Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | MOREIRA CAMILO | ||
Descritores: | CASO JULGADO | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | SJ | ||
Data do Acordão: | 07/14/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | CONCEDIDO PROVIMENTO | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | 1. A desistência do pedido extingue o direito que se pretende fazer valer, constituindo uma causa de extinção da instância – artigos 287º, d), e 295º, nº 1, do CPC. 2. A desistência do pedido traduz um acto positivo da parte que afecta o direito de quem a produz na justa medida em que implica a solução do litígio, sendo, juntamente com a confissão e a transacção (artigo 293º do CPC), uma forma de composição da lide: o conflito de interesses, traduzido na lide ou relação substancial em litígio, fica resolvido e arrumado mediante qualquer desses actos. 3. Tendo uma seguradora intentado, em 21.09.2005 e em 06.01.2006, duas acções contra a mesma pessoa, tendo em vista exercer o direito de regresso que, alegadamente, lhe assiste, nos termos do artigo 19º, nº 1, c), do DL 522/85, de 31.12 (agora, artigo 27º, nº 1, c), do DL 291/2007, de 21.08), nas quais peticiona montantes globais distintos (na 1ª, € 11.147,66 e, na 2ª, € 36.608,26, nesta última se incluindo, além do mais, os danos invocados na 1ª), e tendo desistido do pedido na 1ª acção, com homologação judicial, criou com tal atitude uma situação de caso julgado na 2ª acção, pois estamos perante a tríplice identidade de sujeitos, de causa de pedir e de pedido, porquanto, independentemente da diferença de valores peticionados, o real pedido é o reembolso a que, alegadamente, tem direito (cfr. artigo 498º do CPC). | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – No Tribunal Judicial da Comarca de Valongo, Companhia de Seguros BB, S.A., em acção com processo ordinário, intentada contra AA, pediu que, com a procedência da acção, seja o Réu condenado a pagar à Autora a quantia de € 36.608,26, acrescida de juros vincendos contados desde a citação até total e efectivo pagamento. Para fundamentar a sua pretensão, alega, em síntese, que ocorreu um acidente de viação no dia 06.09.2004, em Campo, Valongo, em que foram intervenientes o veículo ligeiro de matrícula 00-00-RH, segurado na Autora, conduzido pelo Réu, seu proprietário, e o ciclomotor de matrícula 2-PRD-00-00, tripulado por CC, seu proprietário, e que o segurado conduzia a uma taxa de alcoolémia de 0,98 g/l, atribuindo a culpa do acidente a este e invocando que o acidente só ocorreu devido a grande quantidade de álcool ingerida pelo Réu. Pretende ser reembolsada dos montantes liquidados na sequência do acidente em causa. Na sua contestação, o Réu, além de impugnar parte da factualidade alegada na petição e de deduzir um pedido reconvencional, veio arguir a excepção de litispendência, sustentando que a Autora, com os presentes autos, propunha causa idêntica a outra já proposta quanto aos sujeitos, causa de pedir e objecto da acção, sendo em tudo idêntica à acção proposta em 21.09.2005, que corre termos no 3º Juízo do mesmo Tribunal. Em resposta a tal excepção, a Autora veio esclarecer que, por manifesto lapso dos seus serviços, havia sido proposta, em 21.09.2005, acção judicial contra o ora Réu, tendo aí desistido do pedido formulado, pelo que deve improceder a excepção invocada. A fls. 122 e seguintes, no seguimento de despacho proferido nesse sentido, foi junta certidão da petição inicial referente ao outro processo, registado com o n.º 4700/05.0TBVLG, e da sentença aí proferida, com nota de trânsito em julgado. Foi proferido despacho saneador, onde se decidiu: “- Julgar procedente a invocada excepção dilatória de caso julgado e, consequentemente, absolver o Réu AA da instância, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 493º/1 e 2 e 494º/i), ambos do Código de Processo Civil. - Nos termos do disposto no art. 274º/6 do mesmo diploma legal, julgar não poder conhecer do pedido reconvencional deduzido pelo Réu AA contra a Autora Companhia de Seguros BB SA, por o mesmo depender do pedido formulado pela Autora”. Após recurso da Autora, foi, no Tribunal da Relação do Porto, proferido acórdão, segundo o qual, dando-se provimento ao agravo, se decidiu revogar a decisão recorrida, “que deverá ser substituída por outra na qual se proceda à elaboração da base instrutória, se outra razão não obstar ao seu prosseguimento”. Inconformado com tal decisão, dela veio o Réu interpor o presente recurso de agravo, o qual foi admitido. O agravante apresentou alegações e respectivas conclusões, pedindo a revogação do acórdão proferido. Contra-alegou a agravada, defendendo a manutenção do acórdão impugnado. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. II – No acórdão recorrido, foi tida como provada a seguinte factualidade: 1. A Autora Companhia de Seguros BB intentou a presente acção com processo ordinário contra o Réu AA, articulando nos termos que se encontram enunciados supra I-A). 2. Na acção proposta e que correu termos no 3º Juízo do Tribunal Judicial de Valongo, a aqui Autora, igualmente aí Autora, intenta acção contra o aqui Réu, pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de € 11.147,66, invocando, como causa de pedir, um embate ocorrido no dia 6 de Setembro de 2004, entre os veículos 00-00-RH, segurado na Autora pelo contrato de seguro titulado pela apólice nº 06000000, e o ciclomotor de matrícula 2 PRD-00-00, embate esse ocorrido na EN n.º 15, ao Km 11, na comarca de Valongo. Descreve a dinâmica do embate em causa imputando igualmente a responsabilidade na produção do mesmo ao condutor do veículo seguro na Autora, uma vez que este conduziria com uma taxa de álcool no sangue determinada em 0,98 g/l, mais descrevendo que o condutor do ciclomotor foi confrontado com a manobra levada a cabo pelo Réu, que ocupou a via da esquerda para aceder à Avenida .... A título de danos, elenca, a saber: despesas suportadas com o internamento, consultas, exames e demais tratamentos médicos e medicamentosos a que o condutor do ciclomotor foi sujeito em virtude do embate, indemnização ao condutor do mesmo por abonos, despesas de tratamento, entre outros danos suportados pelo mesmo, e danos relativos à reparação do ciclomotor. 3. Conforme resulta da certidão junta, a Autora desistiu do pedido aí formulado, desistência essa que foi homologada por sentença proferida em 22.03.2006, e transitada em julgado em 03.04.2006. III – 1. No acórdão recorrido, depois de se fazerem determinadas considerações sobre os preceitos legais relativos à excepção dilatória do caso julgado e a atinentes ensinamentos da doutrina, e para se concluir pela revogação da decisão impugnada, escreveu-se: “Na verdade, não podemos afirmar com rigor que há identidade de pedido (quando numa e noutra casa se pretende obter o mesmo efeito jurídico) e que há identidade de causa de pedir (quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico). Quanto ao pedido temos que na acção proposta e que correu termos no 3º Juízo deste Tribunal, a aqui autora, igualmente aí autora, pedia a condenação do Réu no pagamento da quantia de € 11.147,66. Nesta acção a Autora pede a condenação do Réu no pagamento da quantia de € 36.608,26. O pedido formulado numa e noutra acção não é idêntico, não se vislumbrando com rigor a identidade do pedido. Mas também a causa de pedir é diferente. Na verdade, estamos perante um acidente de viação em que a causa de pedir é complexa fazendo parte dessa causa de pedir não só o evento, o acidente em si, a culpa/risco, mas também a vertente dos prejuízos peticionados (a origem destes prejuízos e seu montante). Deste modo, “não há identidade da causa de pedir (e consequentemente do pedido) entre duas acções sobre o mesmo acidente, mas em que os prejuízos alegados (e pedidos) não coincidem”, Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 13-5-04, in Proc 948/04 – 2ª Sec. Podemos assim afirmar que “constituindo os danos uma vertente integradora da causa de pedir nesta espécie de acções, se não houver coincidência, (...) entre os prejuízos alegados e peticionados numa e noutra acção, falha a referida tríplice identidade, pressuposto legalmente exigido para a procedência da excepção dilatória do caso julgado”, Ac. citado. Deste modo entendemos que não se verifica a excepção de caso julgado, pois na presente acção nem o pedido é idêntico nem a causa e pedir é a mesma. Não se verificam os requisitos do caso julgado uma vez que as questões colocadas em ambas as decisões são diversas pelo que não se pode falar em repetição da causa e, consequentemente, entendemos que não se verifica a excepção dilatória do caso julgado. Os fundamentos e as razões da excepção do caso julgado não se verificam. Não se verifica o perigo de haver duas decisões diferentes para a mesma questão, de os tribunais decidirem de modo diverso para a mesma situação. A decisão proferida no processo que correu termos no 3º Juízo deste Tribunal não abordou todas as questões que se colocam nestes autos não se verificando a tríplice identidade – identidade de sujeitos, identidade de pedido e identidade de causa de pedir – pressuposto legalmente exigido para a procedência da excepção dilatória do caso julgado”. 2. Concluindo em sentido contrário, escreveu a Senhora Juíza da 1ª instância: “O que se pode retirar do cotejo das duas acções? Inquestionavelmente, desde logo, que as partes são as mesmas, assumindo inclusivamente as mesmas posições processuais de Autora e Réu em ambas as acções. Por outro lado, é também incontornável que a causa de pedir se decalca numa e noutra acção (...). De facto, é pacífico que nas acções emergentes de acidente de viação, a causa de pedir é complexa, reconduzida ao acidente, aos prejuízos e culpa ou risco. No caso em apreço, haverá que concluir que o acidente em causa é o mesmo nas duas acções, a alegação da culpa é igualmente em tudo idêntica, sendo que o pedido formulado em ambos é igualmente idêntico na medida em que em ambas as acções se pede a condenação do Réu no pagamento de uma determinada quantia a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais alegadamente sofridos. Diverge, é certo, o valor do pedido formulado, sendo substancialmente superior o valor pedido nestes autos, sendo que tal sucede uma vez que nesta acção são peticionados e alegados danos que não o foram na acção que correu termos no 3º Juízo deste Tribunal. Todavia, é igualmente inquestionável que o suporte desses danos, ou seja, a conduta que na alegação da Autora os produziu, é exactamente a mesma. A questão a decidir radica, assim, em saber, prima facie, se estamos ou não perante uma repetição da causa, por verificação da tríplice identidade a que alude o art. 498º nº 1 do CPC. Cremos que a resposta não pode deixar de ser afirmativa. De facto, e centrando-nos agora na identidade do pedido (já que quanto aos demais elementos dúvidas não surgem acerca do seu absoluto decalcamento em ambas as acções), chamemos à colação o Douto Aresto do Tribunal do Supremo Tribunal de Justiça de 02-11-2006, disponível em www.dgsi.pt, com o n.º de documento STJ20061102030272, no qual se refere que “Para haver identidade de pedido, como pressuposto de litispendência, tem sim que ser o mesmo o direito subjectivo cujo reconhecimento ou protecção se pede, independentemente da sua expressão quantitativa, não sendo, consequentemente, necessária, à luz do disposto no art. 498º, n.ºs. 1 e 3, rigorosa identidade formal entre os pedidos, antes se mostrando suficiente o recordado por Calvão da Silva in Estudos de Direito Civil e Processo Civil, 1996, pág. 24, com pertinência à colação chamado na decisão apelada, isto é, que sejam coincidentes o objectivo fundamental de que dependa o êxito de cada uma das acções”. E esse é, sem qualquer margem para dúvida, o mesmo em ambas as acções em apreço - a condenação do Réu no pagamento de uma determinada quantia em dinheiro a título de danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em virtude do mesmo embate, com a mesma causa de pedir. O único factor que estabelece a linha de fronteira relevante entre ambas as acções é, sem dúvida, a expressão numérica de tal pedido, reportada à atribuição diferente de valores de danos alegados. Apenas, cremos, formalmente poderia colher o argumento de que inexiste repetição de causas, ficcionando agora que bastaria ao autor que desistisse do pedido numa acção intentar outra em que peticionasse a mais a indemnização - mesmo que sem expressão numérica relevante - afastando, assim, os efeitos decorrentes da desistência do pedido que havia formulado, criando à contraparte a aparência e expectativa de que não lhe exigira tal indemnização. (...). Pois que a desistência do pedido, ao invés da desistência da instância, não produz efeitos apenas e tão só no estrito âmbito daquele processo, mas antes ultrapassa-o, extravasa-o, acompanha-o. Na verdade, o art. 295º/1 do CPC é claro ao prescrever que a desistência do pedido extingue o direito que se pretendia fazer valer, pelo que os efeitos preclusivos do caso julgado material impedem ao Autor que faça emergir novamente um pedido indemnizatório, atribuindo-lhe um diferente valor ou mesma uma diferente construção jurídica”. 3. Segundo o nº 1 do artigo 497º do Código de Processo Civil (CPC), “As excepções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à excepção do caso julgado”. “Tanto a excepção da litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior” – nº 2 do mesmo artigo. Por sua vez, o artigo 498º estabelece o seguinte: “1. Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir. 2. Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica. 3. Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico. 4. Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas suas acções procede do mesmo facto jurídico. Nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas acções constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido”. A litispendência e o caso julgado são excepções dilatórias do conhecimento oficioso do tribunal, obstando a que o tribunal conheça do mérito da causa e dando lugar à absolvição da instância – artigos 493º, nº 2, 494º, i), e 495º do citado diploma. Na acção proposta em 21.09.2005, a Companhia de Seguros Fidelidade-Mundial, S.A., pediu a condenação de AA a pagar-lhe a quantia de € 11.147,66, acrescida de juros, alegando ter suportado tal quantia global devido aos pagamentos que fez ao lesado no acidente de viação em causa por “diversos danos patrimoniais e físicos”, os quais discriminou da seguinte forma: “1 – Pagamento de € 8.188,76 concernente a despesas suportadas com o internamento, consultas, exames e demais tratamentos médicos e medicamentosos, a que o condutor do ciclomotor se teve que submeter em virtude do acidente ocorrido (Cfr. docs. nºs 3 a 17). 2 – Indemnização ao condutor do ciclomotor pela quantia de € 2.371,9 relativa a abonos, despesas de tratamento, entre outros danos suportados pelo mesmo (Cfr. docs. nºs 18 a 21), e, finalmente, 3 – A quantia de € 587,00 relativa aos custos de reparação do ciclomotor (Cfr. doc. nº 22)”. 4. Na presente acção, intentada em 06.01.2006, a mesma demandante pediu a condenação do mesmo demandado a pagar-lhe a quantia de € 36.608,26, acrescida de juros, alegando que, por força do acidente verificado, “no cumprimento das suas obrigações contratuais”, liquidou os seguintes valores: “597,00 € referente à reparação do ciclomotor 2-PRD, em consequência do acidente supra descrito, cfr. documento nº 3 que a diante se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos; 115,70 € referente a despesas de tratamentos médicos efectuados pelo condutor do ciclomotor 2-PRD, em consequência do acidente, cfr. documento nº 4 que a diante se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos; 7.639,36 € referente a tratamentos hospitalares recebidos pelo condutor do 2-PRD, em consequência do acidente supra descrito cfr. documentos nºs 5 a 15 que a diante se juntam e aqui se dão por integralmente reproduzidos para os devidos e legais efeitos; 2.256,20 € referente abonos que a A. teve de suportar para com o condutor do ciclomotor, em consequência do acidente supra descrito cfr. documentos nºs 16 a 18 que a diante se juntam e aqui se dão por integralmente reproduzidos para os devidos e legais efeitos; 26.000,00 € referente à indemnização liquidada ao condutor do ciclomotor compreendendo danos patrimoniais e danos morais, em consequência do acidente supra descrito, cfr. documento nº 19 que a diante se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos”. 5. A desistência constitui uma causa de extinção da instância – cfr. artigo 287º, d), do CPC. Refere o nº 1 do artigo 293º do mesmo diploma que “O autor pode, em qualquer altura, desistir de todo o pedido ou de parte dele, como o réu pode confessar todo ou parte do pedido”. “A desistência do pedido extingue o direito que se pretendia fazer valer” – artigo 295º, nº 1 –, sendo que “A desistência do pedido é livre, mas não prejudica a reconvenção, a não ser que o pedido reconvencional seja dependente do formulado pelo autor” – artigo 296º, nº 2. Postos estes princípios legais, diremos que a desistência do pedido traduz um acto positivo da parte que afecta o direito de quem a produz na justa medida em que implica a solução do litígio. Juntamente com a confissão e a transacção (cfr. artigo 293º), a desistência é uma forma de composição da lide: o conflito de interesses, traduzido na lide ou relação substancial em litígio, fica resolvido e arrumado mediante qualquer desses actos. Estas três figuras assemelham-se à sentença de mérito quanto à sua função, diferindo dela quanto à estrutura. Se todos são actos de composição da lide, a verdade é que o modo e o critério de composição são completamente diferentes. Ali, a composição é obra das partes, enquanto que na sentença de mérito é obra do juiz. No primeiro caso, as partes compõem ou resolvem a lide segundo a sua vontade, sem terem de se preocuparem com o regime jurídico aplicável; no segundo caso, o juiz compõe a lide em conformidade com as determinações do direito objectivo. No caso do presente recurso – o alcance da desistência do pedido na primeira acção intentada –, podemos dizer que se trata de um caso de composição voluntária da parte, que, dessa forma, põe termo ao litígio (cfr. Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. I, págs. 366 e 367 e 462 a 466). Segundo Miguel Teixeira de Sousa (Estudos sobre o Novo Processo Civil, págs. 205 e 206), a desistência do pedido é o negócio unilateral através do qual o autor reconhece a falta de fundamento do pedido formulado. Com efeito, a desistência do pedido representa o reconhecimento pelo autor de que a situação jurídica alegada não existe ou se extinguiu, arrastando consigo a extinção da situação jurídica que pretendia tutelar (artigo 295º, nº 1), ou constitui a situação que o autor negava. A mesma pode ser total ou parcial (artigo 293º, nº 1). É sintomático que a desistência releva no caso concreto aqui em causa, porquanto, apesar da mesma, a Autora intentou, com base na mesma causa de pedir (o direito de regresso que alegadamente lhe assiste por força do pagamento que obrigatoriamente teve de fazer relativamente aos danos causados pelo seu segurado) outra acção, onde fundamentou o mesmo pedido, o pedido de pagamento que já formulara na acção em que expressou a sua desistência. Perante o mesmo Réu, a Autora já tinha deduzido um pedido igual com base na mesma causa de pedir, desistindo, porém, do mesmo, ou seja, reconhecendo – bem ou mal, não interessa – que o mesmo não tinha qualquer cabimento. Significa isto que, com tal desistência, precludiu o direito que a Autora pretendia fazer valer sobre o Réu. Assim, transitada em julgado a decisão que julgou válida a desistência, nada mais há a fazer do que respeitar a força jurídica da mesma: a composição do litígio ficou definitivamente resolvida. E isto porque, como bem acentua Lebre de Freitas, a homologação da desistência do pedido (ao contrário do que acontece com a absolvição) constitui caso julgado material (Introdução ao Processo Civil – Conceito e Princípios Gerais, pág. 125). Ora, o que constitui verdadeiramente a causa de pedir nas duas acções é o que integra o direito de regresso da seguradora que satisfez a indemnização contra o condutor que alegadamente agiu sob a influência do álcool, direito previsto no artigo 19º, c), do Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro (agora, artigo 27º, nº 1, c), do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto). Logo, e ao contrário do que se refere no acórdão recorrido, há identidade de causa de pedir, independentemente de, na segunda acção, a Autora invocar o pagamento ao lesado de mais danos para além dos danos enunciados na petição inicial da primeira acção. Se assim é – e ainda ao contrário da posição da Relação –, também teremos de concluir que existe a identidade de pedido, independentemente do valor do montante peticionado, pois que o real pedido é o reembolso a que a Autora alegadamente tem direito. Sendo assim, e como, no tocante à ocorrência da identidade dos sujeitos, a mesma é patente, temos de reconhecer que estamos perante uma situação de caso julgado, pelo que o acórdão recorrido não poderá manter-se. Aliás, a análise dos documentos juntos pela Autora, aquando da propositura da presente acção, permite-nos inferir que todos os pagamentos efectuados ao lesado se verificaram antes de ser intentada a primeira acção. 6. Decorre, pois, do exposto que colhem as conclusões do recorrente, tendentes ao provimento do recurso interposto pelo Réu. IV – Nos termos expostos, acorda-se em conceder provimento ao agravo e, em consequência, revogando-se a decisão recorrida, decide-se fazer subsistir a decisão proferida no despacho saneador proferido na 1ª instância. Custas, aqui e nas instâncias, a cargo da Autora, ora recorrida. Lisboa, 14 de Julho de 2009 Moreira Camilo (relator) Urbano Dias Paulo Sá |