Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | PEREIRA DA SILVA | ||
Descritores: | PACTO COMPROMISSÓRIO PROCURAÇÃO BENFEITORIA DESPESAS ÓNUS DA ALEGAÇÃO ÓNUS DA PROVA | ||
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Nº do Documento: | SJ200512210044792 | ||
Data do Acordão: | 12/21/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL PORTO | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 277/04 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
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Sumário : | I. A proibição absoluta do pacto comissório consignada no art. 694º do CC, pelo seu espírito, abrange, outrossim, o pacto pelo o qual se convencione o direito de venda particular. II. A "ratio" da proibição do predito pacto é plúrima, complexa, relevando, concomitantemente, o propósito de proteger o devedor da possível extorsão do credor e a necessidade, correspondente a um interesse geral do tráfego, de não serem iludidas as "regras do jogo" através da atribuição injustificada de privilégios a alguns credores, fora das vias objectivas em que repousa a bondade das excepções ao princípio das excepções ao princípio "par conditio creditorum". III. A procuração irrevogável é um acto unilateral, sempre ligada a um contrato que constitui a "relação subjacente", não raro traduzindo acto de execução ou cumprimento de tal relação podendo ser consubstanciada por pacto comissório. IV. Há que não confundir benfeitorias com despesas de produção ou cultivo, estas referidas no artº 215º do CC, dado o seu efeito transitório, em contraponto às benfeitorias, despesas de efeito permanente por efeito, das quais o prédio sofre alterações que lhe aumentam o valor ou obstaculam à sua desvalorização. V. Em face do disposto nos art. 216º nº 3, 342º nº 1 e 1273º, todos do CC, ao impetrante de indemnização por benfeitorias que qualifica de necessárias e úteis cabe alegar e provar a efectivação de obras e factualidades hábil à subsunção das efectuadas a tais categorias, bem como, para além do custo das qualificadas como úteis, qual o seu valor actual. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - a) "A", intentou acção declarativa, com processo comum, ordinário, contra a "B de Peso da Régua, C.R.L. e C, impetrando que: 1. Seja declarada nula procuração que o autor outorgou a favor da ré, em 8 de Maio de 1997, no Cartório Notarial de Santa Marta de Penaguião, junta à petição inicial como doc. nº 2; 2. Seja declarado nulo e ineficaz em relação ao autor, o contrato de compra e venda outorgado entre a ré e C, em 8 de Maio de 1997, através de escritura pública, no Cartório Notarial de Santa Marta de Penaguião, junta à petição inicial como doc. nº 8; 3. Seja ordenado o cancelamento da inscrição G7 sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Tabuaço sob o nº12/290185 - Tabuaço e da inscrição nºG5 sobre o prédio descrito na mesma Conservatória sob o nº 3/290185 - Barcos; 4. Sejam os réus condenados a reconhecer que autor é pleno proprietário dos prédios identificados no artº 4º da petição inicial. 5. Seja o 2º réu condenado a restituir ao autor esses prédios; 6. Seja o 2º réu condenado a pagar ao autor a quantia de 3.500.000$00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, ou, subsidiariamente; 7. Sejam ambos os réus condenados a pagar ao autor uma indemnização no valor de 52.400.000$00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento. Em abono da procedência da acção, alegou, em súmula, como flui de fls. 2 a 13: No dia 8 de Maio de 1997, no Cartório Notarial de Santa Marta de Penaguião, foi outorgada uma escritura de "abertura de crédito com hipoteca", através da qual a ré abriu a favor do autor um crédito até à quantia de 15.000.000$00. Para garantia desse contrato e das obrigações acessórias foi constituída hipoteca sobre dois prédios do autor (identificados no artº 4º da p.i.). Nos mesmos dia e hora, o autor outorgou uma procuração a favor da ré, mediante a qual lhe conferiu "poderes para vender ou prometer vender a quem entender, incluindo a ela própria, mandatária, e pelo preço e demais condições que entender" os prédios aí identificados, mais constando da procuração - e no concernente aos mesmos prédios - que à demandada foram conferidos poderes - para "requerer quaisquer actos de registo, provisórios ou definitivos, averbamentos e cancelamentos junto de quaisquer repartições e requerer tudo o mais que seja necessário para os mesmos fins, sendo esta procuração conferida também no interesse da própria Caixa e como tal irrevogável nos termos do disposto no artigo mil e sessenta e sete número dois do Código Civil, mas somente se o mandante deixar de cumprir as obrigações decorrentes do empréstimo hoje concedido e a consequente mora se prolongue por mais de dois meses". Os prédios referidos na escritura e na procuração são os mesmos. A procuração constituiu uma exigência da ré, sem a qual o crédito não seria concedido, mesmo com a garantia hipotecária, exigência essa que foi feita em claro aproveitamento do estado de extrema necessidade em que o autor se encontrava, incluindo, além do mais, a ameaça de um processo de execução por parte da D de Tabuaço CRL, para pagamento de um empréstimo com garantia hipotecária sobre os mesmos prédios, tendo tido em vista, por um lado, como resulta do exposto, alcançar os efeitos de um verdadeiro pacto comissório, proibido pelo artº 694º do CC, do que resulta a nulidade da procuração e, por outro, aproveitar aquele estado de necessidade - que se previa poder manter-se no futuro - daí se tirarem benefícios ilegítimos para os réus. O valor dos bens hipotecados era perfeitamente suficiente para pagamento do crédito da ré, assim só para se obterem aqueles benefícios se compreendendo a exigência da procuração. 0 autor não se apercebeu do alcance da procuração em causa, tendo pensado que se tornava necessária à hipoteca dos prédios, tão só tendo tomado consciência do verdadeiro conteúdo e alcance da procuração que outorgara quando recebeu carta na qual o advogado da demandada intimou o demandante a pagar o seu débito até ao dia 23 do mesmo mês, informando-o de que "caso assim não suceda de imediato a Caixa tratará de vender o prédio dado de garantia usando os poderes que para tal está investida pela procuração que lhe foi passada." Os prédios referidos foram vendidos por um valor - 17.600.000$00 - muito inferior ao real e a um irmão do gerente da D de Tabuaço, o qual, depois, registou a aquisição. A ré tinha perfeita consciência de que actuava contra a vontade do autor e de que, com a sua actuação, iria prejudicar o demandante em mais de 50.000.000$00. A ré, conscientemente, criou condições objectivas para que o autor não pudesse pagar a sua dívida, já que, não obstante este lho ter solicitado, indeferiu-lhe um pedido de candidatura a um programa de desendividamento dos agricultores, criado pelo Governo em 1998, sem ter fundamentado a.sua recusa. O autor deixou de auferir, na vindima referente ao ano de 1999, decorrente da vinha implantada nos mesmos prédios, um lucro nunca inferior a 3.500.000$00. O réu C, em conluio com a ré, adquiriu por 17.600.000$00, prédios pertencentes ao autor, sabendo valerem cerca de 70.000.000$00, bem sabendo que tal era contra a vontade de A e que constituía uma utilização abusiva da procuração por este outorgada, com isso pretendendo obter para si um enriquecimento que sabia ser ilegítimo e à custa do empobrecimento do autor. b) Contestaram os réus, pugnando pela improcedência da acção, mais tendo o réu C deduzido pedido reconvencional, para a hipótese de procedência da acção, peticionando a condenação do autor a pagar-lhe montante de 6.379.395$00, correspondente ao custo dos trabalhos levados a cabo nos prédios referidos na petição inicial, com vista à manutenção do cultivo da vinha e sua reconversão, bem como o "quantum", a liquidar em execução de sentença, no equivalente às despesas que vier a suportar, no futuro, com o cultivo de tais prédios. c) Replicou A, propugnando a improcedência da defesa exceptiva e da reconvenção. d) Elaborado despacho saneador em que foi admitida a reconvenção e quanto ao demais tabelar, seleccionada a matéria de facto considerada como assente e organizada a base instrutória, cumprido que foi o demais legal, procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, sentenciada tendo sido a improcedência da acção, com consequente absolvição dos réus dos pedidos. e) Com a sentença se não tendo conformado, da mesma apelou A, o TRP, por acórdão de 07-06-04, julgando procedente o recurso, tendo: 1. Declarado nula a procuração que o autor outorgou a favor da ré, em 08.05.97, no Cartório Notarial de Santa Marta de Penaguião. 2. Declarado ineficaz, em relação ao autor, o contrato de compra e venda outorgado entre a ré e o réu, em 21.05.99 (não, pois, 08.05.97, como por lapso se alegou na petição inicial), através de escritura pública, no Cartório Notarial de Santa Marta de Penaguião. 3. Ordenado o cancelamento da inscrição G7 sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Tabuaço sob o nº12/290185- Tabuaço-e da inscrição nº G5 sobre o prédio descrito na mesma Conservatória sob o nº 3/290185-Barcos. 4. Condenado os réus a reconhecer que o autor é pleno proprietário dos prédios identificados no art. 4º da p.i.. 5. Condenado o 2 réu a restituir ao autor esses prédios. 6. Absolvido o autor-reconvindo do pedido reconvencional formulado pelo réu C. f) É do predito acórdão que os réus trazem revista. Na alegação oferecida, tirou o réu C as seguintes conclusões: 1ª. A figura jurídica do pacto comissório prevista no art. 694º do CC, requer a existência de um acordo, um pacto ou uma convenção onde as partes estipulem que o credor fará sua a coisa onerada no caso do devedor não cumprir ("É nula, (...) a convenção pela qual o credor fará sus a coisa onerada no caso de o devedor não cumprir."). 2ª. A procuração que o autor outorgou no Cartório Notarial de Santa Marta de Penaguião a favor da ré não é uma convenção, um pacto, muito menos um acordo que preveja a situação do supra referida. 3ª. A procuração é o negócio jurídico pelo qual uma pessoa confere a outra poderes de representação, isto é, para, em nome dela, concluir um ou mais negócios jurídicos, que produzam os seus efeitos em relação ao representado. 4ª. A procuração é um negócio jurídico autónomo, uma declaração unilateral de vontade, que procede do representado e é dirigida a um terceiro. 5ª. Não existe, assim, nem na forma nem no conteúdo da procuração que o autor outorgou a favor e no interesse da ré, qualquer convenção no sentido que lhe é dado pelo art.694º do CC. 6ª. Pelo que, o douto acórdão recorrido não poderia considerar e qualificar tal procuração como um verdadeiro "pacto comissório". 7ª. Acresce que não se verifica, in casu, "o quadro usurário em que o autor estava encurralado quando outorgou tal procuração". 8ª. A proibição do pacto comissório funda-se no prejuízo que pode resultar para o devedor, que seria facilmente convencido, dado o seu estado de necessidade, a aceitar cláusulas lesivas dos seus interesses. 9ª. No caso dos autos, resultou provado que a parte fragilizada era a ré e não o autor. 10ª. A ré emprestou dinheiro ao autor para liquidar outro empréstimo contraído junto da D, de Tabuaço - factos provados sob os n.s 35 e 15. 11ª. Este empréstimo contraído junto da D, de Tabuaço estava garantido por uma hipoteca constituída sobre os mesmos bens que o autor hipotecou a favor da ré. 12ª. Na data da celebração do contrato de mútuo e da outorga da procuração, existia sobre os bens do autor oferecidos como garantia do empréstimo, hipoteca anterior a favor da D, de Tabuaço. 13ª. As tentativas do autor para vender o prédio já vinham no seguimento das várias reuniões que manteve, entre Janeiro e Março de 1999, com a ré (cfr ponto 26 dos factos provados), tendo em vista encontrarem uma solução para os incumprimentos do autor. 14ª. O autor já pensava na venda do prédio para, com o preço obtido, liquidar as suas dívidas, só não o tendo conseguido fazer antes da ré. 15ª. A ré teve que acautelar os seus interesses e precaver-se de um indivíduo; como o autor, conhecido e reputado como incumpridor e que, para além disso, não oferecia garantias válidas de cumprimento das suas obrigações. 16ª. Não estão preenchidos os pressupostos de que depende a qualificação como pacto comissório da outorga da procuração pelo autor à ré. Por outro lado, 17ª. Ficaram provados os factos contidos nos pontos 32,33 e 34, correspondentes à descrição das benfeitorias realizadas pelo recorrente no prédio adquirido à ré e respectivo valor. 18ª. Em reconvenção recorrente reclamou o pagamento de uma indemnização equivalente ao valor das benfeitorias por ele realizadas caso fosse condenado a restituir o prédio ao autor. 19ª. O prédio em causa tem natureza rústica, destinado à agricultura, onde predomina o cultivo de oliveiras e de vinha da região demarcada do Douro. 20ª. O herbicida destina-se a limpar os terrenos da erva e restante vegetação. 21ª. A aplicação de herbicida não se destina, pelo menos exclusivamente, ao cultivo ou frutificação de um terreno, nem à sua preparação ou amanho para o cultivo. 22ª. O herbicida serve para proceder à sua limpeza, melhoramento e conservação, consistindo numa reparação do terreno que está sujo e impregnado de vegetação. 23ª. A aplicação de herbicida a que se refere o ponto 32 dos factos provados é, assim, uma benfeitoria necessária, nos termos do disposto no art. 216 nº3 do CC e, como tal, o valor que ficou provado que o réu despendeu com a sua aplicação tem que lhe ser pago, caso seja ordenada a restituição do prédio. 24ª. Os trabalhos enumerados nas várias alíneas do ponto 34 dos factos provados, foi o recorrente que os executou de acordo com um projecto de recuperação da vinha. 25ª. Todos estes trabalhos tiveram em vista a recuperação da vinha, a sua reparação e adaptação às novas técnicas de cultivo e mecanização dos trabalhos. 26ª. A título de exemplo, refira-se a adaptação que é necessário fazer nos terrenos para que os veículos possam entrar, e recolher os cestos de uvas que antigamente eram transportados às costas dos homens mais fortes da região. 27ª. Para que a introdução das máquinas seja possível e efectuada, é necessário alterar a morfologia, dos terrenos, alargando a distância entre patamares, arrancando as antigas cepas e plantando outras, arrasando o terreno, retirando as pedras, cavando o solo para o tornar novamente produtivo, e realizando todos os demais trabalhos que vêm discriminados das alíneas a) a p) do ponto 34 dos factos provados. 28ª. Neste elenco incluem-se, ainda, o arranjo dos muros e de um palhal existente no prédio. 29ª. Os muros e o palhal fazem parte da coisa que é o prédio rústico que foi vendido pela ré ao aqui recorrente. 30ª. Nessa medida, qualquer intervenção que seja efectuada nessas partes do prédio constitui um melhoramento do mesmo, contribuindo para que o seu valor aumente. 31ª. O arranjo que o recorrente deu aos muros e palhal, se bem que não serviram para conservar ou evitar a perda do imóvel, contribui, contudo, para o valorizar. 32ª. Na verdade, em consequência destas obras, o prédio em causa passou a valer muito mais do que valia até então. 33ª. Dispõe o art. 1273º nº 1 do CC que "tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela." 34ª. O recorrente deu um arranjo aos muros e palhal que já existiam e faziam parte do prédio que está em causa nos presentes autos. 35ª. É facto notório que se o recorrente pretendesse levantar as benfeitorias úteis realizadas nos muros e palhal, isso implicaria a destruição - pelo menos parcial - dos mesmos. 36ª. Assim sendo, uma vez que é um facto notório que o levantamento das benfeitorias úteis não pode ser efectuado sem o detrimento da coisa, o recorrente tem direito, nos termos do disposto no art. 1273º nº 2, do CC, a ser indemnizado pelo valor delas. 37ª. Em consequência do que ficou exposto, o acórdão recorrido está em violação do disposto nos artigos 694º, 216º nº 3 e 1273º, todos do CC, pelo que deverá ser revisto em conformidade com os mesmos. Na alegação apresentada, em que defende dever o acórdão dito ser, revogado e, em sua substituição, ser proferido outro que julgue a acção completamente improcedente, formulou a demandada as seguintes conclusões: 1ª. Para haver pacto comissório é necessário e indispensável ter sido celebrada uma convenção própria e com vista à finalidade legalmente consignada (de o credor fazer sua a coisa onerada), não se podendo fazer equivaler a essa convenção a outorga de uma procuração com poderes de venda. 2ª. Ainda que se entendesse que a procuração poderia corresponder a essa convenção, tal só ocorreria quando fosse usada para venda ao próprio credor e não, como no caso aconteceu, se tiver servido para venda, a terceiro, além do mais, porque o vendedor (credor) sempre estaria obrigado a restituir ao devedor o produto da venda que excedesse o valor do seu crédito. 3ª. Além do mais, face ao circunstancialismo do caso sub judice, nunca se poderá ver, como pretende o acórdão recorrido, na procuração irrevogável a favor da recorrente, uma qualquer "camuflagem, em fraude à lei, do verdadeiro pacto comissório imerso sob a mesma." 4ª. Para aceder a essa posição decisória, o julgador de 2ª instância deixou-se impressionar e influenciar por um conjunto de juízos de valor e de intenção (expressos a fls. 752 e 1º terço de fls. 753), despidos de qualquer factualidade que os permita sustentar, partindo do pressuposto indemonstrado e irreal de que a recorrente engendrou uma armadilha para apanhar o A./recorrido. 5ª. Ora, o que resultou processualmente apurado é que à recorrente não poderia ser pedido ou exigido outro comportamento, tendo em conta a circunstâncias que rodearam o caso, desde o início da relação estabelecida com o autor, até ao momento em que se processou a venda dos prédios. 6ª. Por outro lado, a atitude do recorrido foi a de ignorar todo o problema inerente ao seu débito, nada fazendo para colaborar na sua solução, designadamente vendendo ele próprio os prédios, ou arranjando quem os comprasse, para realizar dinheiro para solver a sua dívida para com a recorrente. 7ª. Independentemente de existir uma perícia que atribui como "valor de mercado" dos prédios 70.000.000$00 (considerando a capacidade de construção), em si própria vaga e irrelevante, até porque "as coisas valem aquilo que alguém der por elas", igualmente resultou provado que os prédios foram avaliados, em 1999, em 15.139.380$00 (considerando a sua classificação como rústicos). 8ª. A situação real e actualizada dos prédios e todos os factos que antecederam e acompanharam a venda, demanda que se aceite que o preço por que foram vendidos nada tem de irreal, antes corresponde ao que foi possível realizar, face a essa realidade e circunstancialismo. 9ª. Não se identifica, assim, o caso sub judice com qualquer situação que caia na letra ou no espírito do disposto no art. 694º do CC, muito menos se podendo ver qualquer hipótese de fraude à lei que camuflasse um pacto comissório. 10ª. Não ocorrendo pacto comissório, nem expresso nem encoberto, a venda em causa resulta plenamente válida e legal; 11ª. Assim não tendo entendido e decidido, o acórdão recorrido não fez a melhor e mais co interpretação e aplicação ao caso das pertinentes disposições legais, designadamente a do art. 694º do CC. g) Contra-alegou o autor, batendo-se pela confirmação do julgado. h) Colhidos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II. Por não ter sido impugnada, nem haver lugar a qualquer alteração da matéria de facto, remete-se para a apurada, descrita no acórdão impugnado, como permitido pela art. 713º nº6 do CPC, aplicável por força do prescrito no art. 726º do mesmo Corpo de Leis. III. O DIREIT0 Balizando as conclusões da alegação do recorrente o âmbito do recurso (art.s 684º nº 3 e 690º nº 1 do CPC dir-se-à: A) Conclusões 1ª a 16ª da alegação do réu C e conclusões da alegação da demandada: Acaso consubstancia o acórdão recorrido, o qual fez repousar a bondade do decidido, já relatado (o Cfr. I e) 1. a 5.), no consubstanciar a outorga, pelo autor, da procuração citada em I. a), "uma camuflagem, em fraude lei, do verdadeiro pacto comissório imerso sob a mesma", paradigma de violação do art. 694º do CC? Atentemos: 1. Considerações preliminares: a) Consigna o artº 694º do CC a proibição absoluta do pacto comissório, oriunda, como lembra Menezes Cordeiro, da "velha constituição de Constantino" "Direitos Reais", Lex, 1993, pág. 765), proibição essa, nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela, fundada "no prejuízo que do pacto comissório pode resultar para o devedor, que seria facilmente convencido, dado o seu estado de necessidade, a aceitar cláusulas lesivas dos seus interesses", tal fundamento sendo "paralelo ao da proibição da usura", a proibição abrangendo "também, pelo seu espírito, o pacto pelo qual e convencione o direito de venda particular", o pacto comissório, "por sua própria natureza", só se compreendendo "quando anterior ao vencimento do crédito (para o caso de não cumprir)"o sublinhado nosso cfr. Código Anotado" - 4ª Edição Revista e Actualizada -, vol. I, pág. 718.) Acompanhamos, antes, a respeito da ratio da proibição do pacto comissório, o sustentado por Manuel Januário da Costa Gomes, quando escreve: "A ideia dominante entre nós é a de que a proibição do pacto comissório é justificada pela necessidade de proteger o devedor face a eventuais extorsões por parte do credor, identificando-se com a ratio do art. 1146º que pune a usura, bem como com o pensamento subjacente à condenação dos negócios usurários (art. 282º). No entanto, como observa ROPPO, esta justificação é susceptível de provocar perplexidades por razões de ordem sistemática, já que na lógica do sistema, a tutela de quem contrata em estado de necessidade ou coagido não passa pela nulidade, para além de que não se furta à sanção da nulidade um pacto que se mostre em concreto vantajoso para o devedor (em virtude, v.g., da desproporção existente entre o valor do bem que é objecto de garantia e o montante da obrigação garantida). Daí que tenham surgido na doutrina e jurisprudência italianas outras justificações para a proibição do pacto comissório. Assim, BETTI associa a proibição à atribuição exclusiva ao Estado do controlo sobre o não cumprimento das obrigações; LOJACONO explica-a à luz da necessidade de efectivação do princípio par conditio creditorum; BIANC4 invoca a existência de um interesse geral em evitar um "prejuízo social", ideia grosso modo retornada por CARNEVALI, quando se reporta a um interesse geral no regular e correcto desenvolvimento das relações jurídicas; finalmente, the last but not the least, COSTANZA considera que muito provavelmente devem ser relevadas todas as razões apresentadas, que não são entre si incompatíveis ou contraditórias, "respondendo, antes, à lógica unitária da correcção negocial. Aderindo, grosso modo, à ideia de COSTANZA, parece-nos que a ratio da proibição do pacto comissório é plúrima e complexa, relevando, a um tempo, o propósito de proteger o devedor da (possível) extorsão do credor e a necessidade, que corresponde a um interesse geral do tráfego, de não serem falseadas as "regras do jogo", através da atribuição injustificada de privilégios a alguns credores, em objectivo (seja ele efectivo ou potencial) prejuízo dos demais. A correcção negocial não se compadece com mecanismos que possam legitimar, directa ou indirectamente, a institucionalização de "castas" entre os credores, fora das vias transparentes e objectivas que justificam as excepções ao princípio par conditio creditorum ("Assunção Fidejussória de Dívida"- Almedina 2000 -, pág. 92 a 94). b) A procuração irrevogável, essa, é um acto unilateral, não um contrato, antes estando "sempre ligada a um contrato que lhe constitui a relação subjacente", não raro constituindo um acto de execução ou cumprimento de tal relação, dúvida não sofrendo a "instrumentalidade e a dependência funcional da procuração perante a relação subjacente" (cfr.Pedro Pais de Vasconcelos, in "Contratos Atípicos"-Almedina 1995-, págs. 301 e segs.) 2. Em retorno à hipótese vertente, temos: Está provado que: a) No dia 8 de Maio de 1997, à mesma hora, no Cartório Notarial de Santa Marta de Penaguião: 1' - O autor outorgou procuração irrevogável a favor da ré, nos termos da qual à demandada conferiu "para vender ou prometer vender a quem entender, incluindo ela própria, mandatária, e pelo preço e demais condições que entender", dois prédios rústicos, sua pertença, identificados no documento que titula a referida procuração, o junto a fls. 22 e 23 "mas somente se o mandante deixar de cumprir as obrigações decorrentes do empréstimo hoje concedido e a consequente mora se prolongue por mais de doze meses." 2’- Foi outorgada escritura pública de abertura de crédito com hipoteca em que outorgaram a ré e o autor, tendo aquela declarado abrir a favor de A um crédito até à quantia de 15.000.000$00, "para solicitação dos capitais que necessite com exclusiva aplicação aos fins previstos na lei vigente sobre Crédito Agrícola Mútuo, sendo considerados neste limite todos os empréstimos até hoje concedidos ou a conceder e utilizados sob qualquer das formas vigentes", mais acordado tendo sido, designadamente, com consta do doc. junto a fls. 14 e 20, o qual titula a supracitada escritura pública: "Para garantia do presente contrato e das obrigações acessórias, o segundo outorgante hipoteca com plenitude e nos termos legais" os prédios rústicos referidos em 1'. b) - A procuração referida em 1’ constitui uma existência da ré, sem a qual o crédito citado em 2' não seria concedido, devido a anteriores incumprimentos, existindo um processo de execução por parte da D de Tabuaço, C.R.L., para pagamento de um empréstimo com garantia hipotecária sobre os mesmos bens. c) - O valor dos bens hipotecados era suficiente para o pagamento do crédito da ré, sendo tal valor actual e de mercado de cerca de 70.000.000$00, levada em consideração a capacidade de construção para os prédios, tendo em conta o Plano Director Municipal. d) No dia 21 de Maio de 1999, após a ocorrência do vertido nas alíneas E) F), M) e N) da "Matéria Assente", a ré como procuradora, em nome e representação do autor, vendeu a C, irmão do gerente da D de Tabuaço, pelo preço de 17.600.000$00, os prédios citados em l’, o comprador, 2º réu, tendo pago o preço com dinheiro proveniente de um empréstimo contraído junto da B, de Peso da Régua, sendo a taxa de juro acordada para o primeiro ano de vigência do contrato de 2%. e) - Para além da proposta do 2º réu apresentada à ré uma proposta de aquisição dos aludidos prédios por 17.500.000$00, a pagar "em qualquer modalidade, cheque, transferência bancária ou dinheiro vivo", prédios aqueles que em 1999 foram avaliados em 15.139.380$00, "tendo apenas em conta a sua classificação como rústico". f) A ré apenas publicou, a 6-5-99, anúncio citado em N) da "Matéria Assente". g) - Parte do empréstimo contraído pelo autor destinou-se a liquidar outro empréstimo, este contraído junto da D, de Tabuaço garantido por hipoteca a favor desta sobre os prédios ditos. 3. a) Sopesada a ratio complexa do pacto comissório (cr.III. A) 1. a). ), sem dificuldade se conclui que não afasta a ocorrência daquele, "in casu", o explanado nas conclusões 7ª e 9ª a 15ª da alegação do réu C, que tudo o nelas vazado estivesse provado (e não está...) tal como o referido na conclusão 2ª da alegação da demandada, apodíctico como é que a venda a terceiro, sem mais, não invalida a bondade da tese acolhida no acórdão sob recurso. Nem a não prova de que a procuração aludida constituiu uma exigência, "feita em aproveitamento do estado de extrema necessidade em que o autor se encontrava", atenta à resposta, em substância, restritiva que mereceu o nº 1 da base instrutória e a significância daquela, o mesmo valendo no concernente à não prova da factualidade-objecto dos n.s 3, 4 e 10 de tal peça processual. Também expresso nas conclusões 7ª e 8ª da alegação da ré não desagua, inexoravelmente, sem mais, no provimento da revista. b) Que a procuração irrevogável não é uma convenção, já se deixou dito. Em ordem a apurar se estamos, ou não, ante defeso pacto comissório, não devemos ficar, porém, pela contemplação do teor da procuração irrevogável, antes atentar no "iter", provado, que a ela conduziu, no porquê, enfim, do seu surgimento!... Se o fizermos, justa dúvida não pode subsistir quanto à existência de proibido pacto comissório, perscrutada, insiste-se, a fonte do nascimento da procuração irrevogável, esta, é tal iniludível, sendo o acordo entre autor e ré, a convenção entre ambos (este o alcance da aquiescência, por parte do autor, à exigência da ré relatada em III. A) 2. b) ) quanto à venda particular dos prédios rústicos de A, hipotecados para garantia do já exposto, por parte da credora hipotecária que a "B, de Peso da Régua, C.R.L." entendesse, acordo esse anterior ao vencimento do crédito, este com a origem vista, a protrair-se a mora por determinado lapso de tempo. A procuração irrevogável, essa, no caso presente, foi o caminho eleito e percorrido, actuado, para dar execução, "futurum", à relação subjacente, ao pacto comissório, este traduzido no acordo com o objecto supracitado, o qual, igualmente, deve ser visto, "lido", à luz de acontecida e contemporânea abertura de crédito!... Nulo sendo o pacto comissório, ilegal é a sua execução. Nem, lembra-se, os recorrentes põem em crise que outra sorte devia ter a acção, a como provado se ter o pacto comissório!... Em suma: não olvidando o prescrito nos normativos convocados na decisão recorrida, não merece censura o parcial decreto da procedência da acção, pelo TRP, contra o qual se insurgem os réus. B) Da reconvenção: 1. À guisa de considerações introdutórias deve deixar-se expresso o seguinte, não olvidando o "sintetizado" nas conclusões 17ª a 47ª da alegação recursória de C e o disposto nos art.s 216º e 1273º do CC: Ao réu C incumbia alegar, no momento para tanto processualmente hábil, a contestação ( art. 501º nº 1 do CPC), e, obviamente, provar, factualidade donde decorresse, a provar-se, a procedência do pedido reconvencional, na feitura, nos prédios já nomeados, de benfeitorias, como necessárias qualificadas no seu articulado (cfr. fls. 138 a 140). Sem prejuízo do estatuído no art. 664º do CPC, consoante jurisprudência seguramente firme, atento o exarado nos art.s 216º e 1273º do CC, tal réu, considerado o que aduz, ainda, em sede recursória, devia ter destrinçado as obras incluídas na categoria de benfeitorias úteis e necessárias, bem como, de acordo com o sufragado no Ac. deste Tribunal, de 3-4-84, in BMJ 336-420 e seguintes, alegado, "não apenas que as efectuou, mas também que as da 1ª categoria (benfeitorias necessárias) tiveram por fim evitar a perda, destruição ou deterioração do prédio e que as da 2ª o valorizaram; que do levantamento das benfeitorias úteis resultaria detrimento do prédio; e ainda, para além do custo destas últimas, qual o seu valor actual (custo e valor que traduzem, respectivamente, a medida do empobrecimento do réu e do enriquecimento dos autores". Mais urge ter presente que as benfeitorias não devem confundir-se com as despesas de produção ou cultivo, estas referidas no art. 215º do CC, visando, directamente, cada colheita, destinando-se a prepará-la, sendo, consequentemente, de efeito transitório, já que, para haver frutos, urge fazê-las periodicamente, enquanto as benfeitorias, pelo contrário, se perfilam com despesas de efeito permanente, indúbio como é que por acção delas, independentemente de novas despesas, o prédio sofre alterações que lhe aumentam o valor ou evitam que se desvalorize. Prosseguindo: 2. No acórdão em recurso fez-se assentar a decadência da reconvenção no não se dispor de "factualidade provada que nos autorize a ter como verificada a efectivação, pelo 2º R., de quaisquer benfeitorias nos prédios que ficará obrigado a restituir ao A. Pelo menos, nenhuma caracterização é feita das despesas por si suportadas desde que entrou na posse de tais prédios e que nos habilite, perante o preceituado no art. 216º do CC, a qualificar tais despesas como podendo consubstanciar benfeitorias necessárias ou, sequer, úteis dos mesmos prédios, antes nos encaminhando no sentido de considerar tais despesas como simples encargos, directos ou indirectos, de produção e colheita, sempre compensáveis com os proventos e lucros facultados por esta última. Que a caracterização habilitante do citado não se mostra suficientemente feita, como cumpria, mediante pertinente articulação, repete-se, na contestação menos, pelo menos, flui líquido da leitura do articulado do réu C. Mais não seria preciso dizer, em ordem a fundar-se o acompanhamento do ditado, na 2ª instância, decesso da pretensão reconvencional. Em qualquer circunstância, sempre acrescentaremos: a) Relativamente ao vertido no nº 22 da base instrutória tão só se provou que os prédios em causa, no ano de 99, apenas tinham sido podados, depois de Abril, e que a erva estava alta. Não se provou, pois, que tais prédios estavam completamente abandonados, que a erva estava à altura das videiras, que a produção era inexistente e que não fora, no ano de 99, realizado qualquer trabalho de cultivo. Nem se provou que o réu C teve que proceder ao desmate e arranque de erva, à substituição de pedras dos bardos da vinha e aplicação de arame, despendendo com tal 425.000$00 (resposta ao nº 25 da base instrutória). Assim, como insistir na integral procedência da reconvenção para além de não ter provado, na íntegra, as despesas que invocou, a que se reporta o nº 28 da base instrutória. Provou-se que teve que aplicar herbicidas, gastando, em produtos e mão-de-obra a quantia de 143.545$00 (resposta ao nº 26º da base instrutória). Tal é um facto, mas não importa, correcta interpretação e aplicação da lei feita, o que defende na conclusão 23ª da sua alegação, uma vez que bem serôdia foi a narração do que mostram as conclusões 19ª a 23ª de tal peça processual, como decorre da leitura da contestação. O dispêndio com herbicidas e sua aplicação não tem que, fatalmente, por notório, ter-se como benfeitoria necessária, que não como despesa de produção e cultivo, o que vale, ainda, para as despesas nos "quantuns" e com as fontes que a resposta ao nº 28 da base instrutória evidenciam!... O próprio reconvinte, no art. 62º da contestação "expressis verbis" articulou que no ano de 2000 realizou todos os trabalhos de cultivo do prédio, nomeadamente, dos levados ao nº 28 da base instrutória!... Insiste-se: não há que confundir trabalhos de cultivo, despesas com o cultivo e produção com benfeitorias, mesmo que necessárias!... E onde, na contestação, se mostra alegada factualidade idónea à qualificação das despesas com o arranjo de muros e palhal, como benfeitoria útil ou necessária que se deixa referido, ponderado o constante das conclusões 38ª a 47ª da alegação do réu C? Não se vê. Longe de notório é o que, tardiamente, sempre, aduz na sua alegação!... A tudo acresce, não pode esquecer-se, que mesmo como benfeitorias, necessárias ou úteis, se pudessem ter algumas das apuradas despesas, sempre se provou que do dinheiro referido no nº 28 da base instrutória, 2.290.000$00 foram atribuídos, a fundo perdido, pelo "PROJECTO VITIS", o que o reconvinte se "esqueceu"de alegar na contestação!... E também não se provou que os prédios em causa foram ocupados pelo réu C, logo após os ter comprado, deles tendo vindo a retirar todas as suas utilidades, bem como que tinham esses prédios 12 pipas de benefício e capacidade produtiva de 20 pipas de vinho, em caso de vinha bem tratada e que o autor teria tido lucro se tivesse feito a colheita de 99? Provou-se. Assim, evidencia-se no que redundaria o acolhimento, "in totum" da reconvenção, tal sendo um ilegítimo enriquecimento do réu. Por todo o exposto, igualmente não colhe a revista instalada pelo réu C, no que toca à decretada improcedência da reconvenção. IV. CONCLUSÃO: Termos em que se negam as revistas, confirmando-se, consequentemente, acórdão impugnado. Suportarão os réus as custas atinentes aos recursos que interpuseram - art. 446º n.s 1 e 2 do CPC.
Lisboa, 21 de Dezembro de 2005 Pereira da Silva, Rodrigues dos Santos, Moitinho de Almeida. |