedir auxílio, tendo sido perseguido por um dos assaltantes, que o pontapeou na perna direita para o derrubar, sem êxito, até que conseguiu agarrar e arrancar a sua mochila, da marca “Avans”, de cores bordeaux e azul, no valor de €40,00 (quarenta euros), contendo um “MP3” da marca “Philips”, de cores azul e preto, no valor de €20,00 (vinte euros), e uns “headphones”, da marca “Sony”, no valor €50,00 (cinquenta euros)., que levou com ele, não se antes tentar atingir com ela o mesmo ofendido, sem o conseguir, por ter conseguido desviar-se.

86. Relativamente ao ofendido OO, que tinha permanecido na sua viatura, conseguiu demover os assaltantes de se apossarem da chave da sua viatura, com medo que se apossassem da mesma, entregando-lhes o seu telemóvel, da marca “Huawei”, modelo P20 pro”, com capa cinza, no valor de €500,00 (quinhentos euros).

87. Antes de encetarem fuga na posse dos referidos bens dos ofendidos OO e PP, um dos cinco assaltantes, como represália, desferiu um pontapé no guarda-lamas esquerdo da referida viatura, amolgando-o, desta forma causando um prejuízo no valor de €100,00 (cem euros), equivalente ao preço da reparação.

88. Os arguidos AA, SS, XX e o referido indivíduo não identificado, ao atuarem de comum acordo e em conjugação de esforços, na sequência de acordo firmado entre ambos, com recurso à utilização da força física sobre os ofendidos OO e PP, fizeram seus os referidos bens destes, bem sabendo que não lhes pertenciam, e que agiam contra a vontade dos mesmos ofendidos, que se viram impossibilitados de resistir.

89. Os arguidos AA, SS e XX agiram deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo da ilicitude e punibilidade das suas condutas.

XIII (Inquérito nº 188/20....)

90. No dia ... de fevereiro de 2020, entre as 03h50 e as 04h10, na Praça ..., no ..., os arguidos AA (doravante AA), SS (doravante SS) e indivíduo não identificado, firmaram acordo, para, conjunta e concertadamente, assaltarem os ofendidos QQ (doravante QQ) e RR (doravante RR), identificados a folhas 3, para se apoderarem de bens e valores que estes tivessem na sua posse.

91. Em obediência a tal acordo, os arguidos AA, SS e o referido indivíduo não identificado, abordaram os ofendidos QQ e RR, dizendo-lhes que detinham armas brancas, e exigindo que lhes entregassem os bens que tivessem.

92. O ofendido QQ foi atingido com dois socos, um na face esquerda e outro na direita, por um dos assaltantes, após que se apossaram dos bens que detinha, concretamente:

Um telemóvel, da marca “ASUS”, de cor preto, no valor de €200,00 (duzentos euros).

Uma carteira, da marca “Salsa”.

93. O ofendido RR, temendo pela sua integridade física, acatou a ordem, entregando-lhes:

Um telemóvel, da marca “Huawei”, modelo “P10 lite”, de cor preto, com o IMEI número ...14, no valor de €250,00 (duzentos e cinquenta euros);

Uma carteira, em napa de cor azul, contendo o cartão de cidadão, o cartão “Multibanco” da “...”, e a quantia de €40,00 (quarenta euros) do BCE.

94. Na posse dos acima referidos bens dos ofendidos QQ e RR, os arguidos AA e SS e o mencionado indivíduo não identificado, encetaram fuga.

95. Os arguidos AA e SS e o indivíduo não identificado, ao atuarem de comum acordo e em conjugação de esforços, na sequência de acordo firmado entre si, com recurso à ameaça contra a integridade e a vida dos ofendidos BBB e RR, fizeram seus os referidos bens destes, bem sabendo que não lhes pertenciam, e que agiam contra a vontade dos mesmos ofendidos, que se viram impossibilitados de resistir.

96. Os arguidos AA e SS agiram deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo da ilicitude e punibilidade das suas condutas.

BUSCAS

97. No dia ... de março de 2019, pelas 07h00, foram realizadas as buscas domiciliárias seguidamente descritas, que culminaram nas apreensões respetivamente descritas.

Assim:

98. A) - Busca à residência do arguido AA, situada na Rua ..., ..., no ...:

- Na cozinha:

Uma faca de cozinha, marca “ColourWorks”, com cabo em plástico de cor lilás, com 20 centímetros de comprimento total, 9,5 dos quais correspondentes à lâmina, em aço, com gume altamente cortante/perfurante, com protetor de lâmina, em mau estado de conservação, e sem valor comercial, que se encontrava na gaveta do móvel.

Uma faca de cozinha, marca “Kitchen Line”, com cabo em borracha de cores vermelho e branco, com 33 centímetros de comprimento total, 20 dos quais correspondentes à lâmina, em aço, com gume altamente cortante/perfurante, em mau estado de conservação, e sem valor comercial, que se encontrava na mesma gaveta.

Uma faca de cozinha, sem marca, com cabo em plástico de cor preto, com 32,5 centímetros de comprimento total, 20,5 dos quais correspondentes à lâmina de serrilha em aço, com gume altamente cortante/perfurante, com protetor de lâmina, em mau estado de conservação, e sem valor comercial, que se encontrava no interior do forno.

Uma faca de cozinha, sem marca, com cabo em plástico de cor preto, com 24 centímetros de comprimento total, 11,5 dos quais correspondentes à lâmina de serrilha em aço, com gume altamente cortante/perfurante, em mau estado de conservação, e sem valor comercial, que se encontrava no interior do mesmo forno.

- Na sala:

Uma chave de viatura, com pega em plástico preto, marca “Volkswagen”, em mau estado de conservação, e sem valor comercial.

Uma chave de viatura, com pega em plástico preto, marca “Ford”, em mau estado de conservação, e sem valor comercial.

Uma chave de viatura, com pega em plástico preto, sem marca, em mau estado de conservação, e sem valor comercial.

Uma chave de viatura, com pega em plástico preto, marca “Opel”, em mau estado de conservação, e sem valor comercial.

Uma chave de viatura, com pega em plástico preto, marca “Renault”, em mau estado de conservação, e sem valor comercial.

- Na despensa:

Uma carteira em pele de cor castanha, com a inscrição “Wild Things Only”, em mau estado de conservação, e sem valor comercial, contendo no seu interior dez cheques com a inscrição “Chéque Déjeneur 2019, no valor unitário de €5,00 (cinco euros), em nome de CCC”.

Um saco em nylon, de cor verde e salpicos de castanho, marca “Klorane”, em mau estado de conservação, e sem valor comercial.

-Na caixa comum de serviços existente junto da porta de entrada do imóvel:

Uma flauta, da marca “Goldie”, acondicionada num estojo de nylon de cor preto, usado, em razoável estado de conservação, e avaliado em 10,00 (dez euros).

Um martelo quebra-vidros, sem marca, com estrutura em plástico vermelho, com ponta em metal cinzento, usado, em mau estado de conservação, sem valor comercial.

De acordo com o certificado do registo criminal do arguido AA sofreu a seguinte condenação:

- no processo sumário n.º 334/19...., por sentença datada de 2019/06/06, com data trânsito julgado em 2019/07/08, como autor de 1 crimes(s) de furto simples p.p. pelo art.º 203º do C. Penal, ocorrido em 2019/05/11 na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 5,00, que perfaz o total de 500,00 euros.

Da situação social e familiar dos arguidos:

- AA-

- À data dos factos residia com a avó, na habitação desta, de cujo agregado faziam ainda parte a mãe e os dois irmãos mais novos do arguido. Permaneciam num aglomerado residencial vulgarmente designado por ilha, sendo as condições de subsistência da família suportadas pelos rendimentos auferidos pela avó materna do arguido, no valor de 600€ mensais, enquanto a mãe exercia atividade profissional como empregada de limpeza, auferindo cerca de 150€ mensais. A estes montantes acrescia o subsídio inerente ao Rendimento Social de Inserção no valor de 284€, mais o abono de crianças e jovens num total de 104€. As despesas fixas mensais eram constituídas pelo arrendamento da habitação no montante de 30€ mais os gastos inerentes.

- O processo educativo do arguido decorria num contexto de aparente défice de supervisão parental, sendo certo que não desenvolvia qualquer tipo de atividade laboral e/ou formativa/ocupacional estruturada, registando um estilo de vida autónomo e um quotidiano que passava essencialmente pelo convívio com grupo de pares, em locais circunscritos à cidade ..., O pai do arguido teve ao longo do seu processo de desenvolvimento um interesse reduzido na vida de AA, sem que este tenha consubstanciado um relacionamento próximo com a figura paterna, ou tão só, a existência de contactos regulares entre ambos.

- A globalidade deste contexto originou a intervenção dos Serviços de Ação Social, tendo o arguido sido acolhido no ... em 02 de Junho de 2016 onde permaneceu até 21 de Junho de 2018.

- AA encontrava-se acolhido no âmbito de um processo de Promoção e Protecção determinado pelo Tribunal de Menores e Família ... e durante o período em que permaneceu na instituição passava os fins de semana e férias em casa da progenitora, tendo igualmente apoio por parte da avó materna. Após o termo da medida referida, integrou o núcleo familiar da avó, persistindo, contudo, as lacunas socioeducativas, de supervisão do quotidiano, não tendo dado continuidade à componente académica.

- AA está habilitado com o 3º ciclo do ensino e qualificação de ..., tendo exercido atividade laboral durante algum tempo num ..., não tendo posteriormente desenvolvido outro tipo de atividade laboral e/ou formativa.

- O arguido manifestou algumas dificuldades na verbalização e explanação de um raciocínio claro, contudo, em abstrato e tendo em conta a natureza dos factos subjacentes ao presente processo, parece verbalizar juízo de censura e expressa consciência da ilicitude dos mesmos, identificando potenciais danos para as vítimas.

- o arguido AA encontra-se inscrito no I.E.F.P., IP desde 19.01.2021, na qualidade de desempregado à procura de novo emprego (fls.1543 dos autos).

1. o direito:

No contraditório o arguido, clarificando o âmbito do recurso, afirmou que não questiona as penas parcelares (“não tendo recorrido das penas parcelares”).

O Digno Procurador-Geral Adjunto suscita a questão prévia da irrecorribilidade do acórdão impugnado, nos arts. 432º n.º 1 al.ª b) e 400º n.º 1 al.ª e), ambos do CPP, no segmento em que revogou a decisão da 1ª instância na parte em que tinha aplicado ao recorrente o regime penal dos jovens, porque a pena aplicada a cada crime por que o arguido já vinha condenado, foi fixada em medida inferior a 5 anos de prisão.

Assiste-lhe razão.

Conforme resulta da confrontação dos acórdãos das instâncias e se expôs no Relatório, o arguido foi condenado em 1ª instância por 17 crimes de roubo, - 10 destes qualificados, 2 dos quais na forma tentada – cada um em pena de prisão e, em cúmulo jurídico dessas, na pena conjunta de 4 anos de prisão (a cumprir em regime carcerário).

O essencial do inconformismo do Ministério Publico relativamente ao acórdão da 1ª instância, radicava, precisamente, em ter decidido aplicar ao recorrente (e outro coarguido) o regime penal dos jovens, com a consequente atenuação especial da moldura penal. Na procedência da peticionada não aplicação de tal regime aos recorridos, reclamava a condenação do recorrente com penas parcelares individualizadas sem atenuação especial.

O acórdão da Relação, apreciando exaustivamente aquela questão, concedeu provimento ao referido recurso no que se reportava ao coarguido aqui recorrente e, consentaneamente, condenou-o nos termos acima enunciados. 

Deste modo, a 2ª instância, manteve e, assim, confirmou a qualificação jurídica dos factos, bem como a coautoria do recorrente e a sua condenação pelos mesmos crimes. Afastou a aplicação do regime penal dos jovens e, em consequência, quantificou a pena de cada crime cometido pelo recorrente, segundo as regras e critérios do regime penal substantivo comum. Por via disso, o recorrente viu agravada a medida da pena aplicada a cada crime cometido. Todavia, nenhuma delas foi fixada em quantum superior a 5 anos de prisão.

Decorre do estatuído da norma do art.º 432º n.º 1 al.ª b) conjugada com o disposto no art. 400º n.º 1 al. ª e), ambos do CPP, a irrecorribilidade de acórdão da Relação que, em recurso, reverte - em certas circunstâncias -, mantem ou agrava a decisão da 1ª instância, sem que a pena, singular ou única, concretamente aplicada ao arguido seja superior a 5 anos de prisão.

Irrecorribilidade que, como realça o Digno PGA, é extensiva a todas as questões relativas à atividade decisória que subjaz e que conduziu à condenação, incluindo as nulidades, os vícios lógicos da decisão, o princípio in dubio pro reo, os regimes penais substantivos aplicáveis, a escolha das penas e a determinação da respetiva medida. Em suma, todas as questões subjacentes à decisão, submetidas a sindicância, sejam elas de constitucionalidade, substantivas ou processuais, referentes à matéria de facto ou à aplicação do direito, contanto a pena aplicada ao arguido no acórdão da Relação não seja superior a 5 anos de prisão.

O acórdão da Relação que, apreciou e decidiu aquelas questões, garantiu e esgotou o direito ao recurso consagrado na Constituição da República e no direito convencional universal e europeu.

Ainda que o acórdão da Relação admita recurso em mais um grau em razão, quanto à dosimetria da pena única aplicada, contudo, não pode admitir-se, na parte em que visa o reexame da decisão de não aplicar o regime penal dos jovens, conforme estabelece o disposto nos arts. 432º n.º 1 al.ª b) e 400º n.º 1 al. ª e), ambos do CPP.

O recurso foi admitido, sem restrições, no Tribunal a quo. Estatui o art.º 414º n.º 3 do CPP que a admissão do recurso pelo tribunal recorrido não vincula o tribunal de recurso. Competindo-lhe rejeitar o recurso sempre que verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do art.º 414º n.º 2 do CPP.

Por ser este o vertente caso, de conformidade com o exposto tem de rejeitar-se o recurso do arguido no segmento em que se insurge contra a decisão recorrida de não lhe aplicar o regime penal dos jovens – art. 414º n.º 3 e 420º n.º 1 al.ª b) do CPP.

a) da pena única:

i. fatores a considerar:

O cúmulo jurídico de penas rege-se pelo disposto no art. 77º (Regras da punição do concurso), n.º 2, do Código Penal, que estabelece: 2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”.

O legislador instituiu, assim, um regime especial para a determinação da medida da pena conjunta do concurso de crimes, com a indicação do iter a seguir pelo juiz na respetiva quantificação. 

Um concurso de crimes, por opção de política criminal, é punido com uma pena única, obtida através da ponderação dos factos cometidos e da personalidade do agente. Doutrina e jurisprudência coincidem em que na fixação do quantum da pena conjunta a aplicar ao concurso de crimes essencial é o grau da gravidade dos factos e as tendências da personalidade que o agente neles revela.

Ainda assim, recorrentes, não raramente, exasperando na parametrização daqueles vetores pretendem que a punição do concurso de crimes ignore a condenação por cada crime e as penas parcelares aplicadas, acabando a pugnar por um sistema de pena unitária. Neste, a totalidade dos factos cometidos, formam uma só entidade, como se fosse um único crime para efeitos punitivos. Não existe, em regra, decisão judicial intermédia a fixar a consequência jurídica de cada crime do concurso. A pena unitária não está condicionada ou balizada por penas parcelares, inexistentes, em regra. 

Não é assim no sistema da pena conjunta adotado pelo nosso legislador. O que realmente o distingue daquele não é, propriamente, o resultado final, traduzido, em ambos numa só pena para sancionar o concurso de crimes. Traço distintivo marcante é que ali a pena é realmente única e determina-se numa só operação, através da consideração unitária do conjunto dos crimes do concurso como comportamento global unificado na mesma entidade punitiva. Enquanto que aqui os crimes do concurso são primeiramente tratados na sua singularidade punitiva, determinando-se-lhes uma pena própria. Seguidamente, a totalidade das penas ditas parcelares fundem-se numa pena conjunta, determinada pelo critério especial acima apontado. Aqui, a avaliação do comportamento global assenta na ponderação conjugada do número e da gravidade dos crimes e das penas parcelares englobadas, da concreta medida destas, da sua relação de grandeza com a moldura penal do concurso e da interconexão que se deve estabelecer entre os crimes do concurso e as propensões da personalidade do agente revelada no cometimento dos factos.

Segundo J. Figueiredo Dias, na escolha da medida da pena única “tudo deve passar-se (…) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido a atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)[1].

Como se sustenta no Acórdão 14-09-2016[2], deste Supremo Tribunal: na indicação dos factos relevantes para a determinação da pena conjunta não releva os que concretamente fundamentaram as penas parcelares, mas sim os que resultam de uma visão panóptica sobre aquele "pedaço" de vida do arguido, sinalizando as circunstâncias que consubstanciam os denominadores comuns da sua atividade criminosa o que, ao fim e ao cabo, não é mais do que traçar um quadro de interconexão entre os diversos ilícitos e esboçar a sua compreensão à face da respetiva personalidade, destarte se o mesmo tem propensão para o crime, ou se na realidade, estamos perante um conjunto de eventos criminosos episódicos, sem relação com a sua concreta personalidade.

É esta avaliação global resultante desta interconexão geral, que permite apurar legitimamente o ilícito e culpa global, e perante tais conclusões, aferir in concreto a necessidade de prevenção especial e geral, à luz da amplitude que a apreciação total da atividade criminosa do agente permite”.

Não podendo considerar-se circunstâncias que façam parte de cada um dos tipos de ilícito integrantes do concurso (proibição da dupla valoração –art. 71º n.º 2 do Código Penal), nem tampouco aquelas que já tenham sido determinantes na fixação de cada pena parcelar.

Alguma doutrina questiona a admissibilidade da valoração de fatores que tenham servido para fixar a pena singular aplicada a cada crime do concurso. A doutrina maioritária[3] e a jurisprudência[4] entendem que nada obsta a que a pena única se determina pela ponderação conjunta de fatores do critério geral (enunciados no art. 71º) e do critério especial (fornecido pelo art. 77º n.º 1).

Sustentando que “à visão atomística inerente à determinação da medida das penas singulares, sucede uma visão de conjunto, em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detetar a gravidade desse ilícito global, enquanto referida à personalidade unitária do agente.

Do que se trata agora é de ver os factos em relação uns com os outros, de modo a detetar a possível conexão e o tipo de conexão que intercede entre eles (“conexão autoris causa”), tendo em vista a totalidade da atuação do arguido como unidade de sentido, que há-de possibilitar uma avaliação do ilícito global e a “culpa pelos factos em relação”.

“Por conseguinte, a medida da pena do concurso de crimes tem de ser determinada em função desses fatores específicos, que traduzem a um outro nível a culpa do agente e as necessidades de prevenção que o caso suscita”[5].

ii. fator de compressão mitigado:

Constatando assinalável diversidade na determinação da pena conjunta, geradora de incerteza jurídica, desigualdade nas consequências jurídicas do concurso de crimes, e fonte de onde brota, a jusante, considerável litigância recursória, designadamente perante o STJ, desenhou-se neste Tribunal uma corrente jurisprudencial que faz intervir, dentro da moldura penal do concurso, operações aritméticas que devem guiar o juiz na fixação do quantum da pena conjunta. Resumidamente, na sua veste mais recente, sustenta que na determinação da medida da pena única, se deve adotar um critério consistente em adicionar à pena parcelar mais grave, que fixa o limiar inferior da moldura penal do concurso de crimes, uma fração das restantes penas, sendo a partir deste valor, consideradas as especificidades do caso concreto. Atendendo à regra ínsita no art. 77º nº 1 do Código Penal e para determinar a fração, toma em consideração principalmente o tipo de criminalidade e a dimensão das penas parcelares cumuladas e, complementarmente, a personalidade do arguido expressada nos factos ou que os factos revelam.

A. Lourenço Martins, estudando a jurisprudência deste Supremo Tribunal sobre a medida da pena, defende a adição de uma proporção das penas parcelares que oscila, conforme as circunstâncias de facto e a personalidade do agente e por via de regra, entre 1/3 (um terço) e 1/5 (um quinto). Acrescenta: se bem que a corrente, que se poderia designar-se do «factor percentual de compressão», possa relutar a um julgador cioso do poder discricionário (aqui, aliás, mais vinculado que discricionário), desde que o seu uso não se faça como ponto de partida, mas como aferidor ou mecanismo de controlo, não nos parece que deva, sem mais, ser rejeitada. Representa um esforço de racionalização num caminho eriçado de espinhos, desde que afastada uma qualquer «arbitrariedade matemática» ou uma menor exigência de reflexão sobre os dados. O direito, como ciência prática e não especulativa nunca atingirá a certeza das matemáticas ou das ciências da natureza, mas a jurisprudência deve abrir-se ao permanente aperfeiçoamento, que há-de ser encontrado na pena conjunta.

Sustenta-se no Ac. de 27/01/2016 deste Supremo Tribunal que “não repugna que a convocação dos critérios de determinação da pena conjunta tenha como coadjuvante, e não mais do que isso, a definição dum espaço dentro do qual as mesmas funcionam.

Na verdade, como se referiu, a certeza e segurança jurídica podem estar em causa quando existe uma grande margem de amplitude na pena a aplicar, conduzindo a uma indeterminação. Recorrendo ao princípio da proporcionalidade não se pode aplicar uma pena maior do que aquela que merece a gravidade da conduta nem a que é exigida para tutela do bem jurídico.

Para evitar aquela vacuidade admite-se o apelo a que, na formulação da pena conjunta e na ponderação da imagem global dos crimes imputados e da personalidade, se considere que, conforme uma personalidade mais, ou menos, gravemente desconforme com o Direito, o tribunal determine a pena única somando à pena concreta mais grave entre metade e um quinto de cada uma das penas concretas aplicadas aos outros crimes em concurso  (Confrontar Juiz Conselheiro Carmona da Mota em intervenção no STJ no dia 3 de Junho de 2009 no colóquio subordinado ao tema "Direito Penal e Processo Penal", igualmente Paulo Pinto de Albuquerque Comentários ao Código Penal anotação ao artigo 77).

A utilização de tal critério na individualização da pena conjunta está relacionada com uma destrinça fundamental que importa estabelecer ao nível das consequências jurídicas em função de cada fenomenologia criminal. Na operação de cálculo do fator de compressão importa considerar a necessidade de um tratamento diferente para a criminalidade em função da sua definição legal, designadamente de acordo com a sua consideração como bagatelar, como média ou como grave, de tal modo que, como referia Carmona da Mota, a “representação” das parcelares que deve acrescer à pena mais grave se possa saldar por uma fração cada vez mais alta, conforme a gravidade do tipo de criminalidade. Na verdade, não é raro ver um tratamento uniforme, destituído de qualquer opção valorativa do bem jurídico, - que pode assumir uma diferença substantiva abissal impondo a destrinça clara da resposta entre a ofensa de bens jurídicos mais ou menos fundamentais para preservação de valores vitais e pessoais indisponíveis e a ofensa de bens jurídicos de outra índole e entidade jurídico-criminal.

Este é o entendimento prevalente, que nos casos de elevada pluralidade de crimes em concurso pode ainda ser temperado através da intervenção do princípio da proporcionalidade, implícito no critério que vem de citar-se. Designadamente convocando a interpretação de que na formação da pena única, quanto maior é o somatório das penas parcelares, maior é o fator de compressão que incide sobre as penas que se vão somar à mais elevada, pois, se assim não fosse, muito facilmente se atingiria a pena máxima em casos em que a mesma não se justifica perante a gravidade dos factos, de modo a impedir que o agente do concurso de crimes resulte condenado numa pena conjunta inadequada à gravidade dos crimes e que muito dificultaria a sua reintegração na comunidade dos homens e das mulheres respeitadores/as dos bens jurídicos fundamentais.

Consequentemente, o denominado «fator de compressão», deve funcionar como aferidor do rigor e da justeza do cúmulo jurídico de penas, devendo adotar frações ou logaritmos diferenciados em função da fenomenologia dos crimes do concurso, mas que no âmbito do mesmo tipo de crime devem ser idênticos, podendo variar ligeiramente em função da personalidade do arguido revelada pelos factos e do modo de execução dos crimes. Somente um tal rigor na determinação da pena conjunta permitira garantir a justiça relativa e a igualdade de tratamento dos condenados. Sem um critério aferidor como o proposto, a pena conjunta aparecerá em cada caso como um produto da “arte” do Juiz, naturalmente moldada, - como qualquer artista do seu tempo- pelas próprias conceções jurídico-criminais (se não mesmo pelas suas idiossincrasias filosóficas e de politica criminal). Esse, como qualquer outro método e procedimento desligado de um sistema de avaliação dotado de alguma objetividade, haverá sempre de gerar um resultado mais ou menos discutível e, no nível acima, poderá ser sempre suscetível de uma qualquer intervenção corretiva, tanto para mais como para menos, conforme a demanda do sujeito processual recorrente.

Consequentemente, na determinação da pena conjunta a aplicar a um concurso de infrações, a ponderação dos factos no seu conjunto, mais apropriadamente, dos crimes e das penas parcelares (em maior ou menor grandeza fracional) deve adequar-se ao tipo de criminalidade com enfase agravante quando concorrem crimes graves contra as pessoas, ou, gradativamente, em casos de criminalidade violenta, de criminalidade especialmente violenta e de criminalidade altamente organizada - art. 1º al.ªs i) a m) do CPP.

E “paralelamente, à apreciação da personalidade do agente interessa, sobretudo, ver se nos encontramos perante uma certa tendência, que no limite se identificará com uma carreira criminosa, ou se aquilo que se evidencia é uma mera pluriocasionalidade”.

O “comportamento global”, com o sentido assinalado, que preside ao cúmulo jurídico e à aplicação da pena única, evidencia, por norma, uma personalidade mais ou menos intensamente desconforme ao modo de ser suposto pela ordem jurídico-criminal. À luz das regras da experiência, a violação, pelo agente, de vários bens jurídicos de igual importância, através da mesma ou de condutas imediatamente seguidas, exprime, geralmente, pluriocasionalidade criminosa. A reiteração espaçada de idênticas ou de diferentes condutas delituosas, à mesma luz, poderá evidenciar uma tendência, persistente vontade em delinquir, ou mesmo uma carreira criminosa.

Sem perder de vista que, como sustenta J. Figueiredo Dias que “até ao máximo consentido pela culpa, é a medida exigida pela tutela dos bens jurídicos … que vai determinar a medida da pena”. “O respeito por aquele limite é penhor bastante da constitucionalidade da solução preconizada face ao disposto nos arts. 1º, 13º -1 e 25º -1. da CRP”[6].

b) princípio da proporcionalidade da pena:

No mesmo sentido conflui também o princípio da proporcionalidade da pena judicial.

A proporcionalidade e a proibição do excesso são princípios com assento na Constituição da República – art. 18º n.º 2 – e, por isso, de aplicação direta na sua vertente subjetiva.

“O princípio da proporcionalidade (também chamado princípio da proibição do excesso) desdobra-se em três subprincípios: (a) princípio da adequação (também designado princípio da idoneidade), isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); (b) princípio da exigibilidade (também chamado princípio da necessidade ou da indispensabilidade), ou seja, as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias /ornarem-se exigíveis), porque os fins visados pela lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias; (c) princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se em «justa medida», impedindo a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas em relação aos fins obtidos”.

Princípios que têm essencialmente uma dimensão objetiva, impondo-se ao legislador, balizando a sua margem de discricionariedade na conformação de restrições aos direitos fundamentais e, consequentemente, projetando-se na determinação da individualização das consequências jurídicas para a violação dos tipos de ilícito.

O Código Penal, compilação nuclear das restrições mais compressivas do direito à liberdade pessoal, tem também e necessariamente, sobretudo a partir da reforma de 1995, como princípios retores a necessidade, a proporcionalidade e a adequação da pena aplicada à violação de bens jurídico-criminalmente tutelados.

Compete ao legislador escolher os bens jurídicos que entende serem dignos de tutela penal, também a pena abstratamente aplicável com que pode ser sancionada a sua violação e bem assim a moldura penal do concurso de crimes. Nesta dimensão, a proporcionalidade é, em princípio, uma questão de política criminal. Aos tribunais comuns corresponde, no quadro constitucional, a aplicação da lei penal aos factos concretos. Entendendo um tribunal que a pena cominada pelo legislador para um determinado tipo de crime ofende os princípios da necessidade, da proporcionalidade ou da adequação, pode (deve) julga-la inconstitucional, mas a decisão final e vinculativa sempre caberá ao Tribunal Constitucional.

É também ao legislador que compete escolher as finalidades das penas e os critérios da sua quantificação concreta. Critérios de construção da medida da pena que devem ser interpretados e aplicados em correspondência com o programa político-criminal assumido sobre as finalidades da punição.

No recurso em apreciação, não se discute a proporcionalidade ou adequação da moldura penal abstrata do concurso de crimes. Nem tampouco das penas parcelares. Questiona-se a proporcionalidade da pena única de prisão concretamente aplicada ao arguido.

Como se assinala no Acórdão de 14/09/2016, deste Supremo Tribunal, já citado, “o modelo do CP é de prevenção: a pena é determinada pela necessidade de protecção de bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto”.

A pena serve “finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena”.

O legislador estabeleceu os critérios -no artigo 71.º do Código Penal (e para a pena do concurso também nos arts. 77º e 78º)- “que têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento) ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente”.

Dentro da moldura penal do concurso, o limite mínimo inultrapassável da dosimetria da pena concreta é dado pela necessidade de tutela dos bens jurídicos violados ou, na expressão de J. Figueiredo Dias, “do quantum da pena imprescindível, também no caso concreto, à tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias”[7]. E o limite máximo pela medida da culpa - nulla poena sine culpa. A prevenção especial de socialização pode, sem interferir naqueles limites, fazer oscilar o quantum da pena no sentido de se aproximar de um dos limites.

A pena concreta que se comporte nestes limites é uma pena necessária, imposta em defesa do ordenamento jurídico-criminal. Pena única em medida inferior colocaria em causa a crença da comunidade na validade das normas violadas e, por essa via, os sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais[8].

Comportando-se nos estritos limites da culpa, que é a salvaguarda ética e da dignidade humana do agente, será uma pena proporcional.

É uma pena em medida ótima se satisfizer as exigências de prevenção geral positiva e ao mesmo tempo assegurar a reintegração social do agente habilitando-o a respeitar os bens jurídicos criminalmente tutelados (sem, todavia, lhe impor a interiorização de um determinado modelo ou ordem de valores).

As exigências de prevenção geral podem variar em função do tipo de crime e variam as necessidades de prevenção especial de socialização em razão das circunstâncias do concreto agente e da personalidade que revela no cometimento dos factos.

Sustenta-se no Acórdão de 30/11/2016, deste Supremo Tribunal,[9] que: a medida da pena unitária a atribuir em sede de cúmulo jurídico reveste-se de uma especificidade própria.

Por um lado, está-se perante uma nova moldura penal, mais ampla, abrangente, com maior latitude da atribuída a cada um dos crimes.

Por outro, tem lugar, porque se trata de uma nova pena, final, de síntese, correspondente a um novo ilícito e a uma nova culpa (agora culpa pelos factos em relação), uma específica fundamentação, que acresce à decorrente do artigo 71.º do Código Penal”.

A proporcionalidade e a proibição do excesso, que deve presidir à fixação da pena conjunta, deverá obter-se através da ponderação entre a gravidade do facto global (do concurso de crimes enquanto unidade de sentido jurídico), as caraterísticas da personalidade do agente nele revelado (no conjunto dos factos ou na atividade delituosa) e a intensidade ou gravidade da medida da pena conjunta no ordenamento punitivo.

“A pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção – dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes”.

Assim, “se a pena parcelar é uma entre muitas outras semelhantes, o peso relativo do crime que traduz é diminuto em relação ao ilícito global, e portanto, só uma fracção menor dessa pena parcelar deverá contar para a pena conjunta”.

“É aqui que deve continuar a aflorar uma abordagem diferente da pequena e média criminalidade, face à grande criminalidade, para efeitos de determinação da pena conjunta, e que se traduzirá, na prática, no acrescentamento à parcelar mais grave de uma fracção menor das outras”.

Se a aplicação de qualquer pena deve ser orientada pelo princípio da proporcionalidade (à gravidade do crime, ao grau e intensidade da culpa e às necessidades de reintegração do agente), essa orientação deve ser especialmente ponderada quando se determina o quantum da pena conjunta. Tanto porque a moldura penal resultante da soma das penas aplicadas a cada um dos crimes do concurso pode assumir amplitude enorme e/ou atingir molduras com limiar superior muito elevado, não raro, iguais ao máximo de pena consentida, quanto porque os crimes englobados no concurso podem incluir-se apenas na pequena criminalidade, “uma das manifestações típicas das sociedades modernas”, tratando-se de uma realidade distinta da criminalidade grave, quanto à sua explicação criminológica, ao grau de danosidade social e ao alarme coletivo que provoca. Por isso, não poderá deixar de ser diferente, numa e na outra, não só a espécie como também a medida concreta da reação formal. O legislador deixou claramente expressa a vontade de conferir tratamento distinto àquelas fenomenologias criminais.

Extrai-se do Acórdão de 30/11/2016, deste Supremo Tribunal que A proporcionalidade e a proibição do excesso, que deve presidir à fixação da pena conjunta, deverá obter-se através da ponderação entre a gravidade do facto global e as caraterísticas da personalidade do agente nele revelado e a intensidade da medida da pena conjunta.  (…).

Por outro lado,a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da adequação e proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido, de forma uniforme e reiterada, que «no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos fatores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de fatores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de atuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efetuada»” .

No Ac. nº 632/2008, do Tribunal Constitucional, pode ler-se: “Como se escreveu no Acórdão n.º 187/2001 (ainda em desenvolvimento do Acórdão n.º 634/93):

«O princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios:

-Princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos);

-Princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato);

- Princípio da justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos).»

A esta definição geral dos três subprincípios (em que se desdobra analiticamente o princípio da proporcionalidade) devem por agora ser acrescentadas, apenas, três precisões. A primeira diz respeito ao conteúdo exato a conferir ao terceiro teste enunciado, comummente designado pela jurisprudência e pela doutrina por proporcionalidade em sentido estrito ou critério da justa medida. O que aqui se mede, na verdade, é a relação concretamente existente entre a carga coativa decorrente da medida adotada e o peso específico do ganho de interesse público que com tal medida se visa alcançar. Ou, como se disse, ainda, no Acórdão n.º 187/2001, «[t]rata-se [...] de exigir que a intervenção, nos seus efeitos restritivos ou lesivos, se encontre numa relação 'calibrada' - de justa medida - com os fins prosseguidos, o que exige uma ponderação, graduação e correspondência dos efeitos e das medidas possíveis».

Sempre que tiver de convocar-se o princípio da «justa medida», impõe-se fundamentar o procedimento que conduziu à obtenção do juízo da desproporcionalidade da pena conjunta e da dimensão do correspondente excesso, enunciando o procedimento comparativo efetuado, demonstrar as razões convincentes e o suporte normativo que podem justificar a intervenção corretiva e respetiva amplitude – art. 205º n.º 1 da Constituição da República.

Intervenção corretiva necessariamente limitada pela inexistência, no Código Penal, de penas fixas, penas por degraus, ou penas com medida exata. Limitada também pela evidência de que, em muitas situações, as variáveis a ponderar se repetem ou apresentam grande similitude. Justificando-se somente perante uma análise da jurisprudência tirada em situações idênticas ou próximas daquela que estiver em julgamento no caso concreto, habilitante da formulação de um juízo onde a justa medida da pena se afirme com mais objetividade e nitidez e se possam medir e descartar diferenciações de tratamento com casos similares.

c) no caso:

i. pretensão do recorrente:

O arguido reclama a redução da pena única para “medida não superior a 7 (sete) anos de prisão”.

Para tanto argumenta com a confissão integral dos factos e o tratamento em curso da sua adição aos estupefacientes, factos certificados na decisão recorrida.

Sem tradução no texto do acórdão recorrido, afirma ter assumido postura colaborativa em fase processual anterior, com a interiorização do mal dos crimes e com apoio familiar.

Alega, ainda que sem motivar especificadamente, a desproporcionalidade da pena única aplicada.

ii. a decisão recorrida:

O Tribunal a quo, na determinação da pena única, ademais de mencionar a norma aplicável e a moldura penal do concurso, cingiu-se a ponderar “a circunstância de o arguido haver confessado os factos, haver mostrado arrependimento e estar em tratamento no CRI e considerando, por outro lado, o que acima já se referiu sobre a factualidade em apreço, designadamente as necessidades de prevenção geral e especial, a ilicitude da conduta do arguido e a sua personalidade, bem como a intensidade do dolo da sua atuação”.

i. insuficiência da fundamentação:

A insuficiência da fundamentação da decisão de direito, nesta parte, consubstanciada na ausência de explicitação da interconexão que pode e deve – tem de - estabelecer-se entre os factos do comportamento global, sem a figuração da relacionação dos factos e dos crimes com a personalidade do arguido, sem que as penas parcelares mais não sejam que referidas na determinação da moldura do concurso, sem que tenha sido exposto o procedimento que orientou a dosimetria da pena conjunta, aponta no sentido de que a pena única decretada, necessariamente dentro da moldura penal, por mais ajustada que possa ser, aparece como fruto da intuição dos juízes, de um ” feeling” do julgador, naturalmente estruturado pela sua sensibilidade e experiência profissional.

Na jurisprudência uniforme deste Supremo TribunalIII - Impõe-se um especial dever de fundamentação na elaboração da pena conjunta, que se, por um lado, não pode reconduzir-se à vacuidade de fórmulas genéricas, tabelares e conclusivas, desprovidas das razões de facto, por outro, dispensa a excessividade da exposição”. Imposição consagrada genericamente no art. 205.º, n.º 1, da Constituição da República e, especificamente, do disposto nos arts. 71.º, n.º 3, do CP, 97.º, n.º 5, e 375.º, n.º 1, do CPP.

Decorre daquele comando e regime que “a decisão que fixa a pena única deve funcionar como peça autónoma, que deve refletir a fundamentação, própria, de forma individualizada, sucinta, mas imprescindivelmente de forma suficiente (autosuficiente), sob pena de violação do art. 374.º, n.º 2, constituindo a nulidade do art. 379.º, n.º 1, al. a), ambos do CPP.

A mera enunciação dos tipos legais em que incorreu o condenado nada fornece sobre os elementos necessários à determinação da pena única e quem lê a decisão cumulatória fica sem saber o como e o porquê da dimensão punitiva aplicada, não ficando minimamente demonstrada a relação de proporcionalidade, da justa medida, entre a pena conjunta fixada e a avaliação conjunta dos factos e da personalidade do condenado”[10].

No Ac. de 20/11/2013 deste Supremo Tribunal (e secção) sustenta-se que “a concepção da pena conjunta obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação, de modo a evitar que a medida da pena do concurso surja como um acto intuitivo, da ultrapassada arte de julgar, puramente mecânico e, por isso, arbitrário.

Aliás, estabelece o n.º 3 do art. 71.º do CP que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.

A determinação da pena do cúmulo exige um exame crítico de ponderação conjunta sobre a interligação entre os factos e a personalidade do condenado, de molde a poder valorar-se o ilícito global perpetrado” [11]. .

Destarte, o acórdão recorrido, não fundamentando a “confeção” da pena única decretada, padece da nulidade prevista nos arts. 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, als. a) e c), e n.º 2, ambos do CPP. Que implicaria a anulação da decisão e devolução ao tribunal recorrido para que fosse suprida a nulidade detetada completando-o com a fundamentação da avaliação conjunta dos factos e da personalidade do condenado, explicitando a ponderação da interconexão do comportamento global e da personalidade que projetam, ou por outras palavras, se considerou que os crimes são a expressão de mera pluriocasionalidade ou, ao invés, de uma tendência ou carreira criminosa do arguido e em que medida essa expressão se traduziu na individualização da pena única aplicada. E, finalmente, da relação de proporcionalidade, da justa medida, entre a pena conjunta fixada, as penas parcelares englobadas e o sistema punitivo do direito penal.

Contudo, verifica-se que os factos definitivamente assentes permitem suportar a decisão de direito e, complementarmente, verifica-se que da motivação desta, nos segmentos respeitantes à determinação das penas singulares e à reincidência consta a referenciação de factualidade suficiente atinente à personalidade do arguido, Assim, entende-se que é possível e deve, nos termos do art.º 379º n.º 2 do CPP, suprir-se aqui aquela nulidade, explicitando-se o como e o porquê da dimensão punitiva aplicada e, ao mesmo tempo, respeitando escrupulosamente a proibição da reformatio in pejus. Pelo que se decide prosseguir na apreciação da pretensão recursória.

ii. aplicação dos critérios:

Vejamos então se a pena única aplicada nos autos ao arguido – 12 anos e 10 meses de prisão - se conforma com os parâmetros traçados no art. 77º n.º 1, parte final, do CP ou se, como alega o recorrente, deve ser objeto de intervenção corretiva.

No caso, a moldura do concurso de crimes cometido pelo arguido tem como limiar mínimo 4 anos de prisão (a mais elevada das penas parcelares) e o máximo de 14 anos e 8 meses de prisão (a soma das penas parcelares).

O concurso de infrações por que o arguido vem condenado nos autos é constituído por 8 (oito) crimes todos de furto, sendo 6 qualificados, 3 destes na forma tentada e 2 de furto (desqualificado).

Trata-se de crimes de gravidade mediana não enquadráveis nas definições legais firmadas no art.º 1º alíneas j) a m) do CPP.

As exigências de prevenção geral positiva são elevadas por os furtos terem sido cometidos em casas de habitação e a consequente devassa da intimidade do domicilio dos respetivos moradores.

Ressalta dos factos provados que o arguido cometeu os furtos para prover à sua subsistência e aos gastos com a aquisição de estupefacientes. Série de furtos que por si e em conjugação com a história criminal registada, aponta para que esteja a fazer dessa fenomenologia criminosa modo de vida. Circunstância que não tendo sido utilizada para qualificar os furtos, poderia ter funcionado como circunstância geral na individualização da pena conjunta.

Atuou sempre com dolo direto, ciente da censurabilidade dessas suas condutas, apresentando-se, assim, elevado o grau de culpa. 

As necessidades de prevenção especial são vivas e prementes, conforme comprova a sua história criminal certificada nos factos provados. As sucessivas condenações – oito condenações firmes - e a pena de prisão cumprida em regime carcerário, revelaram-se ineficazes para prevenir a reiteração do arguido no cometimento de crimes.

Revela forte tendência para a prática de crimes contra o património e especialmente contra a propriedade. Neste aspeto, comprova-se nos autos que desde 28/11/2007 até à data do acórdão recorrido foi condenado por ter cometido 27 deste tipo de crimes. Concretamente: 3 crimes de roubo, - um qualificado -, 23 crimes de furto qualificado – 14 consumados e 7 tentados – e um crime de furto. Não podendo olvidar-se que até 13/04/2020 este a cumprir pena de prisão efetiva.

Premência da prevenção especial de ressocialização que também documento os factos provados atinentes às suas condições sociais, económicas e à sua personalidade. Consta da facticidade assente que “mantinha um estilo de vida socialmente desvinculado, sem rotinas organizadas, sem participação em atividades estruturadas e sem contacto regular com estruturas socializadoras como as entidades laborais”

“Apresenta, problemática aditiva, que necessita de intervenção clínica adequada”.

revela imaturidade sem capacidade de autocontrolo, (…) com fraca resistência à frustração.

No “meio comunitário de residência não se encontra integrado socialmente. “A sua imagem, negativa, está associada à toxicodependência e à prática de comportamentos socialmente desajustados”.

Em seu favor realça-se a confissão livre, integral e sem reservas que dispensou a produção de prova da acusação sobre os factos imputados.

Sobressai também ter manifestado arrependimento

Nota-se ainda que “manifesta capacidade de descentração” e” sentimento de vergonha”.

Se a pena única aplicada, fixada como foi abaixo do terço inferior (que é de 8 anos e 8 meses de prisão) da moldura penal do concurso, correspondendo, pode dizer-se, ao aproveitamento e consequente adição á pena que estabelece o limiar mínimo do concurso, de pouco mais de um terço de cada pena parcelar – o que, abstratamente não justificaria a intervenção corretiva demandada pelo recorrente, todavia, à luz da proporcionalidade, não pode senão reconhecer-se que lhe assiste razão. É que. colocando lado a lado a pena conjunta aqui está sob reexame com a pena única que ao arguido foi aplicada na sua antecedente condenação, é inegável a desproporcionalidade entre ambas, apontando para a necessidade de adequar a dos autos, comparativamente, ao princípio da justa.

Na sua última condenação, no mesmo tribunal, decretada no processo comum coletivo nº 34/15...., foi-lhe aplicada, em cúmulo jurídico, a pena única de 6 anos de prisão, por ter cometido 2 (dois) crimes de roubo - um deles qualificado; 6 (seis) crimes de furto qualificado na forma tentada, 13 (treze) crimes de furto qualificado consumado, perfazendo o total de 21 (vinte e um) crimes.

No caso dos autos, foi condenado por 8 crimes, ou seja, quase um terço daqueles, todos de furto qualificado, dois desqualificados e, em cúmulo jurídico, na pena única de 8 anos de prisão. A desproporcionalidade é tão evidente que dispensa entrar nas especificidades dos crimes de cada concurso em comparação. Se é exato que no caso dos autos foi condenado como, todavia, a reincidência opera ao nível da pena aplicada a cada crime e não ao nível da individualização da pena conjunta reincidente. Sob pena de incorrer em violação da proibição de dupla valoração da mesma circunstância agravante modificativa.

Neste conspecto, impõe, reduzir a pena conjunta aplicada nos autos ao arguido fixando-a em medida que considere, especialmente, a reiteração criminosa por que enveredou, meia dúzia de meses após a sua restituição à liberdade e, com isso, evidenciando o inexorável falhanço da anterior pena e respetiva medida para prevenir a reincidência em sentido lato. Foi certamente por considerar ineficaz a pena de prisão anterior que peticiona fixação da pena conjunta para o caso em medida ligeiramente superior aquela, apesar de englobar menos crimes e menos penas parcelares, mas cometidos em reincidência, em sentido estrito.

De conformidade com os critérios expostos, considerando a globalidade da facticidade, dos crimes e das penas parcelares englobadas e o que projetam da personalidade revelada no cometimento do concurso de infrações em apreço, tal como vem de realçar-se, sopesando necessariamente as circunstâncias que militam contra e a favor do mesmo e, sobretudo, o princípio da proporcionalidade, entende-se justo e adequado a satisfazer as finalidades da punição no caso concreto, fixar a pena única ligeiramente acima do quarto inferior da moldura penal do concurso em apreço.

Assim, atendendo à petição do arguido, entende-se ser de condenar o arguido na pena única de 7 anos de prisão.

Procede, pois, a pretensão recursória do arguido.

D - DECISÃO:

Em conformidade com o exposto, o Supremo Tribunal de Justiça, 3ª secção criminal, decide:

a) na procedência do recurso, condenar o arguido na pena única de 7 (sete) anos de prisão;

b) confirmando-se, no demais a decisão recorrida.

Sem custas


*


Lisboa, 3 de novembro de 2021.


Nuno Gonçalves (Juiz Conselheiro relator)

Paulo Ferreira da Cunha (Juiz Conselheiro Adjunto)

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[1] Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pag. 291.
[2] 3ª sec. Proc. 71/13.0JACBR.C1.S1, www.dgsi.pt/jstj.
[3] Máxime: J. Figueiredo Dias e autores que cita na nota 98 da pag. 292, da ob. Citada.
[4] Máxime: Ac. STJ de 23-05-2018, 3ª sec, proc. 799/15.OJABRG.S1, www.dgsi.pt/jstj.
[5] A. Rodrigues da Costa, publicação citada.
[6] Ob. citada, pag. 241/242.
[7] Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pag. 242
[8] Ibidem
[9] Proc. 804/08.6PCCSC.L1.S1, www.dgsi.pt/Jstj.
[10] Ac. STJ de 1/10/2014, proc. 11/11.0GCVVC.S1. Também assim Ac. STJ de 22/05/2013, proc. 344/11.6PCBRG.G1.S1 , in www.dgsi.pt.
[11] Proc. 1181/12.6JAPRT.P1.S1, in www.dgsi.pt.