Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | SANTOS BERNARDINO | ||
Descritores: | SERVIDÃO SERVIDÃO DE AQUEDUTO ADMINICULA SERVITUTIS RECURSO DE AGRAVO | ||
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Nº do Documento: | SJ200810230020042 | ||
Data do Acordão: | 10/23/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA | ||
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Sumário : | 1. O direito de servidão compreende tudo o que é necessário para o uso e conservação da servidão (art. 1565º/1 do CC), englobando a fórmula legal os chamados “adminicula servitutis”, ou seja, todas as faculdades ou poderes instrumentais acessórios ou complementares que se mostrem adequados ao pleno aproveitamento da servidão. 2. Os “adminicula servitutis” não constituem uma servidão autónoma, ainda que acessória, nem constituem uma actividade supérflua ou gravosa para o prédio serviente: são poderes ou faculdades acessórias da servidão. 3. A servidão de aqueduto, por rego aberto à superfície, tem como complemento inerente a faculdade ou adminiculum de entrada e passagem pelo prédio serviente, sem o que não seria possível ou se tornaria muito difícil o seu exercício. 4. Mas o uso dessa faculdade deve limitar-se ao objecto da servidão e ser exercido da maneira que menos incómodo causar ao prédio serviente. 5. O dono do prédio serviente pode utilizar o seu prédio livremente, auferindo deste todas as vantagens e utilidades que ele lhe possa proporcionar, e fazer os melhoramentos, as reparações ou modificações que mais lhe convierem, desde que não prejudique o exercício normal da servidão. 6. Passando o aqueduto a ser subterrâneo, em vez de por rego aberto à superfície, a faculdade (adminiculum) de passar pelo prédio serviente, para acompanhar a água seguindo pela margem do aqueduto para a vigiar e conduzir deixa de ter justificação, e não deve, por isso, ser reconhecida; mas deve reconhecer-se ao proprietário do prédio dominante a faculdade de acesso ao prédio serviente, quando as circunstâncias o imponham, para inspeccionar o aqueduto através dos óculos de observação ou caixas de visita, ou para nele fazer a limpeza, em caso de entupimento. 7. O não conhecimento ou não apreciação de agravo que haja subido com a apelação só pode ter lugar em relação a agravo(s) interposto(s) pelo apelado, parte vencedora. 8. Se o agravo tiver interesse para a decisão da causa conhece-se dele, depois do julgamento da apelação, mas apenas se a sentença apelada tiver sido revogada ou alterada. E, então, uma de duas: ou a infracção cometida influiu no exame ou decisão da causa, e o agravo será provido, ou não teve qualquer influência no exame ou decisão da causa, e negar-se-á provimento ao agravo. 9. Se o agravo não interessar à decisão da causa, mas o seu conhecimento tiver interesse para o agravante, independentemente da decisão do litígio, deverá dele conhecer-se – e antes do julgamento da apelação, pois que, em tal caso, a decisão do agravo não projecta qualquer efeito no conhecimento desta. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA e mulher BB intentaram, em 02.01.2004, no Tribunal Judicial de Vale de Cambra, contra CC e mulher DD, acção com processo sumário, pedindo a condenação destes - a reconhecerem o direito de propriedade dos autores sobre o prédio rústico que identificam no art. 1º da p.i. [prédio rústico constituído por terreno de cultura com videiras em ramada, denominado CAPELA, sito no lugar de Quintã, freguesia de S. Pedro de Castelões, Vale de Cambra, inscrito na matriz predial rústica respectiva sob o art. 7.316]; - a reconhecerem que tal prédio goza do direito de passagem a pé ou de carro agrícola, de rego e o acessório direito de acompanhamento sobre os prédios dos réus que devidamente identificam no art. 8º da p.i.; - a restituírem aos autores os aludidos direitos de servidão, procedendo-se, para tal, à demolição do muro construído contra o portão de acesso ao referido prédio dos autores e ao afastamento de quaisquer obstáculos à passagem postos pelos réus; - a absterem-se, no futuro, da prática de actos ofensivos dos aludidos direitos dos autores; - a verem fixada, a título de sanção pecuniária compulsória, uma indemnização de € 50,00 por cada dia ou fracção que decorra, após ser proferida a sentença definitiva, e em que se verifique a turbação da passagem dos autores. Alegaram, para tanto, factos tendentes a demonstrar que são donos do aludido prédio, que têm direito de servidão sobre o prédio dos réus e que estes estão a impedir o exercício de tal direito. Os réus contestaram, sustentando, em síntese, que os autores têm acesso ao seu prédio desde a via pública, e, dentro do prédio, através de rampas que dão acesso às diversas leiras deste, assim vindo a utilizar esse acesso, sendo, por isso, desnecessária a servidão de passagem. No que respeita à servidão de rego, reconhecendo que encanaram o rego na parte em que passa pelos seus prédios, negam os réus que nestes a água se misture com lixo ou outros poluentes que a tornem imprópria para a rega; e acrescentam que, por força do encanamento, não há necessidade de acompanhamento, pelos autores, da água de rega. Em reconvenção pediram que se declarem judicialmente extintas, por desnecessidade, as servidões que oneram os seus prédios a favor do dos autores, e que estes sejam condenados a reconstruir o muro que derrubaram ao abrigo da ordem judicial proferida no processo cautelar apenso. Pediram ainda a condenação dos demandantes como litigantes de má fé. Os autores responderam, opondo-se à admissibilidade dos pedidos reconvencionais, impugnando ainda a matéria em que assentam. Todavia, tais pedidos foram admitidos, passando a acção, por via disso, a seguir a forma ordinária. Já depois de elaborado o saneador e seleccionados os factos assentes e os levados à base instrutória, apresentaram os réus articulado superveniente, a que os autores responderam, tendo sidos aditados àquela, em consequência, alguns quesitos. Os autores agravaram do despacho que aditou esses novos quesitos, tendo o recurso sido admitido para subir com o que viesse a ser interposto da decisão final. Realizado o julgamento, foi proferida sentença, na qual se julgou totalmente procedente a acção, com a consequente condenação dos demandados nos pedidos formulados pelos autores, e improcedente a reconvenção, com a consectária absolvição dos autores. Recorreram, da sentença, os réus. E a Relação do Porto, confrontada com os dois interpostos recursos, decidiu assim: A. Revogou a sentença recorrida na parte respeitante à servidão de aqueduto (e não de rego), eliminando-se do trecho condenatório o reconhecimento pelos réus do direito acessório dos autores acompanharem as águas no seu percurso pelos prédios daqueles; B. Anulou a decisão da 1ª instância ordenando-se a repetição do julgamento para ser sanada a contradição entre os factos descritos nos pontos 32., 38., 40. e 41., nos termos do art. 712º, n.º 4 do CPC; C. Não conheceu do agravo dos autores, por manifesta inutilidade. Do acórdão da Relação que assim decidiu interpuseram os autores recurso de revista para este Supremo Tribunal. O recurso foi admitido, por despacho do Ex.mo Desembargador relator, “excluindo-se, no entanto, do seu objecto, a parte B. do dispositivo, face ao comando do art. 712º, n.º 6 do CPC.” Os recorrentes reclamaram do dito despacho, na parte acabada de transcrever, mas sem êxito, já que, por despacho do Ex.mo Conselheiro Vice-Presidente deste Supremo Tribunal, foi tal reclamação indeferida. Os autores/recorrentes finalizaram as suas alegações de recurso enunciando conclusões que, em síntese, são as seguintes: 1ª - O recurso de revista deveria ter sido admitido no seu todo, sem a exclusão da alínea B. do dispositivo, que não se subsume ao disposto nos n.os 1 a 6 do art. 712º do CPC, já que se trata da interpretação e do significado jurídico dos factos levados aos pontos 32º, 38º, 40º e 41º da sentença, convergindo tudo na questão de direito, pois nenhuma contradição existe entre aqueles pontos de facto, que se reportam a realidades distintas; 2ª - Os autores alegaram e provaram que adquiriram originariamente, por usucapião, o direito à servidão de aqueduto (condução de “águas das cales”) através de rego a céu aberto, por sobre o prédio dos réus, em benefício do seu prédio, nas circunstâncias e com as características descritas nos factos provados insertos nos n.os 19, 20, 22, 23 e 24; 3ª - A alteração do modo e tempo do exercício da servidão não pode fazer-se por decisão unilateral do proprietário do prédio dominante ou serviente, mas apenas por acordo de ambos; 4ª - Tal acordo não ocorreu no caso dos autos, pelo que aos réus estava vedado proceder a qualquer alteração da servidão de aqueduto e acessório acompanhamento de pé; 5ª - A mudança de servidão, feita unilateralmente, sem autorização do dono do prédio dominante, obriga à reposição da situação anteriormente existente; 6ª - O direito de servidão compreende tudo o que é necessário para o seu uso e conservação e, em caso de dúvida quanto à sua extensão ou modo de exercício, entender-se-á constituída por forma a satisfazer as necessidades normais e previsíveis do prédio dominante com o menor prejuízo para o prédio serviente (art. 1565º, n.os 1 e 2 do CC); 7ª - Os réus, com as obras que fizeram, impediram todo e qualquer acesso dos autores, quer à servidão de aqueduto através de rego a céu aberto, quer à alegada, mas não aceite, servidão de aqueduto subterrâneo, para acompanhamento, manutenção, fiscalização, orientação e limpeza da servidão, pelo que se mostra violado o direito de servidão de aqueduto e necessário acompanhamento dos autores por sobre o prédio dos réus, para condução das “águas das cales” para rega; 8ª - Decidindo nos termos em que o fez quanto à alínea A. do dispositivo, o acórdão recorrido violou o disposto nos arts. 1561º, n.º 1, 1565º, n.os 1 e 2, 1550º, 1547º, n.º 1 e 1548º, n.os 1 e 2, todos do CC; 9ª - Quanto à alínea B. do dispositivo do acórdão recorrido: é incontroverso que os autos se reportam a uma servidão de passagem de pessoas, animais e veículos agrícolas, para transportar produtos agrícolas, estrumes, alfaias e animais, que, partindo da via pública e atravessando os prédios dos réus em linha recta até um portão que vedava e dava acesso ao prédio dos autores, sempre se fez desde há mais de 10, 15 e 20 anos, para acesso da via pública ao prédio dos autores, e deste à via pública, sem qualquer limitação de tempo e sempre que tal fosse necessário, por um caminho que sempre se revelou batido pelo trilhar das pessoas, animais e veículos, ali não crescendo erva ou outra vegetação [al. p), q), r) e s) da matéria assente do saneador de fls. 124]; 10ª - É esse tipo de acesso, e tal modo de servidão, com as características indicadas, que não se mostra provado quanto ao caminho referido em ee) da dita matéria assente de fls. 125 (no que se reporta à existência de um acesso a partir do caminho que “em data anterior a Maio de 2003 foi alargado e alcatroado e que bordeja a propriedade dos requeridos e dos requerentes”); 11ª - De facto, quanto a este alegado acesso, e à pretensa servidão que por aí se processaria, resultou não provada toda a matéria a ele atinente, levada aos arts. 11º, 12º, 13º, 14º e 16º da B.I., sendo que da resposta ao quesito 15º (que constitui o facto provado n.º 38) apenas resultou que os autores utilizam o caminho referido em ee) para aceder às duas leiras inferiores e mais baixas do seu prédio, mas não nas condições e com as características indicadas naqueles arts. 11º, 12º, 13º e 14º, nem nas condições das alíneas p) a s) da matéria assente; 12ª - Tratando-se, assim, de factos distintos, nenhuma contradição existe entre os factos descritos em 32, 40 e 41 por um lado (que correspondem às al. p) a s) da matéria assente) e os descritos no art. 38 por outro lado (que se reportam à matéria quesitada nos arts. 11º a 14º e 16º da B.I.), não lhes sendo aplicável o disposto no art. 712º n.º 4 do CPC; 13ª - Expurgada a matéria em questão, não deveria o tribunal ter decidido anular a decisão da 1ª instância quanto aos referidos factos descritos em 32, 38, 40 e 41, quer por não existir contradição entre eles, quer por constarem dos autos todos os elementos probatórios que, nos termos da al. a) do n.º 1 do art. 712º do CPC, permitem a análise e reapreciação da matéria de facto; 14ª - O tribunal recorrido, ao decidir nos termos da alínea B do dispositivo, violou o disposto nos arts. 712º, n.os 1, 4 e 6, 659º, n.º 3 e 660, n.º 2, todos do CPC; 15ª - No que respeita ao decidido na alínea C, é incontroverso que, considerando a matéria de facto tida por provada, e o supra alegado quanto às alíneas A e B, os factos aditados à B.I., na sequência da admissão do articulado superveniente dos réus, tiveram e têm manifesta influência na decisão da causa; 16ª - Não tendo a Relação tomado conhecimento do agravo, deve este subir com o presente recurso de revista e ser apreciado pelo STJ, posto que a decisão revidenda, em sede de agravo, violou o disposto nos arts. 268º, 272º, 273º, n.º 1, 489º, 506º, n.os 1 e 2, e 511º do CPC. Os réus, em contra-alegações, pugnam pela manutenção do acórdão recorrido. Foram corridos os vistos legais, cumprindo agora conhecer do mérito do recurso. 2. Vêm, das instâncias, dados como provados os factos seguintes: 1. Encontra-se inscrito na matriz predial respectiva, sob o art. 7316, um prédio rústico constituído por terreno de cultura com videiras em ramada, denominado Capela, sito no lugar de Quinta, S. Pedro de Castelões, Vale de Cambra (A); 2. Tal prédio foi, por escritura de compra e venda outorgada em 26.12.2002, adquirido pelos autores aos anteriores proprietários (B), 3. que, por sua vez, o haviam adquirido, por compra titulada por escritura pública de 01.05.67 (C); 4. Desde há mais de 10, 15, 20 e 30 anos que os autores tratam da vinha, plantando, semeando e tratando o milho, batata, ervas, centeio, colhendo os respectivos frutos (D), 5. á vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja, agindo como seus exclusivos donos e na convicção do exercício de um direito de propriedade e de que não lesavam direito de outrem (E); 6. 7. e 8. Encontram-se inscritos, na matriz respectiva, e em nome do réu marido (os dois primeiros) e da ré mulher (o terceiro): - sob o art. urbano 729, o prédio urbano composto de casa de habitação de r/c, sito na Capela, S. Pedro de Castelões, Vale de Cambra (F); - sob o art. 731 (actualmente 3956-U), o prédio urbano composto de casa de habitação, sito na Capela, S. Pedro de Castelões, Vale de Cambra (G); e, - sob o art. 7318, o prédio rústico composto de terra e vinha, sito na Capela, S. Pedro de Castelões, Vale de Cambra (H); 9. Os prédios referidos em 6., 7. e 8. confrontam do poente com o prédio identificado em 1. (I); 10. Até data recente, os prédios dos réus eram o único acesso existente para o prédio dos autores (J); 11. O prédio dos autores desenvolve-se em diversas leiras em níveis que, partindo do lado dos réus, vão sendo cada vez mais baixos (L); 12. Recentemente, foi aberto um amplo caminho público que bordeja quer o prédio dos autores quer o prédio dos réus (M); 13. A primeira leira contígua aos prédios dos réus encontra-se desnivelada da via pública numa altura superior a metro e meio (N), 14. e dela separada por intransponível muro de betão (O); 15. O acesso ao prédio dos autores sempre se fez partindo da via pública e atravessando os prédios dos réus em linha recta até um portão de três folhas que vedava e dava acesso ao prédio dos autores (P); 16. Esse caminho sempre se revelou batido pelo trilhar de pessoas, animais e veículos, ali não crescendo erva ou outra vegetação (Q); 17. Desde há mais de 10, 15 ou 20 anos que o acesso da via pública ao prédio dos autores, e deste à via pública, sempre se fez através do portão e caminho referidos em 15., por ali transitando pessoas, animais e veículos agrícolas, para transportar produtos agrícolas, estrumes, alfaias e animais (R), 18. sem qualquer limitação de tempo e sempre que tal fosse necessário ao prédio dos autores (S); 19. Era também pelos prédios referidos em 6., 7. e 8. que se fazia chegar ao prédio dos autores, através de um rego posto a céu aberto, as “águas das Cales” que regam tal prédio (T); 20. Tal rego atravessava todos os prédios dos réus, bem como o caminho de pé que bordejava tal rego e por onde eram acompanhadas e vigiadas as águas (U); 21. Recentemente, os réus efectuaram obras de melhoramento nos seus aludidos prédios (V); 22. Os autores utilizam o rego de condução de água referido em 19. e 20. desde há mais de 10, 15 e 20 anos, por ali transportando as “águas das Cales” que se destinam ao prédio identificado em 1. (X), 23. fazendo-o à vista de toda a gente, réus incluídos, sem que ninguém se opusesse a tal (Z), 24. na convicção de exercerem um direito próprio e exclusivo (AA); 25. Nas obras efectuadas pelos réus, estes procederam ao encanamento do rego, pelo que as águas passaram a ser conduzidas subterraneamente (BB), 26. acrescentando a tal encanamento diversas caixas abertas (CC), 27. tendo pavimentado toda a área circundante (DD); 28. Em data anterior a Maio de 2003, foi alargado e alcatroado o caminho que bordeja os prédios de autores e réus (EE); 29. Em todo o percurso em que o rego passa nos prédios dos réus a água encontra-se encanada (FF), 30. sendo que, de permeio, a água sai do prédio dos réus para entrar no rego do prédio de um vizinho, onde deixa de estar encanada (GG), 31. e ao entrar nos prédios dos réus volta a entrar num tubo igual ao outro até chegar ao prédio dos autores (HH); 32. Para acesso à leira de nível superior, que confina com os prédios dos réus, o único acesso possível é através do prédio destes (1º); 33. O rego encanado pelos réus chega a entupir (5º); 34. Os réus, em 12.11.2003, levantaram um muro de cimento encostado ao portão dos autores (6º), 35. muro esse que impede o acesso ao prédio dos autores, bem como impede estes de acompanhar, fiscalizar e desembaraçar as águas de rega que ao seu prédio se destinam (7º); 36. Desde 2003, os autores não fazem o seu giro de água (10º); 37. Em data anterior a Maio de 2003 foi alargado e alcatroado o caminho que bordeja as propriedades dos autores e réus (11º) (1); 38. Os autores utilizam o caminho que bordeja o seu prédio para aceder às duas leiras inferiores e mais baixas (15º); 39. Os autores acediam ao seu prédio, composto por três leiras, usando tractor agrícola, através do prédio dos réus (18º), 40. e, para cultivar as duas leiras que se situavam a um nível inferior, desciam as rampas (19º), 41. nunca tendo existido qualquer problema do tractor agrícola do facto de, depois de aceder às leiras de nível inferior, ter forçosamente que subir à leira de nível mais elevado (20º); 42. Na boca do tubo de encanamento, os réus colocaram ferros (21º); 43. Na reentrada da água nos prédios dos réus, o tubo, por ter um diâmetro mais pequeno, entra dentro do cano destinado às águas residuais do pátio das suas casas; 44. O desnível entre as leiras é bastante grande (27º); 45. O encanamento agrava os problemas que decorrem de um eventual encravamento (30º); 46. Na época da rega de 2003, os autores não acompanharam o rego no trajecto em que se processava pelos prédios dos réus (36º); 47. Os autores, após o encanamento da água, não podem seguir o seu trajecto e têm de utilizar a estrada fora dos prédios para aceder às suas leiras (39º); 48. Os réus procederam à vedação, através de uma rede com cerca de dois metros de altura, do local onde a água entrava no prédio dos autores (40º), 49. impedindo os autores de acompanhar as águas (41º), 50. e de fiscalizar as obras efectuadas pelos réus (42º). 3. Como já ficou referido, do objecto do recurso de revista foi, por despacho do Ex.mo Desembargador relator, excluída a parte B. do dispositivo, fundando-se, para tanto, no comando do art. 712º, n.º 6 do CPC. Os recorrentes reclamaram, sem êxito, do dito despacho, nessa parte: por despacho do Ex.mo Conselheiro Vice-Presidente deste Supremo Tribunal, foi tal reclamação indeferida. Como flui do disposto no n.º 2 do art. 689º do CPC, a decisão que confirma o despacho reclamado não pode ser impugnada e faz, portanto, caso julgado formal. Daí que este Tribunal não conheça do recurso, na parte excluída, não sendo tida em conta a matéria das conclusões, apresentadas pelos recorrentes, respeitantes à aludida parte B do dispositivo do acórdão recorrido (2) . Tal implica a desconsideração do que vem referido nas conclusões 1ª e 9ª a 14ª, acima inscritas. 3.1. As conclusões 2ª a 8ª concretizam a reacção dos autores/recorrentes à parte A do dispositivo do acórdão da Relação. Recorde-se que a sentença da 1ª instância decidiu, a tal propósito, condenar os réus: - a reconhecer que o prédio dos autores goza do direito de passagem a pé ou de carro agrícola, de rego e o acessório direito de acompanhamento sobre os prédios dos réus identificados na matéria de facto assente; e - a restituir aos autores os aludidos direitos de servidão, procedendo-se, para tal, à demolição do muro construído contra o portão de acesso ao referido prédio dos autores e ao afastamento de quaisquer obstáculos à passagem postos pelos réus. E a Relação, conhecendo da apelação interposta pelos réus, decidiu, além do mais, revogar a sentença recorrida na parte respeitante à servidão de aqueduto (e não de rego), eliminando-se do trecho condenatório o reconhecimento pelos réus do direito acessório dos autores acompanharem as águas no seu percurso pelos prédios daqueles. Da parte expositiva do acórdão conclui-se que a revogação da sentença, na parte ora em análise, se limitou a afastar o direito acessório dos réus, de acompanhamento das águas pelos prédios dos autores, não pondo, porém, em causa a existência da servidão de aqueduto. Tal resulta claro de seguinte trecho do acórdão: Procedem, portanto, as conclusões 1ª a 6ª da apelação quanto à inexistência do referido direito acessório de acompanhamento das águas pelos prédios dos réus, mantendo-se, no entanto, a condenação no reconhecimento do direito de servidão de aqueduto (e não de rego, modalidade que, de resto, não consta do elenco das servidões legais – v. arts. 1557º e seguintes do CC). Os autores discordam, sustentando que adquiriram, por usucapião, o direito à servidão de aqueduto através de rego a céu aberto por sobre o prédio dos réus, pois utilizam o dito rego desde há mais de 10, 15 e 20 anos, por ele transportando as “águas das Cales” que se destinam ao seu prédio, fazendo-o à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, e na convicção de exercerem um direito próprio e exclusivo; e que os réus, com as obras que fizeram, sem o acordo deles, autores, impedem o acesso destes à dita servidão, para acompanhamento, manutenção, fiscalização, orientação e limpeza desta, alterando, por decisão unilateral, e, como tal, não tolerada por lei, o modo e tempo do exercício da servidão, devendo, por isso, repor a situação anteriormente existente. Terão os autores razão? Não se suscitam dúvidas quanto à existência da servidão de aqueduto, imposta sobre os prédios dos réus, a favor do prédio dos autores, e constituída por usucapião (cfr. n.os 19., 20., 22., 23. e 24. da matéria de facto assente). O art. 1564º do CC dispõe que as servidões são reguladas, no que respeita à sua extensão e exercício, pelo respectivo título; na insuficiência do título, observar-se-á o disposto nos artigos seguintes. Nos termos do n.º 1 do art. 1565º, o direito de servidão compreende tudo o que é necessário para o seu uso e conservação; e o n.º 2 do mesmo normativo dispõe que, em caso de dúvida quanto à extensão ou modo de exercício, entender-se-á constituída a servidão por forma a satisfazer as necessidades normais e previsíveis do prédio dominante com o menor prejuízo para o prédio serviente. Sendo, no caso, a usucapião o título constitutivo da servidão, a extensão e o modo de exercício desta aferem-se pela posse do respectivo titular, em obediência à máxima tantum praescriptum quantum possessum. Essa «posse da servidão» conduzirá, operada a usucapião, à constituição do ónus com o conteúdo e extensão dessa posse, de tal modo que, se uma servidão se inicia com determinado conteúdo e, posteriormente, esse conteúdo ou extensão sofre um aumento, o novo conteúdo exigirá o decurso do prazo de 20 anos para se operar a usucapião (3). Na fórmula ampla do n.º 1 do art. 1565º – «tudo o que é necessário para o seu uso e conservação» – cabem todas as faculdades ou poderes instrumentais acessórios ou complementares que se mostrem adequados ao pleno aproveitamento da servidão. São os chamados «adminicula servitutis», que não constituem uma servidão autónoma, ainda que acessória, nem constituem uma actividade supérflua ou gravosa para o prédio serviente: são, como se disse, poderes ou faculdades acessórias da servidão. Exemplo típico de adminiculum é o do direito do dono do prédio dominante X, de passar pelo prédio serviente Y, para inspecção e limpeza do aqueduto, no caso de existência de uma servidão de aqueduto imposta sobre o prédio Y a favor do prédio X. Tal servidão de aqueduto, por rego aberto à superfície, tem como complemento inerente, a faculdade ou adminiculum de entrada e passagem pelo prédio serviente, sem o que não seria possível ou se tornaria muito difícil o seu exercício. Todavia, o uso dessa faculdade deve limitar-se ao objecto da servidão e ser exercido da maneira que menos incómodo causar ao prédio serviente. Como advertem P. LIMA/A. VARELA, se houver duas ou mais formas de satisfazer as necessidades do prédio dominante, a que a servidão se encontra adstrita, deve preferir-se a que menor dano cause ao dono do prédio serviente e não a que maior vantagem proporcione ao dono do prédio dominante (4). Os adminicula servitutis são de uma tal multiplicidade e variedade que é impossível a sua enumeração casuística. Mas, constatando que o grau de necessidade (ao exercício da servidão) desses poderes ou faculdades acessórias é variável, vem alguma doutrina distinguindo dois tipos ou categorias de adminicula servitutis, consoante se trate de faculdades acessórias absolutamente indispensáveis ao exercício da servidão – de que são exemplo a entrada e passagem pelo prédio serviente nas servidões aquae haustus ou pecoris ad aquam adpulsus – ou faculdades sem as quais a servidão pode exercitar-se, mas em extensão ou medida inferior à resultante do título, o que acontece, v.g., quanto à faculdade de passar no prédio serviente para acompanhar a água seguindo pela margem do aqueduto para a vigiar e nele fazer a limpeza e reparações necessárias. Todavia, embora em ambos os casos seja evidente a diferença de grau das respectivas utilidades, é clara a necessidade dos adminicula, num e noutro. Postos estes princípios, retornemos ao caso em apreço, reavivando a pertinente matéria de facto, que é a seguinte: Os autores adquiriram, por usucapião, o direito de fazer chegar ao seu prédio, através de um rego posto a céu aberto, que atravessava os prédios dos réus, as “águas das Cales”, que regam o seu aludido prédio. Esse rego era bordejado por um caminho de pé, que acompanhava o seu percurso, e pelo qual eram acompanhadas e vigiadas as águas. Recentemente, os réus fizeram obras de melhoramento nos seus aludidos prédios, nas quais procederam ao encanamento do rego, passando as águas a ser conduzidas subterraneamente em todo o trajecto nos ditos prédios, com implantação, ao longo do percurso, de várias caixas abertas (caixas de visita), e pavimentação de toda a área circundante. No seu trajecto até ao prédio dos autores, a água sai, a dado passo, do prédio dos réus para entrar no rego do prédio de um vizinho, onde deixa de estar encanada, voltando a correr, ao reentrar no prédio dos réus, e até chegar ao prédio dos autores, num tubo igual àquele por que era conduzida até deixar aquele prédio. O rego encanado pelos réus chega a entupir. Os réus, em 12.11.2003, levantaram um muro de cimento encostado ao portão dos autores, que impede o acesso ao prédio destes, impedindo-os igualmente de acompanhar, fiscalizar e desembaraçar as águas de rega que ao seu prédio se destinam; e desde 2003, os autores não fazem o seu giro de água. Na boca do tubo de encanamento, os réus colocaram ferros. Na reentrada da água nos prédios dos réus, o tubo, por ter um diâmetro mais pequeno, entra dentro do cano destinado às águas residuais do pátio das suas casas. Na época da rega de 2003, os autores não acompanharam o rego no trajecto em que se processava pelos prédios dos réus. Os autores, após o encanamento da água, não podem seguir o seu trajecto e têm de utilizar a estrada fora dos prédios para aceder às suas leiras. Os réus procederam à vedação, através de uma rede com cerca de dois metros de altura, do local onde a água entrava no prédio dos autores, impedindo os autores de acompanhar as águas e de fiscalizar as obras efectuadas pelos réus. Como resulta do disposto no art. 1543º do CC, a constituição de uma servidão, representando um encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente, representa uma restrição ao gozo efectivo do dono do prédio serviente, na medida em que o inibe de praticar actos que possam prejudicar o exercício da servidão. Deste preceito e do n.º 1 do art. 1565º deduz-se o princípio geral de que o dono do prédio serviente pode utilizar o seu prédio livremente, auferindo deste todas as vantagens e utilidades que ele lhe possa proporcionar, e fazer os melhoramentos, as reparações ou modificações que mais lhe convierem, contanto que não prejudique o exercício normal da servidão, ou seja, que não comprometa «o que é necessário para o seu uso e conservação». Como ensinou o Prof. PIRES DE LIMA, o princípio que domina esta matéria é o seguinte: “liberdade concedida ao dono do prédio serviente de gozar e fruir o seu prédio como melhor lhe aprouver, desde que não prejudique o livre uso da servidão por parte do proprietário dominante (5). Se o dono do prédio serviente prejudicar o exercício normal da servidão constituída, é seguro que o proprietário do prédio dominante pode exigir que aquele reponha as coisas no estado anterior e o indemnize dos danos que, em consequência, houver sofrido. Posto isto, temos por certo que as obras feitas pelos réus – a substituição do rego a céu aberto, por onde eram transportadas, para o prédio dos autores, as “águas das Cales”, pelo encanamento dessas águas, e enterramento do tubo condutor, com pavimentação de toda a área circundante e abertura de caixas de visita do aludido tubo condutor – são admissíveis desde que não prejudiquem o uso e conservação da servidão. E não vem provada matéria de facto que possa configurar esse prejuízo. Ao contrário do que referem os recorrentes, não é de alteração do modo e tempo do exercício da servidão, e menos ainda da mudança da servidão, que aqui se cura. Voltando à lição de PIRES DE LIMA, recorde-se que pela servidão de aqueduto se constitui no prédio serviente o ónus da condução da água, e o titular da servidão só pode praticar os actos que, para esse efeito (condução da água), sejam necessários. “O dono do prédio serviente conserva pleno o seu direito de propriedade, que apenas fica limitado quanto à prática dos actos que, por qualquer modo, prejudiquem o aqueduto ou a sua conservação. Dentro destes limites, pode praticar no seu prédio todos os actos materiais e jurídicos, fazer modificações e até construções sobre o aqueduto, contanto que não embarace o curso das águas nem danifique o aqueduto” (6). Os próprios autores aduzem, na p.i. (n.º 27), que não se opõem à realização dessas obras, “na medida em que contemplam a beneficiação, pelos réus, do que lhes pertence, certamente na perspectiva legítima de terem melhores condições de vivência”; e, quanto ao encanamento das águas dizem até “que poderia mesmo considerar-se um melhoramento, por impedir que as águas por ali conduzidas se fossem perdendo, por infiltração, ao longo do caminho percorrido no rego” (n.º 34 da p.i.). O que os autores questionam é, antes de mais, a intromissão de águas saponárias e de lavagens, que – segundo afirmam – do prédio dos réus acedem ao aqueduto, nele entrando pelas caixas de visita que estes fizeram, e seguindo também para o prédio deles, autores, arrastando no seu percurso lixos, detritos e entulhos, que chegam a entupir e a prejudicar o normal fluxo das águas de rega e acabam vazados neste prédio. Todavia, esta matéria, levada à base instrutória, onde integrou os quesitos 2 a 5, não logrou guarida probatória, apenas restando provado «que o rego encanado pelos réus chega a entupir». Mas os autores queixam-se ainda de que os réus foram mais além, impedindo-lhes o acompanhamento, fiscalização e desembaraço das águas do rego, e o desentupimento deste, quando necessário, já que levantaram, em 12.11.2003, um muro de cimento encostado ao portão do prédio deles, autores, que impede o acesso a esse prédio; e, mais tarde, em resposta a articulado superveniente dos réus, acrescentaram que estes procederam à vedação, através de uma rede com cerca de dois metros de altura, do local onde a água entrava no seu prédio, e assim os impediram e impedem de acompanhar as águas e de fiscalizar as obras que, na servidão, terão levado a cabo. E esta facticidade, como acima ficou demonstrado, resultou, no essencial, provada. Pois bem. Como decorre do que acima já ficou referido, nada impede que, constituída a servidão de aqueduto, o proprietário serviente vede o seu prédio, murando-o, rodeando-o de sebes, colocando portões ou outros meios de vedação, no exercício do direito de tapagem consagrado no art. 1356º do CC. Mas o exercício desse direito não pode ter qualquer influência na vida da servidão, que continua a existir e a ser exercida como se vedação não houvesse. Não pode, isto é, estorvar o exercício da servidão, comprometer algo de «tudo o que é necessário para o seu uso e conservação», designadamente as faculdades ou poderes instrumentais acessórios ou complementares que se mostrem adequados ao pleno aproveitamento da servidão, os adminicula servitutis de que acima fizemos menção. Mas esses poderes acessórios têm que ser aqui vistos a uma nova luz, tanto mais que em causa não estão – como também já vimos – faculdades acessórias absolutamente indispensáveis ao exercício da servidão, mas tão só faculdades sem as quais a servidão continua a poder exercitar-se, embora em extensão ou medida inferior à resultante do título. É dizer: sendo o aqueduto subterrâneo, a faculdade de passar pelo prédio serviente, para acompanhar a água, seguindo pela margem do aqueduto para a vigiar e conduzir, já não tem justificação e não deve, por isso, ser reconhecida: o uso dos adminicula deve ser limitado somente ao objecto da servidão e ser exercido da maneira menos incómoda ao prédio serviente. É que, repetindo ideia já expressa, os adminicula não constituem uma servidão autónoma – são simples modalidade de exercício de outra servidão, que, só por si, não traduz um poder sobre o prédio serviente e que tem uma função instrumental respeitante à servidão: o problema dos adminicula reconduz-se à questão, mais geral, da distinção, no âmbito da servidão, do que é essencial e do que é acessório (7) . E, a ser assim, apenas há que reconhecer aos proprietários do prédio dominante – no caso, aos autores/recorrentes – a faculdade de que carecem para o exercício da servidão, que não é mais do que a faculdade de acesso ao(s) prédio(s) dos réus quando as circunstâncias o imponham, para inspeccionarem o aqueduto através dos óculos de observação ou caixas de visita, ou para nele fazerem a limpeza, em caso de entupimento. Como é óbvio, os réus deverão, nessas circunstâncias, facultar-lhes a entrada no(s) prédio(s) serviente(s), permitindo-lhes o exercício desse adminiculum. Por isso, só nestes limitados termos – que representam um minus relativamente à pretensão dos recorrentes – procede, nesta parte, o recurso. 3.2. A outra questão a apreciar, no âmbito deste recurso, reporta-se ao articulado superveniente apresentado pelos réus já depois do despacho saneador e da selecção dos factos assentes e dos levados à base instrutória. Como vimos já, os autores agravaram do despacho que aditou novos quesitos, com a matéria desse articulado superveniente e a constante da resposta dos demandantes, e o recurso subiu à Relação com a apelação interposta, pelos réus, da decisão final. A apreciação da matéria dos recursos iniciou-se, na Relação, a coberto do disposto nos n.os 1 e 2 do art. 710º do CPC, pela da apelação. E, após o conhecimento da matéria a esta respeitante, foi entendido no respectivo acórdão que a decisão constante da parte A do dispositivo tornou absolutamente inútil a apreciação do agravo dos autores, “cujo objecto consistia na oposição à inclusão na base instrutória de factos alegados pelos réus no articulado superveniente”, onde integraram os quesitos 31 a 39. A decisão da 2ª instância fundou-se em que “os factos aditados à base instrutória (...) designadamente os que lograram comprovação em julgamento, em nada influem no exame ou decisão da causa, tornando-se inútil a pronúncia (do) Tribunal de recurso sobre o acerto ou desacerto da sua inclusão na base instrutória”. É que – diz-se ainda no acórdão recorrido – desses factos, apenas dois lograram demonstração em sede de julgamento (n.os 46 e 47 da matéria de facto assente), mas sem qualquer relevância na discussão da causa, tendo em conta a solução jurídica encontrada e exposta naquela parte do dispositivo. Todavia, os autores/recorrentes perfilham diferente entendimento, defendendo que esses factos, aditados à base instrutória, “tiveram e têm manifesta influência na decisão da causa”, pelo que, não tendo a Relação tomado conhecimento do agravo, deve agora fazê-lo este Supremo Tribunal. Não têm, porém, razão! A matéria do julgamento dos agravos que sobem com a apelação tem previsão no art. 710º do CPC, que assim textua: 1 – A apelação e os agravos que com ela tenham subido são julgados pela ordem da sua interposição; mas os agravos interpostos pelo apelado que interessem à decisão da causa só são apreciados se a sentença não for confirmada. 2 – Os agravos só são providos quando a infracção cometida tenha influído no exame ou decisão da causa ou quando, independentemente da decisão do litígio, o provimento tenha interesse para o agravante. A este propósito explica F. AMÂNCIO FERREIRA (8) que a excepção ao conhecimento do agravo é exclusiva do apelado, e ocorre quando o agravo por este interposto interessa à decisão da causa e a sentença é confirmada. Quer o autor dizer que o não conhecimento ou não apreciação (excepção ao conhecimento) do agravo só pode ter lugar em relação a agravo(s) interposto(s) pelo apelado (parte vencedora). Mas, mesmo em relação a estes, há que fazer algumas distinções. Desde logo, entre os agravos que interessam e os que não interessam à decisão da causa. Se o agravo tem interesse para a decisão da causa conhece-se dele, depois do julgamento da apelação, no caso de a sentença ser revogada ou alterada; no caso de a sentença ser confirmada não se aprecia esse agravo. Por outras palavras: a apreciação do agravo só terá lugar se a sentença apelada não tiver obtido confirmação. No primeiro caso – sentença revogada ou alterada – uma de duas: ou a infracção cometida influiu no exame ou decisão da causa, ou tal infracção não teve qualquer influência no exame ou decisão da causa, sendo que, verificada a primeira hipótese, o agravo será provido, e ocorrendo a segunda, negar-se-lhe-á provimento. É o que decorre da conjugação dos n.os 1 e 2 do preceito transcrito. Se o agravo (interposto pelo apelado) não interessar à decisão da causa, mas o seu provimento tiver interesse para o agravante, independentemente da decisão do litígio – isto é, independentemente de a sentença ser ou não confirmada – deverá dele conhecer-se (e tal conhecimento deve ocorrer antes do julgamento da apelação, pois que a decisão do agravo não projectará qualquer efeito no conhecimento daquela) (9) . No caso vertente, o agravo interposto, dada a matéria a que respeita, que contende com a definição do núcleo factual que deve integrar a base instrutória, interessa, sem dúvida, à decisão da causa; e, tendo a sentença sido alterada, impunha-se o seu conhecimento, ao contrário do que sustentou a Relação. E, se desse conhecimento resultasse que os factos incluídos no articulado superveniente e levados à base instrutória o não deviam ter sido – isto é, que fora, com tal inclusão, cometida infracção à lei processual – e que essa infracção era relevante, porque tinha influência no exame ou na decisão da causa (por, eventualmente, terem sido aqueles factos considerados provados e terem influenciado o sentido da decisão), deveria a Relação dar provimento ao agravo; se concluísse que não houve violação da lei processual ou que, não obstante o cometimento da dita infracção à lei processual, tal infracção era irrelevante, porque não influía no exame ou na decisão da causa, impor-se-ia que negasse provimento ao agravo. A Relação não seguiu, a rigor, este procedimento. Mas, se bem atentarmos, verifica-se que a sua decisão só aparentemente reveste a figura da «falta de conhecimento» do agravo. No fundo, o que ficou expresso no acórdão recorrido é o seguinte: Os factos aditados à base instrutória – conclui-se a posteriori – não tiveram qualquer influência para a sorte da demanda, designadamente os que alcançaram comprovação em julgamento. De todos esses factos, apenas dois lograram demonstração em sede de julgamento, mas sem qualquer relevância na discussão da causa, tendo em conta a solução jurídica encontrada e exposta na parte A do dispositivo do acórdão. Assim, porque em nada influíram no exame ou decisão da causa, torna-se inútil emitir pronúncia sobre o acerto ou desacerto da sua inclusão na base instrutória, já que quer se concluísse num sentido ou noutro, a solução sempre seria o não provimento do agravo. Ou seja: em bom rigor, embora expressa formalmente em termos deficientes, a decisão da Relação equivale a um verdadeiro conhecimento do agravo e ao seu não provimento: a haver violação da lei processual na admissão do articulado superveniente, essa infracção sempre seria inócua, na perspectiva da sua concreta influência no exame ou decisão da causa, quer porque os factos dele constantes resultaram, na sua quase totalidade, não provados, quer porque os escassos factos que resultaram provados carecem, de todo, de relevância para a decisão do pleito. Esta fundamentação é inatacável, pelo que, entendida com o sentido e significado acabados de assinalar, e relevada a sua inadequada expressão formal, a decisão da Relação não merece qualquer reparo, improcedendo, nesta parte, o recurso. 4. Nos termos expostos, concede-se em parte a revista, mantendo-se eliminado, da parte A do dispositivo do acórdão recorrido, o reconhecimento, pelos réus, do direito acessório dos autores aí referido, mas reconhecendo-se aos autores/recorrentes a faculdade de acesso ao(s) prédio(s) dos réus quando as circunstâncias o imponham, para inspeccionarem o aqueduto através de óculos de observação ou caixas de visita, ou para nele fazerem a limpeza, em caso de entupimento, devendo os réus, nessas circunstâncias, facultar-lhes a entrada no(s) prédio(s) serviente(s), com vista a permitir-lhes o exercício desse adminiculum. As custas da revista ficam a cargo de recorrentes e recorridos, na proporção de 5/6 e 1/6, sendo as da acção a fixar a final. * Lisboa, 23 de Outubro de 2008 Santos Bernardino (Relator) Bettencourt de Faria Pereira da Silva _________________________ (1) Este facto constitui mera repetição do que consta do n.º 28. (2) Deve, aliás, salientar-se que as alegações de recurso foram apresentadas pelos recorrentes quando ainda não tinha sido decidida a reclamação que haviam deduzido, impugnando a exclusão daquela parte B do objecto do recurso. (3) Cfr. M. TAVARELA LOBO, Mudança e alteração de servidão, Coimbra Editora, L.da, 1984, pág. 15, autor que seguimos de perto na exposição subsequente. (4) Cód. Civil Anotado, vol. III, 1ª ed., pág. 611. (5) Lições de Direito Civil (Direitos Reais), publicadas por David Augusto Fernandes, 4ª ed., pág. 346. (6) Ob. cit., pág. 419. (7) São palavras de TAVARELA LOBO, ob. cit., pág. 18, citando MESSINEO e GROSSO e DEIANA. O mesmo autor adverte, em nota de rodapé a fls. 19, que não é possível sequer fixar de antemão os adminicula de uma servidão, pois variam com as circunstâncias puramente ocasionais. (8) In Manual dos Recursos em Processo Civil, 7ª ed., pág. 224/225. (9) Cfr. J. RODRIGUES BASTOS, Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, 1972, págs. 330/331. |