Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
96P382
Nº Convencional: JSTJ00030881
Relator: SOUSA GUEDES
Descritores: CARTA DE CONDUÇÃO
USO DE DOCUMENTO FALSO
TENTATIVA
FALSIFICAÇÃO GROSSEIRA
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Nº do Documento: SJ199610300003823
Data do Acordão: 10/30/1996
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N460 ANO1996 PAG441
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR CRIM - TEORIA GERAL / CRIM C/SOCIEDADE.
DIR PROC PENAL - RECURSOS.
Legislação Nacional: CP95 ARTIGO 22 N2 B ARTIGO 256 N1 N3.
CPP87 ARTIGO 433.
Sumário : I - Ao exibir à autoridade uma carta de condução falsa, consome, desde logo, o agente um crime de uso de documento falso.
II - Havendo consumação e não simples tentativa, está fora de causa ser ou não grosseira a falsificação.
III - Entende-se por "grosseira" - inidónea para enganar seja quem for - a falsificação detectável pelo homem médio, mediante exame perfunctório.
IV - Esse conceito há-de assentar em factos fornecidos pela instância. O Supremo não o pode extraír do exame ao documento.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1. O tribunal colectivo da comarca de Arcos de Valdevez condenou o arguido A, com os sinais dos autos, como autor material de um crime previsto e punível pelo artigo 256, ns. 1 - alínea c) e 3 do Código Penal de 1995, na pena de 200 dias de multa a 500 escudos por dia, com 133 dias de prisão subsidiária, e ainda no pagamento de taxa de justiça e demais despesas judiciárias.
2. Recorreu desta decisão o arguido.
Na sua motivação conclui, em síntese, que, estando-se perante um documento notória e grosseiramente falso, o uso do documento é impossível, pelo que haveria apenas uma tentativa de uso não punível (artigos 21 e 22, n. 2, alínea b) do Código Penal), impondo-se a sua absolvição.
Na sua resposta, o Ministério Público pronunciou-se pela improcedência do recurso.
Alegando por escrito, tanto o recorrente como o Ministério Público mantiveram as posições já anteriormente assumidas.
3. É a seguinte a matéria de facto fixada pelo
Colectivo:
No dia 13 de Junho de 1994, pelas 10 horas e 30 minutos, o arguido conduzia o veículo automóvel de matricula ..., na Estrada Nacional n. 101, na área da comarca de Arcos de Valdevez.
Ao ser fiscalizado por agentes da GNR, apresentou-lhes a "carta de condução" junta a folha 26.
Essa "carta de condução" foi adquirida pelo arguido em
França, não tendo sido emitida pela Direcção-Geral de Viação, única entidade competente para o fazer.
Conforme se verificou em exame laboratorial, nesse documento as impressões de selo branco apresentam-se em baixo relevo, contrariamente às impressões deixadas pelo selo branco utilizado na D.G.V..
O arguido sabia que a "carta de condução" que utilizava e exibiu aos agentes da G.N.R. não tinha sido emitida pela D.G.V..
Sabia que uma carta de condução para ser válida, tem de ser emitida pela D.G.V. e que, para esse efeito, é necessário que o interessado frequente aulas numa escola de condução e seja aprovado em exame próprio.
Não obstante utilizava o referido documento, sabendo que punha em causa a fé pública que uma carta de condução merece, com a intenção de obter para si um benefício, consistente em conduzir veículos automóveis na via pública sem para tal estar habilitado.
Agiu livre, voluntária e conscientemente.
O arguido não tem antecedentes criminais.
Vive em França, encontrando-se reformado em consequência de acidente.
4. A falsificação grosseira é aquela que qualquer homem médio pode detectar num mero exame perfunctório, sem qualquer esforço.
Nesse caso, é imediatamente apreensível por qualquer observador a desconformidade do documento com a realidade.
Para que se possa concluir pela existência de um "falso grosseiro" (portanto, de um documento inidóneo para enganar seja quem for, no sentido em que essa inidoneidade é sugerida pelo artigo 22, n. 2, alínea b) do Código Penal) é necessário que no acórdão recorrido existam factos provados donde tal inidoneidade resulte inequivocamente.
Não existindo esses factos provados, não pode o Supremo suprir essa carência através da sua própria análise do documento, pois isso seria decidir sobre matéria de facto, o que não pode fazer (artigo 433 do Código de Processo Penal).
Ora, no caso em apreciação, nenhum facto provado permite concluir que se estará perante o chamado "falso grosseiro".
Pelo contrário, a circunstância apurada de a verificação da falsificação do documento ter resultado de exame laboratorial, onde se concluiu que as impressões do selo branco eram diferentes das deixadas pelo selo branco da D.G.V. (diferença que, como se sabe, o observador comum dificilmente detectaria), logo inculca que não se trata de falsificação grosseira, facilmente notada por qualquer pessoa.
E tanto assim que no inquérito se sentiu a necessidade de pedir exame laboratorial do documento.
Não pode, assim, falar-se - ao invés do que sustenta o recorrente - de "falso grosseiro".
Por outro lado, a utilização do predito documento pelo arguido, com o intuito de fazer prova da sua habilitação para conduzir veículos automóveis na via pública, não constitui crime tentado, mas crime consumado de uso de documento falso, do artigo 256, ns.
1 e 3 do Código Penal de 1995, pois a previsão legal fica imediatamente preenchida com a exibição pelo arguido de tal documento, sabendo ele - como se provou
- que o mesmo não havia sido emitido pela única entidade competente para isso (a D.G.V.) e que agia com a intenção de obter um benefício ilegítimo.
5. Não pode, pelo exposto, proceder o recurso.
E como não vem questionado qualquer outro aspecto, designadamente o sancionatório, do acórdão recorrido, decide-se negar provimento ao recurso e confirmar o acórdão impugnado, condenando-se o recorrente em 8 UCS de taxa de justiça, com a procuradoria de 1/3.
Lisboa, 31 de Outubro de 1996
Sousa Guedes,
Nunes da Cruz,
Bessa Pacheco.
Costa Pereira (dispensei o visto).