Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05B958
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: OLIVEIRA BARROS
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
PRAZO
INTERPELAÇÃO
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
MORA
REVOGAÇÃO
RESOLUÇÃO
Nº do Documento: SJ200505190009587
Data do Acordão: 05/19/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 3034/04
Data: 09/28/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : 1 - A resolução e a revogação são dois distintos modos ou formas de cessação ou extinção dos contratos : caracterizada a primeira pela unilateralidade e pela exigência de justificação bastante para poder ser considerada válida, a segunda, também dita distrate, consiste no desfazer do vínculo contratual por mútuo acordo das partes, isto é, pelo contrário consenso que o art. 406º, nº1º, C.Civ. prevê.

2 - Só a falta definitiva de cumprimento legitima a resolução de contrato-promessa.

- Ao incumprimento e à resolução do contrato-promessa aplica-se o regime que vigora para o incumprimento e resolução dos contratos em geral, designadamente as normas dos arts. 798º, 801º, 804º e 808º do Código Civil, quanto ao incumprimento, e as dos arts. 432º a 436º do mesmo Código, quanto à resolução.

3 - Não estabelecido a qual das partes cabia marcar a realização da escritura, nenhuma delas pode considerar-se em mora antes de interpelada pela outra para outorgá-la.

4 - Incerto ou infixo o prazo acordado para a celebração da escritura de compra e venda, para que o interpelado possa considerar-se em mora é indispensável que o interpelante tenha indicado dia, hora e local para aquele efeito.

5 - Não basta a simples alegação da perda do interesse no cumprimento para poder julgar-se que se está efectivamente perante situação de incumprimento: essa perda de interesse, também prevista no nº1º do art. 808º C.Civ., tem de ser objectivamente justificada, como expressamente exige o nº2º desse mesmo artigo.

6 - A regra pacta sunt servanda que o art. 406º, nº1º, C.Civ. consagra proíbe claramente que se possa considerar que o facto de ter aparecido proposta mais vantajosa constitui razão justificativa da perda de interesse na prestação da contraparte que o art. 808 dessa lei prevê.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Em 7/5/2001, A, "B", Lda, intentou na comarca de Montalegre acção declarativa com processo comum na forma ordinária contra C.

Pediu que se declarassem resolvidos, por incumprimento da demandada, contrato-promessa de compra e venda por ambas acordado em 1/10/96, e, com efeitos a partir dessa data, contrato de arrendamento rural, por ter sido essa a vontade das partes aquando da celebração daquele contrato-promessa.

Nessa conformidade, pediu a condenação da demandada a entregar-lhe, livres de pessoas e coisas , identificados imóveis que integram a denominada Quinta de Paredes.

Alegou para tanto, em síntese, ser proprietária desse conjunto de prédios, de que a Ré foi arrendatária rural até à data supramencionada, e que em transacção judicial então celebrada em acção de despejo, a A. prometeu vender e a Ré prometeu comprar a falada Quinta pelo preço global de 38.500.000$00 ( € 192.037,19 ), tendo em consequência posto termo ao contrato de arrendamento rural que existia entre as partes, relativo àquele conjunto de prédios.

Assim extinto, por acordo, o contrato de arrendamento rural, a Ré deixou de pagar as rendas a partir da data mencionada e passou a ocupar e a cultivar os prédios em questão por efeito da falada promessa de compra e venda.

Na transacção judicial aludida, ficou clausulado ainda que, por conta do preço da compra e venda prometida, a Ré pagaria à A., até 15/10/196, a quantia de 5.000.000$00, a título de sinal, devendo a parte restante do preço ser paga no acto da celebração da escritura de compra e venda, a realizar nos 60 dias seguintes, ou seja, até 1/12/96.

A escritura não pôde ser realizada nessa data, nem em data posterior, até 21/4/97, porque a Ré não tinha o dinheiro necessário para pagar a parte do preço em dívida.

A A. comunicou-lhe por isso, nessa data, que considerava resolvido o contrato-promessa de compra e venda e que pretendia a entrega dos prédios, que a Ré não efectuou.

Concluiu a demandante do assim resumido que a Ré incumpriu culposamente a promessa de compra e venda dos prédios aludidos, considerando-se ela, por isso, com direito à resolução do contrato-promessa em questão e à restituição pela Ré do conjunto de prédios que ocupa.

Contestando, a demandada, que litiga com benefício de apoio judiciário na modalidade da dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos, alegou, em suma, que é arrendatária dos prédios da Quinta de Paredes desde 1967, por virtude de contrato de arrendamento rural celebrado ainda pelo marido com os anteriores donos, mantendo-se, desde então, no gozo de tais prédios sem qualquer limitação ou hiato.

Contrariou que na transacção judicial de 1/10/96 as partes tenham efectivamente acordado sobre a cessação do contrato de arrendamento, que se mantém em vigor.

Alegou ter sido a A., e não a Ré, quem incumpriu culposamente a promessa de compra e venda desses prédios.

Admitindo ter tido dificuldade em arranjar o financiamento necessário para pagar a parte do preço em dívida no prazo constante da transacção judicial, opôs que a A aceitou prolongá-lo até que a Ré estivesse em condições de poder pagar. Isso aconteceu em meados de Abril de 1997, altura em que comunicou, verbalmente e por escrito, à A. que devia marcar a escritura de compra e venda. Esta já não estava interessada em vender-lhe os prédios porque os tinha entretanto negociado com outra pessoa, por preço superior.

Em reconvenção, pediu a declaração de que a A. reconvinda, em transacção judicial realizada em 1/10/96 em acção de despejo, prometeu vender-lhe por 38.500.000$00 os prédios que integram a Quinta de Paredes, e que, substituindo-se-lhe o tribunal, fosse proferida sentença que produzisse os efeitos da declaração negocial a que a reconvinda se obrigara no contrato-promessa, declarando a Ré proprietária dos imóveis aludidos, uma vez cumpridas as obrigações fiscais.

A não se entender assim, pediu a condenação da reconvinda a restituir-lhe o dobro da quantia recebida a título de sinal, ou seja, 10.000.000$00 ( € 49.879,79 ).

Em cumulação com qualquer desses pedidos, requereu ainda a condenação da reconvinda, como litigante de má fé, em multa e indemnização a favor da reconvinte não inferior a 300.000$00 (€ 1.496,39) e a pagar-lhe também, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, a quantia de 1.780.000$00 ( € 8.878,60 ), sendo 780.000$00 ( € 3.890,62 ) por danos patrimoniais e 1.000.000$00 (€ 4.987,98) por danos não patrimoniais.

Na réplica, a A. opôs, nomeadamente, a inadmissibilidade da reconvenção e a nulidade do contrato de arrendamento por não estar reduzido a escrito sem que a Ré alguma vez tenha feito essa exigência.

A reconvenção deduzida foi admitida por despacho a fls.112, que transitou em julgado.

Saneado e condensado o processo, veio, após julgamento a ser proferida, em 20/11/2003, no Círculo Judicial de Chaves, sentença que julgou improcedente, por não provada, a reconvenção e parcialmente procedente e provada a acção.

Em consequência, absolveu a A. do pedido reconvencional, e declarou resolvido, por culpa imputável à Ré, o contrato-promessa de compra e venda celebrado entre as partes em 1/10/96, titulado pelo documento certificado a fls.14 e 15. No mais julgada improcedente a acção, a Ré foi então absolvida do mais pedido.

Ambas as partes recorreram dessa sentença.

A Relação do Porto julgou improcedente a apelação da A., mas parcialmente procedente a da Ré.

Mantendo-a, pois, no restante, revogou a sentença recorrida apenas na parte em que julgou resolvido o contrato-promessa aludido.

É dessa decisão que a A. pede, agora, revista.

Em remate da alegação respectiva, deduz 39 conclusões, o que contraria de óbvio modo a síntese imposta pelo nº1º do art. 690º CPC.

Resta, enfim, que as questões propostas - cfr. arts. 713º, nº2º, e 726º CPC - são, tanto quanto se consegue apurar, reconduzíveis, em termos úteis, às proposições que seguem :

1ª (correspondente às 7 primeiras conclusões da alegação da recorrente) - A falta do pagamento e a irregularidade dos depósitos efectuados acarretam a possibilidade de resolução do contrato de arrendamento rural, pedida no articulado inicial destes autos.

2ª (conclusões 8ª a 21ª) - Não tendo a recorrida dinheiro para cumprir as obrigações assumidas aquando do contrato-promessa de compra e venda, era inútil a marcação da escritura e não havia expectativa legítima de cumprimento por parte da mesma.

3ª (conclusões 22ª a 30ª e 34 a 38ª) - Com a continuação da mora da recorrida, a recorrente perdeu o interesse que tinha na realização do contrato prometido, verificando-se, por isso, situação de incumprimento definitivo por parte daquela.

4ª (conclusões 31ª a 33ª) - A recorrida actuou de má fé e violou os princípios vertidos nos arts. 334º e 762º, nº2º, C.Civ.

Na conclusão 39ª, a recorrente sustenta terem sido violados, por erro de interpretação e aplicação, os arts. 12º, nºs 1º e 3º, e 21º, al. a), do DL 385/88, de 25/10 (Regime do Arrendamento Rural), e 236º, 334º, 762º, nº2º, 804º e 808º C.Civ.

Não houve contra-alegação, e, corridos os vistos legais, cumpre decidir.

Em ordem conveniente (1), o quadro de facto fixado pelas instâncias é como segue ( com, entre parênteses, indicação das correspondentes alíneas e quesitos ) :

- A A. é dona dos prédios sitos no lugar de Paredes, freguesia de Salto, concelho e comarca de Montalegre, que constituem, no seu conjunto, a denominada Quinta de Paredes, todos registados em nome dela (2) ( A e B ).

- Em 1/10/96, a Ré era arrendatária de todos esses prédios (C).

- Nessa data, por transacção realizada na acção de despejo que correu termos no Tribunal Judicial de Montalegre sob o nº 47/96, a A., então com a designação de Restaurante A -, Lda, e a Ré realizaram entre si um acordo pelo qual a A. prometeu vender à Ré, e esta prometeu comprar, os prédios acima referidos pelo preço global de 38.500.000$00 ( € 192.037,19 ), a pagar pela Ré pela seguinte forma : 5.000.000$00 ( € 24.939,89 ) deviam ser pagos, a título de sinal, até 15/10/96 ; a parte restante do preço devia ser paga no acto da celebração da escritura de compra e venda, a realizar nos 60 dias seguintes ( D ).

- A Ré só entregou à A. a referida quantia de 5.000.000$00 em Novembro de 1996 ( E ).

- A A. aceitou prorrogar o prazo fixado para a entrega dessa importância (11º ).

- A A. aceitou também, por mais de uma vez, prorrogar o prazo fixado no acordo aludido para a celebração da escritura de compra e venda (12º e 13º).

- Em 21/4/97, a A., através do seu advogado, enviou à Ré a carta a fls. 141, por esta recebida no dia 28 desse mês, em que, nomeadamente, comunica considerar-se desvinculada do contrato-promessa aludido por incumprimento da Ré, " não sendo mais da sua vontade vender-lhe o que quer que seja, designadamente a referida Quinta de Paredes " (8º) (3).

- Em 22/4/97, foram expedidos pelo advogado da Ré, e recebidos, a carta fotocopiada a fls.187 e fax de igual teor (dirigidos ao advogado da A., em que, nomeadamente se dizia estar a Ré preparada para fazer a escritura de compra e venda, aguardando a marcação da mesma pela A.) (15º) (4).

- A A. nunca entregou à Ré a documentação necessária para a marcação da escritura de compra e venda (17º).

- A escritura relativa ao contrato prometido não foi realizada (F ).

- Em 11/6/97, a requerimento da A., a Ré foi, conforme fls. 144 a 150, notificada judicialmente para fazer entrega dos imóveis em causa nestes autos (9º) (5).

- Tendo após a realização da transacção judicial mencionada passado a ocupar os imóveis em referência, no âmbito desse acordo, com autorização da A., a Ré deixou de pagar a renda até 1/9/99
( 2º e 3º ).

- Em 2/5/2000, a Ré, na qualidade de arrendatária dos prédios aludidos, depositou na conta nº 09 06/067268/250 da dependência da Caixa Geral de Depósitos de Montalegre, à ordem do juiz dessa comarca, a quantia de 100.000$00, relativa à renda do ano de 2000 ( G ).

- Em 26/4/2001, a Ré, na mesma qualidade de arrendatária dos prédios aludidos depositou na mesma conta da dependência da Caixa Geral de Depósitos de Montalegre, também à ordem do Juiz da mesma comarca, a quantia de 100.000$00, relativa à renda do ano de 2001 ( H ).

Logo no início da alegação da ora recorrente referem-se, num só fôlego, dois distintos modos ou formas de cessação ou extinção dos contratos, que são a resolução e a revogação.

Enquanto a primeira se caracteriza, antes de mais, pela unilateralidade, e depois, pela exigência de justificação bastante para poder ser considerada válida, a segunda, também dita distrate, consiste no desfazer do vínculo contratual por mútuo acordo das partes, isto é, pelo contrário consenso que o art. 406º, nº1º, C.Civ. prevê (6).

É daquela primeira que aqui se trata.

Como referido na sentença apelada, ao incumprimento e à resolução do contrato-promessa aplica-se o regime que vigora para o incumprimento e resolução dos contratos em geral, designadamente as normas dos arts. 798º, 801º, 804º e 808º do Código Civil, quanto ao incumprimento, e o regime dos arts. 432º a 436º do mesmo código, quanto à resolução (cita ACSTJ de 2/5/85, BMJ 347/375 - III). Prossegue assim :

De harmonia com o estabelecido nos arts. 801º, nº2º, 802º e 808º C. Civ., a lei permite a resolução de contrato bilateral, como é o caso, nas seguintes situações:

- em caso de a prestação se tornar impossível, total ou parcialmente, por culpa do devedor (arts. 801º, nº2º, e 802º C. Civ.) ;

- se, objectivamente, o credor perder o interesse que tinha na prestação em consequência de mora culposa do devedor ( situação que o art. 808º, nº1º, C. Civ. equipara ao incumprimento definitivo da obrigação) ;

- se, após a mora do devedor, o credor lhe conceder um prazo razoável para realizar a prestação e o devedor não a realizar nesse prazo (situação que o art. 808º, nº1º, C. Civ. também equipara ao incumprimento definitivo da obrigação).

Citando Antunes Varela ("Das Obrigações em Gera", II, 7ª ed., 125/126), aditou que só a falta (definitiva) de cumprimento legitima a resolução do contrato. Ora :

Quando a lei tal não contrarie, a resolução do contrato opera-se pela maneira que o art. 436º, nº 1º, C.Civ. refere (7).

Não há, em princípio resolução automática (8), nem bem se vê que possa realmente concluir-se terem as partes acordado, aquando do contrato-promessa, a arguida revogação tácita do contrato de arrendamento rural aludido. E nem também é inequivocamente concludente nesse sentido a simples mora no pagamento da renda.

Importa, por outro lado, ter presente que, só susceptível de alteração nos termos que o art. 273º CPC consente, o objecto de processo é definido pelo pedido e pela causa de pedir deduzidos no articulado inicial - cfr. arts. 467º, nº1º, als.c) e d), e 498º, nºs 3º e 4º, CPC (onde se encontra a respectiva definição legal ).

Como referido no relatório deste acórdão, o que se pediu nesta acção que se declarasse resolvido, por incumprimento da demandada, foi o contrato-promessa de compra e venda por ambas acordado em 1/10/96. Pediu-se, mais, que, com efeitos a partir dessa mesma data, se declarasse " resolvido " o contrato de arrendamento rural; mas tal assim por ter sido essa a vontade das partes aquando da celebração do contrato-promessa - logo então, pois, se tendo confundido resolução com revogação ou distrate, que, como já notado, são formas diferentes de cessação do contrato.

Não foi pedido que se declarasse resolvido o predito contrato de arrendamento rural com fundamento na falta de pagamento oportuno das rendas, nem em então não alegada irregularidade do depósito das mesmas.

Acresce, mesmo, enfim, que, segundo as respostas dadas aos quesitos 2º e 3º, atrás transcritas, após a realização da transacção judicial aludida, a Ré passou a ocupar os imóveis em questão no âmbito desse acordo, com autorização da A., tendo deixado de pagar a renda até 1/9/99.

Tendo efectuado nos dois anos seguintes os depósitos já igualmente referidos, não se mostra feita prova inequívoca de que tenha efectivamente pretendido prescindir da qualidade de arrendatária, dela se demitindo.

Mais não havendo que dizer em relação à 1ª das questões suscitadas neste recurso, atrás enunciadas, vamos, então, à 2ª :

Nem tal discutindo quem recorre (v. pág.2 da alegação da recorrente, a fls. 33 dos autos - A) - I ), a Relação eliminou a resposta dada ao quesito 5º, segundo a qual - bem que dito isso na forma passiva - a A. interpelou, isto é, na linguagem comum, intimou, a Ré para celebrarem a escritura de compra e venda.

Em termos de direito - de eficácia jurídica - vale, na realidade, a consideração de que, para que efectivamente se pudesse concluir ocorrer incumprimento do contrato-promessa era indispensável que a interpelante tivesse indicado dia, hora e local para aquele efeito, sem o que - incerto ou infixo o prazo acordado - a interpelada não podia considerar-se em mora (9).
Não estabelecido a qual das partes cabia marcar a realização da escritura, nenhuma delas podia considerar-se em mora antes de interpelada pela outra para outorgá-la : mas sempre com a necessária - indispensável - indicação referida, da data, hora e local designados para tanto (10).

Convém, a outro tempo, notar que o que neste recurso vem posto em crise é o acórdão proferido na instância recorrida e não a sentença lavrada na 1ª instância ( cfr., a este respeito, art. 156º, nºs 2º e 3º, CPC ).

Do atraso havido na entrega do sinal só resulta que, como, aliás, se julgou provado, a ora recorrente em tal, afinal, consentiu: o que de imediato revela não tê-lo considerado desvio grave do pro grama negocial, em termos de poder constituir incumprimento susceptível de justificar a resolução do contrato.

Não estipulado a qual das partes incumbia a marcação da escritura, e tacitamente acordada ou consentida a prorrogação do prazo estabelecido para a realização da mesma, qualquer delas podia, de facto, fazer, em qualquer altura, essa marcação. No entanto:

Sem interpelação nos termos supramencionados, isto é, com indicação de dia, hora e local para a celebração da escritura (11), não há, sequer, como já dito, mora susceptível de dar, depois, lugar a incumprimento definitivo, através, designadamente, da interpelação admonitória a que alude o nº1º do art. 808º C.Civ.

Segue-se cuidar da 3ª das questões atrás mencionadas. Assim :

Não basta a simples alegação da perda do interesse no cumprimento para poder julgar-se que se está efectivamente perante situação de incumprimento : essa perda de interesse, também prevista no nº1º do art. 808º C.Civ., tem de ser objectivamente justificada, como expressamente exige o nº2º desse mesmo artigo.

Não pode julgar-se que a mera dúvida ou suspeita - melhor ou pior alicerçada - duma das partes sobre a efectiva possibilidade de cumprir por parte da outra constitui, sem mais, justificação bastante para a perda do interesse no cumprimento arguida.

A regra pacta sunt servanda que o art. 406º, nº1º, C.Civ. consagra proíbe, por outro lado, claramente, que se possa considerar que o facto de ter aparecido proposta mais vantajosa constitui razão justificativa da perda de interesse na prestação da contraparte que o citado art. 808º prevê.

Bem, finalmente, não se alcança que a matéria de facto provada na realidade denuncie a má fé por último alegada pela recorrente, desmerecendo mais desenvolvida consideração a 4ª questão por ela deduzida, reportada ao disposto nos arts 334º e 762º, nº2º, C.Civ.

Breve, pois, se chega, na conformidade do exposto, à decisão que segue :

Nega-se a revista.

Custas pela recorrente.


Lisboa, 19 de Maio de 2005
Oliveira Barros,
Salvador da Costa,
Ferreira de Sousa.
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(1) Quanto mais não seja, cronológica. V. Antunes Varela, RLJ, 129º/51.

(2) E que são 19 prédios rústicos, respectivamente denominados, o 1º, Lageal, o 2º, Roçadas e Tapada Velha, o 3º, Bouças de Riba - pastagem, o 4º, Bouças de Baixo, o 5º, Olheiro da Porca, o 6º, terra no Banho, Merouqueiros, Fontelas de Baixo e de Cima, o 7º, Piolho, Cruz, Lameirinha, Curros e Moinho Velho, o 8º, Outeirinho e Horta de Cima, o 9º, Leiras da Seara, o 10º, Piomil, o 11º, terra e mata nos Musgos, Regadas, Barranho e Mata na Regada, o 12º, Tapada da Lomba, o 13º, Fontes, Leiras, Olheiros, Cerdeira e Cortinha, o 14º, terra na Rescosta, o 15º, Lama da Calçada, o 16º, Trancada, Brigueiro Redondo e Roças, o 17º, Cortinhas, o 18º, Lama, e o 19º, Linhares da Lage e Cama da Porca, com as áreas respectivas de 8.400m², 18.300m², 6.800 m2, 11.000m², 7.000m², 23.800m², 52.700m², 6.000m², 4. 900m², 25.600m², 22.000m², 41.700m², 6.280m², 3.000m², 1.150m², 51.660m², 8.870m², 10.700m², e 13. 550m², respectivamente inscritos na matriz competente sob os artigos 2526, 2527, 2531, 2532, 2534, 2536, 2539, 2540, 2542, 2547, 2550, 2553, 2558, 2560, 2563, 2564, 2566, 2569, e 2572, e descritos na Conservatória do Registo Predial de Montalegre sob os nºs 00965/981221, 00288/220888, 00264/220888, 00966/91221, 00967/981221, 00968/981221, 00969/981221, 00970/981221, 00279/220888, 00971/981221, 00972/981221, 00317/220888, 00973/981221, 00974/ 981221, 00975/98221, 00976/981221, 00977/981221, 00978/981221, e 00979/981221, e 3 urbanos, a saber : 20º - urbano de r/c e 1º andar, inscrito na matriz respectiva da freguesia de Salto sob o artigo 366 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Montalegre sob o nº 00319/220888, e 21º - urbano denominado Casa da Lage, inscrito na matriz respectiva sob o artigo 365 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Montalegre sob o nº00318/220888, e 22º - casas térreas, incluindo canastros, eira e lojas, inscritas na matriz rústica da freguesia de Salto sob os artigos 667, 672 e 674 e descritas na Conservatória do Registo Predial de Montalegre sob os nºs 00294, 00295 e 00296/220288.

(3) Como advertem Antunes Varela e outros,"Manual de Processo Civil ", 2ª ed., 401, nota 2, não constitui boa técnica a referência a carta " cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido ". V. também, a este respeito, Acs.STJ de 1/2/ 95, CJSTJ, III, 1º, 264, de 18/1/96, BMJ 453/444 ( v.453 ), e de 22/4/97, CJSTJ, V, 2º, 60, de par com os mais referi-dos em ARP de 11711/99, CJ, XXIV, 5º, 188, nota 1.
(4) Aditado esse facto pelo acórdão recorrido (respectiva pág.13, a fls 340 dos autos), vale no que se lhe refere o já adiantado na nota anterior. Daí o parênteses.

(5) Vale aqui de novo o já referido na nota 3.

(6) A este respeito, v., v.g., Pedro Romano Martinez, " Da Cessação do Contrato ", Almedina, 2005 : sobre revogação, pp.48 ss, e sobre resolução, pp.65-II ss e 124-2.ss.
(7) V. autor e ob.cits, 175 e 221-10. ss

(8) V., para melhor esclarecimento, autor e ob.cits, 178-V.
(9) V., v.g., Acs STJ de 2/10/62, BMJ 120/391-V e VI e 398, de 25/3/69, BMJ 185/272-III e IV, e de 6/3/86, BMJ 355/ 352-I e IV.

(10) V., v.g., Ac.STJ de 22/6/89, BMJ 388/512, ARC de 27/9/88 e de 22/5/90, BMJ 379/651 (2º), e CJ, XV, 4º, 49, 2ª col.-5., respectivamente, e ARL de 3/3/83, CJ, VIII, 2º, 102, 2º par., com os aí citados..
(11) E provou-se, até, consoante resposta dada ao quesito 17º, que a ora recorrente nunca entregou à ora recorrida a documentação necessária para a marcação da mesma.