Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08S2567
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: VASQUES DINIS
Descritores: DESPEDIMENTO COLECTIVO
COMPENSAÇÃO
RETRIBUIÇÃO-BASE
Nº do Documento: SJ200902250025674
Data do Acordão: 02/25/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA REVISTA
Sumário :
I – Face ao disposto nos artigos 82.º e 87.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho (LCT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969, integra a retribuição do trabalhador/autor, a quantia que lhe era paga mensalmente pela empregadora/ré, resultante de acordo das partes, na sequência de pedido feito pelo Autor, que pretendia uma melhoria da sua situação profissional, e que a Ré aceitou pagar mensalmente, mas apenas titulado como se se tratasse de pagamentos de despesas feitas pelo Autor com deslocações em serviço.

II – A lei, embora não definindo directamente o conceito de remuneração de base (ou retribuição-base), utiliza-o, como referência, quer para o cálculo de outros elementos da estrutura da retribuição, quer para o cálculo de indemnizações ou compensações devidas, nomeadamente, em determinados casos de extinção da relação laboral.

III – À remuneração de base contrapõem-se todas as outras componentes da retribuição, assumindo aquela carácter principal, sendo o seu valor fixado por lei (v.g. remuneração mínima mensal) ou em instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, em regulamentos ou em decorrência de usos da empresa, ou, ainda, no próprio contrato individual, na base de um horário normal, com referência a determinada categoria profissional, traduzindo o valor mínimo, definido para um certo período temporal, com relação à categoria-estatuto equivalente à categoria-função atribuída ao concreto trabalhador.

IV – As outras parcelas da retribuição, legal ou contratualmente devidas, sendo embora prestações regulares e periódicas, não têm, em princípio, aquele carácter principal, antes se apresentando como prestações complementares ou acessórias da remuneração de base.

V – No circunstancialismo referido em I-, tratando-se, em substância, de acordo sobre um acréscimo da retribuição, daí não decorre que as partes quiseram estipular um aumento da remuneração de base, mas antes, face ao modo como foi alcançado o acordo e os termos em que foi executado (a quantia em causa era formalmente processada como reembolso de despesas de deslocação em serviço), de um complemento salarial.

VI – Daí que o referido acréscimo não seja de computar na remuneração de base, para efeitos de cálculo da compensação legal devida pela cessação do contrato de trabalho por despedimento colectivo.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. AA demandou, em 3 de Setembro de 2003, no Tribunal do Trabalho de Cascais, E... S... - I... H..., SA, E... S... H... II - A... H..., SA, e E... S... SGPS, SA, pedindo que:

葉abSeja declarada a ilicitude do despedimento colectivo efectuado, em 6 de Junho de 2003, pela Ré E... S... - I... H..., SA;
葉abSe condene a Ré E... S... SGPS, SA, face à transmissão de estabelecimento operada a reintegrar o Autor, com a mesma categoria, antiguidade, retribuição e demais direitos e regalias correspondentes;
葉abSe condene as Rés E... S... - I... H..., SA, e E... S... SGPS, SA, a pagarem-lhe, a título de sanção compulsória, no caso de incumprimento, um valor nunca inferior a € 250 diários, desde a data da sentença até ao seu cumprimento integral;
葉abNo caso de o tribunal considerar que não houve transmissão do estabelecimento comercial, seja declarada a ilicitude do despedimento colectivo operado pela Ré E... S... - I... H..., SA, em virtude de ao Autor não ter sido paga, na íntegra, a compensação a que legalmente tinha direito, condenando-se a mesma Ré a reintegrar o Autor, com a mesma categoria, antiguidade, retribuição e demais direitos e regalias correspondentes, bem como a pagar-lhe a título de sanção compulsória, no caso de incumprimento, valor nunca inferior a € 250,00 diários, desde a data da sentença até ao seu cumprimento integral e ainda digna procuradoria.

Em sustentação do pedido, o Autor alegou, em síntese, que foi despedido no âmbito de um processo de despedimento colectivo levado a cabo pela 1.ª Ré e que o seu despedimento é ilícito, pois encontrava-se vinculado, em termos laborais, a mais do que uma das sociedades do grupo empresarial constituído pelas Rés, pelo que o facto de ter sido despedido por uma delas não conduz à extinção dos restantes vínculos laborais; por outro lado, não se verificam os requisitos materiais legalmente exigidos para fundamentar aquela modalidade de despedimento; e, finalmente, no cálculo da compensação posta à sua disposição, a Ré ignorou parte da retribuição que ele vinha auferindo.

As Rés, na contestação, defenderam-se, por excepção, invocando a ilegitimidade das 2.ª e 3.ª demandadas (E... S... H... II - A... H..., SA, e E... S... SGPS, SA) e por impugnação, contrariando a factualidade constante da petição inicial para sustentarem licitude do despedimento.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, afirmando a ligação profissional do Autor apenas à 1.ª Ré, E... S... - I... H..., SA, e declarando verificados os pressupostos materiais fundamentadores do despedimento colectivo, julgou, no entanto, ilícito o despedimento do Autor, com o fundamento de que que não fora posta à disposição deste a importância devida, a título de compensação, mas uma quantia inferior, e condenou a 1.ª Ré a reintegrá-lo, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, e a pagar-lhe as retribuições, incluindo férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, devidas desde 6 de Junho de 2003 até ao trânsito em julgado da decisão, com dedução dos rendimentos por ele, entretanto, auferidos, a liquidar posteriormente, e fixou a sanção pecuniária compulsória de € 100,00 a cargo da Ré (sendo € 50 a favor do Autor e € 50 a favor do Estado), por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de reintegração, tendo absolvido as demais Rés dos pedidos contra elas formulados.

2. Tendo aquela Ré apelado, veio o Tribunal da Relação de Lisboa a revogar a sentença, absolvendo-a dos pedidos, o que motivou o Autor a vir pedir revista, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões:

1 - Vem o presente recurso interposto do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que, julgando procedente o recurso interposto pela recorrida, revogou a decisão proferida pelo Tribunal de Trabalho de Cascais, que tinha declarado ilícito o despedimento do recorrente.

2 - O acórdão em recurso entendeu que o recorrente não demonstrou que o valor pago mensalmente pela recorrida integrasse o conceito de remuneração base, embora fazendo parte da retribuição.

3 - Considerou ainda que mesmo que se entendesse que tais montantes faziam parte da remuneração base, o entendimento de que a circunstância de o mesmo não ter sido considerado na compensação a pagar ao trabalhador conduziria à ilicitude do despedimento seria irrazoável e abusivo.

4 - Toda a matéria de facto provada na primeira instância, não sindicada em sede de recurso nem pelo próprio aresto em crise, demonstra que o recorrente o que exigiu à entidade patronal foi um aumento da remuneração base.

5 - Ficou provado na primeira instância, e tal facto não mereceu censura por parte da ora recorrida, nem do acórdão em recurso, que a manteve, que a quantia de € 262,35 começou a ser paga ao ora recorrente, na sequência de um pedido feito por si, que pretendia uma melhoria da sua situação profissional, tendo a recorrente aceite pagar mensalmente esse valor, mas apenas titulado como se tratasse de pagamentos de despesas feitas pelo recorrente com deslocações em serviço, razão pela qual foram emitidos os documentos aludidos nos n.os 49 a 59.

6 - Tendo-lhe sido imposto pela entidade empregadora que tal aumento seria titulado como despesas de deslocação, por ser a solução que convinha à recorrida.

7 - A recorrida, contrariamente, não provou, nem sequer alegou, que o aumento salarial acordado com o recorrente adveio de alguma circunstância especial que o impusesse ou justificasse.

8 - Também não alegou nem provou a recorrida que tivesse ocorrido alguma factualidade modificativa da execução da prestação pelo trabalhador que justificasse o aumento da retribuição

9 - Para além destas quantias ficticiamente apelidadas de despesas de deslocações, foram ainda pagas outras despesas de deslocações realizadas efectivamente pelo trabalhador, cujo valor, esse sim por ser real, variou consoante o número de kms. realizados.

10 - A remuneração base corresponde ao montante fixo auferido pelo trabalhador com exclusão de outras prestações pagas pelo empregador, como contrapartida do trabalho, ainda que regulares ou periódicas.

11 - Tendo ficado provado que, no caso concreto, não estamos perante nenhum complemento salarial acordado entre entidade patronal e trabalhador, que a designação formal dada por ambas as partes não correspondia à realidade, que o que o trabalhador exigiu da entidade patronal foi um aumento salarial, embora tenha sido forçado a aceitar a designação que a entidade patronal lhe quis dar, dúvidas não podem restar que estamos perante uma actualização da remuneração base,

12 - A própria fixação [de] um valor mensal é bem elucidativa da intenção da entidade patronal em vincular-se e do nexo de causalidade entre esta e a expectativa do trabalhador.

14 - Dos factos provados resulta claramente que a recorrida não estava de boa-fé quando procedeu ao cálculo da indemnização do recorrente para efeitos de despedimento colectivo, contrariamente ao que entendeu o acórdão em recurso.

15 - A recorrida conhece a lei e os instrumentos de regulamentação colectiva aplicáveis, tem apoio jurídico interno e externo, já dispensou centenas de trabalhadores através do mesmo procedimento.

16 - Sabia perfeitamente que a qualificação que impunha à actualização salarial do recorrente não correspondia à realidade factual, nem à lei, pois liquidou-a mesmo quando o trabalhador se encontrava de baixa médica e no mês em que nem exerceu funções.

17 - Entregou-lhe um veículo de serviço para as deslocações que necessitava realizar e pagou separadamente as deslocações que o trabalhador realizou em viatura própria.

18 - Ao revogar a sentença proferida pelo Tribunal de Trabalho de Cascais, o acórdão em recurso violou o artigo 82.º, da LCT, actual artigo 249.º do Código do Trabalho.

19 - Ao não ter mantido a ilicitude do despedimento, considerando que a recorrida agiu de boa fé, quando nos autos abundam meios de prova em sentido contrário, o acórdão em recurso violou os artigos 24.º, n.º 1 al. d), que remete para o n.º 1 do artigo 23.º, que por sua vez remete para o n.º 3 do artigo 13.º, todos do Decreto Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro (LCCT), em vigor à data dos factos.

Em face do exposto, deverá o acórdão em crise ser revogado, proferindo-se outro que considere ilícito o despedimento do recorrente, fazendo-se desse modo Justiça!

A recorrida contra-alegou para defender a confirmação do julgado e, neste Supremo Tribunal, a Exma. Magistrada do Ministério Público, em parecer que não obteve reacção das partes, pronunciou-se no mesmo sentido.

3. A questão fundamental a resolver, face ao teor das conclusões da revista, é a de saber se o despedimento de que o Autor foi alvo, deve considerar-se ilícito em virtude de a quantia que foi posta à sua disposição, a título de compensação no âmbito do despedimento colectivo, ser, alegadamente, inferior ao montante a que legalmente tinha direito.

Corridos os vistos, cumpre decidir.


II

1. A decisão proferida sobre a matéria de facto não vem impugnada e não se verifica qualquer das situações que, nos termos do artigo 729.º, n.º 3, do Código de Processo Civil — versão anterior à da revisão operada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto —, autorizam este Supremo Tribunal a sobre ela exercer censura, pelo que, ao abrigo das disposições combinadas dos artigos 713.º, n.º 6 e 726.º daquele diploma, aqui se dá por reproduzida, importando, desde já, neste passo, registar os factos materiais da causa, que podem interessar para a apreciação do objecto do recurso, que as instâncias fixaram como segue:

"[....]

24. A 1.ª Ré entregou a AA a carta datada de 6 de Junho de 2003, cuja cópia consta de fls. 141 dos autos de providência cautelar n.° 331/03.8 (e fls. 528 deste processo), recebida pelo destinatário na mesma data, comunicando-lhe a decisão de despedimento colectivo e indicando, nomeadamente, que «(...) a cessação do contrato de trabalho ocorrerá nesta data» e que «A empresa põe à sua disposição, através de transferência bancária, nesta data, as seguintes quantias, sujeitas aos descontos legais:

A compensação prevista no n.° 1 do art.° 23.° do Decreto-Lei n° 64-A/89, de 27 de Fevereiro (...)», sendo tal compensação no valor de € 18.852,00 relativamente ao Autor AA.

[....]

40. O Autor AA ingressou nos quadros do Hotel E... S... em 6 de Agosto de 1991, competindo-lhe proceder às aquisições de algum material e víveres imprescindíveis ao funcionamento do referido Hotel e negociar os contratos de abastecimento relativos ao mesmo, correspondendo às funções que desempenhava a categoria profissional de Chefe de Compras do sector alimentar e não alimentar.

41. Nos últimos meses, o Autor auferia a título de remuneração base mensal ilíquida a quantia de € 1.571.

42. Em 27/06/2002, a Ré E... S... H... II - A.... H..., SA, pagou ao Autor AA a quantia de € 357,06, nos termos constantes do documento junto a fls. 49 dos autos, documento subscrito pela Ré e pelo Autor, que apôs no mesmo a sua rubrica, sob os dizeres «assinatura», documento em que foi ainda consignado, relativamente ao Autor e à deslocação em viatura própria, de matrícula ...-...-..., o «total de kilómetros percorridos» e o «preço por kilómetro».

43. Em 30/07/2002, a Ré E... S... H... II - A.... H..., SA, pagou ao Autor AA a quantia de € 287,50, nos termos constantes do documento junto a fls. 50 dos autos, documento subscrito pela Ré e pelo Autor, que apôs no mesmo a sua rubrica, sob os dizeres «assinatura», documento em que foi ainda consignado, relativamente ao Autor e à deslocação em viatura própria, de matrícula ...-...-..., o «total de kilómetros percorridos» e o «preço por kilómetro».

44. Em 30/08/2002, a Ré E... S... H... II - A.... H..., SA, pagou ao Autor AA a quantia de € 262,35, nos termos constantes do documento junto a fls. 51 dos autos, documento subscrito pela Ré e pelo Autor, que apôs no mesmo a sua rubrica, sob os dizeres «assinatura», documento em que foi ainda consignado, relativamente ao Autor e à deslocação em viatura própria, de matrícula ...-...-..., o «total de kilómetros percorridos» e o «preço por kilómetro».

45. Em 19/09/2002, a Ré E... S... H... II - A.... H..., SA, pagou ao Autor AA a quantia de € 262,35, nos termos constantes do documento junto a fls. 52 dos autos, documento subscrito pela Ré e pelo Autor, que apôs no mesmo a sua rubrica, sob os dizeres «assinatura», documento em que foi ainda consignado, relativamente ao Autor e à deslocação em viatura própria, de matrícula ...-...-..., o «total de kilómetros percorridos» e o «preço por kilómetro».

46. Em 28/11/2002, a Ré E... S... H... II - A.... H..., SA, pagou ao Autor AA a quantia de € 329,67, nos termos constantes do documento junto a fls. 53 dos autos, documento subscrito pela Ré e pelo Autor, que apôs no mesmo a sua rubrica, sob os dizeres «assinatura», documento em que foi ainda consignado, relativamente ao Autor e à deslocação em viatura própria, de matricula ...-...-..., o «total de kilómetros percorridos» e o «preço por kilómetro».

47. Em 20/12/2002, a Ré E... S... H... II - A.... H..., SA, pagou ao Autor AA a quantia de € 398,97, nos termos constantes do documento junto a fls. 54 do processo 415/03.2, documento subscrito pela Ré e pelo Autor, que apôs no mesmo a sua rubrica, sob os dizeres «assinatura», documento em que foi ainda consignado, relativamente ao Autor e à deslocação em viatura própria, de matrícula ...-...-..., o «total de kilómetros percorridos» e o «preço por kilómetro».

48. Em 29/01/2003, a Ré E... S... H... II - A.... H..., SA, pagou ao Autor AA a quantia de € 380,49, nos termos constantes do documento junto a fls. 55 do mesmo processo, documento subscrito pela Ré e pelo Autor, que apôs no mesmo a sua rubrica, sob os dizeres «assinatura», documento em que foi ainda consignado, relativamente ao Autor e à deslocação em viatura própria, de matrícula ...-...-..., o «total de kilómetros percorridos» e o «preço por kilómetro».

49. Em 27/02/2003, a Ré E... S... H... II - A.... H..., SA, pagou ao Autor AA a quantia de € 347,82, nos termos constantes do documento junto a fls. 56 do mesmo processo, documento subscrito pela Ré e pelo Autor, que apôs no mesmo a sua rubrica, sob os dizeres «assinatura», documento em que foi ainda consignado, relativamente ao Autor e à deslocação em viatura própria, de matrícula ...-...-..., o «total de kilómetros percorridos» e o «preço por kilómetro».

50. Em 27/03/2003, a Ré E... S... H... II - A.... H..., SA, pagou ao Autor AA a quantia de € 360,03, nos termos constantes do documento junto a fls. 57 do mesmo processo, documento subscrito pela Ré e pelo Autor, que apôs no mesmo a sua rubrica, sob os dizeres «assinatura», documento em que foi ainda consignado, relativamente ao Autor e à deslocação em viatura própria, de matrícula ...-...-..., o «total de kilómetros percorridos» e o «preço por kilómetro».

51. Em 27/04/2003, a Ré E... S... H... II - A.... H..., SA, pagou ao Autor AA a quantia de € 309,54, nos termos constantes do documento junto a fls. 58 do mesmo processo, documento subscrito pela Ré e pelo Autor, que apôs no mesmo a sua rubrica, sob os dizeres «assinatura», documento em que foi ainda consignado, relativamente ao Autor e à deslocação em viatura própria, de matrícula ...-...-..., o «total de kilómetros percorridos» e o «preço por kilómetro».

52. Em 30/05/2003, a Ré E... S... H... II - A.... H..., SA, pagou ao Autor AA a quantia de € 262,35, nos termos constantes do documento junto a fls. 59 do mesmo processo, documento subscrito pela Ré e pelo Autor, que apôs no mesmo a sua rubrica, sob os dizeres «assinatura», documento em que foi ainda consignado, relativamente ao Autor e à deslocação em viatura própria, de matrícula ...-...-..., o «total de kilómetros percorridos» e o «preço por kilómetro».

[...]

64. Nos meses de Junho, Julho, Agosto, Setembro, Novembro e Dezembro de 2002, e Janeiro, Fevereiro, Março, Abril e Maio de 2003 a Ré E... S... H... II - A.... H...., SA, pagou ao Autor, mensalmente, a quantia de € 262,35.

Tal quantia de € 262,35 começou a ser paga na sequência de um pedido feito pelo Autor, que pretendia uma melhoria da sua situação profissional, tendo a Ré aceite pagar mensalmente esse valor, mas apenas titulado como se se tratasse de pagamentos de despesas feitas pelo Autor com deslocações em serviço, razão pela qual foram emitidos os documentos aludidos nos n.os 49 a 59 da factualidade assente, aí se mencionando, nomeadamente, como "número de Km", "792", sendo pagos a "0,33" por Km (respostas aos quesitos 3.º, 4.º e 5.º).

65. A Ré E... S... H.... II - A.... H..., SA, pagou ainda ao Autor, em alguns dos meses aludidos, algumas quantias em dinheiro destinadas a compensar despesas feitas pelo Autor, em serviço, quantias que eram referidas nos aludidos documentos e contabilizadas em "km" percorridos, na parte que excede o aludido valor de 792 Km, correspondente a € 262,35 (resposta ao quesito 7.º).

No exercício das suas funções o Autor, enquanto responsável pelas compras do Hotel, passava parte do seu período de trabalho fora do Hotel, fazendo algumas deslocações em serviço, com vista a contactar fornecedores e com vista à aquisição de bens, esclarecendo-se que o Autor podia utilizar uma viatura disponibilizada pela Ré para esse efeito (respostas aos quesitos 8.º e 9.º).

[...]"

2. Face à temporalidade dos factos e ao disposto nos artigos 7.º, n.º 1, da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro (que aprovou o Código do Trabalho de 2009), e 3.º, n.º 1, e 8.º, n.º 1, da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto (que aprovou o Código do Trabalho de 2003), a disciplina legal a observar é a das normas constantes do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo (LCCT), anexo ao Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, que contemplam a matéria do despedimento colectivo, e do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho (LCT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969, no tocante ao conceito de remuneração de base.

De acordo com o n.º 1 do artigo 23.º, da LCCT, «[o]s trabalhadores cujo contrato cesse em virtude de despedimento colectivo têm direito a uma compensação calculada nos termos previstos no n.º 3 do artigo 13.º», ou seja, à importância «correspondente a um mês de remuneração de base por cada ano de antiguidade ou fracção, não podendo ser inferior a três meses».

Segundo o artigo 24.º, n.º 1, alínea d), do mesmo diploma, o despedimento é ilícito, quando se dê o caso de «[n]ão ter sido posta à disposição do trabalhador despedido, até ao termo do prazo de aviso prévio, a compensação a que se refere o artigo 23.º».

Como fundamento para a declaração de ilicitude do seu despedimento, o Autor invocou, no que aqui importa considerar, que, aquando do despedimento, o que foi posto à sua disposição foi uma importância calculada com base "no que consta do seu recibo de vencimento", a título de remuneração de base (€ 1.571,00), tendo a entidade patronal ignorado o remanescente (€ 262,35), que, sendo pago regularmente, todos os meses, como contrapartida da actividade prestada, embora sob a justificação de "deslocação em viatura própria", fazia parte integrante da sua remuneração de base ilíquida, pelo que, na sua perspectiva, não foi cumprido o estipulado na alínea d) do n.º 1 do citado artigo 24.º.

A sentença da 1.ª instância, considerando que o Autor «logrou provar a factualidade que invocou, como resulta da resposta aos quesitos 3.º, 4.º, e 5.º, sendo agora absolutamente inequívoco que a quantia de € 262,35 era paga regular e periodicamente, desde Junho de 2002, constituindo também contrapartida da prestação de trabalho do Autor e assumindo, por isso, a natureza de retribuição – os documentos que titulavam esse pagamento, em que era referido o valor de € 0,33 por cada “Km” percorrido, sendo que 795 quilómetros correspondiam, exactamente, a € 262,35, foram apenas um expediente contabilístico utilizado pelas partes em ordem a “camuflar” a natureza retributiva dessa prestação», e que «a retribuição mensal do Autor, relevante para o cômputo da compensação devida pelo despedimento do Autor, era de € 1.833,35 (€ 1.571 + € 262,35)», e atendendo a que a Ré pôs à sua disposição, a título de compensação, a quantia de € 18.852, concluiu que ela «não ofereceu a compensação devida, que era no valor de € 22.000,2 (€ 1.833,35 x 12), sendo pois ilícito o despedimento».

Outro foi o entendimento do Tribunal da Relação, que, após corroborar a asserção feita pela Ré, no recurso de apelação, de que «para o cálculo da compensação legal restringe-se a retribuição à retribuição-base auferida pelo trabalhador à data do despedimento», prosseguiu:

"[...]

Todavia a remuneração-base, a que alude o n.° 2 do art. 82.º da LCT, é um conceito que a lei não decompõe, estatuindo apenas que a retribuição compreende a remuneração-base [e] todas as outras prestações regulares e periódicas feitas directa ou indirectamente, em dinheiro ou espécie. Outras referências surgem em normas legais a tal conceito, embora só uma análise ao caso em concreto permita concluir se se trata de remuneração-base no sentido estrito. No caso é a lei que delimita o cômputo da compensação devida pelo despedimento à retribuição-base auferida pelo trabalhador, cf. art. 13.º, n.° 3, da LCCT. A este propósito refere [o] Prof. Menezes Cordeiro, in Manual de Direito do Trabalho, a pág. 723, que "Na base de preceitos imperativos e da jurisprudência é possível distribuir os elementos integrados da remuneração em seis categorias: - retribuição-base e seus complementos regulares (diuturnidades e progressões salariais) - subsídios anuais; - pagamento de despesas retribuição por maior trabalho; - outros complementos não regulares; - outras prestações a cargo do empregador.

A retribuição-base traduz o valor mínimo implicado pela categoria estatuto equivalente à categoria-função que compita ao trabalhador visado, normalmente vem fixada nos IRC aplicáveis, numa base mensal. Sempre podem as partes por acordo inicial ou superveniente, prever os mais diversos os complementos de retribuição, em dinheiro ou em espécie." (sublinhado nosso).

No caso em apreço resultou, desde logo, provado que nos últimos meses, o autor auferia a título de remuneração-base mensal ilíquida a quantia de [€] 1.571 (facto n.° 41). Porém, resultou ainda provado, que, nos meses de Junho, Julho, Agosto, Setembro, Novembro e Dezembro de 2002 e Janeiro, Fevereiro, Março, Abril e Maio de 2003, a Ré E... S... H... II - A... H... SA pagou ao autor, mensalmente, a quantia de € 262,35. E que tal quantia começou a ser paga na sequência de um pedido feito pelo autor, que pretendia uma melhoria da sua situação profissional, tendo a ré aceite pagar mensalmente esse valor, mas apenas titulado como se tratasse de pagamentos de despesas feitas pelo autor com deslocações em serviço, razão pela qual foram emitidos os documentos aludidos nos n.os 42 a 52 da factualidade assente, aí se menciona[n]do, nomeadamente, como "número de km", "792", sendo pagos a "0,33" por km; tendo o autor aceite o pagamento nesses termos como resulta das assinaturas por si apostas nos referidos documentos (facto n.° 64.)

Temos assim que foi acordado entre autor e ré que esta, a partir de Junho de 2002, lhe pagava de forma regular uma quantia mensal no valor de € 262,35, como contrapartida do seu trabalho, passando por isso a integrar a retribuição mensal do autor, ao abrigo do art. 82.º, n.° 2, da LCT.

Todavia, a questão que se coloca é [a] de saber se essa quantia integra a retribuição-base do autor, a fim de dever ser computada no cálculo da compensação devida.

Como acima se referiu, a retribuição-base integra apenas o valor mínimo implicado pela categoria-estatuto do trabalhador. Ora, no caso, resultou provado que [o] aumento de retribuição em causa, no valor de € 262,35 mensal, não deriva do aumento da remuneração estabelecida para a categoria-função do autor mas sim de um acordo adicional entre as partes. Tendo ainda ficado comprovado que a ré apenas aceitou pagar mensalmente esse valor se titulado como se tratasse de pagamentos de despesas feitas pelo autor com deslocações em serviço, razão pela qual foram emitidos os documentos aludidos nos n.os 42 a 52 da factualidade assente, quando não se destinavam a esse fim.

Se é verdade que os pagamento[s] feit[o]s desta forma podem constituir um ilícito, designadamente para efeitos fiscais, essa [verdade] não permite concluir, só por si, que aquela quantia fazia parte da retribuição-base do autor — sendo que este também aceitou receber a quantia em causa daquele modo, ou seja, titulada como pagamento de despesas por kilómetros efectuados ao serviço da ré, assinando os respectivos recibos, negando-lhe assim a natureza de retribuição.

No entanto, foi considerado que ela constitui uma contrapartida do trabalho prestado e como tal fazia parte da retribuição do autor, o que não implica que fizesse parte da sua retribuição-base pois não ficou demonstrado, como cabia ao autor fazê-lo, que ela fazia parte do valor mínimo implicado na categoria-estatuto, tido como o único valor que integra a retribuição-base.

Por todo exposto não se nos afigura correcto o entendimento perfilhado na sentença recorrida de que a retribuição relevante para o cômputo da compensação seja no valor de € 1833,35 (€ 1571,00 + € 262,35), pois faz integrar na retribuição-base do autor a prestação adicional no valor de € 262,35, que não ficou demonstrado que fizesse parte da sua retribuição-base.

Assim a compensação paga ao autor no valor de [€] 18.852, ([€] 1.571 x 12) era a devida, nos termos dos art.os 23.º, n.° 1, e 24.º, n.° 1, d) da LCCT.

Mas mesmo que se admitisse que o montante pago a título de "deslocações em viatura própria" integrava o conceito de remuneração-base do autor, o entendimento de que a circunstância de o mesmo não ter sido considerado na compensação conduziria à ilicitude do seu despedimento seria irrazoável, abusivo. Com efeito, na alínea d) do n.° 1 do artigo 24. ° da LCCT, o legislador pretendeu sancionar o empregador que proceda ao despedimento colectivo e não pague ao trabalhador a compensação legal.

Todavia, tem sido entendido pela jurisprudência que nos casos em que o empregador actuou de boa-fé, pagando aquilo que razoavelmente entendia ser devido e que acreditava que esse era também o entendimento do trabalhador, como se afigura ser o caso pois que o autor acordou expressamente com a ré o tratamento do montante pago como "deslocações em viatura própria", contribuindo para que o montante fosse configurado como ajuda de custo, haverá apenas lugar ao pagamento da diferença de valor para a compensação efectivamente devida [—] ver a título de exemplo, [o] acórdão desta Relação, relatado pelo Sr. Desembargador Dr. R... P..., de 20.9.06, disponível na Internet, www.dgsi.pt, no qual é citada jurisprudência do STJ no mesmo sentido

Do exposto resulta proceder o fundamento do recurso no sentido de se considerar que a ré pôs à disposição do autor a compensação legal devida e que o despedimento não pode ser declarado ilícito com base na d) do n.° 1 do art. 24.º da LCCT, como foi considerado na sentença recorrida.

[...]"

O recorrente discorda do assim decidido, por, em síntese, entender que ficou provado que a importância de € 262,35, que regularmente lhe vinha sendo paga, não constitui um complemento salarial acordado entre as partes, que a designação formal dada por ambas as partes não correspondia à realidade, e que o que o trabalhador exigiu foi um aumento salarial, embora tenha sido forçado a aceitar a designação que a entidade patronal, daí "estarmos perante uma actualização da remuneração base"; por outro lado, sustenta que dos factos provados resulta claramente que a recorrida não estava de boa fé, quando procedeu ao cálculo da compensação, pois sabia perfeitamente que a qualificação que impunha à actualização salarial não correspondia à realidade factual.

3. O primeiro ponto da controvérsia versa sobre a qualificação da referida importância de € 262,35, que a Ré vinha pagando, regularmente, todos os meses, ao Autor, a título de despesas de deslocação em serviço.

O artigo 82.º da LCT dispõe: "1 - Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho; 2 - A retribuição compreende a remuneração de base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie".

E o artigo 87.º do mesmo diploma consigna que "[n]ão se consideram retribuição as importâncias recebidas a título de [...] despesas de transporte [...] e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações [...], feitas ao serviço da entidade patronal, salvo quando, sendo tais deslocações frequentes, essas importâncias, na parte em que excedam as respectivas despesas normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da remuneração do trabalhador".

Estando demonstrado que o pagamento da importância em causa resultou de acordo das partes, na sequência de pedido feito pelo Autor, que pretendia uma melhoria da sua situação profissional, e que a Ré aceitou pagar mensalmente o respectivo valor, mas apenas titulado como se se tratasse de pagamentos de despesas feitas pelo Autor com deslocações em serviço, não pode deixar de concluir-se, à luz dos citados preceitos que tal quantitativo integra o conceito de retribuição — tudo aquilo a que o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho, traduzido em prestações regulares e periódicas —, embora formalmente processado como reembolso de despesas de deslocação em serviço.

Conceito diferente é, como assinalou o acórdão recorrido, o de remuneração de base (ou retribuição-base), que a lei, não definindo directamente, utiliza, como referência, quer para o cálculo de outros elementos da estrutura da retribuição, quer para o cálculo de indemnizações ou compensações devidas, nomeadamente, em determinados casos de extinção da relação laboral.

À remuneração de base contrapõem-se todas as outras componentes da retribuição, assumindo aquela carácter principal, sendo o seu valor fixado por lei (v.g. remuneração mínima mensal) ou em instrumentos de regulamentação colectiva do trabalho, em regulamentos ou em decorrência de usos da empresa, ou, ainda, no próprio contrato individual, na base de um horário normal, com referência a determinada categoria profissional, traduzindo o valor mínimo, definido para um certo período temporal, com relação à categoria-estatuto equivalente à categoria-função atribuída ao concreto trabalhador — cfr. Bernardo da Gama Lobo Xavier (Curso de Direito do Trabalho, 2.ª Edição, Reimpressão, Verbo, Lisboa, 1996, p. 386), e António Menezes Cordeiro (Manual de Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 1997, p. 723).

As outras parcelas da retribuição, legal ou contratualmente devidas, sendo embora prestações regulares e periódicas, não têm, em princípio, aquele carácter principal, antes se apresentando como prestações complementares ou acessórias da remuneração de base. Nestas se incluem, entre outras, as destinadas a compensar o trabalhador pela sua permanência na empresa ou a estimular essa permanência, mediante a satisfação de aspirações de melhoria da situação do trabalhador, em termos salariais, sem alteração da categoria profissional (cfr. António Menezes Cordeiro, obra citada, p. 724), a não ser que as partes acordem em, modificando o contrato, aumentar a componente principal da estrutura da retribuição.

No caso presente, não estamos perante alteração de categoria profissional, nem perante um encontro de vontades em que as partes convencionaram alterar o contrato na parte relativa ao montante da remuneração de base.

Com efeito, apenas se demonstrou que, tendo o Autor pedido "uma melhoria da sua situação profissional" — não se provou que o Autor tivesse pedido aumento da remuneração principal —, a Ré aceitou pagar-lhe mensalmente o referido valor de € 262,35, "mas apenas titulado como se se tratasse de pagamento de despesas feitas [...] com deslocações em serviço".

Tratando-se, em substância, de acordo sobre um acréscimo da retribuição, disso não decorre necessariamente que as partes quiseram estipular um aumento da remuneração de base; pelo contrário, dos termos do pedido (proposta) do Autor e da contraproposta da Ré, em que assentou o encontro de vontades, pode, seguramente, afirmar-se que o acordo obtido, envolvendo a condição, proposta pela Ré, de o pagamento ser titulado como despesas de deslocação, excluiu do seu objecto a alteração do contrato no que respeita ao valor da remuneração de base.

É que, se é certo que, como alega o Autor, "a designação formal dada por ambas as partes não correspondia à realidade", devendo, em face da matéria de facto provada, concluir-se que a importância em causa se integrou na retribuição, não pode, todavia, perante o modo como foi alcançado o acordo e os termos em que foi executado, falar-se de actualização da remuneração de base, mas antes de um complemento salarial.

Nesta conformidade, sufraga-se, quanto ao ponto em análise, o juízo expresso pelo acórdão recorrido, do que resulta ter de considerar-se que, tendo a importância depositada pela Ré, como compensação pelo despedimento, sido calculada com base no valor que o Autor vinha auferindo a título de remuneração de base, não procede a pretensão deste no sentido de ver declarado ilícito o despedimento, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, alínea d), da LCCT, ou seja, por a Ré não ter posto à sua disposição, na totalidade, a devida compensação legal.

O precedente juízo torna dispensável, por prejudicada, a apreciação da relevância de um deficiente cálculo da compensação posta à disposição do trabalhador, quando o empregador actue de boa fé, para efeito poder considerar-se ilícito o despedimento.


III

Em face do exposto, nega-se a revista.

Custas a cargo do recorrente.

Lisboa, 25 de Fevereiro de 2009.

Vasques Dinis (Relator)

Bravo Serra

Mário Pereira