Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04B2292
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FERREIRA DE ALMEIDA
Descritores: ARRENDAMENTO PARA COMÉRCIO OU INDÚSTRIA
DENÚNCIA DE CONTRATO
ACTO DE ADMINISTRAÇÃO
ADMINISTRAÇÃO DOS BENS DOS CÔNJUGES
Nº do Documento: SJ200409230022922
Data do Acordão: 09/23/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 5984/04
Data: 12/11/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : I. O acto de cessação (denúncia) do contrato de arrendamento para comércio ou indústria praticado pelo cônjuge mulher arrendatária, não necessita de ser exercido ou sequer autorizado, pelo cônjuge marido, sem embargo de ambos serem entre si casados segundo o regime da comunhão de adquiridos, e de haverem ambos contribuído para a instalação do estabelecimento no prédio locado, no qual a mulher exercia, "nomine proprio" a actividade de cabeleireira e de esteticista.
II. Isto mormente se não houve qualquer alienação do estabelecimento comercial por parte do cônjuge mulher, assim ficando fora de causa a estatuição do art° 1682°-A do C. Civil (necessidade do consentimento de ambos os cônjuges).
III. A mulher detém a administração dos bens móveis próprios do outro cônjuge ou comuns, por ela exclusivamente utilizados como instrumento de trabalho, sendo que aquele acto de cessação (denúncia) é de configurar como acto de administração ordinária sobre um bem comum do casal (o direito ao arrendamento), contudo por si exclusivamente utilizado como instrumento de trabalho, logo praticado no âmbito dos poderes conferidos pela al. e) do nº 2 do art. 1678°do C. Civil.
IV. Face ao preceituado no n° 3 do mesmo preceito, fora dos casos previstos nas alíneas a) a g) do seu n° 2, cada um dos cônjuges tem legitimidade para a prática de actos de administração ordinária relativamente aos bens comuns do casal.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça :

1. "A", residente na Rua do Cavalum, Penafiel, propôs, em 22-10-98, acção ordinária contra B e mulher, C, residentes no lugar do ..., Oliveira, Amarante e D, residente no lugar de Figuras, Marecos, Penafiel, pedindo:
a)- a anulação da rescisão do contrato de arrendamento titulado pela escritura pública de 30-9-97 e a declaração de manutenção de validade e eficácia do mesmo;
b)- a restituição ao autor da posse do locado, bem como do estabelecimento referido nos artigos 15° a 17° da petição inicial;
c)- a condenação solidária dos réus a pagarem-lhe a indemnização que se liquidasse em execução de sentença para ressarcimento dos prejuízos por si sofridos em virtude do comportamento dos RR.
Alegou para tanto, e em síntese, que:
- por escritura pública celebrada em 30-9-97 os 1ºs RR reduziram a escritura um contrato de arrendamento para indústria que haviam celebrado com o autor e a terceira ré, destinando-se o local arrendado a salão de cabeleireiro e estética;
- em Agosto de 1998, a 3ª ré acordou com os 1ºs RR, sem o conhecimento e autorização do autor, rescindir o referido contrato de arrendamento e alienou aos 1ºs RR o estabelecimento de cabeleireiro e estética, também sem conhecimento e autorização do autor.
2. Contestaram os 1ºs RR impugnando os factos alegados pelo autor, deduzindo ainda reconvenção na qual pediram a condenação do autor a indemnizá-los pelo prejuízo provocado desde a data da citação até decisão transitada em julgado, à razão de pelo menos 71.461 $00 mensais.
Isto sob invocação de que, com a instauração da presente acção, se teria visto impossibilitados de proceder ao arrendamento do local em questão ou dar-lhe outro fim.
3. A 3ª ré não contestou, tendo havido porém, réplica e tréplica nas quais as partes reiteraram as respectivas posições, sendo que o autor sustentou, além do mais, a inadmissibilidade da reconvenção.
4. Por sentença de 15-5-03, o Mmo Juiz do Círculo Judicial de Penafiel julgou a acção improcedente, absolvendo os RR do pedido, julgando igualmente improcedente a reconvenção com absolvição do autor do pedido.
5. Inconformado apelou o autor, mas o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 11-12-03, negou provimento ao recurso. 6. De novo irresignado, desta feita com tal aresto, dele veio o autor recorrer de revista para este Supremo Tribunal, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões:
1ª- O direito ao arrendamento para comércio e indústria comunica-se ao cônjuge do locatário de harmonia com o regime de bens do casamento, pelo que o autor recorrente era contitular do arrendamento titulado pela escritura de 30/9/97 e que constitui fls 11 a 14 dos autos;
2ª- Resulta dos factos assentes na Alínea A) da especificação que o autor recorrente contraiu casamento com a 2ª co-ré D em 2-4-77, sem convenção antenupcial (cfr. doc. junto a fls 10), pelo que vigora o regime supletivo de comunhão de adquiridos;
3ª- O casamento é, pois, anterior à celebração do contrato de arrendamento em causa que é 1-11-89 - resposta ao quesito 1 °,
4ª- Consequentemente, o direito de arrendamento em causa para comércio e indústria em apreço - Alínea E) da especificação e respostas aos quesitos 2°, 3°, 4° e 5°, - porque adquirido na constância do matrimónio, é um direito que faz parte da comunhão como bem comum - art° 1724° al, b) do Cód. Civil;
5ª- No caso em apreço, sabemos que o contrato foi feito pela mulher para nele se montar um salão de cabeleireira, que era explorado por ela com a ajuda do autor marido, era a mulher que pagava as rendas ao senhorio e recebia os rendimentos que o estabelecimento gerava, mas o autor emitiu alguns cheques para pagamento das rendas e para proceder á instalação do salão foram necessárias obras do locado e elas foram pagas com dinheiro do casal - respostas aos quesitos 7°, 8°, 9° e 11°,
6ª- O estabelecimento, e com ele o arrendamento a ele umbilicalmente ligado, eram administrados pelos dois cônjuges (pela mulher com a ajuda do marido) - resposta ao quesito 7°;
7ª- Lê-se na declaração de voto de vencido constante do douto acórdão recorrido: "Tratando-se de um bem comum (o arrendamento) que não era unicamente utilizado pela mulher (e isto por ser esse aspecto que directamente nos interessa) como instrumento do seu trabalho, não tem aplicação o disposto no art° 1678°, n° 2, al. e) do Cód. Civil, ao contrário do que foi decidido na decisão recorrida com o assentimento da tese que fez vencimento";
8ª- Pode-se pois assentar - como se lê na mencionada declaração de voto de vencido constante do douto acórdão recorrido - em que ele, arrendamento, é assim administrado pelos dois cônjuges como resulta não só dos factos provados, mas do disposto no art° 1678° n° 3 do Cód. Civil que é o aplicável;
9ª- Assim, em relação ao arrendamento que é o objecto do recurso, a mulher, sozinha, só por si, apenas poderá praticar actos de administração ordinária, como o permite o art° 1678° n° 3 do Cód. Civil;
10ª- Como bem móvel comum que é - continua a ler-se na declaração de voto vencido - e caindo a sua administração no âmbito da disposição legal atrás citada (art° 1678° n° 3 do C.P.C.) e não dentro do n°1, nem das al. a) a f) do n° 2, fica a possibilidade da sua alienação fora das facultadas pelo artº 1682° n° 2 do Cód. Civil e, como o seu regime tinha de se ir buscar ao art° 1678° n° 3 do Cód. Civil, daí resulta, face à administração dos dois cônjuges, que a alienação do direito ao arrendamento efectuado pela mulher, sem o consentimento do outro cônjuge só se poderia efectuar se ela couber dentro dos actos de administração ordinária como o permite o citado artº 1682° n° 1, parte final, do Cód. Civil;
11ª- A lei concebe o direito ao arrendamento para comércio, indústria ou profissão liberal como um puro direito patrimonial e, consequentemente, a sua revogação tácita ou denúncia teria que ser feita por ambos os cônjuges e não unilateralmente pela cônjuge mulher sem autorização e sem o conhecimento do seu marido;
12ª- De resto, e por ser assim, não sofre dúvidas que uma acção de despejo onde se pretende obter uma decisão susceptível de ser executada sobre o direito ao respectivo arrendamento comercial ou industrial terá necessariamente de ser intentada contra ambos os cônjuges, pois é um caso de litisconsórcio necessário e a circunstância de essa acção de despejo ser intentada só contra um dos cônjuges é motivo de ilegitimidade passiva (art° 19° do Cód. Proc. Civil);
13ª- A 2ª co-Ré D, arrendatária comercial, ao denunciar ou revogar o contrato de arrendamento para comércio e indústria em apreço, não o podia fazer sem o consentimento do autor seu marido, como contitular desse direito e o consentimento conjugal, nos casos em que é legalmente exigido, deve ser especial para cada um dos actos e a forma do consentimento é a exigida para a procuração - nºs 1 e 2 do art° 1684° do Cód. Civil -, sob pena de anulação dos actos - art° 1678° do Cód. Civil;
14ª- A revogação e entrega do arrendado por parte da 2ª co-Ré D sem o conhecimento e sem autorização do seu marido não pode qualificar-se com um acto de administração ordinária, mas sim como um acto dispositivo;
15ª- Apurada a contitularidade do autor do direito ao arrendamento comercial e industrial em apreço nos presentes autos, apurada a existência de estabelecimento industrial de cabeleireiro e estética que se achava instalado no arrendado e que era explorado pela 2ª co-Ré D com a ajuda do autor recorrente, então seu marido - resposta ao quesito 7° -, apurado que a mesma 2ª co-ré demandada D com o consentimento do senhorio, aqui 1° co-réu recorrido, fez obras de beneficiação do locado, por forma a adaptá-lo ao fim que se destinava, obras essas que foram pagas com dinheiro do casal constituído pela mesma 2ª co-ré e autor recorrente - respostas aos quesitos 9° e 11° -, entende o mesmo recorrente, salvo sempre o devido respeito por opinião contrária, que sua falecida mulher D, ao revogar e entregar o arrendado aos 1°s co-réus recorridos, em finais de Agosto de 1998 - resposta aos quesitos 18°-, sem o seu conhecimento e sua autorização do seu marido - resposta ao quesito 19°- não praticou um acto de administração ordinária, mas sim um acto de disposição ou, pelo menos, um acto de administração extraordinária que também lhe estava absolutamente vedado por lei sem obter o prévio consentimento do marido, sob pena de anulação do mesmo;
16ª- De harmonia com o disposto n° 3 do art° 1678° do Cód. Civil "... cada um dos cônjuges tem legitimidade para a prática de actos de administração ordinária relativamente aos bens comuns do casal ; os restantes actos só podem ser praticados com o consentimento de ambos os cônjuges";
17ª- A 2ª parte desta norma do n° 3 do art° 1678° do C.C. tem carácter imperativo - "só podem"-, pelo que a sua violação acarreta a nulidade do acto - art°s 228°, n° 1, conjugado com o art° 364° n° 1, ambos do Cód. Civil;
18ª- Para o Prof. Antunes Varela, in Direito de Família, ed. 1982, pág. 311 "actos de administração ordinária" são actos destinados a prover a conservação dos bens (v.g. pintar uma casa) ou a promover a sua frutificação normal (apanha da azeitona) e actos de administração extraordinária "devem ser considerados os que visam promover a frutificação normal do prédio (conversão duma vinha em pomar, v.g.) ou a realização de benfeitorias ou melhoramentos nos bens (v.g. construção de silos na herdada, colocação de aquecimento num andar)" e para J. Gomes, no seu "Constituição da Relação de Arrendamento Urbano" pág. 275 e segs., o arrendamento em geral é um acto de administração extraordinária e esta, segundo o mesmo autor, embora caiba dentro dos actos de administração tem, contudo, o regime de actos de disposição;
19ª- Assim, e da doutrina exposta, resulta que actos de administração são aqueles que, recaindo sobre bens ou direitos, têm por objecto conservar e obter o seu normal rendimento, sem alteração da integridade patrimonial - neste sentido cfr. Ac. RP de 22-2-80, in Col. Jur., 58, pág. 56 - e actos de disposição são aqueles com que se diminui o património ou se altera anormalmente a composição deste;
20ª- Ora, o direito ao arrendamento comercial ou industrial tem um valor patrimonial e a situação locativa do arrendatário em contrato de arrendamento para comércio ou indústria pode, também, ser transmitida por partilha judicial ou notarial, em consequência de divórcio - neste sentido cfr. Dr. Artur Victória, in "Novo Inquilinato" Ed. Porto Editora, 1996, pág. 184;
21ª- A 2ª co-ré, ao denunciar unilateralmente ou revogar o contrato de arrendamento para comércio e indústria entregando em finais de Agosto de 1998 o arrendado aos 2°s co-réus senhorios, sem o conhecimento e sem autorização do autor recorrente, então ainda seu marido (embora estivesse pendente acção de divórcio) está claramente a praticar um acto de disposição de um direito e a diminuir o património do casal, excluindo a possibilidade de que esse direito ao arrendamento para comércio e indústria fosse partilhado em consequência do divórcio que posteriormente veio a ser decretado pelo Tribunal, consoante tudo flui do averbamento n° 2 do assento de nascimento junto aos autos na última sessão da audiência de julgamento;
22ª- A sanção legal para o aludido acto de disposição, sem o conhecimento e sem autorização do marido, de um bem ou direito ou direito comum - já que o autor era contitular desse direito - é, necessariamente, a sua nulidade por força do disposto no n° 4 do art° 1687° do Cód. Civil, porquanto aquele acto de disposição infringe claramente o n° 3, 2ª parte, do art° 1678° do Cód. Civil que é uma norma imperativa e o consentimento conjugal teria que revestir a forma exigida para a procuração - n°s 1 e 2 do art° 1684° do Cód. Civil;
23ª- A 2ª co-ré D entregou o arrendado aos 1°s co-réus senhorios em finais de Agosto de 1998 - resposta ao quesito 18°- e o autor recorrente, após ter enviado aos mesmos senhorios a carta junta a fls. 10 - resposta ao quesito 28° -, intentou a presente acção em 22-10-98, ou seja cerca de 1 mês e 22 dias apôs aquela entrega do arrendado, tendo aqueles 1°s co-réus senhorios sido citados para a presente acção alguns dias depois, pelo que se estes não restituíram o arrendado ao autor foi porque não quiseram, sem qualquer razão justificativa, o qual, de resto, continua devoluto - tendo causado ao mesmo autor avultados prejuízos emergentes da privação do gozo e fruição do arrendado desde então até á presente data e só calculáveis em execução de sentença;
24ª- Destes princípios afigura-se-nos - lê-se na douta declaração de voto de vencido constante do acórdão recorrido - "ter plena justificação que atribuamos ao revogar, por parte do cônjuge arrendatário, um contrato de arrendamento de imóvel, que é (o arrendamento) bem comum do casal, administrado por ambos os cônjuges, a natureza de acto de administração extraordinária, no mínimo, pelo que esta revogação exigia, ao contrário da tese que fez vencimento, o consentimento do marido";
25ª- O douto acórdão recorrido viola, por incorrecta interpretação, além do mais, o disposto na al. e) e n° 3, 2ª parte, do art° 1678°, 1682°, 1682-A e 1682-B, n°s 1 e 2 do art° 1684°, art° 1687°, n° 1, e art° 228°, n° 1, conjugado com o disposto no art° 364° n° 1, todos do Código Civil;
26ª- Deve ser revogado o douto recorrido e, julgando-se a acção procedente, declarar-se nula e de nenhum efeito a revogação ou denúncia operada pela co-ré D do contrato de arrendamento para comércio titulado pela escritura de 30/9/97 que constitui fls 11 a 14 dos autos, declarando-se a manutenção e validade desse contrato de arrendamento, ordenando-se a restituição do autor recorrente, como efeito dessa nulidade, da posse e chave do locado e condenando-se ainda os réus recorridos solidariamente a pagarem ao mesmo autor a indemnização que se liquidar em execução de sentença,
7. Contra-alegaram os 1ºs RR sustentando a correcção do julgado, formulando, por seu turno, 25 conclusões cujo conteúdo se dá aqui por inteiramente reproduzido.
8. Corridos os vistos legais, e nada obstando, cumpre decidir.
9. Em matéria de facto relevante, deu a Relação como assentes os seguintes pontos:
1º- o Autor, em 2 de Abril de 1977, contraiu casamento com a 2ª Ré, D (A) dos factos assentes);
2º- os 1ºs RR B e C são donos do prédio urbano, composto por um edifício de três pavimentos, destinado a indústria e comércio, com logradouro, sito na Avenida de José Júlio, freguesia e comarca de Penafiel, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1190 (8) dos factos assentes);
3º- por escritura pública de arrendamento elaborada no Cartório Notarial de Penafiel, em 30-9-97, os 1ºs RR declararam dar de arrendamento à 2ª Ré D uma dependência, com a área de 80 m2, ao nível do r/ch, 30 piso, o terceiro do estabelecimento, a contar do lado esquerdo, pelo prazo de um ano, renovável por iguais e sucessivos períodos de tempo, com início no dia 1-1-97, pela renda anual de 857.532$00, em prestações de 71.4641$00, na residência dos senhorios ou do seu representante legal, nesta cidade, no 1 ° dia útil do mês a que disser respeito. O local arrendado destina-se a salão de cabeleireiro; a arrendatária poderá fazer obras com o consentimento prévio do senhorio. A ré D declarou aceitar o contrato (tudo conforme doc. junto a fls. 11 a 14, que se tem por integralmente reproduzido) dos factos assentes);
4º- O Réu B tem um escritório onde trabalha, numa loja confinante ao sobredito estabelecimento (D) dos factos assentes);
5º- a Ré D, em Agosto de 1998, entregou o arrendado e respectivas chaves ao senhorio (E) dos factos assentes);
6º- por escrito denominado "Promessa de Contrato de Arrendamento Provisório", datado de 20-5-89, o réu declarou prometer arrendar e a ré D declarou prometer tomar-lhe de arrendamento uma dependência com 80 m2 no 3° piso do prédio urbano sito na Avenida José Júlio, Penafiel, inscrito na matriz da freguesia de Penafiel sob o artigo 1757 (doc. de ris. 41);
7º- mais declararam que o arrendamento é feito pelo prazo de um ano, renovável nos termos da lei e terá o seu início no dia 1-1-90 (doc. de fls. 41);
8º- e que a renda anual é de 54.000$00, pagável em duodécimos de 45.000$00 no 1° dia útil do mês a que respeitar, na residência dos senhorios (doc. de fls 41);
9º- e que do presente contrato será efectuada escritura pública logo que o 2° outorgante possua os elementos da sociedade a constituir, para se realizar a mesma (doc. de fls. 41);
10º- e que os elementos necessários para se efectuar o contrato definitivo de arrendamento serão da responsabilidade do segundo outorgante, bem como todas as despesas inerentes para a efectivação do mesmo (doc. de fls. 41);
11º- com a escritura supra dita em C), os réus pretenderam reduzir a escrito um contrato de arrendamento existente sobre a dita loja, entre si e a ré D, que teve início em 1-1-88 (resposta ao quesito 1º);
12º- o estabelecimento mencionado destinava-se também a salão de estética (resposta ao quesito 2°);
13º- a renda acordada, na data dita em 1º., foi de 45.000$00, renda que, por via de sucessivas actualizações, foi fixada em 71.461 $00 (resposta quesitos 3° e 4°);
14º- a ré D instalou no locado há cerca de 10 anos, com referência à data da propositura da acção, o estabelecimento denominado "Salão D - Instituto de Beleza", o qual se encontrou a funcionar ininterruptamente, à vista de toda a gente, desde 9-11-88 até fins de Agosto de 1998 (resposta aos quesitos 5° e 6°);
15º- sendo explorado pela demandada D, com a ajuda do autor, então seu marido, sendo que aquela pagava as rendas ao senhorio e recebia os rendimentos que o mesmo gerava (resposta ao quesito 7°);
16º- o autor emitiu alguns cheques que foram entregues ao 1 ° réu marido para pagamento de rendas (resposta ao quesito 8°);
17º- para proceder à referida instalação, a ré, com o consentimento do senhorio, fez obras de beneficiação do locado, por forma a adaptá-la ao fim a que se destinava (resposta ao quesito 9°);
18º- as obras foram pagas com dinheiro do casal formado pela ré D e o autor (resposta ao quesito 11º);
19º- após a realização de tais obras, a ré D instalou o referido salão de cabeleireiros e estética (resposta ao quesito 12°);
20º- inicialmente tal estabelecimento tinha numerosa clientela e empregava cinco trabalhadoras (resposta aos quesitos 13° e 14°);
21º- desde meados de Dezembro de 1997 que o autor e a ré D não convivem um com o outro e vivem em casas separadas (resposta ao quesito 15°);
22º- os filhos do casal encontram-se à guarda e cuidados do autor (resposta ao quesito 16°);
23º- a ré D, em finais de Agosto de 1998, entregou o arrendado aos 1 °s RR, sem o conhecimento e autorização do autor (resposta aos quesitos 18° e 19°);
24º- o autor enviou aos primeiros réus a carta junta a «s. 20, com o conteúdo que dela consta (resposta ao quesito 28°);
25º- o 1° réu marido, no início, ia esporadicamente ao cabeleireiro em causa (resposta ao quesito 30°);
26º- o autor era e é professor do ensino secundário oficial, o que é do conhecimento dos 1ºs réus (resposta aos quesitos 35° e 36°).
Passemos agora ao direito aplicável .
10. Foi entendido pelas instâncias que o acto de cessação do contrato de arrendamento não necessitava de ser também exercido, ou sequer autorizado, pelo autor, ora recorrente, então marido da Ré, sem embargo de ambos serem entre si casados segundo o regime da comunhão de adquiridos, e de haverem ambos contribuído para a instalação do estabelecimento no prédio locado, no qual a Ré D exercia a actividade de cabeleireiro e de estética.
Mais foi considerado que, face ao disposto no art. 1678°, e) do C. Civil, a Ré detinha a administração dos bens móveis próprios do outro cônjuge ou comuns, por ela exclusivamente utilizados como instrumento de trabalho.
E, outrossim, que, face ao preceituado no n° 3 do mesmo preceito, fora dos casos previstos nas alíneas a) a g) do seu n° 2 cada um dos cônjuges tem legitimidade para a prática de actos de administração ordinária relativamente aos bens comuns do casal.
E daí que o cerne do "thema decidendum" da presente revista resida em saber se a Ré D tinha poderes para, por si só, fazer cessar o contrato de arrendamento comercial/industrial, que só e apenas ela havia oportunamente celebrado por escritura pública, com os 1°s RR.
Vem, na realidade, provado que a Ré D instalou no prédio locado, cerca de dez anos antes da propositura da subjacente acção, um salão denominado "Salão Cabeleireiros - Instituto de Beleza", o qual funcionou desde 9-11-88 até fins de Agosto de 1998, altura em que a D entregou as chaves do arrendado aos 1°s RR sem conhecimento e autorização do autor ora recorrente
Quid juris pois ?
Há que adiantar, desde já, que o sentido decisório das instâncias não merece censura, face às normas aplicáveis versus a matéria de facto dada como assente .
Do elenco da factualidade dada como provada, nomeadamente dos seus pontos 3., 14., 15., 17. e 19, emerge com relevo decisivo para a sorte do recurso que:
- só a Ré D outorgou, na qualidade de arrendatária, o contrato de arrendamento comercial em apreço nos autos;
- foi a R. D, exclusivamente, quem instalou, explorou e manteve o estabelecimento comercial no locado, quem pagava as rendas e recebia os rendimentos que tal estabelecimento gerava; e
- não houve qualquer alienação do estabelecimento comercial por parte da R. D aos 1°s RR. .
E não tendo ficado provada uma qualquer alienação ou oneração do estabelecimento pela R. D aos 1°s. RR., desde logo ficaria fora de causa a estatuição do art° 1682°-A do C. Civil (necessidade do consentimento de ambos os cônjuges) .
Detinha ou não a R. D poderes para, isoladamente, sem dar conhecimento ou solicitar o acordo do A., proceder à cessação (denúncia ou revogação) do contrato de arrendamento comercial celebrado com os 1°s RR.?
A resposta só pode ser afirmativa .
Tratava-se, com efeito, de um acto de administração ordinária sobre um bem comum do casal (o direito ao arrendamento) que contudo era exclusivamente utilizado pela R. D como seu instrumento de trabalho, logo praticado no âmbito dos poderes conferidos pela al. e) do n° 2 do art° 1678° do C. Civil.
Do art° 1678° resulta que, relativamente aos bens referidos no seu n° 2, o cônjuge administrador pode, por si só, praticar actos de administração ordinária e extraordinária, pelo que a R. D, que utilizava o bem em causa exclusivamente como instrumento do seu trabalho, poderia praticar actos de administração ordinária e extraordinária relativamente ao mesmo.
Na esteira de Prof. Pereira Coelho, in "Curso de Direito da Família" Volume 1, 2ª ed, págs. 377- 380 - a este propósito citado pelos recorridos - " ...quando o estabelecimento mercantil é explorado por um dos cônjuges, o facto de aquele ser um bem comum nem por isso legitima a interferência do consorte na gestão empresarial, ao abrigo do n° 3 do art° 1678° do C. Civil " ... . A decisão de explorar, com poderes exclusivos, um bem integrado no património comum é uma decisão relativa à vida conjugal comum que tem de ser tomada pelos dois cônjuges, nos termos gerais do art° 1672°, n° 1, do C. Civil. A norma especial que garante o exercício continuado de uma administração exclusiva de um bem comum - acrescendo à concordância prévia do outro cônjuge relativa ao início da actividade - parece ser o referido no art° 1678° n° 2 al., e) do C. Civil, que confere poderes exclusivos de administração ao cônjuge que usa o bem comum como instrumento exclusivo de trabalho " (sic).
Na hipótese vertente, ficou provado que foi sempre a R. D que exerceu poderes exclusivos de exploração do estabelecimento comercial, e também de administração do próprio arrendamento comercial inerente a essa exploração, já que ambos instrumentos exclusivos do seu trabalho, e uma vez que ficou também provado que o A. exercia o específico múnus de professor do ensino secundário público.
A devolução do arrendado (pela Ré) aos 1°s. RR. perfila-se, deste modo, como um acto de gestão, ou de administração, quer do estabelecimento comercial que pessoalmente explorava - encerrando-o -, quer do contrato de arrendamento inerente a essa exploração - entregando-o -, sendo que a administração de ambos pertencia em exclusivo a ela R. D .
Não obstante o direito ao arrendamento ser de qualificar como "bem comum do casal-, o mesmo encontrava-se, contudo, umbilicalmente ligado à exploração da respectiva actividade comercial. Encerrada esta, a respectiva subsistência deixaria de fazer sentido, e poderia mesmo a R. vir a ser despejada se não ocupasse o prédio ou nele não desenvolvesse a sua actividade por mais de um ano - al. h) do n° 1 do art° 64 do RAU 90.
Ao atribuir a um dos cônjuges a administração exclusiva dos bens móveis comuns por ele exclusivamente utilizados como instrumentos do seu trabalho, pretendeu sem dúvida o legislador que " o cônjuge utilize os instrumentos de trabalho com a liberdade própria de um administrador dos bens do casal, isto é, com a liberdade de tomar decisões que podem ser de administração extraordinária, e até de disposição - art° 1682º, nº 2 do C. Civil " - conf., Pereira Coelho, in ob cit, pág. 374. Ademais " o cônjuge que administrar bens comuns ou próprios do outro cônjuge, ao abrigo do disposto nas alíneas a) a j) do n° 2 do art° 1678° nem sequer se encontra obrigado a prestar contas da sua administração,... " - art° 1681°, n° 1 do C. Civil " (sic);
Sustentou o A. na p.i., para fundamentar o seu pedido, o disposto nos art°s 1682°- A e 1682°-B (por analogia), e 1687°, n° 3, 2ª parte, dizendo que tal acto carecia, face ao disposto nesses artigos, de consentimento dele A., e que assim estaria ferido de anulabilidade.
Mas não é assim .
Os art°s 1682°-A e 1682°-B contemplam específicas situações concretas que carecem do consentimento do outro cônjuge para a sua legítima realização.
Mas o acto praticado pela R. D - de que vimos curando - não cabe no âmbito das previsões do art° 1682°-A do C. Civil.
Em anotação a este artigo - 1682º-A do C. Civil -, pode ler-se a pág. 305 do C. Civil Anotado, Vol. IV, 2ª Ed, de Pires de Lima e Antunes Varela, com reporte à anterior redacção do art° 1682° do C. Civil e às alterações introduzidas pelo DL 496/77 de 25/11, o seguinte:
" ... não se exigia o consentimento de ambos os cônjuges para a resolução ou denúncia do arrendamento em que qualquer deles, ou ambos conjuntamente, fossem arrendatários. A resolução ou denúncia do arrendamento constituíam actos de gestão que recaíam, em princípio, dentro da órbita do cônjuge administrador.
Hoje, porém, quanto à resolução ou denúncia do arrendamento da casa de morada de família rege o disposto no art° 1682°-B do C. Civil que:
" Relativamente à casa de morada de família, carecem do consentimento de ambos os cônjuges: a) - a resolução ou denúncia do contrato de arrendamento pelo arrendatário; b) - a revogação do arrendamento por mútuo consentimento; c) - a cessão da posição do arrendatário; d) - O subarrendamento ou o empréstimo total ou parcial. "
Jamais pois tal preceito - apenas especificamente regulador da disposição do direito ao arrendamento relativamente à casa de morada de família - poderia ser aplicado por analogia à situação «sub-judice» contra o que pretende o recorrente (artº 11º do C. Civil).
Em suma: não pretendeu o legislador incluir o acto de resolução, denúncia ou revogação do contrato de arrendamento comercial no elenco dos actos que carecem de consentimento de ambos os cônjuges para serem legítimos e não se encontrarem inquinados de vício gerador da respectiva anulabilidade.
O acto praticado pela R. D pode ser classificado como um acto de gestão ou administração ordinária, praticado dentro da órbita dos poderes do cônjuge administrador, ou seja, dentro da previsão legal do n° 3, 1ª parte, do art° 1678° do C. Civil.
Como assim, apresenta-se como um acto de inquestionáveis legitimidade e validade, praticado pelo cônjuge que tinha a administração exclusiva desse concreto bem comum do casal, que era utilizado exclusivamente por si como instrumento do seu trabalho, e que, como tal, não necessitava do consentimento do A., seja por aplicação da al e) do n° 2 do art° 1678° do C. Civil, seja por força da aplicação da 1ª parte do n° 3 do mesmo artigo, seja ainda porque os artigos 1682°, 1682°-A e 1682°-B do C. Civil não proíbem ao cônjuge arrendatário a rescisão do direito de arrendamento comercial sem o consentimento do outro cônjuge .
Tal como bem salienta o acórdão recorrido, se a R. D podia tomar de arrendamento um espaço urbano sem a autorização do marido, poderia de igual modo decidir unilateralmente pôr-lhe termo - art° 1690°, n° 1 do C. Civil .
O autor e ré D foram casados no regime de comunhão de adquiridos.
O estabelecimento referido, era bem comum do casal - conf. artºs 1724°, b) e 1722° a contrario do Código Civil.
De resto, face à resposta negativa e aos quesitos 19° a 27°, o autor não logrou provar a tese de que a Ré D tivesse alienado o estabelecimento comercial em causa como universalidade jurídica .
Comunicando-se embora o direito de arrendamento comercial (ao contrário do que acontece com o arrendamento para habitação) ao cônjuge do arrendatário como meeiro (conf. neste sentido, Aragão Seia, in "Arrendamento Urbano", 6ª edição, pág 543 em anotação ao artº 83º do RAU 90, e R. Capelo de Sousa, in "Lições de Direito das Sucessões", pág. 273), não é menos certo que o arrendatário, sem consentimento do respectivo cônjuge, pode validamente fazer cessar o arrendamento por si celebrado.
Poderia, destarte, a Ré arrendatária pôr fim (por acordo com o respectivo senhorio) ao contrato de arrendamento sem consentimento do seu marido; isto porque os arts, 1682º, 1682º-A e 1682º-B do C. Civil não proíbem ao cônjuge arrendatário a rescisão do direito ao arrendamento comercial sem consentimento do cônjuge; e «ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus» .
Termos em que, sendo juridicamente de qualificar como "bem móvel" comum tal direito ao arrendamento, por força da disposição residual do nº 1 do artº 205º do C. Civil, mas utilizado como instrumento da trabalho apenas pela Ré D, nada obstaria à sua disposição (unilateral) por esta sem a participação do seu cônjuge (o autor ora recorrente) - cfr. neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, in "Código Civil Anotado", IV vol. em anotação ao art. 1682°.
Do mesmo modo que a Ré sempre poderia tomar («a se») de arrendamento um qualquer espaço urbano, sem carecer, necessariamente, do consentimento do seu marido - art. 1690°, n° 1, do C. Civil -, também poderia rescindir o contrato por si outorgado tendo por objecto esse mesmo direito (argumento «a majore ad minus»).
Repete-se: a cessação do direito ao arrendamento, por parte da Ré D, relativamente ao estabelecimento industrial por si pessoal e efectivamente gerido, configura um mero acto de gestão patrimonial, como tal em princípio integrado no âmbito/acervo dos poderes do cônjuge administrador.

11. Decisão:
Em face do exposto, decidem:
- negar a revista;
- confirmar, em consequência, o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 23 de Setembro de 2004
Ferreira de Almeida
Abílio Vasconcelos
Ferreira Girão