Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05B3996
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: OLIVEIRA BARROS
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
EXECUÇÃO ESPECÍFICA
REQUISITOS
SINAL
PRESUNÇÃO JURIS TANTUM
Nº do Documento: SJ200601260039967
Data do Acordão: 01/26/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 4176/05
Data: 06/14/2005
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Sumário : I - São requisitos da execução específica de contrato-promessa, ao abrigo do art.830º, nº1º, C.Civ. : a) - que a natureza da obrigação assumida pela promessa não seja incompatível com a substituição da declaração negocial ; b) - que não exista convenção em contrário ; c ) - que se verifique incumprimento por parte do demandado da obrigação de celebrar o contrato prometido.

II - Tanto o incumprimento definitivo, como a mora, podem dar lugar à execução específica de contrato-promessa, bastando a mora, ou seja, consoante art.804º C.Civ., o simples retardamento culposo do cumprimento da obrigação de celebrar o contrato definitivo, para justificar o recurso à execução específica de contrato-promessa.

III - A presunção de que a existência de sinal importa ou significa convenção contrária à execução específica estabelecida no nº2º do art.830º C.Civ. é uma presunção relativa, iuris tantum, ilidível por prova do contrário, e expressamente afastada na hipótese regulada no seguinte nº3º, ou seja, nas promessas relativas a edifícios ou fracções autónomas já construídos, em construção, ou a construir.
IV- Ainda quando não entendido que a falta de comparência na data, hora e local designados para a realização da escritura equivale a recusa de cumprimento, visto indicar de maneira certa e unívoca que o promitente em falta não pode, ou não quer, cumprir, resta seguro que, salvo se justificada a falta, incorre de imediato em mora susceptível de fundar o pedido de execução específica.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça :


Alegando, em indicados termos, incumprimento de contrato-promessa de compra e venda celebrado em 23/8/88, relativo a determinada quota indivisa de identificado prédio rústico denominado ..., sito na Charneca da Caparica, concelho de Almada, para que veio a ser emitido alvará de loteamento em 9/6/95, A moveu, em 22/3/2002, a B acção declarativa com processo comum na forma ordinária destinada a obter a execução específica daquele contrato, nos termos do art.830º C.Civ.

Essa acção foi proposta na comarca de Lisboa, mas, excepcionada na contestação a incompetência territorial dessa comarca, os autos foram remetidos à de Almada.

Naquele articulado, a demandada deduziu, no mais, defesa por impugnação motivada da recusa de cumprimento arguida, consubstanciada na falta de comparência na data marcada para a celebração da escritura.

Em audiência preliminar foi ordenado o depósito referido no nº5º do artigo supramencionado, que foi efectuado (1).

Foi depois proferido, em 21/10/2004, saneador-sentença em que se considerou o seguinte :

Há que ter em conta as normas vigentes na data do contrato invocado.

Embora tido em vista loteamento para construção, o prédio prometido vender era rústico.

Houve sinal passado, pelo que, conforme nº2º do art.830º C.Civ., não é admissível a a execução específica pretendida.

A acção foi, por isso, julgada improcedente.

A Relação de Lisboa, por acórdão de 14/6/2005, julgou improcedente o recurso interposto pelo assim vencido, confirmando a sentença apelada.

Vem agora pedida revista dessa decisão.

Em fecho da alegação respectiva, o recorrente deduz as conclusões seguintes, delimitativas do âmbito ou objecto deste recurso ( arts.684º, nºs 2º a 4º, e 690º, nºs 1º e 3º, CPC ) :

1ª - Como se vê do teor do contrato-promessa ajuizado, o negócio em questão integra-se no fenómeno ao tempo qualificado de loteamentos clandestinos, que a Lei nº91/95, de 2/9, passou a qualificar como áreas urbanas de génese ilegal, no caso constituída pelo sistema da compropriedade, vulgo" avos indivisos".

2ª - A Ré já tinha construído uma casa na parcela ilegal por ela detida, de que deu posse imediata ao A., como resulta da cláusula 6ª daquele contrato.

3ª - Assim, a identificação matricial e registral do prédio mencionada para efeitos de identificação do objecto mediato do negócio nada tinha que ver com a realidade : uma moradia com logradouro pendente de legalização.

4ª - Mesmo que fosse outra a identificação que as partes lhe quisessem dar, não o poderiam fazer, uma vez que, ao tempo, a moradia não podia ter identificação no registo predial, por estar num terreno em avos indivisos.

5ª - E a parcela de terreno na posse efectiva da promitente-vendedora não podia ser autonomizada sem prévio loteamento.

6ª - A Lei nº91/95, de 2/9, na sua redacção original, aplicável já no prazo acessório convencionado para a escritura, bem como as redacções subsequentes que lhe deram as Leis nºs 165/99, de 14/9, 64/2003, de 23/8, convergem no estabelecimento de um regime matricial e registral excepcional para estes casos : o registo de alvará não dá de imediato lugar à individualização dos lotes, que só são descritos simultaneamente com o registo de aquisição por divisão de coisa comum ; por outro lado, o prazo de participação na matriz para efeitos de contribuição predial autárquica, agora, IMI, conta-se igualmente a partir da data deste último registo.

7ª - Pelo que quer o espaço físico destinado ao futuro lote, quer a construção, não tinham possibilidade de autonomização jurídica, e, fazendo-a, isso tornaria o negócio legalmente impossível ( destaque nosso ).

8ª - Do contrato ajuizado dimana, sem razão para outro entendimento, a aceitação desta realidade e o pressuposto da mesma : 1) - nas cláusulas 8ª e 9ª, diz-se que a Ré trata da urbanização e o A. da legalização da moradia ; 2) - este entra de imediato na posse da casa - cláusula 6ª ; 3) - o contrato prometido só será celebrado no prazo de 180 dias após a aprovação da urbanização - cláusula 4ª ;
4) - se a promitente-vendedora não conseguisse a urbanização, o sinal seria devolvido, acrescido de uma compensação - cláusula 12ª.

9ª - Sendo que a moradia também objecto do negócio seria legalizada a expensas do promitente-comprador, mas podendo tal ocorrer antes ou depois de realizado o negócio prometido.

10ª - Assim, tanto em termos de enquadramento jurídico, como em termos de economia do contrato, o objecto mediato da promessa era um lote de terreno e uma moradia nele construída, muito embora no primeiro caso não coubesse outra solução legal de identificação, sob pena de impossibilidade legal do objecto ( destaque nosso ).

11ª - Deste modo, o contrato-promessa em apreço inscreve-se directamente na previsão do art. 410º, nº3º -" edifício já construído, em construção ou a construir" -, pelo que se lhe aplica integralmente o disposto na 1ª parte do nº3º do art.830º, ambos do Cód.Civil.

12ª - Pelo que o acórdão recorrido viola o disposto no art.659º, nº2º, CPC, ao não aplicar o direito aos factos evidenciados, devendo, assim, ser revogado.

Houve contra-alegação, e, corridos os vistos legais, cumpre decidir. Assim :

Não observado na 1ª instância o disposto no nº1º, relativo ao relatório das sentenças, nem a discriminação - isto é, a indicação em separado - da matéria de facto e da matéria de direito prescrita no nº2º do art.659º CPC, a matéria de facto fixada pela 2ª instância é como segue :

( a ) - A Ré é comproprietária de 1/81,35 avos indivisos do prédio rústico sito na Charneca da Caparica, concelho de Almada, denominado Vivenda ...., inscrito na matriz respectiva sob o artigo 262 da Secção Q da Caparica, e descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Almada sob o nº 25.050 do livro B-74 ( doc. 1 ).

(b) - Em 23/8/88, mediante escrito particular assinado por ambos, com reconhecimento notarial por semelhança dessas assinaturas, A. e Ré prometeram reciprocamente vender e comprar a referida quota indivisa do prédio acima identificado, englobando as benfeitorias nele realizadas pela Ré ( doc. 2 ).

( c ) - O preço convencionado para a transmissão foi de 5.000.000$00, tendo o A., nesse acto, entregue, a título de sinal e princípio de pagamento, 2.500.000$00, que a Ré declarou recebidos (doc. 2 ).

( d ) - Foi também convencionado então que o remanescente do preço seria pago no acto da escritura de compra e venda (doc. 2 ).

( e ) - A despeito dessa convenção, o A., em 27/11/91, reforçou o sinal com a quantia de 1.500. 000$00, que a Ré declarou igualmente recebidos ( doc. 3 ) (2).

( f ) - Assim, do preço convencionado e a pagar no acto da escritura remanesceram apenas 1.000. 000$00 ( doc. 2 e 3 ).

( g ) - No acto da celebração do contrato-promessa, o A. tomou posse da casa e da parte do terreno até aí efectivamente na usufruição da A. ( doc. 2 - cláusula 6ª ).

( h ) - A Ré assumiu a obrigação de providenciar pela urbanização do prédio (3) - ficando por conta do A. a posterior legalização da moradia edificada pela Ré ( doc. 2 - cláusulas 8ª e 9ª).

( i ) - Foi convencionado para a realização da escritura de compra e venda prometida o prazo de 180 dias contados da aprovação da urbanização, competindo à Ré marcar a data para esse efeito e avisar dela o A. com a antecedência mínima de 15 dias ( doc. 2 - cláusulas 4ª e 13ª ) (4).

( j ) - Esse prazo podia ser alterado por acordo das partes (doc. 2 - cláusula 4ª-a) ).

( l ) - A Ré não convocou o A. para a predita escritura.

( m ) - Em meados de 2001, o A. veio a saber que fora emitido para, entre outros, o prédio em questão o alvará de loteamento nº 391/95, de 9/6/95, o que confirmou por certificação da Câmara Municipal de Almada de 5/7/2001 (doc. 4 ).

( n ) - Atenta a omissão da Ré e depois de obter os documentos necessários, o A. agendou a realização da escritura para 9/1/2002, pelas 11h 30m, no Cartório Notarial da Baixa da Banheira, e notificou a Ré, por carta registada com A/R de 17/12/2001, da data da realização da escritura, de que se essa data não lhe conviesse que propusesse outra ao advogado do A., e para fazer entrega dos seus documentos pessoais até ao dia 4/1/2002 no dito cartório, sob pena de, se o não fizesse, o A. recorrer às vias judiciais competentes (doc. 5 ).

( o ) - Apesar de ter recebido a carta de interpelação, a Ré não contrapôs qualquer outro dia para a outorga da escritura.

( p ) - Na data e hora agendadas, o A. apresentou-se no Cartório Notarial da Baixa da Banheira, mas a escritura não se realizou porque a Ré não compareceu, nem se fez representar ( doc. 6 ).

No que concerne à matéria de facto, o STJ tem de acatar a adquirida nos autos (5) , que pode não coincidir com a indicada pela Relação. No que se refere ao facto referido em (i ), supra, houve que dele fazer oficiosamente correcção, uma vez que brigava com a cláusula 13ª do contrato ajuizado, que reza assim ( v. fls. 17 vº dos autos ) :" A escritura definitiva será marcada pelos promitentes compradores ( , ) avisando este o promitente vendedor do dia, hora e cartório notarial aonde a mesma esta marcada ( , ) através de carta registada com aviso de recepção ( , ) com antecedência mínima de 15 dias".

Quanto ao facto - recepção da carta - referido na 1ª parte de (o), supra, recolhido do artigo 18º da petição, mostra-se especificadamente impugnado, simples e motivadamente, nos artigos 8º ss da contestação ( v. fls. 53 vº).

Não seria, destarte, inteiramente exacto que, como no acórdão recorrido se diz, ( respectiva pág. 7, a fls.178 dos autos, penúltimo par.),- O contrato promessa, atenta a matéria de facto alegada, mostra-se incumprido, o que as partes não questionam" ( destaque nosso ).

Vem, isso sim, a ser certo que a ora recorrida tal não questiona ou deixa em crise agora, ao abrigo, nomeadamente, do art.684º-A CPC, pelo que há que dá-lo por adquirido.

Isto esclarecido em matéria de facto, descontada, no possível, a repetição em que se afigura incorrerem as conclusões oferecidas, e sendo do C.Civ. as disposições citadas ao diante sem outra indicação :

São requisitos da execução específica pretendida : a) - que a natureza da obrigação assumida pela promessa não seja incompatível com a substituição da declaração negocial (6) ; b) - que não exista convenção em contrário - como se julgou ser o caso, em vista do nº2º do art.830º ; c ) - que se verifique incumprimento por parte do demandado da obrigação de celebrar o contrato prometido (7).

Vem-se actualmente entendendo bastar a mora, ou seja, consoante art.804º, o simples retardamento culposo do cumprimento dessa obrigação, para justificar o recurso à execução específica - v. Almeida Costa, RLJ 124º/94, Calvão da Silva," Sinal e Contrato-Promessa" ( 10ª ed., 2003 ), 138 ss, e Ac.STJ de 21/5/98, BMJ 477/460-V e CJSTJ, VI, 2º, 91- V e 93. 2ª col., 11., 7º par.- admitindo este último que tanto o incumprimento definitivo como a mora a tal possam dar lugar.

Mencionado em contra-alegação o art.294º, referido ao art. 27º, nº1º, do DL 289/73, de 6/6, de que decorria a proibição e consequente nulidade das operações de loteamento efectuadas sem prévia concessão pela Câmara Municipal da competente licença ou alvará de autorização -, cabe trazer à colação os Assentos deste Tribunal de 21/7/87 e de 3/10/89, respectivamente publicados no DR, I Série, nºs 250 e 280, de 30/10/87 e de 6/12/89, e no BMJ 369/199 ss e 390/89 ss.

Notado que o nº2º do predito art.27º, se refere à nulidade dos instrumentos notariais, releva ter-se determinado no primeiro daqueles Assentos, bem que em relação ao domínio de vigência do DL 46.673, de 29/11/65, fonte do referido DL 289/73, que a falta da licença não determina a nulidade dos contratos de compra e venda de terrenos compreendidos em loteamento, com ou sem construção, e no segundo desses Assentos, o mesmo em relação aos contratos-promessa com esse mesmo objecto.

Este último revogou o Ac.STJ de 10/10/85 citado na conclusão VI da contra-alegação da recorrida.

Com apoio em Vaz Serra, BMJ 74/170 e 171, logo, aliás, em ARL de 14/7/76, CJ, I, 775 ss ( v. 778, 1ª col, 4º par.) se tinha ressalvado da falada nulidade o caso, que, conforme cláusula 12ª do contrato ajuizado, é o ocorrente, de constar do contrato-promessa o condicionamento do contrato prometido à obtenção prévia do alvará. Em todo o caso :

Em causa matéria relacionada com o conteúdo de determinada relação jurídica - a gerada pelo contrato-promessa em questão -, e não se vendo que a lei abstraia do facto que a originou, vale, no caso, como, a contrario, resulta do art.12º, nº 2º, 2ª parte, e é de regra no domínio dos contratos, a lei do tempo da sua celebração ( lex contractus ).

Observando, além do mais, constituir o contrato-promessa, com natureza unicamente obrigacional, convenção em que se promete a celebração de novo contrato que, a não ser então possível, no entanto pode vir a sê-lo na altura da celebração do contrato prometido, concluiu-se em Assento deste Tribunal de 19/11/87, publicado no DR, I Série, nº9, de 12/1/88, e no BMJ 371/105 ss, assim :

- Na vigência do do DL 289/73, de 6/6, é válido o contrato-promessa de compra e venda de terreno compreendido em loteamento sem alvará, a menos que no momento da celebração desse contrato haja impossibilidade de obtenção do alvará, por haver lei, regulamento ou acto administrativo impeditivo da sua emissão".

Assim arredada a inexactidão manifesta de que enferma a parte final das conclusões 7ª e 10ª da alegação do recorrente, atrás deixadas em destaque :

A questão sub judicio centra-se na aplicação - ou não - à hipótese vertente do nº2º do art.830º, na redacção do DL 379/86, de 11/11.

Estabelece-se nesse preceito presunção legal de que a existência de sinal importa ou significa convenção contrária à execução específica.

Como assim, havendo, como é o caso, sinal passado, teve-se por de imediato afastado pelas próprias partes o direito à execução específica que o ora recorrente invoca ou se arroga.

Trata-se, é certo, de presunção tantum iuris(8), e mostra-se expressamente afastada na hipótese regulada no seguinte nº3º, ou seja, nas promessas relativas a edifícios ( ou fracções autónomas ) já construídos ( ou em construção ou a construir ).

Mas valeria, afinal, segundo se julgou, a solução resumida no sumário de Ac.STJ de 18/1/2000, BMJ 493/379, a saber : ( i ) - dada a natureza do prédio prometido comprar e vender, não é, no caso, aplicável o nº3º do art.410º e a 1ª parte do nº3º do art.830º, mas sim o nº2º deste último ; ( ii ) - assim, existindo sinal, o contraente não faltoso não pode obter a execução específica do contrato, a não ser que ilida a presunção estabelecida no nº2º do art.830º.

No seguinte e último ponto desse sumário conclui-se que a execução específica pressupõe a inexistência de sinal ou (então) convenção expressa em contrário, salvo se o contrato-promessa tiver por objecto a celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício, ou fracção autónoma dele, já construída, em construção ou a construir.

Não se encontra no texto do predito acórdão - relativo a caso em que não havia qualquer cláusula relativa à execução específica, admitindo-a ou arredando-a -, nem se vê da lei, que a presunção estabelecida no nº2º do art.830º C.Civ. só possa ser ilidida mediante convenção expressa que consinta a execução específica, melhor parecendo que tal possa fazer-se por qualquer modo. Isto notado :

A objecção que o recorrente opõe ao decidido nas instâncias centra-se, conforme conclusão 11ª da alegação respectiva, no cabimento na hipótese ocorrente do disposto no nº3º do mesmo art.830º, que determina que o direito à execução específica não pode ser afastado pelas partes nas promessas a que se refere o nº3º do art.410º.

Como observado na conclusão 3ª da alegação do recorrente, a identificação matricial e registral do prédio mencionada para efeitos de identificação do objecto mediato do negócio nada tinha que ver com a realidade, que, como resulta claro das cláusulas 4ª, 6ª, 8ª e 9ª do contrato-promessa, referidas na conclusão 8ª dessa alegação, e como bem assim se diz na conclusão 10ª, era um lote de terreno com a moradia com logradouro nele construída, pendentes, ambos, de legalização.

Foi isso que, como, em vista dessas cláusulas, decorre claro do art.236º, nº1º, as partes respectivamente prometeram comprar e vender - bem que, em termos de direito, parte indivisa, ainda, dum prédio rústico com benfeitoria, como em contra-alegação se salienta.

O contrato-promessa dos autos reporta-se, na verdade, a uma quota indivisa dum prédio rústico que ao tempo já o não era de facto : na parcela de terreno - espaço físico destinado a lote, parte, ao tempo, de loteamento clandestino - a que as partes, sob a capa de x avos indivisos, quiseram aludir havia, já construída, uma casa, vivenda ou moradia, se bem parece, a denominada Vivenda ... referida em ( a ), supra, de que houve imediata tradição.

Legalizado, vários anos depois, o loteamento clandestino efectuado, o prédio aludido veio, também de direito, a deixar de ser rústico.

Ainda juridicamente não autonomizados tanto o espaço físico destinado a lote, como a construção, logo por isso mesmo por legalizar também, a quota indivisa de prédio rústico com benfeitoria cuja transmissão expressis verbis se prometeu era a única realidade que, segundo se entendeu, então se podia admitir e, por conseguinte, reconhecer, em termos de direito(9). Ora :

Diferentemente do que ocorria no caso decidido no acórdão citado ( ibidem, 382, 2ª col., 3.1., 4º par.), há, no caso destes autos, correspondência entre o objecto mediato do contrato-promessa - quota indivisa de prédio rústico - e o objecto que o ora recorrente pretende adquirir mediante execução específica - o que formalmente arreda a previsão do invocado art.410º, nº3º.

Ainda assim presente a exclusão da presunção aplicada, constante do nº2º, estabelecida no nº3º do art.830º, não se vê, à luz do que vem de expor-se, como deixar, ao menos, de considerar-se, ao abrigo dos arts.664º, 713º, nº2º, e 726º CPC, em boa fé, e nas concretas circunstâncias que decorrem do clausulado referido na conclusão 8ª da alegação do recorrente, como efectivamente afastada - ilidida - na intenção das partes, ao menos nessa medida expressa, aquela presunção relativa, juris tantum, em que assenta a decisão das instâncias : mesmo se formalmente perfeita, menos adequada, se bem parece, à hipótese ocorrente.

Bem, a outro tempo, não se vê que a Lei nº91/95, de 2/9, quer na sua redacção original, quer com as redacções subsequentes que lhe deram as Leis nºs 165/99, de 14/9, e 64/2003, de 23/8, tire ou ponha seja o que for ao deixado exposto ; e quanto, por fim, ao art.659º, nº2º, CPC, a que se refere a conclusão 12ª da alegação do recorrente, tem-se por claro que, relativo à forma da sentença, nada tem que ver com o a afinal arguida errada interpretação e aplicação da lei, ou seja, com eventual, substancial, erro de julgamento. Finalmente :

Ainda quando não entendido logo que a falta de comparência na data, hora e local designados para a realização da escritura, por constituir comportamento que indica de maneira certa e unívoca que o promitente em falta não pode ou não quer cumprir, equivale a recusa de cumprimento (10), permanece, ao menos, indubitável que incorre de imediato em mora susceptível, como já visto, de fundar o pedido de execução específica.

Como decorre do nº2º do art.804º ( inciso" por causa que lhe seja imputável" ), ponto vem, em todo o caso, a ser que o faltoso tenha sido efectivamente notificado para aquele efeito. Como já dito, é tal que, contrariado na contestação, não voltou a sê-lo, nomeadamente depois de dado por adquirido no acórdão sob recurso.

A recepção da carta referida em ( n ), afirmada no item 18º da petição inicial, foi, de facto, expressa e desenvolvidamente impugnada nos artigos 8º e seguintes da contestação, o que eventualmente determinaria carecer de quesitação e produção de prova. É questão, porém, deixada cair, por assim dizer, pela própria parte interessada, que, nomeadamente, a não suscitou ao abrigo do art.684º-A CPC.

Alcança-se, pois, na conformidade do exposto, a decisão que segue :

Concede-se provimento a este recurso.

Revoga-se o acórdão impugnado, e, assim, a conforme decisão das instâncias.

Julga-se a presente acção procedente e provada, e, em consequência, comprovado que se mostre o cumprimento das obrigações fiscais competentes, declara-se, como pedido, efectivada a compra pelo A., A, casado no regime da comunhão de adquiridos com C, e a venda pela Ré B, separada judicialmente de D, de 1/81,35 avos indivisos do prédio rústico sito na Charneca da Caparica, concelho de Almada, denominado Vivenda ..., inscrito na matriz respectiva sob o artigo 262 da Secção Q da Caparica, e descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Almada sob o nº 25.050 do livro B-74, pelo preço de 5.000.000$00 ( € 24,939,89 ), transferindo-se, por este modo, para o A. a propriedade da predita quota indivisa, que passa a integrar a esfera patrimonial do mesmo, com todas as legais consequências, e ficando a pertencer à Ré o montante de que foi feito pelo A. o depósito devido.

Custas, tanto deste recurso, como nas instâncias pela recorrida.


Lisboa, 26 de Janeiro de 2006
Oliveira Barros, relator
Salvador da Costa
Ferreira de Sousa
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(1) A Ré deduziu nessa altura intervenção anómala em que nomeadamente arguiu a nulidade do contrato-promessa ajuizado. Aproveita-se a este respeito parte de exposição transcrita no acórdão proferido no Proc.nº4063/05 desta Secção. Assim : O n°2º do art. 410° C.Civ. sujeita o contrato-promessa de compra e venda de bens imóveis ou sua fracção à forma escrita. A primeira parte do n°3º desse mesmo artigo faz, ainda, a exigência de que esse documento escrito contenha : - a) - o reconhecimento presencial da(s) assinatura(s) do(s) promitente(s) ; - b) - a certificação pelo notário da existência da respectiva licença de construção ou de utilização." Estes requisitos não são, verdadeiramente, exigências de forma, mas formalidades, isto é, " exigências para o surgimento válido de certos negócios jurídicos ". A falta de formalidades exigidas por lei tem a mesma sanção da falta de forma - a nulidade". A falta das formalidades exigi das pela 1ª parte do n°3º do art. 410° C.Civ. tem, pois, como sanção a nulidade ; mas, uma nulidade atípica, como se vê da 2ª parte desse mesmo n°3º, uma vez que o contraente que promete transmitir ou constituir o direito real sobre edifício ou fracção autónoma dele " só pode invocar a omissão destes requisitos quando a mesma tenha sido culposa mente causada pela outra parte". Para além disso, a doutrina é praticamente unânime no sentido de que essa nulidade não pode ser invocada por terceiros, nem pode ser conhecida oficiosamente pelo tribunal. Estava, pois, vedado à Ré, promitente-vendedora, invocar a nulidade proveniente da omissão dos requisitos ou formalidades estabelecidos pela 1ª parte do n°3º do art.410° C.Civ., que é norma estabelecida em consideração dos interesses do comprador. Só o pode-ria fazer se tivesse alegado, mas não alegou, que a sua omissão fora devida a culpa da outra parte. V. sobre este ponto, Galvão Telles," Direito das Obrigações", 6ª ed. (1989), 106, Calvão da Silva," Sinal e Contrato-Promessa", 8ª ed. (2001), 69, 76 e 77, Almeida Costa, RLJ, 127º/339 e Assentos nºs 15/94, de 28/6/ 94, BMJ 438/64, e 3/95, BMJ 444/ 109, com comentário de Carvalho Fernandes na RDES, XXXIX ( 1997 ), 276 ss.
(2) Como se refere na alegação do recorrente, neste documento, relativo ao reforço do sinal, diz-se do objecto do contra- to-promessa ajuizado que" consiste em 1/81,35 avos (...) e benfeitoria e moradia nela implantada" ( destaque do recorrente ).
(3) Ao contrário do aparentemente entendido no item 8º da alegação do recorrente, isto consta efectivamente da cláusula 8ª do contrato em questão ( cfr. fls.17 vº dos autos ).

(4) É isto que se lê na cláusula 13ª a fls.17 vº dos autos. Não o que o A. alegou no item 10º da petição inicial e a Relação, sem mais ver, reproduziu.

(5) Como diz Fernando Amâncio Ferreira," Manual dos Recursos em Processo Civil", 5ª ed. ( 2004 ), 259.
(6) Como é o caso da promessa da prestação de serviços pessoais.

(7) Ac. STJ de 26/3/74, BMJ 235/275- I e RLJ 108º/123.
(8) ARE de 26/0/91, BMJ 409/891-I. Invocada no item 10º da alegação oferecida na apelação a parte final do artigo 30º da petição inicial, em que se alegava que os contraentes não quiseram afastar a ( faculdade de ) execução específica, nem tal foi, de facto, contrariado na contestação, como outrossim arguido no subsequente item 11º daquela alegação. Bem não se vê que esse facto resulte efectivamente impugnado em vista do conjunto da contestação, como se diz no acórdão recorrido ( respectiva pág.7, a fls.178 dos autos, 4º par.) ; e na medida, ao menos, em que questionada intenção, nem também deixa de sofrer dúvida que na realidade se trate de matéria conclusiva ou de direito ; por fim não se descortinando a relação do invocado Ac.STJ de 31/3/1993, CJSTJ, I, 2º ( e não 1º), 55 com esta questão. Sobra, de todo o modo, o entendimento, ainda , de que" a alegação da Apelante no sentido de não ter sido excluída a execução específica é feita como se de questão de direito se tratasse e não como alegação de um facto". Vem essa, como quer que seja, a ser questão que, neste recurso, foi deixada cair, pelo que nem de tal ora há que, ou, sequer, cabe, conhecer.
(9) Porventura menos bem assim, como já visto, à luz dos Assentos citados.
(10) V. Baptista Machado, RLJ 118º/332, nota 35, citando Giorgianni.