Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
81/05.OTBMTS.P1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA
COMPRA E VENDA
DOAÇÃO
ARRENDATÁRIO
ACÇÃO DE PREFERÊNCIA
REGISTO DA ACÇÃO
TERCEIRO
EFEITOS DA SENTENÇA
EXTENSÃO DO CASO JULGADO
TRANSMISSÃO DE PROPRIEDADE
Data do Acordão: 04/29/2010
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: CJASTJ, ANOXVIII, TOMO III/2010, P.38
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :

I - Aquele que compra ou recebe em doação um imóvel, enquanto a alienação estiver pendente do exercício do direito de preferência de outrem, não pode considerar-se seu verdadeiro proprietário, porquanto sendo terceiro, a non domino, adquiriu a posse do imóvel, a título precário, com a consequente susceptibilidade da anulação do contrato.
II - O direito legal de preferência do arrendatário habitacional não carece de ser registado para produzir os seus efeitos, em relação a terceiros que sobre o respectivo objecto venham a adquirir, posteriormente, um direito real de gozo conflituante.
III - O registo da acção de preferência torna o direito, reforçadamente, oponível a terceiros que tenham adquirido direitos sobre a coisa litigiosa, no período da mora litis, com a consequente eficácia superior da sentença favorável do preferente preterido, em relação àquela que, normalmente, resulta do caso julgado, porquanto, além de vincular as partes, produz agora ainda efeitos contra todo aquele que adquirir sobre a coisa litigiosa, durante a pendência da acção, direitos incompatíveis com os do preferente.
IV - A eficácia normal da sentença, ou seja, a sua eficácia inter partes, como acontece na hipótese de o registo da acção não ter sido realizado, não impede que o autor faça valer o seu direito real de preferência contra terceiros para quem a coisa tenha sido, entretanto, transmitida, desde que, neste caso, para atingir o efeito visado pela acção de preferência, convença esses terceiros com a propositura de uma outra acção contra o primitivo adquirente da coisa sujeita a preferência, mas, igualmente, contra o terceiro subadquirente que sobre a mesma venha a adquirir, posteriormente, um direito conflituante.
V - Na pendência da acção de preferência, baseada em direito legal de preferência, as rendas produzidas pelo imóvel objecto da preferência, pertencerão ao preferente, na hipótese de lhe vir a ser reconhecida a existência desse direito, e ao adquirente, no caso contrário.

Decisão Texto Integral:


ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA :

AA propôs a presente acção declarativa, com processo comum, sob a forma ordinária, contra BB e mulher, CC, todos residentes na Rua da Fonte Velha, Custóias, Matosinhos, e DD e mulher, EE, residentes na Rua D. António Castro Meireles, nº ..., r/c dtº, Baguim do Monte, Rio Tinto, Gondomar, pedindo que, na sua procedência, se declare a nulidade da doação do prédio infradiscriminado, efectuada através da escritura de 14 de Agosto de 2002, se decrete a condenação de todos os réus a reconhecerem essa nulidade, se ordene o cancelamento de qualquer registo, eventualmente, feito com base nessa doação sobre o citado prédio e, por fim, se condenem os primeiros réus, BB e mulher, CC, a restituírem ao autor a importância de €1848,90, correspondente ao valor das rendas recebidas, acrescida de juros moratórios legais, contados desde a citação até efectivo pagamento, alegando, para tanto, em síntese essencial relevante, que, sendo, ao tempo, arrendatário habitacional do aludido prédio urbano, veio a adquiri-lo, em consequência da procedência de uma acção de preferência, onde lhe foi reconhecido, por sentença proferida a 4 de Julho de 2002, transitada em julgado, em 18 de Setembro de 2002, o direito de preferir e de se substituir ao réu BB, na compra que este, com outros, fizera de tal prédio, por escritura pública datada de 13 de Janeiro de 1982, a FF e mulher, GG.
Apesar disso, continua o autor, os réus BB e mulher, CC, por escritura datada de 14 de Agosto de 2002, declararam doar ao réu DD, seu filho, com aceitação deste, esse referido prédio, sendo certo que aqueles primeiros réus foram citados para a acção de preferência, em 14 de Julho e 18 de Janeiro de 1989, respectivamente, a quem o autor sempre pagou as rendas vencidas entre esta última data e a data do trânsito em julgado da respectiva sentença.
Na sua contestação, os réus BB e mulher, CC, alegam, no essencial, que sempre estiveram convencidos de que eram os proprietários do prédio que doaram, tendo pago as respectivas contribuições, e que o pagamento das rendas pelo autor correspondeu ao cumprimento do seu dever como arrendatário, concluindo pela improcedência da acção.
Por seu turno, na sua contestação, os réus DD e mulher, EE, alegam, em suma, que adquiriram o prédio de quem o tinha registado em seu nome, presumindo-se dono do mesmo, e que, por sua vez, também, este réu marido o veio a registar, em seu nome, concluindo pela improcedência da acção.
Conhecendo sob a forma de saneador-sentença, o Tribunal de 1ª instância julgou a acção, procedente por provada e, em consequência, declarou ineficaz, em relação ao autor, a doação feita através da escritura de 14 de Agosto de 2002, condenou todos os réus a reconhecerem esta declaração, ordenou o cancelamento de qualquer registo, eventualmente, feito pelos segundos réus sobre o questionado prédio, e condenou os primeiros réus a restituírem ao autor o valor das rendas, desde a citação de cada um deles na acção de preferência, sendo a primeira ré mulher, desde 18 de Janeiro de 1989, e o réu marido, desde 14 de Julho de 1989, até ao trânsito da mesma, em 18 de Setembro de 2002, ou seja, na quantia total, desde 18 de Janeiro de 1989, de €1.818,17, no caso de ser a primeira ré mulher a restituir, e caso seja a pagar o primeiro réu marido, na quantia de €1.468,17, quantias essas acrescidas de juros moratórios legais, contados desde a citação até efectivo pagamento.
Deste saneador-sentença, os réus BB e mulher, CC, interpuseram recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado improcedente a respectiva apelação, confirmando a decisão impugnada.
Do acórdão da Relação do Porto, os mesmos réus interpuseram recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:
1ª – Em primeiro lugar, quanto ao facto de declarar ineficaz a doação feita através de escritura de 14 de Agosto de 2002, cumpre referir que tal negócio jurídico não padece de qualquer vício.
2ª - Tendo sido registado o correspondente direito de propriedade, a favor dos aqui 2.°s réus, beneficiando estes da presunção registral do art.° 7.° do Código de Registo Predial.
3ª - Salvo mais douto entendimento, não olvidando que a mesma presunção é elidível, não foi nestes autos produzida prova bastante que a elimine.
4ª - Os 2.°s réus beneficiam ainda da protecção de terceiros de boa fé, consagrada no art°. 291°, cujos pressupostos se verificam nestes autos e não foram abalados por qualquer prova, sendo de considerar que os 2.°s réus estão de boa fé, não existindo motivo para declaração de nulidade, anulabilidade ou ineficácia do negócio jurídico sub Júdice.
5ª - Por outro lado e no que tange concretamente quanto à alínea d) do ponto IV da Sentença - Decisão -, bem como páginas 7 a 9 do Acórdão ora sindicado, não concordamos, em singelo alvitre jurídico, que a citação na acção de preferência, adrede melhor identificada, opere uma transformação nos caracteres da posse dos aqui 1 °s réus, transformando-a em posse de má-fé.
6ª - Atento os normativos consagrados nos art.°s 1260º, n.°s 1 e 2, bem como o 1270°, n° 1, ambos do Cód. Civil, os ora recorrentes nunca tomaram consciência de que lesavam direito de outrem, com a mera citação.
7ª - Sempre foi sua a convicção profunda que eram os proprietários.
8ª - Desconheciam se foi ou não respeitado, nos termos legais, o direito de preferência do, à época, arrendatário do prédio sub Júdice.
9ª - Não lhes é exigível cuidar de saber se foi ou não respeitada tal obrigação legal do primeiro vendedor - cfr. art.° 49.° do RAU (DL n.° 321-B/90), que remete para o n° 1 do art.° 416°.
10ª - Nem tampouco, a referida convicção poderia ser abalada com uma mera citação para uma acção judicial, é-lhes lícito acreditar na justiça e aguardar o desfecho favorável (que infelizmente não aconteceu por motivos alheios à sua vontade e à sua crença íntima) dos processos judiciais, não sendo aqui relevante o momento processual da citação.
11ª - Destarte, é manifestamente excessivo considerar que, porque apenas ocorreu a tal citação, os 1°s réus se tornaram possuidores de má-fé.
12ª - Aliás, não encontra fundamento na lei, pois a concepção de boa-fé aqui é uma boa-fé subjectiva, no dizer do Prof. Oliveira Ascensão de "directriz psicológica".
13ª - Não funciona aqui o efeito automático da alínea a) do art.° 481° do CPC, já que este normativo é apenas aplicável às acções possessórias e em que o réu seja possuidor, sendo esta uma norma excepcional, um desvio à regra.
14ª – No período que medeia entre a compra e venda do imóvel (o primitivo negócio) e o trânsito em julgado da acção de preferência, os aqui 1°s réus são considerados, como resulta do n° 2 do art.° 277° do CC, administradores da coisa.
15ª - Neste artigo, no seu n° 3, apenas se remete para o regime da posse, em matéria de propriedade dos frutos, não quanto à qualificação dessa posse, sendo inaplicável, porque a isso obsta o art.° 11° do CC, o normativo excepcional da alínea a) do art.° 481° do CPC;
16ª - Aliás, como sustentam os recorrentes, ao abrigo do n° 2 do art.° 1260° do CC. a sua posse, como titulada, presume-se de boa fé, não tendo havido qualquer prova nos autos que questionasse tal presunção, não se mostrando assim a mesma ilidida, nem com o recurso às regras de experiência comum (uma vez mais refere-se, o ónus de notificar o preferente cabe ao primitivo vendedor e os aqui recorrentes, nesse primitivo negócio, compradores, confiaram na palavra daquele, cuidando apenas dos seus ónus e obrigações de compradores);
17ª - Assim, deverão os réus ser absolvidos do pedido, na parte que os obriga a devolver os frutos civis – rendas, contadas desde 18/01/1989 até 18/09/2002.
Nas suas contra-alegações, o autor conclui no sentido de que deve ser negado provimento à revista, mantendo-se o acórdão recorrido.
O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz, acrescentando-lhe, porém, três novos factos suplementares, com os nºs 26 a 28, atento teor dos documentos de folhas 18 a 20 e 256 a 259 e bem assim como do preceituado pelos artigos 369º, nº 1 e 371º, nº 1, do Código Civil, 659º, nº 3, 713º, nº 2 e 726º, do CPC:
1. Por escritura de 13 de Janeiro de 1982, lavrada no Primeiro Cartório da Secretaria Notarial de Matosinhos, FF e mulher, GG, venderam ao 1º réu, além de dois outros, o seguinte prédio: casa de rés-do-chão, com quintal e uma dependência, sita na Rua da Fonte Velha, nº ..., da freguesia de Custóias, concelho de Matosinhos, inscrita na respectiva matriz, sob o artigo 851º, e descrita na competente Conservatória, sob o nº 00892/050791.
2. Ao tempo da sobredita venda, o autor era arrendatário habitacional do prédio, acabado de identificar em 1.
3. O autor propôs, no Tribunal de Matosinhos, contra o FF e mulher, e contra os 1ºs réus, acção declarativa de condenação, com processo comum, na forma sumária, tendo sido distribuída à, então, 5ª Secção, com o nº 208/88 e, posteriormente, tramitou, sob o registo nº 1469/94, pelo 2º Juízo Cível deste mesmo Tribunal.
4. Que foi julgada, por sentença de 4 de Julho de 2002, e transitou em julgado, em 18 de Setembro de 2002 (cfr. Doc. de fls.275 a 286).
5. Através dela foi reconhecido ao autor o direito de preferir na compra do prédio, referido em 1, supra, substituindo-se aos compradores nesta qualidade e foi declarado que o autor tem direito de haver para si o sobredito prédio, tendo os aí réus sido condenados a reconhecerem os referidos direitos, e sido ordenado o cancelamento de qualquer registo, eventualmente, feito pelos compradores (aqui 1ºs réus) sobre o mencionado prédio.
6. Por escritura de 14 de Agosto de 2002, do 2º Cartório Notarial de Matosinhos, os 1ºs réus declararam doar ao 2º, que declarou aceitar a doação, o sobredito prédio.
7. O aqui 1º réu foi citado para essa acção, em 14 de Julho de 1989.
8. E a aqui 1ª ré, em 18 de Janeiro de 1989.
9. No âmbito do contrato de arrendamento, acima aludido, o autor satisfez aos 1ºs réus todas as “rendas vencidas”, desde aquela data de 18 de Janeiro de 1989 até ao trânsito em julgado da sentença.
10. A renda paga pelo autor, de Fevereiro a Dezembro de 1989, foi de 1.174$70.
11. De Janeiro a Dezembro de 1990, de 1309$80.
12. De Janeiro a Dezembro de 1991, de 1462$40.
13. De Janeiro a Dezembro de 1992, de 1714$60.
14. De Janeiro a Dezembro de 1993, de 1920$30.
15. De Janeiro a Dezembro de 1994, de 2114$80.
16. De Janeiro a Dezembro de 1995, de 2257$60.
17. De Janeiro a Dezembro de 1996, de 2356$80.
18. De Janeiro a Dezembro de 1997, de 2420$40.
19. De Janeiro a Dezembro de 1998, de 2477$80.
20. De Janeiro a Dezembro de 1999, de 2534$80.
21. De Janeiro a Dezembro de 2000, de 2605$80.
22. De Janeiro a Dezembro de 2001, de 2663$10.
23. De Janeiro a Dezembro de 2002, de €13,85.
24. E de Janeiro a Maio de 2003, de € 14,34.
25. A folhas 256 a 258, encontra-se junta a certidão de registo predial do prédio, ali registado sob o nº 00892/05091.
26. O registo da acção de preferência, aludida em 3., 4. e 5., caducou em 10 de Julho de 2002 – Documento de folhas 256 a 259.
27. A favor do réu DD foi registada a aquisição do prédio, referido em 6. – Documento de folhas 256 a 259.
28. O réu DD é filho dos réus – Escritura de doação de folhas 18 a 20.

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Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.
As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 690º e 726º, todos do CPC, são as seguintes:
I – A questão de saber se o titular do direito legal de preferência, judicialmente, reconhecido, pode exercitá-lo contra terceiro sub-adquirente com registo do prédio em seu nome.
II – A questão de saber até que momento o preferido, vencido em acção de preferência, tem direito aos frutos produzidos pela coisa, judicialmente, reconhecida ao preferente.

I. DO DIREITO DO PREFERENTE JUDICIALMENTE RECONHECIDO CONTRA TERCEIRO SUB-ADQUIRENTE COM REGISTO DO BEM

Efectuando uma síntese do essencial da factualidade que ficou demonstrada, com vista a decidir esta primeira questão, importa reter que, tendo FF e mulher, GG, vendido ao réu BB, em 13 de Janeiro de 1982, o prédio urbano referido, do qual, então, o autor era arrendatário habitacional, este propôs uma acção de preferência contra aqueles FF e mulher e BB e mulher, que foi julgada procedente, reconhecendo ao autor o respectivo direito, por sentença datada de 4 de Julho de 2002, transitada em julgado, em 18 de Setembro de 2002.
Porém, não obstante, os réus BB e esposa, por escritura datada de 14 de Agosto de 2002 doaram ao réu DD, seu filho, que declarou aceitar a doação, o sobredito prédio.
Dispõe o artigo 47º, nº 1, do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo DL nº 321-B/90, de 15 de Outubro, aplicável por força do estipulado pelo Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro, que “o arrendatário de prédio urbano ou de sua fracção autónoma tem o direito de preferência na compra e venda…do local arrendado há mais de um ano”, sem que se distinga o fim do arrendamento em causa, aplicando-se, com as necessárias adaptações, nos termos do preceituado pelo artigo 49º, do mesmo diploma legal, o disposto nos artigos 416º a 418º e 1410º, todos do Código Civil (CC).
Assim sendo, este diploma legal mantém a eficácia real do direito de preferência atribuído ao arrendatário habitacional, facto este que caracteriza o direito real de preferência como um verdadeiro direito real de aquisição, porquanto confere aquele, por se tratar de inquilino de prédio urbano, no quadro dos requisitos exigidos pelo normativo legal em presença, o direito de adquirir o locado (1) , atribuindo-lhe, como preferente, o direito de exigir a coisa das mãos de qualquer terceiro adquirente, em razão da sua eficácia absoluta e da sua inerência a certo objecto (2) .
Efectivamente, aquele que compra ou recebe em doação uma coisa, sujeita ao direito de preferência de outrem, não pode considerar-se seu verdadeiro proprietário, enquanto não decorrer o prazo para o exercício daquele direito ou enquanto este não é definido, judicialmente, ficando numa situação semelhante aquele que contrata sob condição resolutiva ou que é sujeito de um negócio jurídico inválido.
Verificada a condição ou declarada a invalidade, tudo tem de ser reposto no estado anterior ao contrato ou ao negócio jurídico, nos termos do estipulado pelos artigos 270º, 276º, 289º e 290º, todos do CC.
Porém, a procedência da acção de preferência tem efeito retroactivo, até ao preciso momento da alienação, daí resultando a substituição, com eficácia «ex tunc», ou seja, «ad initio», do adquirente pelo preferente, razão pela qual enquanto a alienação estiver pendente do exercício do direito de preferência, não pode dizer-se que o adquirente é proprietário definitivo da coisa comprada ou doada (3) .
Por outro lado, tratando-se de um direito real de aquisição o direito real de preferência atribuído ao arrendatário habitacional, o mesmo não carece de ser registado para produzir os seus efeitos em relação a terceiros, a quem é oponível (4), porquanto, desde que verificados os respectivos pressupostos legais, confere ao respectivo titular o poder exercer o seu direito, não apenas contra o primitivo adquirente da coisa sujeita à preferência, mas, também, contra qualquer terceiro sub-adquirente que sobre a mesma venha a adquirir, posteriormente, um direito real de gozo conflituante.
Com efeito, os direitos dos sub-adquirentes são ineficazes em relação ao titular do direito real de preferência legal, ainda que não quanto ao titular do direito real de preferência convencional que, nesta hipótese, depende do registo do pacto de preferência, como condição da sua eficácia real e da consequente oponibilidade a terceiros, nos termos do preceituado pelo artigo 421º, nº 1, do CC.
Porém, quando se trata da situação do titular do direito real de preferência legal, sendo a preferência resultante de uma criação legal, está assegurado o requisito da publicidade, que permite a sua visibilidade e o consequente reconhecimento por terceiros.
As preferências que resultam da lei devem poder presumir-se conhecidas de toda a gente, ou por se tornarem públicas, mediante o registo, ou, então, facilmente, cognoscíveis de terceiros, pela própria natureza das coisas (5).
A isto acresce que, encontrando-se a presente acção de preferência, que se reporta a bens imóveis, dada a sua natureza constitutiva, destinada a autorizar uma mudança na ordem jurídica existente, a obter um efeito jurídico novo, isto é, a substituição do adquirente pelo preferente na titularidade do direito que aquele adquiriu sobre a coisa sujeita a preferência, deve ser sujeita a registo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 4º, nºs 1 e 2, c), do CPC, 3º, nº 1, a) e 2º, nº 1, a), ambos do Código do Registo Predial.
E, não estando o direito legal de preferência sujeito a registo, nem necessitando de inscrição no registo para produzir efeitos contra terceiros, mas tendo sido a acção registada, torna o direito legal de preferência, reforçadamente, oponível a terceiros que tenham adquirido direitos sobre a coisa litigiosa, no período da «mora litis», obtendo, então, a sentença favorável do preferente preterido uma eficácia superior à que, normalmente, resulta do caso julgado, porquanto, além de vincular as partes, produz agora ainda efeitos contra todo aquele que adquirir sobre a coisa litigiosa, durante a pendência da acção, direitos incompatíveis com os do preferente (6) .
De todo o modo, mesmo tendo caducado o registo da acção de preferência de que a presente causa é uma extensão, no período temporal compreendido entre a data da prolação da sentença e a do seu trânsito, sem esquecer que a doação impugnada teve lugar dois ou três dia após a notificação daquela sentença às partes, tudo se passa, então, como se o registo da acção não tivesse sido efectuado.
Porém, na hipótese de o registo da acção não ter sido realizado, a sentença apenas é portadora da sua eficácia normal, ou seja, está dotada, tão-só, de eficácia «inter partes», mas tal não impede que o autor faça valer o seu direito real de preferência contra terceiros para quem a coisa tenha sido, entretanto, transmitida, desde que, neste caso, para atingir o efeito visado pela acção de preferência, convença esses terceiros com a propositura de uma outra acção contra o primitivo adquirente da coisa sujeita a preferência, mas, igualmente, contra o terceiro sub-adquirente que sobre a mesma venha a adquirir, posteriormente, um direito conflituante, e que, na hipótese em apreço, foi a presente acção de impugnação da doação (7) .
É que à eficácia absoluta do direito legal de preferência não obsta o facto de se haver omitido o registo da acção de preferência, cuja única consequência consiste na inoponibilidade da decisão que reconheceu o direito de preferir a terceiros estranhos ao pleito e que, posteriormente, à sua proposição tenham adquirido sobre a coisa direitos conflituantes (8).
E, gozando o arrendatário habitacional de prédio urbano que tenha obtido vencimento na respectiva acção de preferência, do direito de preferência na compra e venda ou na doação do local arrendado, a acção nem sequer necessita de ser registada para que o preferente possa opor a terceiros o seu direito.
O direito legal de preferência, dada a sua natureza real, produz, amplamente, os seus efeitos, «erga omnes», independentemente de registo, mesmo em relação a terceiros de boa-fé, porquanto o registo, como já se acentuou, apenas tem como objectivo ampliar os efeitos do caso julgado, tornando a sentença oponível a terceiros estranhos ao processo e que sobre a coisa tivessem adquirido direitos incompatíveis com a preferência legal, por haverem, antes do registo da acção, feito registar o direito sobre o objecto da preferência.
O direito real subsiste e produz efeitos contra terceiros, a decisão obtida é que deixa, por si só, de produzir efeitos contra eles, e daí a necessidade da instauração de uma nova acção para convencer os sub-adquirentes de que a coisa foi vendida ou doada por quem o não podia fazer.
Assim sendo, retroagindo os efeitos da procedência da acção de preferência à data da celebração da escritura pública de compra e venda impugnada, devido à substituição, «ex tunc», dos réus BB e esposa pelo autor, aqueles encontram-se, desde então, numa situação semelhante à de quem contrata sob condição resolutiva (9).
É que o donatário, tal como o comprador terceiro, «a non domino», existindo direito de preferência invocável, adquiriu a posse do imóvel, a título precário, com a consequente susceptibilidade da anulação do contrato.
Por seu turno, tendo sido, judicialmente, reconhecido ao autor o direito de propriedade sobre o prédio urbano de que era arrendatário habitacional, a ulterior transmissão do bem, através da celebração de uma escritura de doação, em que os réus preferidos doaram ao réu DD, seu filho, o mesmo prédio, é ineficaz perante o autor, podendo esta ineficácia ser invocada «erga omnes» (11) .
De facto, um negócio de aquisição derivada, como uma compra e venda, uma doação ou uma permuta, não basta, por via de regra, para provar que se adquiriu o direito a que o negócio respeita, pois não assegura que o transmitente tivesse esse direito, e ninguém pode transmitir direitos que lhe não pertençam, sendo certo que o donatário só adquire os bens que o doador lhe quis transmitir se eles pertenciam a este último, e não pode adquirir sobre esses bens um direito mais amplo do que o do doador.
Efectivamente, é manifesto, face à prova produzida, o carácter alheio, porque pertencente ao autor, do aludido prédio urbano, facto este que os réus BB e esposa, na qualidade de doadores, bem conheciam, e o contrário não é razoável aceitar, em relação ao réu DD, seu filho, para mais que a doação foi formalizada, por escritura pública, dois ou três dias depois da prolação da sentença, na acção de preferência, tendo os réus ainda apelado desta sentença depois da feitura da escritura.
Quer isto dizer que os réus BB e esposa, perante o resultado adverso da sentença proferida na acção de preferência, idealizaram, de imediato, um cenário de desapossamento do prédio e, independentemente da sorte de todos os recursos que, porfiadamente, viriam a instaurar, até ao Tribunal Constitucional, doaram, desde logo, ao réu DD, seu filho, o bem em causa.
Assim sendo, pese embora a existência, a favor do réu DD, da presunção legal que resulta, nomeadamente, da célere inscrição predial da coisa, atento o disposto pelos artigos 344º, nº 1, do CC, e 7º, do CRP, tal não significa o reconhecimento aquele do direito de propriedade sobre o prédio em apreço.
O instituto do registo predial realiza uma das protecções do terceiro adquirente, «a non domino», em derrogação da regra geral do «nemo plus iuris ad alium transferre potest quam ipse habet».
E terceiros, para efeitos de registo, “…são os adquirentes de boa fé, de um mesmo transmitente comum, de direitos incompatíveis, sobre a mesma coisa” (11) .
Assim sendo, os réus BB e esposa doaram ao réu DD o prédio que o autor, na qualidade de seu inquilino habitacional, viu a respectiva propriedade ser-lhe reconhecida, na sequência da correspondente procedência da acção de preferência, tendo a doação sido formalizada por aqueles réus, no período da pendência da acção, já depois de ter sido proferida a sentença, e o réu donatário procedido à inscrição do prédio no registo.
Deste modo, não se verifica a excepção ao princípio geral segundo o qual na aquisição derivada o adquirente não pode adquirir um direito, se este não existia na titularidade do transmitente, porquanto a transmissão forçada da propriedade do prédio para o autor, reconhecida, judicialmente, prevalece sobre a doação efectuada pelos réus BB e esposa, em benefício do réu DD, ainda que esta doação tenha sido, obviamente, registada, em primeiro lugar (12) .
Ora, dispõe ainda o artigo 956º, nº 1, do CC, que “é nula a doação de bens alheios;…”.
Por seu turno, resulta, claramente, do teor das disposições concertadas dos artigos 289º e 291º, do CC, que a declaração de nulidade e a anulação do negócio têm efeito retroactivo, sendo, portanto, de concluir, em princípio, que a doação do prédio em causa, realizada pelos réus BB e esposa, a favor do réu DD, originou, como reflexo imediato, a nulidade do respectivo contrato.
Porém, a excepção que esta regra geral contém, em relação à situação em que a declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico, respeitante a bens imóveis, ou a móveis sujeitos a registo, não é susceptível de prejudicar os direitos adquiridos, a título oneroso, por terceiros de boa-fé, sobre os mesmos bens, desde que o registo da aquisição seja anterior ao registo da acção de nulidade ou de anulação, e esta não tenha sido proposta e registada, dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio, em conformidade com o disposto pelo artigo 291º, nºs 1 e 2, do CC, não é, manifestamente, aplicável ao caso concreto.
Efectivamente, desde logo, o negócio jurídico em causa, porque se trata de uma doação, tem natureza gratuita e não onerosa, em segundo lugar, não está provada a boa-fé do terceiro, réu donatário, e, finalmente, a presente acção foi registada dois meses depois da formalização da doação.
Mas, na hipótese em apreço, haverá razões para distinguir a situação da nulidade em relação à da ineficácia, na perspectiva da questão em análise e do pedido formulado pelo autor, defendendo-se a existência desta última figura quanto ao dono dos bens?
Na verdade, sendo nula a doação realizada pelos réus, no que toca às relações entre o doador e o donatário, o negócio é, relativamente ao autor, verdadeiro titular do bem, «res inter alios acta», ou seja, ineficaz, isto é, insusceptível de produzir efeitos sobre o seu património, tudo se passando como se não existisse (13) .
É que, enquanto a nulidade é uma forma de ineficácia, em sentido amplo, pressupondo uma falta ou irregularidade, quanto aos elementos internos ou essenciais do negócio [falta de capacidade, falta ou defeito da declaração de vontade, impossibilidade física ou legal do objecto, ilicitude], a ineficácia, em sentido estrito, baseia-se na falta ou irregularidade de outra natureza (14), não já de uma falta ou irregularidade dos elementos internos do negócio, mas antes de alguma circunstância extrínseca que, conjuntamente com o negócio, integra a situação de facto produtiva de efeitos jurídicos (15) [falta de titularidade do direito de que se dispôs, falta de registo relativamente a terceiros, etc.].
Ora, o disposto no artigo 291º, do CC, aplica-se, expressamente, aos casos de declaração de nulidade ou anulação do negócio jurídico, nas relações, tão-só, entre o alienante e o adquirente, institutos esses distintos da ineficácia que, portanto, se encontra fora do seu âmbito de incidência (16) .
De facto, a alienação do prédio, traduzindo-se embora na doação de coisa de outrem, não se encontra, relativamente ao seu dono, sujeita à aplicação do estipulado no artigo 956º, nº 1, do CC.
Com efeito, consistindo numa doação de bens alheios, a consequente sanção da nulidade sobrevinda, por força do disposto no artigo 956º, nº 1, do CC, não se aplicaria quanto ao dono da coisa, perante o qual o contrato não teria qualquer valor, ou seja, não seria, nem válido, nem nulo, mas apenas ineficaz, operando «ipso iure», mas, tão-só, nas relações entre o alienante e o adquirente (17), razão pela qual, não havendo, quanto a ele, qualquer nulidade a invocar, não seria de observar o preceituado pelo artigo 291º, do CC.
Efectivamente, o Código Civil de 1966 resolveu, de forma original, o problema da oponibilidade da nulidade e da anulabilidade a terceiros, através de um sistema de compromisso entre os interesses que estão subjacentes à invalidade e os interesses legítimos de terceiros e do tráfico (18) .
O pedido principal formulado pelo autor consiste, como já se disse, na declaração de nulidade do contrato de doação respeitante ao prédio em questão, sento certo, também, que o autor invoca, na petição inicial, factos que permitem apontar para dois enquadramentos jurídicos, um que convoca o pedido de declaração de nulidade, e o outro o pedido de declaração de ineficácia, muito embora aquele o tenha qualificado como uma doação de bem alheio, sujeita ao regime da nulidade, previsto pelo artigo 956º, nº 1, do CC.

II. DO DIREITO DO PREFERIDO, VENCIDO EM ACÇÃO DE PREFERÊNCIA, AOS FRUTOS PRODUZIDOS PELA COISA

Defendem os réus BB e esposa, neste particular, que devem ser absolvidos do pedido, na parte que os obriga a devolver as rendas contadas desde a citação para os termos da acção de preferência, até à data do trânsito em julgado da sentença proferida nesta acção, porquanto aquela citação não opera a transformação da posse em posse de má-fé, não sendo ainda, para o efeito, aplicável, «in casu», o disposto no artigo 481°, a), do CPC.
Estipula o artigo 1260º, nº 1, do CC, que “a posse diz-se de boa fé, quando o possuidor ignorava, ao adquiri-la, que lesava o direito de outrem”.
E os frutos de uma coisa é tudo o que ela produz, periodicamente, sem prejuízo da sua substância, o que, tratando-se de rendas, se designa por frutos civis, atento o disposto pelo artigo 212, nºs 1 e 2, do CC.
Por outro lado, o possuidor de boa fé faz seus os frutos civis percebidos, até ao dia em que souber que está a lesar com a sua posse o direito de outrem, enquanto que o possuidor de má fé deve restituir os frutos que a coisa produziu, até ao termo da posse, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 1270º, nº 1 e 1271º, ambos do CC.
Finalmente, o artigo 481º, a), do CPC, preceitua que a citação produz, nomeadamente, o efeito de fazer cessar a boa-fé do possuidor.
Enquanto não for reconhecida a preferência, o adquirente não é mais do que um simples possuidor, sendo as condições em que possui, de boa ou de má fé, que hão-de ditar o destino dos frutos produzidos pela coisa, entre a data da alienação e a do reconhecimento do direito de preferência.
Efectuada a declaração de preferência, após a celebração do contrato com terceiro, tendo a coisa produzido rendimentos, em caso de preferência legal, esse direito existe desde a citação para a acção de preferência, e, muito embora a coisa já tenha sido alienada a um sub-adquirente, só a partir daquele momento deve o adquirente perder o direito aos rendimentos posteriores ao depósito do preço.
Na verdade, o efeito do exercício do direito de preferência, depois de celebrado o contrato, consiste na substituição do preferente pelo terceiro adquirente, mantendo-se, no entanto, o contrato, havendo, assim, um contrato entre o alienante e o preferente, impondo deste modo a lei ao alienante um contraente com quem ele não contratou, mas a quem reconhece aquele direito de substituição, pela razões em que se funda o direito de preferência (19).
É que o preferente não representa, verdadeiramente, o adquirente, que, retroactivamente, desaparece do contrato como se nunca nele tivesse figurado, de acordo com o princípio «resoluto iure dantis resolvitur jus accipientis», tudo se passando, juridicamente, como se, por erro de escrita, o nome do adquirente tivesse sido rectificado, judicialmente.
A alienação não é nula e, antes, produz todos os seus efeitos, mas o preferente não sucede ao preferido, mas sim ao alienante, dando-se a sucessão, não, «ex nunc», desde a data da propositura da acção ou da procedência desta, mas sim, «ex tunc», a partir da alienação, pelo que lhe aproveitam todas as vantagens advindas à coisa alienada, desde essa data (20).
Ora, na lógica deste sistema, os rendimentos da coisa, no período intercalar, desde a venda efectuada pelo obrigado à preferência até à data da citação, deveriam pertencer ao preferido, sendo injusto que este fosse privado desses rendimentos, antes de depositado o preço, e que o preferente obtivesse esses rendimentos sem a contrapartida do desembolso do preço.
O preferido tem de ser considerado como possuidor de boa fé, até ao momento da propositura da acção de preferência em que o preferente pede o reconhecimento do seu direito, por forma a fazer seus os frutos naturais, industriais ou civis, o mais tardar, até à data da citação, nos termos do estipulado pelos artigos 212º, nºs 1 e 2, 213º, nº 2, 1260º, nºs 1 e 2, e 1270º, nº 1, do CC, e 481º, a), do CPC.
E as expectativas do adquirente, nomeadamente, do adquirente de boa-fé, que ou não indagou, devidamente, sobre a situação de facto e de direito do imóvel, ou, então, foi informado, falsamente, pelo alienante, não se encontram no instituto da preferência legal, mas antes, nesta última hipótese, no âmbito do instituto da responsabilidade civil, com a consequente obrigação de indemnizar, por parte do alienante, por violação do dever de boa-fé, nos termos do estipulado pelos artigos 227º, nº 1, e 762º, nº 2, ambos do CC, pelos danos sofridos pelo adquirente derivados da frustração das suas expectativas de celebração do contrato(21) .
Daqui decorre que os adquirentes, ora recorrentes, ainda que tenham direito aos frutos civis, as rendas, percebidos até à citação para a acção de preferência, isto é, entre o momento da venda e o momento da citação, já o não têm quanto aos frutos obtidos ou que, eventualmente, ainda venham a receber, após ela, com a qual, em conformidade com o preceituado pelo artigo 481º, a), do CPC, cessou a sua boa-fé como possuidores que eram.
É que o preferente não pode ver prejudicada a sua posição pelo facto de não ter entrado, atempadamente, na titularidade de uma situação que a lei, expressamente, lhe reconhece e de que esteve afastado pela actuação ilícita do alienante.
Assim sendo, na pendência da acção de preferência, baseada em direito legal de preferência, os frutos civis, rendas, produzidos pela coisa objecto da preferência pertencerão ao preferente, na hipótese de lhe vir a ser reconhecida a existência desse direito, e ao adquirente, no caso contrário (22) .

CONCLUSÕES:

I - Aquele que compra ou recebe em doação um imóvel, enquanto a alienação estiver pendente do exercício do direito de preferência de outrem, não pode considerar-se seu verdadeiro proprietário, porquanto sendo terceiro, «a non domino», adquiriu a posse do imóvel, a título precário, com a consequente susceptibilidade da anulação do contrato.
II - O direito legal de preferência do arrendatário habitacional não carece de ser registado para produzir os seus efeitos, em relação a terceiros que sobre o respectivo objecto venham a adquirir, posteriormente, um direito real de gozo conflituante.
III - O registo da acção de preferência torna o direito, reforçadamente, oponível a terceiros que tenham adquirido direitos sobre a coisa litigiosa, no período da «mora litis», com a consequente eficácia superior da sentença favorável do preferente preterido, em relação aquela que, normalmente, resulta do caso julgado, porquanto, além de vincular as partes, produz agora ainda efeitos contra todo aquele que adquirir sobre a coisa litigiosa, durante a pendência da acção, direitos incompatíveis com os do preferente.
IV - A eficácia normal da sentença, ou seja, a sua eficácia «inter partes», como acontece na hipótese de o registo da acção não ter sido realizado, não impede que o autor faça valer o seu direito real de preferência contra terceiros para quem a coisa tenha sido, entretanto, transmitida, desde que, neste caso, para atingir o efeito visado pela acção de preferência, convença esses terceiros com a propositura de uma outra acção contra o primitivo adquirente da coisa sujeita a preferência, mas, igualmente, contra o terceiro sub-adquirente que sobre a mesma venha a adquirir, posteriormente, um direito conflituante.
V - Na pendência da acção de preferência, baseada em direito legal de preferência, as rendas produzidos pelo imóvel objecto da preferência, pertencerão ao preferente, na hipótese de lhe vir a ser reconhecida a existência desse direito, e ao adquirente, no caso contrário.

DECISÃO Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Sebastião Póvoas; 2º Adjunto: Conselheiro Moreira Alves.:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça, em negar a revista, confirmando, inteiramente, o douto acórdão recorrido.

*

Custas da revista, a cargo dos réus BB e esposa.

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Notifique.
Supremo Tribunal de Justiça, 29 de Abril de 2010

Helder Roque (Relator) *
Sebastião Póvoas
Moreira Alves
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(1) Mota Pinto, Direitos Reais, 1971, 135 a 138 e nota (24) de folhas 143; Vaz Serra, RLJ, Ano 103º, 471 e nota (1); RT, Ano 87º, 360.

(2) Antunes Varela, RLJ, Ano 103º, 476.

(3)Vaz Serra, RLJ, Ano 101º, 329.

(4) Mota Pinto, Direitos Reais, 1971, nota (24) de folhas 143 a folhas 145.

(5) Manuel de Andrade, Scientia Iuridica, Ano II, 146

(6) Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, III, 2ª edição, revista e actualizada, com a colaboração de Henrique Mesquita, 1987, 383.

(7) Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, III, 81 e ss.; Vaz Serra, RLJ, Ano 103º, 471 e ss.; Antunes Varela, RLJ, Ano 103º, 479 e ss.; RT, Ano 87º, 360 e 362.

(8) Antunes Varela, RLJ, Ano 103º, 476

(9) STJ, de 5-5-1987, BMJ nº 376, 493.

(10) Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 2005, 4ª edição, por Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, 616.

(11) Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ nº 3/99, de 18 de Maio, DR, Iª série-A, de 10 de Julho de 1999.

(12) Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 2005, 4ª edição, por Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, 365 a 367.

(13) Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, II, 1997, 184 e 185; Antunes Varela, RLJ, Ano 116º, 16 e 17; e RLJ, Ano 122º, 243 e ss.; Vaz Serra, RLJ, Ano 100º, 56; e RLJ, Ano 106º, 26; e RLJ, Ano 108º, 255; STJ, de 16-11-88, BMJ nº 381, 651; STJ, de 13-2-79, BMJ nº 284, 176.

(14)Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 1966, 411.

(15) Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 2005, 4ª edição, por Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, 615 a 617.

(16) STJ, de 13-2-79, BMJ, nº 284, 176.

(17) Vaz Serra, RLJ, Ano 100º, 56 a 60; e 106º, 26; Baptista Lopes, Da Compra e Venda no Direito Civil, 141.

(18) Rui de Alarcão, Invalidade dos Negócios Jurídicos, BMJ, nº 89, 199 e ss.

(19) Vaz Serra, Obrigação de Preferência, BMJ nº 76, 186 e 187.

(20) Pinto Loureiro, Manual dos Direitos de Preferência, II, 273 e 309; Vaz Serra, Obrigação de Preferência, BMJ nº 76, 187; STJ, de 1-6-1982, RDE, Ano VIII, nº 1, Janeiro/Junho de 1982, Universidade Coimbra, 163.

(21) Antunes Varela, RLJ, Ano 105º, 13

(22) Carlos Coelho, Direito aos Frutos na Pendência de Acção de Preferência, RDE, Ano VIII, nº 1, Janeiro/Junho de 1982, Universidade Coimbra, 187 e nota (56).