Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
17731/18.1T8PRT.P1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: DECISÃO QUE NÃO PÕE TERMO AO PROCESSO
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
DESPACHO DE PROSSEGUIMENTO
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
Data do Acordão: 06/22/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NÃO SE CONHECE DO OBJECTO DO RECURSO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :

I- A decisão proferida nuns autos de acção de preferência limitada e determinação do preço que se pronuncia sobre a inexistência de fundamento para julgar a lide supervenientemente inútil, face à interposição de uma acção de preferência sobre o mesmo imóvel e ordena o seu prosseguimento, não aprecia o mérito da causa, nem põe fim ao processo, não sendo assim susceptível de ser impugnada através de recurso de Revista, nos termos do artigo 671º, nº1 do CPCivil.

II- A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide pode ocorrer quando sobrevém uma circunstância na pendência da lide que impede a manutenção da pretensão formulada, quer por via do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou por encontrar satisfação fora do próprio processo, deixando de ter interesse a solução propugnada, dando lugar à extinção da instância, sem apreciação do mérito da causa.

Decisão Texto Integral:




PROC 17731/18.1T8PRT.P1.S1

6ª SECÇÃO

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NO SUPEMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

A interveniente principal, aqui Recorrente, nos autos de acção de preferência limitada e determinação do preço, Euro Empreendimentos, SA, adquirente do prédio urbano composto por casa de dois pavimentos e casa de 1 pavimento, sito na rua ….. da união de freguesias ...... e …. concelho ......, descrito na Conservatória do Registo Predial ….. sob o n.º ….. da freguesia de ….. e inscrito na matriz predial sob os artigos …..94º e …..56º da dita união de freguesias e o Autor/Recorrido AA, notificados do despacho liminar da Relatora, vieram-se pronunciar nos seguintes termos:

i)Recorrente

- Entendemos também que o referido n.º 2 do artigo 988 do CPC não tem aqui aplicação.

- Efectivamente, este normativo que impede o recurso de revista, refere-se às resoluções proferidas no âmbito daqueles processos de jurisdição voluntária como é o caso do processo em apreço.

- Ora, não foi proferida qualquer resolução de jurisdição voluntária, mas sim uma decisão que pôs fim ao processo!!

- Não tendo sido proferida uma resolução de jurisdição voluntária, não há pois lugar para qualquer aplicação daquele normativo, pelo que falece o entendimento do Recorrido, sendo portanto o recurso admissível.

- Sobre a inadmissibilidade decorrente do artigo 671.º, n.º 1, do CPC:

- Na verdade, a decisão em apreço é o seguimento da decisão proferida em primeira instância, a qual pôs termo ao processo ao declarar estarmos perante uma situação de inutilidade superveniente da lide.

- A decisão proferida pelo Venerando Tribunal da Relação veio contrariar tal decisão, entendendo pois que não existiam elementos para colocar fim ao processo.

- Mas é uma decisão que, pelo lado oposto, afere do fim do processo!

- Não estamos perante uma mera decisão interlocutória, de mero expediente, que não tenha consequências sobre o andamento do processo.

- Estamos perante uma decisão que veio fazer com que um processo “findo” “renascesse”.

- É assim uma decisão que interfere sobre o andamento da lide, neste caso aprecia e interfere directamente e em concreto sobre o encerramento da lide!

- Assim sendo como efectivamente é, trata-se de uma decisão que tem consequências de

sobremaneira importantes para a posição e expectativas jurídicas de cada uma das partes e consequências jurídicas directas sobre a fixação final das expectativas jurídicas das partes.

- Em nossas modesta opinião a expressão «decisão que ponha fim ao processo» não pode ser interpretada somente e literalmente na vertente final de um processo judicial porquanto, sob um prisma ou sob o outro, é uma decisão que inequivocamente altera a essência da lide que tinha sido declarada finda!

ii)Recorrido

- Como é obvio, ao contrario do alegado pelas Recorrentes e bem identificado por este alto tribunal superior, a decisão colocada em causa não conhece o mérito nem coloca fim ao processo, tão simples quanto isto.

- E não se venha dizer que se trata de saber se se afere do fim do processo, caso contrário era o mesmo que dizer que tudo caberia nesta alínea, deste artigo!

- Concretamente não foi decidido o fim do processo na douta decisão da Relação, pelo que não se verifica o requisito de admissibilidade.

- Neste sentido vai a douta decisão transitada em julgado do Venerado Supremo Tribunal de Justiça, no douto Ac. de 15.04.2010, CJ/STJ, 2010, 2.º-31, com o seguinte sumário:

“I - O Recurso de revista só é admissível se o recurso for interposto de decisão final do Tribunal da Relação.

II – Logo, não é admissível recurso de revista do acórdão da Relação que revoga a decisão de primeira instância, que absolve a ré da instância por ilegitimidade, e determina o prosseguimento dos autos por considerar verificada a legitimidade processual da ré”.

- Nestes termos, sem  prejuízo do anteriormente alegado, ao que acresce o facto de a decisão sobre o qual o presente recurso de revista pende, não ter conhecido do mérito, nem colocado fim ao processo, deverá o mesmo ser rejeitado, por inadmissível.

Na decisão singular a Relatora pronunciou-se nos seguintes termos, que aqui se reiteram:

«Nas contra alegações o Autor, aqui Recorrido, suscita a questão da inadmissibilidade da impugnação recursiva, uma vez que na sua tese a mesma está vedada pelo disposto no artigo 988º, nº2 do CPCivil, uma vez que estamos em sede de processo de jurisdição voluntária.

Contudo, sem prejuízo do óbice levantado pelo Recorrido, o qual impõe o contraditório da Recorrente, de harmonia com o disposto nos artigos 655º, nº 2 e 654º, nº 2, aplicáveis ex vi do artigo 679º, este como aqueles do CPCivil, existe uma outra questão que se levanta neste autos, a qual sempre impedirá o conhecimento do objecto do recurso interposto, qual é a da decisão sobre qual o mesmo incide não ter conhecido do mérito, nem ter posto fim ao processo, antes ordenou o seu prosseguimento para o efeito, falhando-lhe assim os requisitos de recorribilidade constantes do normativo inserto no artigo 671º, nº 1 do CPCivil.».

Independentemente da discussão encetada pelo Recorrido, sobre a inadmissibilidade recursória nos termos do artigo 988º, nº 2, do CPCivil, o qual veda a impugnação para este Órgão jurisdicional das decisões produzidas segundo critérios de conveniência e oportunidade, em sede de processos de jurisdição voluntária, como é o caso dos presentes autos, a vexta quaestio daqui prende-se, essencialmente, com a natureza da decisão objecto do recurso interposto, decisão essa plasmada no Acórdão da Relação ….. que julgou parcialmente procedente a Apelação interposta pelo Autor e revogou a sentença que julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente, determinando o prosseguimento dos autos, com a apreciação do seu objeto.

«[A] impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – ali, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio. (…) Não deve, porém, confundir a decisão de questão prejudicial (ver o nº5 da anotação ao art. 272) nem a ocorrência superveniente de uma excepção, designadamente o pagamento (artigo 573º-2), ambas dando lugar a decisões de mérito, com a impossibilidade ou inutilidade da lide, que dá lugar à extinção da instância, sem apreciação do mérito da causa.», apud José lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código De Processo Civil Anotado, volume 1º, artigos 1º a 361º, 546.

 

Ora, esta decisão, ao contrário do que é esgrimido pela Recorrente, não apreciou o mérito da causa, nem pôs fim ao processo, tendo antes ordenado o seu prosseguimento, para apuramento, porquanto como se aduz no Acórdão recorrido, depois de ter analisado a acção de preferência invocada como obstativa ao prosseguimento destoutra «Se é certo que a presente ação tem como fim último a determinação judicial do preço correspondente a uma dependência um bem vendido unitariamente, por um preço global, não é menos certo que, antes de determinar o preço dessa dependência, há que averiguar se o exercício do direito de preferência em relação à fração do prédio em que se pretende preferir é legalmente admissível. Se o for, terá de proceder-se à realização das diligências necessárias com vista à determinação do preço atinente à parte em que se pretende preferir. Se o não for, como sucede no caso presente, então, a ação tem de ser julgada improcedente, não havendo razão alguma que justifique ou imponha a realização de qualquer diligência com vista à determinação de qualquer preço, o que, a fazer-se, não passaria de ato despido de qualquer utilidade”.

Essa questão que é prévia (e controvertida nos autos), a respeito da dimensão do direito de preferência do arrendatário e tem gerado acesa controvérsia, como bem ilustra o Ac. STJ 18 de outubro de 2018, Proc. 3131/16.1T8/LSB.4.S1 (disponível em www.dgsi.pt) (citados pela interveniente), sendo apreciada nesta ação, constitui uma questão prejudicial em relação à ação de preferência. Apreciando a argumentação dos apelados é de considerar que a mesma não releva para efeitos de apreciar da utilidade da ação. A questão de saber se na venda realizada estava determinado o preço individual de cada imóvel, prende-se com o mérito e fundamentos da presente ação. De todo modo constitui jurisprudência uniforme, que a menção discriminada dos preços dos imóveis vendidos em conjunto, constante da escritura pública de compra e venda resulta, obrigatoriamente, do art. 63º do Código do Notariado que impõe que nos atos sujeitos a registo predial, a indicação do valor de cada prédio, da parte indivisa ou do direito a que o ato respeitar. São motivos de natureza fiscal e processual que determinam a individualização do valor dos imóveis, sem que tal signifique que, se fossem vendidos separadamente fosse esse o valor real ou venal de cada uma das unidades prediais em causa. É a vontade das partes que releva para efeitos de interpretar a declaração que consta do documento, quanto ao preço (preço global ou preço unitário). Resta referir que a mera instauração de uma ação, no caso, a ação de preferência, não define direitos, pois apenas a sentença com trânsito em julgado garante tal tutela, motivo pelo qual não se pode afirmar que com a instauração da ação de preferência o autor viu alcançada a sua pretensão. A instauração da ação de preferência não justifica a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, porque a pretensão visada pelo demandante não foi alcançada por essa via fora deste processo. Não lhe foi reconhecido o direito de preferência apenas sobre o concreto prédio objeto do contrato de arrendamento, nem fixado o preço proporcional sobre a venda dos vários prédios.».

Os princípios da utilidade e da eficácia, constituem os padrões de actuação dos tribunais, pautando-a em cada caso concreto, em ordem a esgotarem-se os efeitos de cada acção instaurada, com vista à produção de um determinado efeito jurídico, efeito esse, que na espécie não se mostra esgotado, nem tão pouco, foi analisado sequer, por forma a considerar solucionada, a favor ou contra, a questão suscitada pelo Recorrido na acção agora interposta, sem embargo da venda ocorrida e daqueloutra acção para preferência, por si igualmente interposta, a qual ainda se não mostra definitivamente julgada.

De qualquer modo, tal questão, do julgamento ou não julgamento da acção de preferência, mostra-se estranha a estes autos, pois o que aqui importa apurar é o âmbito e alcance, para efeitos de recorribilidade, da decisão que ordenou o seu prosseguimento, sendo que esta específica resolução, nada conheceu, nada estipulou definitivamente e nada ordenou, quer em termos de apuramento da fixação individual do preço do imóvel vendido, para além de se ter de averiguar previamente se o exercício do direito de preferência em relação à fração do prédio em que se pretende preferir é legalmente admissível, problemática esta que sempre constituirá uma questão prévia em relação àqueloutra relativa ao preço e, quiçá, poderá vir a constituir, uma questão prejudicial em relação à própria acção de preferência entretanto instaurada, que aqui não vamos curar, por transcender o objecto que nos ocupa.

 

De qualquer modo, a decisão plasmada no Acórdão sob recurso, não conheceu de qualquer daquelas questões suscitadas pelo Requerido nesta acção, nem tão pouco pôs termo ao processo «absolvendo da instância o réu ou alguns dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos», como impõe o artigo 671º, nº 1 do CPCivil, daí se extraindo, sem qualquer margem para dúvidas a sem razão da pretensão da recorrente, por existir uma circunstância obstativa à apreciação da impugnação recursória.

Destarte, de harmonia com o preceituado no artigo 652º, nº 1, alínea b) do CPCivil, aplicável por força do disposto no artigo 679º do mesmo diploma, julga-se findo o recurso, não havendo que conhecer do seu objecto.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 22 de Junho de 2021.

Ana Paula Boularot (Relatora)

(Tem o voto de conformidade dos Exºs Adjuntos Conselheiros Fernando Pinto de Almeida e José Rainho, nos termos do artigo 15º-A aditado ao DL 10-A/2020, de 13 de Março, pelo DL 20/2020, de 1de Maio)

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).