Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02A2613
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ARMANDO LOURENÇO
Descritores: CHEQUE POST-DATADO
APRESENTAÇÃO A PAGAMENTO
FALTA DE PROVISÃO
TÍTULO EXECUTIVO
Nº do Documento: SJ200211050026136
Data do Acordão: 11/05/2002
Votação: UNANIMIDADE
Processo no Tribunal Recurso: 1039/02
Data: 03/07/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Área Temática: DIR COM - TIT CRÉDITO.
Legislação Nacional: LUCH ARTIGO 28 ARTIGO 40.
CPC95 ARTIGO 46.
Sumário : O cheque que é devolvido por falta de provisão em data anterior à que dele consta com data da emissão não é título executivo.
Decisão Texto Integral: Acordam no S.T.J.:

"A", propôs uma execução contra B , C e D.
Os títulos executivos eram doze cheques , sacados pelo executado Carlos e avalizados pelos outros dois.
O 1º datado de 20/1/01 e cada um dos restantes datado com data dos dias 20 dos meses subsequentes, sendo o último de 20 de Dez. 2001.
O 1º cheque foi apresentado a pagamento a 22/1/01 e foi devolvido com a indicação de falta de provisão.
Os restantes foram apresentados a pagamento em 5/2/01 e foram devolvidos com indicação de falta de provisão.

Os executados opuseram-se por embargos alegando:
Os cheques devem ser apresentados a pagamento nos oito dias subsequentes à data da emissão.
A apresentação a pagamento nesse prazo é um requisito de exequibilidade.

A 1ª instância decidiu pela improcedência dos embargos , fazendo o seguinte discurso:
"A lei é expressa ao permitir ao portador a apresentação em data anterior à que consta como sendo a da emissão e faculta-lhe a tutela respectiva em caso de não pagamento. O artº 29º da LUCH não contraria o disposto no artº28º; limita-se a estabelecer o limite temporal até ao qual os cheques podem ser apresentados com possibilidade do aproveitamento do direito de acção indicado no artº 40."

A Relação confirmou a decisão , sublinhando que , no domínio civil , como não há cheques a prazo , o prazo de oito dias só significa , que se for apresentado para lá desse prazo não é exequível. A nova redacção do artº 46º do CPC parece inculcar que mesmo esses poderão ser títulos executivos.

Em recurso foram apresentadas as seguintes conclusões:
A apresentação a pagamento dentro do prazo de oito dias a partir da data de emissão é um requisito essencial de exequibilidade.
O artº 29º da LUCH é claro quanto ao inicio da dos prazos.

Após vistos cumpre decidir.

A questão a decidir resulta com clareza das conclusões.
Um cheque post-datado (pré-datado) , apresentado a pagamento antes da data dele constante e recusado o pagamento por falta de provisão , pode servir de título executivo , certificado que esteja a recusa de pagamento.

O artº 40 da LUCH faz depender a exequibilidade da apresentação em tempo útil.
O cheque deve conter a data da emissão.
Emitido o cheque é imediatamente pagável , logo é imediatamente exigível.
E é exigível no prazo de oito dias a contar da emissão.
Se a data de emissão corresponder á data da entrega do cheque nenhum problema se levanta quanto á determinação do tempo útil.
O problema surge quando essas datas não coincidem.
Como o cheque é pagável à vista , pode ser pago mesmo quando apresentado antes da data da emissão.
Se for pago foi bem pago.
Se não for pago por falta de provisão poderá ser exigido ao sacador , sem se certificar que na data da emissão ou nos oito dias posteriores não havia provisão ?
Será que o sacador é obrigado a ter provisão a partir do momento em que emitiu o cheque?

Vejamos.
LUCH
Artº1-O cheque contém a data em que o cheque é passado.
Artº3º- O cheque é passado sobre um banqueiro que tenha fundos ao dispor do sacador e em harmonia com uma convenção segundo a qual o sacador tem o direito de dispor desses fundos por meio de cheque.
Artº12º- O sacador garante o pagamento.
Artº25º O pagamento de um cheque pode ser garantido por um aval.
Artº 28º- O cheque é pagável à vista. O cheque apresentado a pagamento antes do dia indicado como data da emissão é pagável no dia da apresentação.
Artº29º - O cheque...deve ser apresentado a pagamento no prazo de oito dias.
O prazo começa a contar-se do dia indicado no cheque como data da emissão.
Artº 32ª- A revogação do cheque só produz efeitos depois de findo o prazo de apresentação.
Se não tiver sido revogado , pode ser pago mesmo depois de findo o prazo.
Artº 40º- O portador pode exercer os seus direitos de acção....se o cheque apresentado em tempo útil , não for pago... .
Artº 44º- Todas as pessoas obrigadas em virtude de um cheque são solidariamente responsáveis para com o portador

Se uma obrigação não for voluntariamente cumprida tem o credor o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar o património do devedor.
Em regra , o Estado só põe à disposição do credor os meios coercivos de que é titular , se houver uma forte garantia de que a obrigação existe e não foi cumprida.
Em primeira linha essa garantia é dada pela prévia confirmação judicial dessa realidade através de uma acção condenatória.
Há , todavia casos em que se admite o pedido executivo sem uma prévia contradição , são os previstos no artº 46 do CPC.
Entre estes contam-se "os documentos particulares assinados pelo devedor , que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias...."
No caso presente o exequente apresentou 12 cheques sacados por um dos executados e avalizados pelos outros dois.
Um dos cheques tem a data de 20/01/01 e cada um dos outros a data de 20 de cada um dos meses seguintes sendo a do último 20/12/01.
O primeiro foi apresentado a pagamento em 22/01/01 e nele foi aposto que foi recusado o pagamento por insuficiência de provisão.
Os outros foram apresentados a pagamento em 5/2/01 e neles foi aposto que foram recusados os pagamentos por insuficiência de provisão.

Pode-se dizer que a opinião dominante é a de que o cheque é essencialmente um meio de pagamento.
É um instrumento posto ao serviço do comércio , que permite facilitar o pagamento de dividas a quem, dispondo de numerário ou crédito num banco, dá uma ordem a esse banco para que pague ao seu credor.
O mecanismo do cheque pressupõe (art.3º) um acordo do sacador com o Banco.
Pressupõe também um negócio com o credor que aceita pagar-se por esse meio.
É também opinião dominante que o banco - sacado- não é obrigado cambiário.
Obrigados cambiários são o sacador , os avalistas e outros intervenientes na circulação do cheque.
O banco está obrigado para com o sacador a descontar os cheques que lhe forem apresentados por ordem deste.
Os obrigados cambiários garantem o cumprimento da ordem do sacador.
Garantem nos termos do artº 40, apresentação no prazo de oito dias da emissão.
A pesar de a lei admitir que a data do cheque não corresponda á data da entrega, o seu regime está estruturado como se essas datas coincidissem.
Daí que , mesmo post-datado, o cheque seja pagável á vista.
Mas o facto de o cheque ser pago à vista mesmo antes do prazo legal para apresentação , não significa que a obrigação literal nele assumida se altere.
O sacador assumiu, tal como consta do cheque, que o banqueiro cumpriria a sua ordem se o cheque fosse apresentado a pagamento nos oito dias após a data da emissão.
O artº 28º apenas significa que, apesar da ordem do sacador , o banqueiro tem de pagar desde que haja provisão e o sacador não lhe pode imputar violação do contrato de emissão de cheques.
Devendo entender-se assim o art. 40 , significa que o sacador e avalistas não garantiram que o cheque fosse pago antes da data da emissão deles constantes.
Logo não pode ser-lhes exigido o cumprimento judicial dessa obrigação.
Por a apresentação a pagamento ser extemporânea os cheques , com excepção do primeiro , não servem de titulo executivo.

Em face do exposto concedemos a revista devendo a execução prosseguir apenas quanto á cobrança coerciva do primeiro cheque. Procedem assim os embargos.

Custas pelos recorridos aqui e nas instâncias.

Lisboa, 05 de Novembro de 2002
Armando Lourenço,
Azevedo Ramos,
Silva Salazar.