Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | HENRIQUES GASPAR | ||
Descritores: | JOVEM DELINQUENTE ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA | ||
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Nº do Documento: | SJ200503030047063 | ||
Data do Acordão: | 03/03/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL. | ||
Decisão: | PROVIDO PARCIAL. | ||
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Sumário : | 1. A aplicação do regime penal relativo a jovens entre os 16 e os 21 anos, previsto no Decreto-Lei n° 401/82, de 23 de Setembro - regime-regra de sancionamento penal aplicável a esta categoria etária não constitui uma faculdade do juiz, mas antes um poder-dever vinculado que o juiz deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos; a aplicação é, em tais circunstâncias, tanto obrigatória, como oficiosa. 2. Para decidir sobre a aplicação de regime relativo o jovens, o Tribunal tem de proceder, autonomamente, e independentemente do pedido ou da colaboração probatória dos interessados, às diligências e à recolha de elementos que considere necessários (e que, numa leitura objectiva, possam ser razoavelmente considerados necessários) para avaliar da verificação dos respectivos pressupostos. 3 . Quando existam elementos coadjuvantes e circunstâncias que permitam, na dúvida, um juízo que não seja desfavorável, e que apontem para a prevalência das finalidades político criminais que estão no fundamento do regime penal de jovens (assegurar, na maior extensão possível e compatível com as exigências de prevenção geral, as finalidades de ressocialização e de integração do jovem condenado nos valores da comunidade), o tribunal deve optar pela aplicação do regime, atenuando a pena nos termos do artigo 4º do referido diploma. 4 . A escassez de elementos que permitam uma decisão positiva e especialmente fundada sobre as características da personalidade do arguido não pode ser negativamente valorada, quando também se não provem factos que decisivamente apontem para a conformação de uma personalidade de contornos problemáticos e decisivamente avessa aos valores da ordem jurídica. 5 . Tendo o arguido 18 anos à data dos factos, estando empregado e vivendo com a sua namorada, de quem tem uma filha de tenra idade, e com quem retomará a convivência após a libertação; confessando parcialmente os factos e tendo reparado os danos da sua conduta e com possibilidade, se libertado, de arranjar emprego, existem elementos suficientes para formular um juízo de prognose favorável e para considerar que resultarão vantagens da aplicação da medida prevista no artigo 4º do Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: 1. "A", acusado pelo Ministério Público foi julgado e condenado pela prática de três crimes de roubo qualificado, p. e p. pelo 210.° n.°s l e 2 b), por referência ao art.° 204.° n.° l a), ambos do C.P., na pena de 3 anos e 3 meses de prisão por cada um deles; Pela prática de um crime de roubo simples, p. e p. pelo 210.° n.° l, do C.P., na pena de 2 anos de prisão; e pela prática de um crime de burla informática, p. e p. pelo art.° 221.° n.° l do C.P., na pena de 3 meses de prisão. Em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 6 anos de prisão. Não se conformado, visando tão só a matéria de direito, o arguido recorreu para o Tribunal da Relação, pretendendo uma atenuação especial da pena, não só em função do art.° 72.° do C.P., mas designadamente, atento o facto de ter 18 anos de idade, que lhe demandaria a aplicação do Regime Penal Especial para Jovens prevista no artº 4.° do D.L. n.° 401/82, de 23/09; porém, a relação julgou improcedente o recurso e confirmou integralmente o acórdão recorrido. 2. De novo inconformado, interpõe recurso para o Supremo Tribunal, que fundamenta nos termos da motivação que apresentou e que termina com as seguintes conclusões: 1. O acórdão recorrido condenou o arguido A como autor de: três crimes de roubo p. e p. pelo art. 210.° n.° l e n.° 2 ai. b), com referência ao art. 204.° n.° l alínea a), ambos do Cód. Penal, na pena de 3 anos e 3 meses de prisão; um crime de roubo p. e p. pelo art. 210.° n.° l do Cód. Penal, na pena de 2 anos de prisão; e um crime de burla informática p. e p. pelo art. 221.° n.° l do Cód. Penal, na pena de 3 meses de prisão. 2. Nas datas da prática dos crimes, o arguido tinha 18 anos de idade, não evidenciando ser portador de uma personalidade deformada, inclinada ao cometimento de crimes violentos contra as pessoas, antes pelo contrário, denotava alguma sensibilidade moral para com os outros seres humanos, como transparece da sua conduta com a vítima B, em que, perante a atitude de inércia desta, o arguido "fugiu", sem agredir a vítima nem se apoderar do seu veículo automóvel (cfr. factos provados n.°s 15, 16, 17, 18, 19 e 20)! 3. A confissão, sem dúvida, revela o bom íntimo e profundo arrependimento do mesmo (ao qual acresce a reparação das lesadas), o que, deve permitir a atenuação especial da pena (c/r. art. 72.° e 73.° do Cód. Penal). 4. Ao nível dos seus antecedentes criminais, o arguido ainda não foi alvo de qualquer condenação em pena de prisão, além de que, o crime pelo qual o arguido foi anteriormente condenado respeitou a factos completamente diversos dos ora em apreço. 5. B, C, D e E, declararam que se encontravam ressarcidas dos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais causados pelo arguido recorrente (cfr. facto provado nº 81) ‘ sendo certo que’ no caso da B, esta nem tão pouco havia formulado pedido de indemnização civil nos autos, o que não impediu o arguido de querer repará-la - pelo que, a indemnização das vítimas deve ser valorada favoravelmente ao arguido e, tal como a confissão dos factos, deve permitir a atenuação especial da pena. 6. Relativamente ao crime de burla informática praticado pelo arguido, julgamos ser adequada e suficiente a aplicação de uma pena não privativa da liberdade, ou seja, uma pena de multa que deve ser fixada tendo em atenção o ilícito praticado, o pequeníssimo montante levantado e a condição económica do arguido. 7. Ao aplicar pena de prisão pelo crime de burla informática, o Tribunal «a quo» violou o disposto no art. 70.° do Cód. Penal, já que, como refere o Ac. da Relação de Coimbra, proc. n.° 3401-2000, ae u//uz//uui, mwww.dgsi.pt, "só é admitido recurso às penas privativas de liberdade quando, dadas as circunstâncias, se não mostrem adequadas as sanções não detentivas". 8. Sem conceder, caso não seja esse o entendimento, ou seja, caso se afigure adequada a aplicação de uma pena privativa da liberdade, deve a mesma ser suspensa na sua execução (cfr. art. 50.° do Cód. Penal). 9. No entender do Tribunal «a quo», "não se descortinam quaisquer vantagens para a reintegração social do arguido com a atenuação especial da pena", pelo que não aplicou o regime especial para jovens delinquentes. 10. Contrariamente a tal entendimento, afigura-se-nos estarem reunidos todos os requisitos para que o arguido recorrente possa beneficiar do regime especial para jovens delinquentes, constante do Dec.-Lei n.° 401/82, de 23/09. 11. Com efeito, a circunstância de ter praticado 4 crimes de roubo e 1 crime de burla informática, não permite, apenas por si mesma, considerar que a personalidade do recorrente está desconforme com a ordem jurídica. 12. De salientar que, o arguido, à data da prática dos factos, tinha 18 anos de idade, trabalhava, confessou a prática dos factos, mostrou arrependimento, reparou as lesadas (incluindo a que não havia, sequer, formulado pedido de indemnização civil nos autos) e, no que toca aos seus antecedentes criminais, foi apenas condenado uma vez em pena de multa por crime de condução sem carta. 13. O arguido usufrui, no estabelecimento prisional onde se encontra preso preventivamente, de apoio familiar. 14. O seu actual período de privação da liberdade tem sido utilizado como um facto de reflexão crítica pêlos actos cometidos. 15. A entidade patronal para a qual trabalhava antes de ser preso preventivamente reconhece o mesmo como sendo uma pessoa assídua, pontual, capaz de desempenhar a suas funções, estando disponível para o receber de volta no seu trabalho (cfr. declaração da entidade patronal junta aos autos com a motivação de recurso da prisão preventiva). 16. Durante a sua prisão preventiva, o arguido tem mantido um bom comportamento prisional, com visitas frequentes dos seus familiares (cfr. declaração do EPR de Leiria junto aos autos com a motivação de recurso da prisão preventiva). 17. O regime especial dos jovens delinquentes, consignado no Dec.-Lei n.° 401/82, de 23/09, fundamenta-se num direito mais reeducador que sancionador e, como é o caso, não se verificando factos que façam concluir que um jovem de 18 anos (à data da prática dos factos), embora tenha sofrido já uma condenação anterior, mas por factos completamente diversos dos ora em apreço, tem já uma personalidade adversa à ressocialização, é seriamente de crer que a atenuação especial da pena e a sua suspensão (tendo em atenção que até já cumpriu quase um ano em prisão preventiva), funcionará como estímulo à reinserção social do jovem e ao seu afastamento de comportamentos esviantes. 18. De acordo com o ora exposto e com o estabelecido no n. 1 do art. 50 do Cód. Penal, a pena de prisão a aplicar ao arguido (pelos crimes de roubo já que o crime de burla informática deve ser punido com pena de multa), além de especialmente atenuada, deve ser suspensa na sua execução, mediante regime de prova ou não (cfr. art. 53.° do Cód. Penal). 19. O acórdão ora recorrido terá, assim, violado os arts. 50, 70, 71, 72, 73 e 221 do Cód. Penal e ainda o Dec.-Lei nº 401/82 de 23/09. O magistrado do Ministério Público junto do tribunal a quo 3. Neste Supremo Tribunal, o Exmº Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que se refere o artigo 416º do Código de Processo Penal, Nos termos do artigo 411º, nº 4 do mesmo diploma, o recorrente declarou usas da faculdade de apresentar alegações escritas. Nas alegações, 4. Colhidos os vistos, o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir. As instâncias consideraram provados os seguintes factos: 1. No dia 20 de Março de 2003, cerca das 19H30, F, conduzindo a sua viatura de marca Seat Ibiza, matricula QV, circulava na zona do parque de estacionamento da Fonte Quente em direcção à rua de acesso ao cemitério de Leiria. 2. Aproveitando o facto de a viatura em questão se ter imobilizado, o arguido A, que ali se encontrava, de forma repentina e inesperada, abriu a porta do lado direito do veiculo e sentou-se no banco da frente ao lado da condutora, F. 3. De imediato empunhou uma pistola e, apontando-a àquela, ordenou-lhe que continuasse a conduzir. 4. Com a pistola apontada a si, F circulou na Rua Comissão de Iniciativa e subiu a rampa que dá acesso ao cemitério. 5. Às perguntas que F lhe fazia o arguido A dizia "siga, se não mato-a e não chame ninguém se não mato-a". 6. Quando seguiam na subida que dá acesso ao cemitério de Leiria, na sequência de uma paragem feita por F, o arguido, com a pistola na mão direita apontada à condutora do veículo, abriu a porta do lado desta e empurrou F para fora da viatura. 7. Seguidamente, o arguido passou a conduzir o veículo e abandonou o local. 8. No interior da viatura encontrava-se uma mala, em pele, pertença de F, no valor 60 euros, contendo objectos pessoais desta, um telemóvel Nokia 3330, uma carteira, no valor de 25 euros, com 15 euros em numerário e documentos daquela, um porta chaves, um par de óculos Cristian Dior no valor de cerca de 75 euros, um livro jurídico de valor não apurado e um casaco em pele, de valor não apurado. 9. O telemóvel pertencia à Polícia Judiciária, enquanto a viatura e os restantes artigos pertenciam F. 10. O veículo tinha o valor de cerca 13.000 euros. 11.No dia seguinte, num pinhal sito em Parceiros, Leiria, foi encontrada a viatura acima identificada. 12.A mesma encontrava-se com o n.° de chassis apagado, sem jantes e rodas, farolins traseiros, a tampa do abastecimento, sem os guarda lamas, capot do motor, ópticas, grelhas, para choques, radiador, bateria e todos os restantes elementos da parte dianteira, bem como os outros componentes como a vareta do óleo, correias, chapas de matricula, conforme relação elaborada pelo representante legal da G, Comércio de Automóveis, SA - constante de fls. 38 a 45, cujo teor aqui se dá por reproduzido. 13.O custo da reparação da viatura foi estimado em 11.960,76 euros. 14. Além dos artigos em falta, a viatura apresentava o para brisas frontal, escovas de limpeza e embaladeiras quebrados. 15. No dia 17-4-2003, cerca das 21H20, B encontrava-se no parque de estacionamento do supermercado Continente, em Alto do Vieiro, Leiria. 16. Depois de carregar o seu veículo marca VW, modelo Passat com algumas compras que ali efectuara, e quando se preparava para o pôr trabalhar a fim de abandonar o parque, B foi surpreendida pelo arguido A que, de forma inesperada e brusca, abriu a porta da frente do lado direito da viatura e sentou-se no banco da frente ao lado da condutora, B. 17. O arguido, que na ocasião empunhava uma pistola, apontou-a na direcção de B e disse-lhe para pôr o carro a trabalhar e avançar para Leiria. 18. Como B lhe tivesse respondido que não conseguia pôr o veículo em funcionamento, arguido disse-lhe que se ela não conseguisse ia para a mala do carro. 19. Perante isto, B deixou cair a cabeça em cima do volante e pediu ao arguido para não a meter na mala do carro. 20. Ao ver B neste estado, o arguido apoderou-se de uma mala em licra de cor preta que aquela tinha. 21. No interior da mala encontravam-se documentos e cartões vários, dois cheques, um telemóvel marca Nokia 6210, no valor de cerca de 500 euros, e 150 euros em numerário. 22. Os artigos e os valores pertenciam a B. 23. Com excepção do dinheiro, do telemóvel e dos cheques, todos os restantes bens vieram a ser recolhidos, no dia seguinte, na zona dos Parceiros, em Leiria, e devolvidos à sua proprietária. 24. No dia 11-6-2003, cerca das 20H15, D, encontrava-se no interior da viatura de marca volkswagen, modelo Golf, matricula OE, no parque de estacionamento da Fonte Quente, em Leiria. 25. Quando se aprestava para colocar a viatura em movimento, o arguido A abriu, de forma inesperada, a porta do lado direito da viatura, entrou na mesma e sentou-se no banco ao lado da condutora. 26. Empunhando uma pistola, o arguido apontou-a a D e disse-lhe para estar calada e meter o carro em andamento. 27. Iniciado o andamento, o arguido, com a pistola apontada a D, disse-lhe para tomar a direcção de Quintas do Sirol, Santa Eufémia, Leiria, o que esta última fez. 28. A determinada altura do percurso, junto a um pinhal, em zona isolada, o arguido ordenou a D que parasse a viatura, o que esta fez. 29. A pedido do arguido A, D deu àquele o número de código de acesso, via multibanco, a uma conta por ela titulada no BBVA, com o n.° 033200037934. 30.Em seguida, o arguido ordenou a D que saísse da viatura e deixasse a mala, a tira colo, pertença daquela, a qual continha documentos e 15 euros em numerário. 31. Seguidamente, o arguido, conduzindo a viatura, abandonou o local. 32. Dentro da viatura estavam um molho de chaves, um telemóvel Nokia 8210, no valor de cerca de 200 euros e uma pasta com livros escolares. 33. A viatura viria a ser recuperada no dia seguinte, abandonada, na zona de Barracão, Leiria, com as quatro rodas retiradas (pneus e jantes de liga leve de 16, marca VW). 34.A viatura, pertencente a C, mãe de D, valia cerca de 15.000 euros. 35. Depois de se apoderar do cartão multibanco, o arguido, utilizando o código de acesso que lhe foi fornecido por D, levantou da conta acima mencionada, no dia 11-6¬2003, numa caixa multibanco da localidade do Barracão, a quantia de 25 euros. 36. O arguido sabia que tinha o cartão multibanco e o respectivo código contra a vontade da sua titular e que não estava autorizado a movimentar a conta acima indicada, nem a retirar dinheiro da mesma. 37. No dia 16 de Junho de 2003, cerca das 16H45, E dirigiu-se para a sua viatura marca Audi A3, matricula RO, estacionada no parque provisório do mercado semanal, sito na Av. Adelino Amaro da Costa, em Leiria. 38. Depois de entrar na viatura e quando se preparava para a colocar em movimento, o arguido, que se encontrava nas imediações, abriu, de forma brusca, a porta da frente do lado direito do veiculo, entrou neste e sentou-se ao lado de E. 39. O arguido empunhava uma pistola e, apontando a mesma a E, ordenou-lhe que colocasse a viatura em movimento e saísse dali imediatamente, o que esta última fez. 40. Depois de circular durante algum tempo, o arguido mandou parar E junto a um pinhal. Aí abriu a porta e empurrou-a para fora. 41. Em seguida colocou-se no lugar da condutora e abandonou o local. 42. A viatura pertencia a E e valia cerca de 15.000 euros. 43. No interior da viatura encontravam-se uma pasta com documentação escolar, uma máquina de calcular gráfica Casio no valor de 100 euros, outra de marca Texas valor de cerca de 125 euros, vários CDs no valor de 100 euros, dois pares de óculos no valor de cerca de 100 euros, caixa e comando de CDs Kenwood de valor não apurado, documentação vária, uma mala no valor de 25 euros, chaves, dois livros de cheques, um telemóvel Nokia 3410 no valor de 200 euros, uma esferográfica parker no valor de 10 euros, 10 200 euros, agendas, calculadora de bolso no valor de 5 euros, um par de luvas, uma caixa de óculos e um gancho de cabelo de senhora. 44. Em 21 de Junho de 2003 foram entregues a E o livrete e o título de registo de propriedade relativos ao veículo, cartas verdes da Companhia de Seguros Fidelidade dos anos de 200 e 2003 relativas ao veículo, documentação vária da venda da viatura, documentação técnica relativa à viatura, livros e cadernos em nome de E, um porta chaves com duas chaves, um par de luvas, uma caixa de óculos, um par de óculos de sol tipo Ray-ban e um gancho de cabelo de senhora. 45. A viatura em causa viria a ser encontrada em Bidoal, Souto da Carpalhosa, com o vidro dianteiro do lado esquerdo quebrado, estando apenas com uma roda, sendo que as restantes três rodas (jante e pneu) e a roda suplente não se encontravam na viatura. 46. O arguido sabia que as viaturas e os bens que delas retirou não lhe pertenciam e que, ao apoderar-se deles (viaturas e bens), que, contrariava a vontade dos seus legítimos proprietários. 47. O arguido A apoderou-se das viaturas acima identificadas com o intuito de delas retirar alguns componentes e artigos, a fim de os comercializar. 48. Foi o arguido quem retirou os componentes da viatura Seat Ibiza, de F, e retirou as rodas dos veículos de D e de E. 49. O arguido utilizou uma pistola de alarme, caracterizada como uma arma de cor preta, com a inscrição no cano "... police Kal 8 mm K made in Italy" para melhor consumar os seus desígnios de apropriação. 50. A pistola era vista pelas condutoras dos veículos automóveis como sendo uma arma de fogo real. 51. Ao abordar as condutoras dos veículos acima identificadas, o arguido A criou naquelas o receio de, caso resistissem ou não acatassem as ordens que ele lhes dava, seriam molestadas. 52. No dia 24 de Junho de 2003, foram encontrados no interior da viatura marca Audi 100, em que habitualmente se transportava o arguido A, um porta CDs Kenwood, com dois CDs no interior, 4CDs de ...., ....e, ..... e ...., uma manta, uma chave de cruz, um tampão de roda da Audi, uma chave de rodas, um macaco com a referência 0598, um Kit de lâmpadas de emergência Amolux, duas chapas de matricula "BB 04309" e, no porta luvas, a pistola de alarme acima identificada. 53. Com excepção das chapas de matricula e da pistola, todos os e artigos acima referidos pertenciam a E e encontravam-se dentro da viatura Audi, pertencente a E, quando o arguido dela se apoderou. 54. Após retirar as rodas (pneus e jantes) das viaturas VW Golf e Audi A3, o arguido, em duas ocasiões distintas, procedeu à sua venda a H. 55. Pelas quatro rodas retiradas do VW Golf, o arguido recebeu, de H, 200 euros. 56. Pelas quatro rodas retiradas do veiculo Audi A3, de E, recebeu a quantia de 150 euros. 57. As rodas em referência vieram a ser recuperadas em poder de H. 58. 0 arguido A, em data não apurada, mas compreendida entre 20 de Março de 2003 e Maio de 2003, deixou na oficina do arguido J, sita em Picoto, Souto da Carpalhosa, uma viatura marca Peugeot 309 para que este procedesse à sua reparação. 59. I, filho do arguido J, adquiriu, em 11 de Março de 2003, uma viatura marca Seat modelo Ibiza acidentada, na parte da frente. 60. Numa altura em que o arguido A foi à oficina do arguido J, aquele dispôs-se arranjar peças que permitissem a reparação do Seat acidentado. 61. Em data não apurada de Março de 2003, embora posterior a 20 de Março, o arguido A entregou a J, na oficina deste, o pára choques, o capot, o guarda lamas da frente, faróis, radiador, farol de trás, a frente do veículo onde se fixa o radiador e os faróis e a tampa da correia de distribuição que haviam sido retirados por si (arguido A) da viatura marca Seat Ibiza, de matrícula QV. 62. O arguido A já havia trabalhado como mecânico numa oficina. 63. As peças supra referidas foram aplicadas na viatura marca Seat Ibiza acidentado, agora com a matricula VF. 64. Na sequência de exame a que este veículo foi submetido, apurou-se que a tampa da correia de distribuição instalada neste apresentava um selo com um código de barras e outras referências, nomeadamente o número de motor, sendo que este era o ASV 098654. 65. Este número correspondia ao motor da viatura de F, marca Seat, modelo Ibiza, matricula QV. 66. O arguido J sabia que o arguido A não comercializava peças de automóvel, que não tinha qualquer estabelecimento ou oficina onde comercializasse componentes para peças ou automóveis. 67. Recebeu as peças acima mencionadas sem que fosse elaborado ou exibido qualquer documento relativo à origem das peças. 68. Ao receber as peças, o arguido J pretendia efectuar uma reparação do veículo Seat acidentado, em condições mais vantajosas de preço. 69. Os arguidos já se conheciam há cerca de três anos. 70. Os arguidos actuaram com o objectivo de obterem vantagens económicas com as suas condutas acima descritas. 71. Agiram de forma livre, consciente e voluntária, sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei. 72. O arguido A tem o 6° ano de escolaridade, tendo frequentado a escola até aos 14 anos. 73. O arguido A, após ter saído da escola primária, trabalhou numa oficina de pintura de automóveis, numa oficina mecânica e como aprendiz de construção civil. 74. O arguido A viveu em casa dos pais até cerca de Março de 2003, altura em que dela saiu, passando a viver, numa casa arrendada, juntamente com a sua namorada e a mãe desta. 75. O arguido A tem um filho com cerca de 10 meses de idade. 76. O arguido J é proprietário de uma oficina de reparação de veículos automóveis há cerca de 20 anos. Não tem quaisquer empregados. 77. É casado e tem dois filhos ainda estudantes. 78. A esposa ajuda-a no exercício da sua actividade. 79. O arguido A foi condenado, em 22 de Dezembro de 2001, pela prática, em 21 de Dezembro de 2001, de um crime de condução sem carta, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de 1000$00. 80. Em 22 de Dezembro de 2003 nada constava registo criminal acerca do arguido J. 81. B, C, D e E, declararam que se encontravam ressarcidas dos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais causados às mesmas pelo arguido A. 5. O recorrente sustenta que deveria ter sido aplicado o regime penal relativo a jovens, previsto no Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro. O artigo 9º do Código Penal remete para legislação especial o regime penal dos indivíduos maiores de 16 e menores de 21 anos. A imposição de um regime penal próprio para os designados "jovens delinquentes" traduz uma das opções fundamentais de política criminal, ancorada em concepções moldadas por uma racionalidade e intencionalidade de preeminência das finalidades de integração e socialização, e que, por isso, comandam quer a interpretação, quer a aplicação e a avaliação das condições de aplicação das normas pertinentes. A delinquência juvenil, com efeito, e em particular a delinquência de jovens adultos e de jovens na fase de transição para a idade adulta, é um fenómeno social muito próprio das sociedades modernas, urbanas, industrializadas e economicamente desenvolvidas, obrigando, desde logo o legislador, a procurar respostas exigidas por este problema de indiscutível dimensão social. O regime pressuposto no artigo 9º do Código Penal consta (ainda hoje) do Decreto-Lei nº 401/82, de 22 de Setembro, e contém uma dupla vertente de opções no domínio sancionatório: evitar, por um lado e tanto quanto possível, a pena de prisão, impondo a atenuação especial sempre que se verifiquem condições prognósticas que prevê (artigo 4º), e por outro, pelo estabelecimento de um quadro específico de medidas ditas de correcção (artigos 5º e 6º). O regime penal especial aplicável aos jovens entre os 16 e os 21 anos constitui, pois, uma imediata injunção de política criminal que se impõe, por si e nos respectivos fundamentos, à modelação interpretativa dos casos concretos objecto de apreciação e julgamento. Injunção que se mantém actual (e porventura mesmo actualizada), como se pode ver na mais recente manifestação externa de uma intenção legislativa de recomposição do regime vigente (a Proposta de Lei nº 45/VIII, no "Diário da Assembleia da República", II série-A, de 21 de Setembro de 2000). Na Exposição de Motivos desta Proposta de Lei assenta-se na necessidade, indiscutida, de encontrar as respostas e reacções que melhor parecem adequar-se à prática por jovens adultos de factos qualificados pela lei como crime. «O direito penal dos jovens adultos surge, assim, como categoria própria, envolvendo um ciclo de vida», correspondendo «a uma fase de latência social que faz da criminalidade um fenómeno efémero e transitório. Observa-se, com efeito, nas sociedades modernas, que o acesso à idade adulta não se processa como antigamente, através de ritos de passagem, como eram o fim da escolaridade, o serviço militar ou o casamento que representavam um "virar de página" na biografia individual. O que ocorre, hoje, é uma fase de autonomia crescente face ao meio parental e de dependência crescente face à sociedade que faz dos jovens adultos uma categoria social heterogénea, alicerçada em variáveis tão diversas como são o facto de o jovem ter ou não autonomia financeira, possuir ou não uma profissão, residir em casa dos pais ou ter casa própria». «Este período de latência social - em que o jovem escapa ao controlo escolar e familiar sem se comprometer com novas relações pessoais e profissionais - potencia a delinquência, do mesmo modo que, a partir do momento em que o jovem assume responsabilidades e começa a exercer os papéis sociais que caracterizam a idade adulta, regride a hipótese de condutas desviantes». «É este carácter transitório da delinquência juvenil que, se se quer evitar a estigmatização, deve ter-se presente ao modelar o sistema de reacções». Nesta intencionalidade de política criminal quanto ao tratamento pelo direito penal deste fenómeno social, uma das ideias essenciais é, como se salientou, a de evitar, na medida do possível, a aplicação de penas de prisão aos jovens adultos. Na verdade, «comprovada a natureza criminógenea da prisão, sabe-se que os seus malefícios se exponenciam nos jovens adultos, já porque se trata de indivíduos particularmente influenciáveis, já porque a pena de prisão, ao retirar o jovem do meio em que é suposto ir inserir-se progressivamente, produz efeitos dessocializantes devastadores» (cfr. Proposta de Lei, cit.), constituindo um sério factor de exclusão. 6. A aplicação do regime penal relativo a jovens entre os 16 e os 21 anos - regime-regra de sancionamento penal aplicável a esta categoria etária - não constitui, pois, uma faculdade do juiz, mas antes um poder-dever vinculado que o juiz deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos; a aplicação é, em tais circunstâncias, tanto obrigatória, como oficiosa. A oficiosidade da aplicação e do conhecimento de todas as questões que lhe pertinem resulta da natureza dos interesses que se visam proteger, na realização de uma irrecusável (pelo julgador) opção fundamental de política criminal, e da própria letra da lei ao usar a expressão "deve" com significado literal de injunção. Para tanto, o juiz não pode deixar de averiguar se existem pressupostos de facto para a atenuação sempre que o indivíduo julgado tenha idade que se integre nos limites da lei (cfr., v. g., os acórdãos do Supremo Tribunal, na "Colectânea de Jurisprudência", STJ, ano V, tomo III, pág. 192 e ano VII, tomo III, pág. 234, referindo vária jurisprudência). Para decidir sobre a aplicação de regime relativo o jovens, o Tribunal, independentemente do pedido ou da colaboração probatória dos interessados, tem de proceder, autonomamente, às diligências e à recolha de elementos que considere necessários (e que, numa leitura objectiva, possam ser razoavelmente considerados necessários) para avaliar da verificação dos respectivos pressupostos - ou seja, determinar se pode ser formulado um juízo de prognose benigno quanto às expectativas de reinserção de um jovem com 18 anos à data da prática dos factos. A lei processual prevê, aliás, modos próprios à recolha pelo juiz de elementos que o habilitem a exercer o poder-dever quanto à aplicação do regime especial para jovens que, por regra, exigirá prova especialmente dirigida à determinação da espécie e da medida da sanção a aplicar. Nesta perspectiva, os artigos 370º e 371º do Código de Processo Penal contêm disciplina particularmente adequada: o tribunal pode, em qualquer altura do julgamento, solicitar a elaboração de relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, ou a respectiva actualização quando já constarem do processo, bem como ordenar a produção da prova suplementar que se revelar necessária, ouvindo, sempre que possível, o perito criminológico, o técnico de reinserção social e quaisquer pessoas que possam depor com relevo sobre a personalidade e as condições de vida do arguido. Lisboa, 3 de Março de 2005 Henriques Gaspar, Antunes Grancho, Silva Flor. |