Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00019379 | ||
Relator: | MIRANDA GUSMÃO | ||
Descritores: | PERSONALIDADE JURÍDICA TERMO ACÇÃO CÍVEL CONEXA COM A ACÇÃO PENAL INDEMNIZAÇÃO AO LESADO MORTE PROVAS DANOS MORAIS JUROS DE MORA PRESUNÇÃO JURIS TANTUM REGISTO CIVIL CERTIDÃO JUSTIFICAÇÃO JUDICIAL DE ÓBITO | ||
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Nº do Documento: | SJ199410060856472 | ||
Data do Acordão: | 10/06/1994 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Referência de Publicação: | BMJ N440 ANO1994 PAG408 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
Indicações Eventuais: | P COELHO DIR SUC VOLI 3ED PÁG183. V SERRA IN BMJ N91 PÁG156. CAPELO DE SOUSA LIÇÕES DE DIR DAS SUC VOLI 3ED PÁG297. VARELA DAS OBG I 6ED | ||
Área Temática: | DIR CIV - TEORIA GERAL / DIR OBG / DIR SUC. DIR PROC CIV - RECURSOS. DIR PROC PENAL. DIR REGIS NOT. | ||
Legislação Nacional: | CP82 ARTIGO 131. CRC78 ARTIGO 1 ARTIGO 2 ARTIGO 3 ARTIGO 4 ARTIGO 5 ARTIGO 115 ARTIGO 240 N4 ARTIGO 286. CCIV66 ARTIGO 68 N2 ARTIGO 349 ARTIGO 350 ARTIGO 351 ARTIGO 494 ARTIGO 496 N3 ARTIGO 566 N2 ARTIGO 805 N3 ARTIGO 2032 N1 N2 ARTIGO 2133 N1. CCIV867 ARTIGO 1738. CPC67 ARTIGO 722 N2. CPP87 ARTIGO 71 ARTIGO 72 N1 D. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO STJ DE 1993/12/09 IN CJSTJ ANOI T3 PÁG174. ACÓRDÃO STJ PROC84574 DE 1994/06/09. | ||
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Sumário : | I - O artigo 68, n. 2 do Código Civil consagra o princípio geral de que a prova do momento da morte, e portanto a prova da premorte, se faz por todos os meios possíveis. II - O artigo 71 do Código de Processo Penal deve sofrer uma interpretação restitiva: o princípio de adesão obrigatória da acção civil ao processo penal não se aplica ao caso em que, no momento de exercício da acção penal, não se encontram determinados os titulares do direito de indemnização do dano por parte da vítima do crime. III - A indemnização do dano da morte deverá ser aferida pelo valor da vida para a vítima enquanto Ser. Há que ter presente que o dano da morte é o prejuízo supremo, é a lesão de um bem superior a todos os outros. IV - A compatibilização do disposto no artigo 566, n. 2 com o artigo 805, n. 3, ambos do Código Civil só se consegue não fazendo funcionar, na sentença da primeira instância, uma das actualizações de indemnização previstas em tais normativos legais. V - Os juros moratórios pedidos são devidos a partir da sentença da 1. Instância, quando na mesma se procedeu a correcção monetária da quantia pedida a título de indemnização. VI - Tendo os autores formulado um pedido de indemnização a ser actualizado através dos juros a partir da citação, está correcta a decisão das instâncias a conceder o pedido, uma vez que o foi sem qualquer correcção monetária. VII - A presunção legal do n. 2 do artigo 68 do Código Civil é perfeitamente autónoma das regras do registo civil, e nos termos da norma do artigo 350 daquele código pode perfeitamente ser ilidida por prova em contrário e sem exclusão de qualquer meio de prova, nomeadamente a testemunhal. VIII - A prova da morte compreende não só que a morte ocorre, mas também a prova do momento em que a morte se verifica, dado o seu interesse no âmbito da sucessão. IX - A prova do momento da morte pode não ser feita através da certidão de registo de óbito, uma vez que a hora do falecimento não é elemento indispensável para realização do assento. X - Se a hora constar do assento de óbito é a essa hora que se atende, a não ser que o mesmo venha a ser ilidido em acção de registo, podendo a hora ser refutada nos processos de justificação judicial ou de justificação administrativa. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I 1. No Tribunal Judicial de Penacova, A, B e C, intentaram acção ordinária contra D, pedindo a condenação deste a pagar ao primeiro Autor a quantia de 128600 escudos, e a todos os autores a quantia de 3400000 escudos, acrescidos de juros legais, a contar da citação. Fundam-se, para tanto, em serem os titulares do direito à indemnização por danos não patrimoniais, decorrentes das mortes, primeiro do seu cunhado A e, depois, do seu irmão e tia (da A. C) E, assassinados - sem deixarem ascendentes ou descendentes - a tiro de arma de fogo pelo Réu, crimes pelos quais foi condenado no Tribunal Colectivo de Penacova, na pena única de 19 anos de prisão, ulteriormente confirmado por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, já transitado em julgado. Alegam os Autores que desconheciam à data da acusação do Ministério Público as exactas circunstâncias das apontadas mortes, circunstâncias que só com o acórdão condenatório podiam ser e foram fixadas em definitivo e em pormenor, designadamente no tocante à ordem das mortes do marido e mulher e que permitissem saber se lhes cabia ou não o direito de exigirem o ressarcimento dos danos, bem como avaliar o impacto psicológico por eles causado sobre os titulares daqueles, além de que o processo também não evidenciava que concretos danos patrimoniais existiam. O Réu contestou. Os Autores requereram a intervenção principal de A, F, G e H, os quais citados vieram declarar que faziam seus os articulados dos Autores. No despacho saneador foi relegada, para final, a apreciação da excepção invocada pelo Réu quanto à inexistência do condicionalismo concreto para o exercício, em separado, da acção cível e que se resumiria, pois, na preclusão deste direito. Procedeu-se a julgamento, tendo sido proferida sentença a condenar o Réu a pagar aos Autores e intervenientes, apenas a quantia de 1700000 escudos, acrescidos de juros legais a contar da citação. 2. Autores e Réu apelaram, à Relação de Coimbra, no seu Acórdão de 7 de Dezembro de 1990 julgou: a) improcedente a apelação do Réu b) parcialmente procedente a apelação dos Autores (e intervenientes) e, consequentemente, revogou em parte a sentença impugnada, condenando o Réu a pagar aos Autores a importância global de 3400000 (três milhões e quatrocentos mil escudos) a titulo de indemnização pela perda da vida tanto do António da Silva Soares, como do cônjuge deste, E, e a repartir por todos eles na proporção de um sexto para os Autores e intervenientes A, B, C, I e F e um doze avos para as restantes G e H, indo no mais a douta sentença confirmada. 3. O Réu pede revista, formulando as seguintes conclusões: 1) Resulta das certidões de óbito juntas à petição inicial que as vítimas e E faleceram no mesmo dia, a hora ignoradas e em estado civil ignorado, tendo pois de presumir-se, em face do disposto no n. 2, do artigo 68, do Código Civil, que faleceram ao mesmo tempo, não herdando portanto uma da outra. 2) Nos termos dos artigos 1, 2, 3, 4 e 5, do Código de Registo Civil, a prova resultante do registo civil quanto ao óbito e ao estado civil correspondente não pode ser ilidida por qualquer outra, a não ser nas acções de estado e nas de registo, só podendo a prova ser feita pelos meios previstos no mesmo diploma. 3) Assim sendo, não podia nesta acção, que não é de estado nem de registo, decidir-se, como decidiram as instâncias, com base em prova testemunhal, que o I morreu antes, portanto no estado de casado, e a E depois, no estado de viúva. 4) Portanto, não se operou qualquer transmissão sucessória entre os falecidos (cônjuges, pelo que os Autores não poderiam em caso nenhum ter direito à indemnização pela lesão do direito à vida da vitima António, uma vez que com ele não tinham qualquer parentesco. 5) Decidindo diversamente, as instâncias violaram o disposto nos citados artigos 1, 2, 3, 4 e 5, do Código de Registo Civil e 68, n. 2, do Código Civil. 6) Não se verifica no caso sub judice nenhuma das excepções previstas no artigo 72, n. 1, do Código de Processo Penal, designadamente na sua alínea d), pois ao tempo de acusação do processo - crime que julgou os homicídios das vítimas já se tinham produzido os alegados danos e estes já eram conhecidos em toda a sua extensão. 7) Assim sendo, o pedido de indemnização cível relativo aos danos decorrentes dos referidos homicídios tinha obrigatoriamente que ser deduzido no mencionado processo penal; não o tendo os Autores deduzido nesse processo, no prazo legal ficou precludido o seu direito de reclamar indemnização pelos referidos danos sendo o Tribunal Civil incompetente para conhecer do respectivo pedido; decidindo diversamente as instâncias violaram as normas (constantes dos citados artigos 71 e 72 do Código de Processo Penal. 8) Os montantes indemizatórios fixados para indemnização dos danos não patrimoniais alegados pelos Autores são muito exagerados; atendendo aos montantes que a jurisprudência normalmente vem fixando em casos idênticos e às circunstâncias do caso presente, se alguma indemnização devesse ser atribuída o seu montante não deveria exceder por cada uma das vítimas, 400000 escudos. Decidindo como decidiram, as instâncias violaram o disposto no artigo 496, do Código Civil. 9) Tendo o montante indemnizatório sido actualizado, atendendo à inflacção verificada até ao momento da prolação da sentença, só deveria ter-se condenado em juros a partir desse momento e não a partir da citação. Decidindo diversamente, as instâncias violaram o disposto nos artigos 496 e 566, do Código Civil. 4. Os recorridos apresentaram contra-alegação onde salientam que: 1) O Acórdão recorrido não deu como provados quaisquer factos contrários aos comprovados pelo registo civil mas sim, e bem diferentemente, um facto por este ignorado, portanto não a ele contrário (a ordem dos óbitos) e não sendo impugnável ou cancelável o que meramente se ignora. 2) A presunção do n. 2, do artigo 68, do Código Civil é, como foi, ilidível por qualquer meio de prova (cfr. artigo 350, n. 2, do Código Civil) - que aliás o foi pela conjugação da documental e pericial com a testemunhal. 3) Só com a prolação da sentença penal se ficou a saber a ordem dos tiros, pelo que, conjugando-a com o facto de as mortes terem sido igualmente instantâneas e com o de haver alguma diferença de tempo entre aquelas, só a partir de então se pode saber a ordem dos óbitos. 4) Por estas e as demais razões explanadas nestas e nas anteriores alegações dos Autores, verifica-se efectivamente o caso da alínea d), do n. 1, do artigo 72, do Código de Processo Penal. 5) O montante indemnizatório fixado para cada um dos crimes é moderado e até inferior ao que a actualização da jurisprudência mais esclarecida permitiria, considerando em particular que está em causa não só o direito à vida das próprias vítimas, indemnizável por via hereditária e em que nem sequer pesa a maior ou menor afectividade dos titulares respectivos e dos demais parentes próximos, que sofreram "grande abalo moral". 6) Fixada essa indemnização em função do momento em que foi pedida e no máximo da quantia certa então pedida, acrescem-lhe necessariamente os pedidos juros desde a citação como forma de o Tribunal fazer a sua actualização no encerramento da discussão visto terem sido incluídos tais juros no pedido. 7) A não ser assim, sempre a quantia fixada teria de ser acrescida da correspondente a esses mesmos juros, para só desde a sentença contarem estes. Corridos os vistos, cumpre decidir: II Elementos a tomar em conta: 1) Com o n. 179/89 correu termos um processo crime no Tribunal de Penacova e no qual o Réu D foi condenado como autor material de dois crimes de homicídio previsto e punido pelo artigo 131, do Código Penal na pena unitária de dezanove anos de prisão, em que foram vítimas I e E. 2) O D faleceu com 63 anos de idade e a E com 59 anos. 3) O D é irmão da E. 4) A autora B é irmã da E. 5) A C é filha da C. 6) O I, o J e o F eram irmãos da E. 7) O J faleceu em 27 de Janeiro de 1988. 8) A G e a H são filhas de J. 9) O Autor A recebeu da Segurança Social para as despesas de funeral da vítima, a quantia de 46610 escudos. 10) À data da morte do A e da E , não existiam descendentes ou ascendentes vivos. 11) Ao tempo da acusação do processo crime, os Autores não conheciam a ordem por que ocorreram as mortes do A e da E. 12) Nem eram ainda conhecidos os titulares dos direitos indemnizatórios. 13) Cada um dos disparos efectuados pelo Réu causou a morte instantânea a cada uma das vítimas. 14) A Esobreviveu ao seu marido. 15) Os Autores tiveram conhecimento da morte das vitimas no próprio dia em que ocorreram. 16) Os falecidos eram pessoas muito amigas dos Autores de quem eram vizinhos e mantinham convívio; 17) As circunstancias dos crimes causaram nos Autores grande abalo moral. 18) O Autor A pagou do seu bolso as quantias de 118370 escudos, pelos funerais das vítimas, 1280 escudos, pelo transporte dos cadáveres para Vila Nova de Poiares para serem autopsiados e 9000 escudos, de outros serviços relativos ao funeral. 19) A C tinha apenas uma única filha. 20) Tanto o A como a E, faleceram no dia 19 de Março de 1989, a hora ignorada, sendo a causa da morte o esmagamento do crânio. 21) O D, o I e a mulher E eram primos e vizinhos, morando há vários anos em casas contiguas, no lugar de Lita de Baixo, freguesia e concelho de Penacova. 22) Há pelo menos um ano desentenderam-se, passando frequentemente a discutir e insultarem-se, mutuamente. 23) Discussões essas que eram respeitantes a uma "serventia" entre as casas deles. 24) Por causa dessa "serventia", a pedido do I e da E, o D chegou a ser convocado ao escritório de um advogado. 25) Cerca das 13 horas de 19 de Março de 1989 - Domingo de Ramos - o arguido chegou a casa e deparou com a "serventia" tapada com uns paus, aí colocados pelo I. 26) Logo o arguido deitou tais paus abaixo a pontapé. 27) Acto continuo houve ralhos entre um e outros e a E disse para o marido: "Deixa-os que é uma casa de pirados". 28) O arguido entrou em casa ficando o I no exterior da sua junto ao portão que dá para a via pública e a E em casa do casal dela e marido. 29) Depois de pegar na espingarda caçadeira, sua "pertença, F. Sarrigate" de 2 canos, calibre 42, carregada com dois cartuchos, saiu para a rua. 30) Dirigiu-se para o I e a curta distância disparou contra ele um tiro que o atingiu no ombro direito e na cabeça, produzindo-lhe lesões letais. 31) Seguidamente, pelo portão exterior entrou no pátio da casa do casal do I e da E e, a curta distância, disparou contra ela um tiro que a atingiu na cabeça, produzindo-lhe lesões letais. 32) Após os relatados disparos o I ficou caído junto ao portão e a E no pátio ao fundo de umas escadas. 33) O arguido ao disparar contra as cabeças das vítimas quis tirar-lhes a vida, agindo livre e deliberadamente, sabendo que tal conduta era proibida e punida por lei. 34) Após os disparos foi-se apresentar com a arma ao posto da G.N.R. de Penacova. III Questões a apreciar no presente recurso. A apreciação e a decisão do presente recurso, delimitado pelas conclusões das alegações, passa, fundamentalmente, pela análise de quatro questões; a primeira, se as instâncias não podiam decidir, como decidiram, que o I morreu antes e a E depois; a segunda, se os autores deveriam ter formulado o seu pedido de indemnização no processo penal; a terceira, se a indemnização pelos danos não patrimoniais, a existir, não deve exceder, por cada uma das vítimas, a quantia de 400000 escudos; a quarta, se o réu deve ser condenado em juros a partir da prolação da sentença, e não da citação. Abordemos tais questões. IV Se as instâncias não podiam decidir, como decidiram, que o I morreu antes e a E depois. 1. Posição das partes. 1a) O Réu/recorrente sustenta que as instâncias ao darem como provado que o Réu disparou primeiro contra o I e seguidamente contra a E, e que ambas as mortes foram instantâneas", para concluírem que o I morreu primeiro, violaram os artigos 1, 2, 3, 4 e 5, do Código de Registo Civil - e do artigo 68, do Código Civil. Resulta das certidões de óbito juntas com a petição inicial que as vítimas faleceram no mesmo dia, a hora ignorada e em estado civil ignorado, o que conduz à presunção de que faleceram ao mesmo tempo nos termos do n. 2, do artigo 68, do Código Civil. Tal presunção só poderia ser ilidida em acção de estado ou de registo, o que não é o caso desta acção. Não era sequer admissível "prova testemunhal" para ilidir as presunções resultantes do registo. Não pode, pois, na presente acção dar-se como provado que a E sobreviveu ao I. 1b) Os autores/recorridos sustentam que o facto das instâncias terem dado como provado "a ordem das mortes" é quanto basta para já não o poder discutir, reservada como esta a competência deste Supremo Tribunal à matéria de direito. Por outro lado, não se trata de ilidir a prova dos factos resultantes do registo civil: fixar (a ordem dos óbitos) ou indiciar (o estado) o que apenas é ignorado pelo registo não significa impugnar factos comprovados. Acresce que a presunção legal do n. 2, do artigo 68, do Código Civil é perfeitamente autónoma das regras do registo civil, e nos termos do n. 2, do artigo 350, daquele Código pode perfeitamente ser ilidida, por prova em contrário e sem exclusão de qualquer meio de prova, nomeadamente a testemunhal, pois a lei não o estabelece. Que dizer? 2. A prova da morte compreende não só que a morte ocorreu, mas também a prova do momento em que a morte se verificou, dado o seu interesse no âmbito da sucessão. A prova do momento da morte pode não ser feita através de certidão de registo de óbito, uma vez que a hora do falecimento não é elemento indispensável para a realização do assento (artigo 240, n. 4, do Código de Registo Civil). Se a hora constar do assento de óbito é essa hora que se atende para efeitos de sucessão a não ser que a mesma venha a ser ilidida em acção de registo. A outro resultado não se chega face ao preceituado no artigo 4, n. 1, do Código de Registo Civil. A hora constante do assento de óbito só poderá ser refutada nos processos de justificação judicial ou de justificação administrativa, quer a requerimento dos interessados ou do Ministério Público, com o fundamento na sua inexactidão (artigo 115, do Código de Registo Civil), sendo certo que esses processos são instaurados, instruídos e informados nas repartições de registo civil (artigo 286). Mas bem pode acontecer que o momento da morte (hora) não conste do assento de óbito por a sua menção não ser indispensável à sua realização (artigo 240, n. 1, do Código de Registo Civil). Como obter tal prova? O problema da prova do momento da morte coloca-se, surge-nos casos em que o falecimento de pessoas têm lugar simultaneamente em momentos que não seja possível determinar a sua ordem cronológica. Estamos colocados perante o problema jurídico da camoriência. O nosso Código Civil de 1867 prescreveu, no seu artigo 1738, a regra de que "se o autor da herança, e os seus herdeiros, ou legatários, perecerem no mesmo desastre , ou no mesmo dia, sem que possam averiguar os que se finaram primeiro, reputar-se-ão falecidos todos ao mesmo tempo, e mais se verificará entre eles a transmissão da herança ou legado". Por sua vez, o n. 2, do artigo 68, do Código Civil de 66 veio estabelecer que "quando certo efeito jurídico depender da sobrevivência de uma ou outra pessoa, presume-se, em caso de dúvida, que uma e outra faleceram ao mesmo tempo. Tais disposições consagram o princípio geral de que a prova do momento da morte, e portanto a prova da premorte, se faz por todos os meios possíveis. Neste sentido são os ensinamentos de Ferreira Coelho, Direito das Sucessões, 1958, página 99) e de Capelo de Sousa, que escreveu o comentário às transcritas disposições legais, o seguinte: "Não vigora assim, no sistema jurídico português, um sistema de presunções legais, com força probatória imediata e plena, tendo por base a idade, o sexo, o estado de saúde ou outro factor, para determinar precedências de morte. O que não impede a aplicação eventual de presunções judiciais referidas nos artigos 349 e 351, do Código Civil, nos casos e termos em que são admitidos (...). Trata-se, porém, agora de meras presunções de facto, de ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, sendo o valor probatório de tais presunções apreciado firmemente pelo Tribunal "Lições de Direito das Sucessões, volume I, terceira edição, página 183". 3. No caso dos autos, nos assentos de óbito do António e da Alzira não consta o momento da morte (a hora), razão pela qual a Relação podia fixar, como fixou, com base em inferências de factos provados, e no desenvolvimento dos mesmos, a hora do falecimento do I e da E. Tal matéria de facto só poderia ser corrigida por este Supremo Tribunal caso se verificasse alguma das excepções previstas no n. 2, do artigo 722, do Código de Processo Civil, o que não se verifica, uma vez que, conforme se deixou sublinhado, a prova do momento da morte pode ser feita por todos os ónus possíveis fora das acções de registo sempre que do registo não conste a hora da morte. Conclui-se, assim, que as instâncias podiam decidir, como decidiram, que o I morreu antes e a E depois. V Se os Autores deveriam ter formulado o seu pedido de indemnização cível no processo penal. 1. Posição da Relação e do recorrente. 1a) A Relação decidiu que se verifica a excepção prevista na alínea d), do n. 1, do artigo 72, do Código de Processo Penal, porquanto os Autores fundaram o seu pedido indemnizatório contra o Réu pela perda do direito à vida das vítimas do duplo homicídio por este cometido e confessado, na circunstância de, ao tempo da acusação, desconhecerem a ordem porque tinham morrido as mesmas, elemento sem direito de influência decisiva para a determinação da sua legitimidade em formulá-lo. 1b) O Réu/recorrente discorda do entendimento da Relação por parecer-lhe que ao tempo da acusação já existiam os danos causados pelas mortes das vítimas, estas já eram conhecidas em toda a sua extensão, uma vez que ficou provado que os Autores tiveram conhecimento das mortes no próprio dia em que estas ocorreram, e não se provou que os mesmos Autores nessa altura não conhecessem as circunstâncias em que elas ocorreram. Que dizer? 2. Conforme se deixou sublinhado, a prova do momento da morte (hora), quando não conste do respectivo assento, pode ser feito por todos os meios possíveis. Bem pode acontecer que no caso da morte simultânea de duas pessoas, que são herdeiros universais uma da outra, não seja possível determinar a sua ordem cronológica. Neste caso a presunção da lei é a da morte simultânea. Não se verificará entre eles a transmissão da herança. É a doutrina do artigo 68, n. 2, do Código Civil de 66, correspondente à do artigo 1738, do Código de Seabra. A transmissão das heranças de cada uma dessas pessoas opera-se pela ordem estabelecida no n. 1, do artigo 2133, do Código Civil, sendo certo que a vocação sucessória prevalente se faz (n. 1, do artigo 2032, do Código Civil) ou se retrotai (n. 2, do mesmo artigo), ao momento da abertura da sucessão. Dado certo é que a determinação (ou não), da ordem cronológica da morte dessas duas pessoas pode tornar-se moroso ao ponto de se encontrar provada (ou não) essa ordem no momento em que é exercida a acção penal contra o indiciado Autor (Autores) dessas duas mortes. Se assim acontecer (e acontece como comprova os presentes autos), será possível dar-se cumprimento ao princípio da adesão obrigatória da acção civil ao processo penal consagrado no artigo 71, do Código de Processo Penal? Entende-se que não. E esse nosso entendimento mergulha (permita-se a expressão) nos próprios fundamentos que serve de base à doutrina segundo a qual a responsabilidade civil emergente de crimes deve ou pode ser exercida no processo criminal. São eles: a) a acumulação tem a vantagem da económica processual; b) a indemnização serve como adjuvante da pena criminal; c) a parte lesada, intervindo no processo penal, pode auxiliar a acção do Tribunal Criminal; d) o Juiz civil não está muitas vezes em boas condições para avaliar o dano moral como o juiz criminal, perante o qual o delito aparece com toda a sua veemência; e) muitos lesados não têm meios para demandar a indemnização no juízo civil; f) O processo criminal é simples, rápido e mais inacessível a tricas formais (Vaz Serra, Tribunal competente para apreciação da responsabilidade civil conexa com a criminal..., Boletim do Ministério da Justiça n. 91, página 156). Dos fundamentos enunciados sobreleva a participação do lesado: colectora, beneficia dos dispêndios da acção civil autónoma e da celeridade processual. Esta principal razão de ser do princípio de adesão obrigatória da acção civil ao processo penal consagrado no artigo 72, do Código de Processo Penal não se verifica se, no momento em que se exerce a acção penal, não estiver estabelecida a ordem cronológica das mortes ou que funciona a presunção da lei: a morte simultânea. Não se sabe, no momento em que é deduzida a acusação, quem é, titular (titulares) do direito de indemnização pelo dano da morte dessas duas pessoas, independentemente de se saber a origem dessa titularidade ("imo próprio" ou "na sucessória" - Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, volume I, terceira edição, páginas 297 e seguintes). Enquanto não se souber quem é o titular do direito de indemnização pelo dano da morte, não se torna possível exercer a acção de indemnização por esse dano. Sendo assim, entende-se que o artigo 71 do Código de Processo Penal deve sofrer uma interpretação restritiva: o princípio de adesão obrigatória da acção civil ao processo penal não se aplica ao caso em que, no momento do exercício da acção penal, não se encontra determinados os titulares do direito de indemnização do dano por morte da vítima (vítimas) do crime (crimes). 3. No caso concreto, as vitimas dos crimes de homicídio imputados ao ora Réu/recorrente eram casados, sem descendentes, mas cada um com irmãos e descendentes. Aquando formulada a acusação no processo penal não se encontrava resolvido o problema jurídico da comoriência, de sorte que não se sabia, então quem seriam os titulares do direito de indemnização por dano da morte das vítimas (I e E). E desconhecendo-se, como se desconhecia, quem seriam estes titulares, impossível se tornava o exercício da acção civil no respectivo processo penal. O princípio da adesão obrigatória da acção civil ao processo penal é inaplicável a situações como as configuradas no caso concreto. Conclui-se, assim, que os Autores, ainda não titulares do direito de indemnização por dano da morte das vítimas de crime de homicídio imputados ao Réu/ recorrente, não podiam formular pedido de indemnização no processo penal. VI Se a indemnização pelos danos não patrimoniais, a existir, não deve exceder, por cada uma das vítimas, 400000 escudos. 1. Posição da Relação e das partes. 1a) A Relação não reputou excessivo ou exorbitante, desproporcionada ou irrealista a verba peticionada e acolhida pelo Meritissimo Juiz de Círculo de 1700000 escudos, dado que o montante da indemnização em sede de danos não patrimoniais é fixado equitativamente pelo Tribunal, sempre tendo em atenção as circunstâncias referidas no artigo 494 e que são, além de outras, o grau de culpabilidade do agente e a situação económica deste e do lesado. 1b) O Réu/recorrente sustenta que se alguma indemnização fosse devida, os montantes fixados são manifestamente exagerados face aos que habitualmente vêm sendo atribuídos pela jurisprudência dos nossos Tribunais. Por outro lado se se atender às idades dos falecidos e aos ténues laços que os ligavam aos beneficiários da indemnização e à situação económica do Réu, não se justifica a fixação da indemnização em montantes mais elevados que a média. A ser o recorrente condenado a pagar indemnização cível, o montante desta não deveria ser superior, por cada vítima, a 400000 escudos. 1c) Os Autores/recorridos sustentam que a indemnização fixada acompanha efectivamente a jurisprudência corrente dos nossos tribunais, sendo certo que à maior ou menor afectividade entre as vítimas e os titulares do direito à indemnização nem sequer tem qualquer pertinência quanto ao próprio direito à vida daqueles e cuja indemnização assenta apenas na via hereditária. Que dizer? 2. Nos termos do artigo 496, n. 3, do Código Civil o montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado (quer haja dolo ou culpa do lesante), segundo critérios de equidade, atendendo às circunstâncias referidas no artigo 494, do mesmo diploma legal. Daqui que, na fixação da indemnização há que ter presente que, por um lado, a circunstância da lei mandar atender à situação económica quer do lesante quer do lesado vem a significar que esta indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista: visa compensar de algum modo, os danos sofridos pela pessoa lesada e visa, ainda, reprovar a conduta do agente (Professor Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, volume I, sexta edição, página 578). Por outro lado, há que ter presente que o dano de morte é o prejuízo supremo, é a lesão de um bem superior a todos os outros, o que equivale a dizer que a indemnização não deve ser aferida pelo custo da vida para a sociedade ou para os parentes da vítima, nem pelo seu valor para a sociedade e para a que dependem da vítima. Será aferida pelo valor da vítima enquanto ser. Trata-se de um prejuízo igual para todos os homens, conforme sublinha Leite de Campos, Lições de Direito de Personalidade, segunda edição, página 64, com a que não se pode deixar de concordar. Daqui que se considere absolutamente correcta a indemnização fixada pela Relação pela supressão da vida de cada uma das vítimas. VII Se o Réu deve ser condenado em juros a partir da prolação da sentença, e não da citação. 1. Posição da Relação e do Recorrente. 1a) A Relação pronunciou-se no sentido de que os juros eram devidos a partir da citação e não da prolação da sentença, porquanto se o Senhor Juiz houvesse actualizado a indemnização arbitrada aos Autores não teria condenado, como condenou o Réu, em soma idêntica àquela que foi peticionada: os Autores não formularam qualquer pedido de actualização ao longo do processo, nem tinham que o formular, exactamente por haverem optado pelo mecanismo da actualização consistente na atribuição de juros a contar da citação, conforme permite o artigo 805, n. 3, do Código Civil. 1b) O Réu/recorrente sustenta parecer resultar da decisão da primeira instância que o montante de 1700000 escudos, por ele fixado não provém de uma adesão ao montante peticionado pelos Autores, mas sim da actualização do montante de 100000 escudos, proposta por Dário Martins no seu Manual, tendo em atenção "que desde a data em que tal valor foi proposto e até ao momento decorreram cerca de quinze anos", o que parece pois evidente é que o Meritissimo Juiz procedeu a uma actualização do montante indemnizatório até ao momento em que proferiu a sentença, sendo irrelevante que o montante a que chegou por via dessa actualização tenha acabado por coincidir com o peticionado pelos Autores. Continua, assim, a entender que, se fosse condenado a pagar qualquer indemnização, sobre ela só deveriam incidir juros a partir da data da sentença, e não a partir da citação. Que dizer? 2. A questão colocada pelo recorrente não deixaria de ser oportuna caso o montante da indemnização pedida pelos Autores tivesse sido actualizada, por correcção monetária, e caso o recorrente tivesse sido condenado a juros de mora a incidir sobre o montante actualizado, a partir da citação. Este Supremo Tribunal tem-se debruçado sobre a questão de saber qual o momento a partir do qual são devidos juros moratórios quando há lugar à actualização monetária, firmando doutrina no sentido que os juros moratórios pedidos são devidos a partir da sentença da primeira instância, quando na mesma se procedeu à correcção monetária da quantia pedida a título de indemnização (Acórdão de 9 de Dezembro de 1993 - Colectânea de Jurisprudência. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano I, tomo III, página 174; e de 9 de Junho de 1994, revista n. 84574, segunda secção, não publicado). Como o autor tem de ser colocado, na data da prolação da sentença em primeira instância na situação em que se encontrava quando propôs a acção, haverá que compatibilizar o disposto no artigo 566, n. 2, com o artigo 805, n. 3, ambos do Código Civil. Esta compatibilização só se consegue não fazendo funcionar uma das actualizações de indemnização previstas em tais normativos legais. Dependerá, em última análise, do posicionamento assumido pela parte interessada (Autor/ autores), no decurso do processo. No caso concreto, os autores formularam um pedido de indemnização a ser actualizado através de juros a partir da citação. As instâncias observaram tal pretensão, o que se considera correcto, uma vez que o pedido de indemnização formulado na petição inicial veio a ser concedido, sem qualquer correcção monetária. Conclui-se, assim, que o Réu deveria ser condenado, como veio, a juros a partir da citação. VIII Conclusão: Do exposto, poderá extrair-se que: 1) O artigo 68, n. 2, do Código Civil consagra o princípio geral de que a prova do momento da morte, e portanto a prova da premorte, se faz por todos os meios possíveis; 2) O artigo 71, do Código de Processo Penal deve sofrer uma interpretação restritiva: o princípio de adesão obrigatória da acção civil ao processo penal não se aplica ao caso em que, no momento do exercício da acção penal, não se encontram determinados os titulares do direito de indemnização do dano por morte da vítima do crime. 3) A indemnização do dano da morte deverá ser aferida pelo valor da vida para a vítima enquanto ser. 4) A compatibilização do disposto no artigo 566, n. 2, com o artigo 805, n. 3, ambos do Código Civil só se consegue não fazendo funcionar, na sentença da primeira instância, uma das actualizações de indemnização previstas em tais normativos legais. Face a tais conclusões, em conjugação com os elementos recorridos nos autos, poderá precisar-se que: 1) As instâncias podiam decidir, como decidiram, que o I morreu antes e a E depois. 2) Os autores, ainda não titulares do direito de indemnização por dano da morte das vítimas de crimes de homicídio imputados ao Réu, não podiam formular pedido de indemnização no processo penal. 3) O Réu devia ser condenado, como veio, e juros a partir a citação. 4) Correcta a indemnização fixada pela Relação pela supressão de vida de cada uma das vítimas. 5) O acórdão recorrido observou o afirmado em 1) e 4), pelo que não merece censura. Termos em que se nega a revista, e, assim, confirma-se o acórdão recorrido. Custas pelo recorrente. Lisboa, 6 de Outubro de 1994. Miranda Gusmão. Araújo Ribeiro. Raúl Mateus. Decisões impugnadas: I - Sentença de 4 de Novembro de 1992 de Penacova; II - Acórdão de 7 de Dezembro de 1993 da Relação de Coimbra. |