Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
080671
Nº Convencional: JSTJ00009297
Relator: BEÇA PEREIRA
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
PRAZO
CONTAGEM DOS PRAZOS
REQUERIMENTO
REQUISITOS
Nº do Documento: SJ199105080806711
Data do Acordão: 05/08/1991
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N407 ANO1991 PAG491
Tribunal Recurso: T REL COIMBRA
Processo no Tribunal Recurso: 979/90
Data: 11/13/1990
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR CIV - DIR REAIS.
Legislação Nacional: CEXP76 ARTIGO 4 N2 ARTIGO 20 N4 ARTIGO 46 N2-N4 ARTIGO 49 N1 ARTIGO 50 ARTIGO 51 N1 ARTIGO 52 N2 ARTIGO 53 ARTIGO 54 ARTIGO 55 ARTIGO 56 ARTIGO 57 ARTIGO 58 ARTIGO 59 ARTIGO 60 ARTIGO 61 N1 N2 N3 N4 ARTIGO 62 N2 ARTIGO 64 ARTIGO 65 ARTIGO 66 N2 ARTIGO 67 ARTIGO 68 ARTIGO 69 ARTIGO 70 ARTIGO 71 ARTIGO 72.
CCIV66 ARTIGO 10 N1 N2 N3.
Sumário : I - Dentro do processo comum de expropriação, o expropriado pode requerer a expropriação total, quando a remanescente área não expropriada do prédio fique de tal forma afectada, que não permita a capaz utilização e prossecução do destino económico do mesmo.
II - O prazo de cinco dias para, em processo urgente, o expropriado requerer a expropriação total, começará a contar-se desde a notificação que, obrigatoriamente, lhe será feita, do despacho do presidente da Relação a designar os árbitros.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
A agrava (folhas 60) do acórdão da Relação de Coimbra; que negou provimento (folhas 57 verso) a anterior agravo seu (folhas 24) do despacho do Excelentissimo Juiz de Direito servindo no Tribunal Judicial de Condeixa-a-Nova, que não tomou em atenção (folhas 23), o requerimento que apresentara a folhas 22, pedindo:
I- que o terreno seja totalmente expropriado, já que a parte sobrante deixou de ter qualquer interesse para si, em virtude de ter sido dividido em quatro partes, ficando três delas a confrontar de todos os lados com estradas, e a quarta so do lado sul fica a confrontar com B e C, sendo as restantes também com estradas.
II- e que o preço a fazer - sic - seja o mesmo que agora (ou seja na decisão de folhas 21) foi fixado, e na pior das hipóteses na mesma proporção.
O recorrente formulou estas conclusões na sua alegação (folhas 66 verso.):
I- o artigo n. II, do Código das Expropriações (como serão os preceitos adiante referidos sem indicação em contrario) garante ao expropriado o direito de requerer a expropriação total, se a outra parte não expropriada não assegurar proporcionalmente os mesmos comodos, que oferecia todo o predio.
II- verifica-se facilmente que as quatro fracções, que restam separadas apos a expropriação querida pela Junta
Autonoma das Estradas, não so deixaram de possuir aptidão para a construção urbana, que anteriormente tinham, como perderam qualquer interesse como unidades agricolas, uma vez que isoladas não têm condições para serem cultivadas rentavelmente.
III- é principio geral de direito que toda a lei, que confere um direito, faculta os meios indispensáveis à sua realização.
IV- a única oportunidade que se ofereceu ao recorrente, aliás expressa na notificação que lhe foi feita na oportunidade, para requerer a expropriação total, foi a que se encontra prevista no artigo 71 do Código das Expropriações, já que não tinha ocorrido em relação a ele a oportunidade consignada no artigo 61, I, aplicável apenas ao processo comum, onde a posição do expropriado é completamente diversa.
V- não há lacuna legislativa a preencher já que a questão esta regulada no artigo 71; pelo que não ha que invocar a analogia e, muito menos considerar o caso sem regulamentação, para o tribunal criar nova norma, conforme o artigo 10, III do Código Civil.
VI- a norma a criar, se fosse caso disso, devia salvaguardar o direito do proprietário, garantindo-lhe meios de defesa, sem rodeios, e não uma norma que encarasse aspectos meramente formais, com que aquele não contou, nem podia contar.
VII- é este o vicio fundamental do acórdão sob recurso.
VIII- a autonomia do processo de expropriação urgente, com os seus traços bem caracteristicos e diferença bem vincada, não se compadece com a aplicação das normas respeitantes ao processo comum de expropriação.
IX- a aplicação das normas deste último processo, sem que o expropriado contasse ou devesse contar com isso, constituiria uma espécie de ratoeira, em que os mais acautelados podiam cair, em prejuízo de justa solução, consagrada na parte substantiva do Código das Expropriações (artigo n. II), corolário do disposto no artigo 1305 do Código Civil.
X- acresce que, ao concordar com os valores unitários atribuidos na arbitragem, decorrente do facto de não ter recorrido deles, o expropriado fê-lo na convicção, bem fundada de que lhe seria pago todo o prédio ao mesmo preço, convicção baseada não só no artigo 71, como na notificação que lhe foi feita, em que se lhe falava da possibilidade de requerer a expropriação total.
XI- se a expropriação devesse ficar pela parte avaliada, ao valor dessa parte devia acrescer a desvalorização das partes não expropriadas, nos termos do artigo 35, o que não aconteceu, dadas as vicissitudes do processo, em prejuizo do expropriado, e contra a regra consagrada no artigo 1, sempre do Código das Expropriações.
XII- foram violadas as disposições legais indicadas nos números anteriores.
O Excelentissimo Magistrado do Ministério Público neste Supremo concordou com as considerações constantes da contra-alegação do seu Excelentissimo colega junto da Relação (páginas 75 e 68), as quais se orientaram para o não provimento do recurso.
Mantem-se a inexistência de questões, que obstassem ao seu conhecimento, pelo que a ele se passa.
A expropriação por utilidade pública pode ser amigável ou litigiosa, conforme haja, ou não, acordo a respeito da indemnização a pagar, no seguimento da declaração de utilidade pública, entre o expropriante e o expropriado, e mais interessados, referida no artigo 20, IV.
A expropriação litigiosa desenrola-se segundo três formas de processo: a comum, a urgente, e a urgentissima (artigo 46, II a IV), orientadas conforme o crescente grau de premência de a entidade expropriante entrar na posse, que pode chegar a ser imediata, dos bens destinados a satisfazer a necessidade, que está subjacente à declaração da utilidade pública.
Este processo reveste a segunda forma, ou seja a urgente, como se constata da declaração respectiva, publicada no Diário da República (página 19).
No processo comum de declaração, o legislador seguiu o sistema de regular exaustivamente, do começo ao fim, uma forma processual (o processo ordinário), e de, nas restantes formas processuais, ir indicando as especialidades de cada uma, remetendo o interprete, quanto ao resto, para o que está disposto no processo ordinário (Paulo Cunha, "Processo Comum de Declaração", I, página 59; Alberto dos Reis, "Codigo Anotado", III, página 62).
Algo de semelhante se encontra na regulamentação das três formas de processo expropriativo litigioso, ressalvada como deve ficar a diferença grande de apuro técnico entre os Códigos do Processo Civil, e das Expropriações, este último constante do Decreto-Lei n. 845/76 de 11 de Dezembro, e dividido em oito titulos, subdivididos em capitulos, secções e subsecções.
No titulo V, relativo ao "Processo de Expropriação", encontramos os capitulos I e II, relativos respectivamente à "expropriação amigável", e a "expropriação litigiosa"; e, neste último, as secções III, "processo comum" (artigos 49 a 62), e IV, "processo urgente" (artigos 63 a 72).
No processo comum, e para a constituição da arbitragem, o expropriado e demais interessados serão notificados (ou interessados desconhecidos ou ausentes, avisados editalmente) para indicarem o seu arbitro (artigo 52, II), um dos três que o artigo 51, I, preve para os efeitos do artigo 49, I - constituição e funcionamento de arbitragem, junto da entidade expropriante.
Ainda dentro do processo comum, o expropriado pode requerer a expropriação total, quando a remanescente área não expropriada do prédio fique de tal forma afectada, que não permita a capaz utilização e prossecução do destino económico do mesmo (artigo 61, I).
O que deve ser reconduzido ao direito potestativo de requerer a expropriação total - quando não for preciso expropriar mais do que uma parte do prédio - se a outra parte não assegurar, proporcionalmente, os mesmos comodos que oferecia todo o prédio (artigo 4, II).
E o artigo 61, I, indica precisamente o prazo para o expropriado exercer esse seu direito: cinco dias, a contar da notificação para indicar o seu arbitro.
O requerimento será autuado por apenso (artigo 61, III),e se o expropriante não concordar com a expropriação total, o processo será remetido ao tribunal da comarca da situação dos prédios, ou da sua maior parte (artigo 61, II), e o incidente desenrolar-se-a e terminará dentro de prazos muito curtos (artigo 61, III a V), pelo que respeita á primeira instância.
Isto no processo comum.
No processo urgente, esta matéria, e ainda mais a arguição de nulidades (aí apelidadas de "irregularidades") está limitada a um único artigo, o
71: se o expropriado requerer a expropriação total, deverá observar-se o preceituado no artigo 62, com referência ao disposto nos artigos 60 e 61.
O que se ajusta à orientação de o processo comum servir de pano de fundo ao processo urgente, onde estão indicadas apenas as especialidades relativamente àquele; e isto, tendencialmente.
Assim, para o apuramento do prazo para o expropriado requerer a expropriação total é forçoso ir consultar o artigo 61, I, e aí encontramos o prazo de cinco dias.
Já o mesmo não ocorre no que respeita ao dia a partir do qual ele se conta, pois aí o artigo 61, I deixa de ser aplicável, uma vez que na expropriação urgente os três arbitros são designados pelo presidente do tribunal da Relação respectiva (artigo 64, I), e consequentemente o expropriado não é notificado para indicar um dos arbitros (artigo 61, I, e 52, II), como no processo comum.
O recorrente entende, sem ousar afirmá-lo com profundidade, que os cinco dias são contados a partir da notificação prevista no artigo 70, IV, e acrescenta que assim se afirmava naquela que lhe foi feita.
Contudo, não produziu a mínima prova de que a notificação que lhe foi feita, em cumprimento do artigo 70, IV, aludisse sequer à faculdade de ele requerer a expropriação total, contrariamente ao afirmado nas suas conclusões IV e X.
Do processo consta apenas a cota de folhas 21 verso, referindo o envio de carta registada ao expropriado, para os efeitos do artigo 70, IV, no qual não há referência ao exercicio daquele "direito subjectivo", como também não a há no despacho de folhas 21, base da notificação.
Aliás, este acto processual serve apenas para dar conhecimento de um facto (artigo 228, II, do Código de Processo Civil), e não para inventar outro e transmiti-lo a um dos litigantes; logo, e mesmo que a notificação em referência tivesse tido o âmbito excessivo que o recorrente pretende, teria havido apenas uma nulidade de segundo grau, na qual o notificado não poderia assentar o início do prazo para requerer a expropriação total.
De resto, a ligação da notificação prevista no artigo 70, IV, ao início deste último prazo não resiste a um exame atento, pois: a)- ela pressupõe que o processo já dera entrada no tribunal judicial territorialmente competente (artigo 70, IV); o que não se ajusta à determinação legal desse envio, logo que o pedido de expropriação total fosse apresentado ... no próprio tribunal (artigo 71, I; 62, I; 61, II), e o expropriante discordasse dessa ampliação. Isto indica claramente que a apresentação do pedido em referência é realizável antes do envio do processo ao tribunal judicial, e quando aquele ainda se encontra na entidade expropriante. b)- não faria sentido que, precisamente na forma processual urgente, houvesse como que um recuo, uma marcha atrás, relativamente ao que se passa no processo comum, - onde é obrigatório que o pedido de expropriação total seja apresentado logo de inicio, nos cinco dias, contados da notificação do expropriado para indicar o seu arbitro (artigo 61, I) - deixando-se a apresentação desse pedido para depois, quando da remessa e do recebimento do processo no tribunal (artigo 70, IV).
Com efeito a tese em critica obrigaria a uma duplicação dos actos processuais posteriores a notificação da designação dos arbitros (artigo 66, I, II), e até a realização efectiva da avaliação; além de que tornaria irrealizável a economia de esforços visada pelo artigo
62, II, quando determina que (numa mesma operação, como deve entender-se) se calcule separadamente o valor da parte compreendida, e o da não compreendida na área abrangida pela declaração de utilidade pública. c)- acarretaria uma duplicação do prazo do artigo 68, pois passaria a haver um para a área abrangida por essa declaração, e outro para aquela que o expropriado viesse a querer acrescentar-lhe; e isto numa forma processual dita "urgente"...
Portanto é de rejeitar tranquilamente a tese do recorrente, de contar o prazo de cinco dias, para requerer a expropriação total, a partir da notificação ordenada pelo artigo 70, IV, no processo urgente.
Não estando expressamente previsto o momento a partir do qual se contara esse prazo de cinco dias, há efectivamente aqui uma lacuna legislativa, a integrar em primeiro lugar segundo a norma aplicável a casos análogos, havendo-a (artigo 10, I, e II, do Código Civil).
Só que ela não existe.
Daí que a situação detectada imponha uma integração "... segundo a norma que o próprio interprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espirito do sistema"
(artigo 10, III, do Código Civil - Castanheira Neves, "Revista de legislação", 110, página 161, nota 780;
Oliveira Ascensão, "A integração das lacunas da lei e o novo Código Civil", em "O Direito" ano 100, página 273 e seguintes; e Pires de Lima, "Boletim" 110, página 43, com reservas).
Ora, como o processo em que nos encontramos e confessadamente dominado pela urgencia, e economia de esforços não e possivel ir para solução mais morosa da que no processo comum, no qual o inicio do prazo para ser requerida a expropriação total e contado a partir do momento em que o expropriado tem a primeira comunicação relativa a constituição da arbitragem.
Assim, mostra-se avisado o entendimento, tido pela
Relação (alias, no seguimento dos dois unicos acordãos sobre a matéria que encontramos, e estão ai referidos), de que o prazo de cinco dias para o expropriado, em processo urgente, requerer a expropriação total começara a contar-se desde a notificação, que obrigatoriamente lhe sera feita, do despacho do presidente da Relação a designar os arbitros (artigo 66, I).
Temos como de mera ficção (aliás, de mau gosto) o perigo que o recorrente apresenta a folhas 65 verso, de o expropriante dolosamente impedir essa notificação pessoal directa, pretendendo que não conhecia a morada do expropriado.
Assim sendo, esses cinco dias estariam aqui ultrapassados havia muito, quando o expropriado apresentou o seu requerimento de folhas 22.
Este devia ter sido indeferido, e não objecto de despacho como o de folhas 23, onde se escreveu que "... não se terá sequer em atenção o requerimento de folhas 22..."o que roça a omissão de pronuncia, que a
Relação qualificou como indeferimento (folhas 54).
Seja como for, é apenas o acórdão da Relação que está agora em apreciação, e, aliás, nem se arguiu qualquer nulidade relativamente a esse despacho da primeira instância.
Com o que rejeitamos as conclusões I a IX do recorrente.
Igual decisão tomamos para as restantes, pois não é já altura de se discutir a decisão arbitral, não atingida por recurso tempestivo (folhas 21 verso e 24).
Razões por que negamos provimento ao agravo, e mantemos o bem elaborado acórdão recorrido.
Custas pelo agravante.
Lisboa, 8 de Maio de 1991.
Beça Pereira,
Martins Ventura,
Brochado Brandão.