Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃO | ||
Relator: | HELENA MONIZ | ||
Descritores: | AGRAVANTE ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA ARMA PROIBIDA COMPETÊNCIA DA RELAÇÃO COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA CONCURSO APARENTE CONCURSO DE INFRACÇÕES NOTIFICAÇÃO PENA PARCELAR PENA ÚNICA PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO RECURSO DA MATÉRIA DE DIREITO ROUBO AGRAVADO TENTATIVA | ||
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Data do Acordão: | 09/10/2014 | ||
Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE | ||
Área Temática: | DIREITO PENAL - CRIMES CONTRA O PATRIMÓNIO / CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE - ARMAS E MUNIÇÕES / CRIME DE DETENÇÃO DE ARMA PROÍBIDA / RESPONSABILIDADE CRIMINAL E CRIMES DE PERIGO COMUM. DIREITO PROCESSUAL PENAL - RECURSOS. | ||
Doutrina: | - Conceição Cunha, art. 210.º/ § 43, Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra: Coimbra Editora, 1999. - Faria Costa, art. 203.º/ § 69, 70, 71, art. 204.º/ § 63, Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra: Coimbra Editora, 1999. - Pereira Madeira, “Código de Processo Penal” comentado, Henriques Gaspar e outros, Coimbra: Liv. Almedina, 2014, anotação (7) ao art. 400.º (p. 1253), anotação (3) ao art. 427.º (p. 1494) e anotação (4) ao art. 432.º (p. 1528-9). - Vinício Ribeiro, “Código de Processo Penal” — notas e comentários, Coimbra: Coimbra Editora, 20112, p. 1379. -Figueiredo Dias, Direito Penal (Parte Geral), tomo I, Coimbra: Coimbra Editora, 20072, 15/ § 15 (p. 414), 43/§ 17 e ss, e 32 e s, p. 1015 e ss e 1023 e ss, respectivamente; Direito Penal Português — As consequências Jurídicas do Crime, Lisboa: Aequitas/Ed. Notícias, 1993, § 421 (p. 291). | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 14.º, N.º3, 400.º, N.º1, AL. F), 414.º, N.º 8, 424.º, N.º3, 427.º, 432.º, N.º1, AL.C), E N.º2 CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 22.º, 23.º, 40.º, 50.º, 70.º, 70.º, 71.º, 73.º, 77.º, 210.º, N.ºS 1 E 2, ALS. A) E B), E 204.º, N.º 2, ALS. A) E F), 256.º, N.ºS 1, ALS. B) E E), E 3. LEI N.º 5/2006, DE 23.02 (COM AS ALTERAÇÕES ENTRETANTO INTRODUZIDAS — LEI N.º 59/2007, DE 04.09, LEI N.º 17/2009, DE 06.05, LEI N.º 26/2010, DE 30.08, LEI N.º 12/2011, DE 27.04 E LEI N.º 50/2013, DE 24.07): - ARTIGO 2.º, N.º 1, ALS. P) E Q), ART. 3.º, N.ºS 1 E 4, 86.º, N.ºS 1, 3, 4. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 31.10.2007, PROCESSO N.º 07P3271, SUMÁRIO EM HTTP://WWW.DGSI.PT/JSTJ.NSF/954F0CE6AD9DD8B980256B5F003FA814/9C6FD4D2D3809B25802573DA0055C3C8?OPENDOCUMENT -DE 05-07-2012, PROC. N.º 61/11.7JAPRT.S1, DE 05-06-2012, PROC. N.º 8/11.0GCODM.S1, DE 15-03-2012, PROC. N.º 97/10.5GCVCT. S1, DE 05-01-2012, PROCESSO: 62/11.5JACBR. S1, E DE 03-11-2011, PROC. N.º 69/09.2PAGDM.P1.SD1. -DE 14.03.2013, PROC. N.º 832/11.4JDLSB.L1.S1 - 5.ª SECÇÃO, SUMÁRIO ACESSÍVEL EM HTTP://WWW.STJ.PT/FICHEIROS/JURISP-SUMARIOS/CRIMINAL/CRIME-2013.PDF -DE 14-03-2013, PROC. N.º 149/10.1TAFND.C1.S1, DE 20-02-2013, PROC. N.º 29/11.3GALLE.S1, DE 06-02-2013, PROC. N.º 94/12.6GAVGS.S1, DE 30-06-2010,PROC. N.º 99/09.4GGSNT.S1, DE 18-11-2009, PROC. N.º 947/06.0GCALM.L1.S1, E DE 21-10-2009, PROC. N.º 33/08.9TAMRA.E1.S1. * -ACÓRDÃO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA N.º 4/95, DE 7 DE JUNHO (DR, I SÉRIE-A, DE 06.07.1995, P. 4298). -ACÓRDÃO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA DELIBEROU N.º 8/2007, DE 14 DE MARÇO (DR, I SÉRIE-A, DE 04.06.2007). | ||
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Sumário : | I - A jurisprudência do STJ não tem sido uniforme quanto à atribuição da competência para o conhecimento dos recursos restritos à matéria de direito, interpostos directamente de decisão do tribunal colectivo ou do tribunal de júri, quando coexistam crimes em que tenham sido aplicadas penas ─ penas parcelares ou pena única conjunta ─ superiores e inferiores ou iguais ao limite estabelecido pela al. c) do n.º 1 do art. 432.º do CPP. II - Ainda que os crimes que integram um concurso sejam crimes de pequena gravidade, ainda assim são tratados como os de criminalidade média, e julgados pelo tribunal competente para esta média criminalidade (pena de prisão aplicável superior a 5 anos; dado que os crimes puníveis com pena de prisão igual ou inferior a 5 anos são julgados em tribunal singular — cf. art. 16.º, n.º 2, al. b)). Assim sendo, desde cedo o CPP entende que crimes de pequena gravidade agrupados em regime de concurso, com pena abstratamente aplicável superior a 5 anos de prisão, terão o mesmo regime que os crimes de média gravidade. Na verdade, quando o CPP estabeleceu que estes casos seriam julgados pelo tribunal coletivo, em vez de serem julgados pelo tribunal singular, mostrou que queria para estes casos um tratamento diferente daquele que teriam se isoladamente analisados. III - Em matéria de recursos: - só há uma via de recurso restrito à matéria de direito – ou para a Relação, quando a pena é inferior a 5 anos, ou para o STJ, quando a pena é superior a 5 anos; - só há uma via de recurso restrito à matéria de direito, ainda que a pena seja superior a 8 anos, para o STJ; - ou seja, se o recurso é restrito à matéria de direito não pode haver recurso prévio para a Relação, quando a pena é superior a 5 (o que inclui a pena superior a 8); - apenas poderá haver dupla via de recurso em matéria de direito, se houver um recurso (prévio) sobre matéria de facto e de direito para a Relação, e a pena aplicada e confirmada (pela Relação) seja superior a 8 anos, podendo então haver novo recurso para o STJ; - todavia se se tratar de um caso de concurso, e a pena única for superior a 8 anos e as parcelares inferiores a 8 anos, tendo havido recurso prévio para a Relação em matéria de facto e de direito, apenas se pode conhecer novamente em matéria de direito das penas superiores a 8 anos (não se devendo conhecer das parcelares inferiores a 8 anos e confirmadas pela Relação, pois já tiveram um grau de recurso); - assim também nos casos em que a pena única é superior a 5 anos (mas inferior a 8 anos) em que havendo recurso da matéria de facto e de direito para a Relação (e esta tenha confirmado a decisão da 1.ª instância), não pode haver depois recurso para o STJ; - e se a pena única é superior a 5 anos, mas as parcelares inferiores a 5 anos, o recurso restrito à matéria de direito é direto para o STJ, pois a imposição de recurso prévio para a Relação (por causa das parcelares inferiores a 5) inviabiliza um conhecimento da pena única superior a 5 pelo STJ, se confirmada, dado que não é possível recurso prévio para a Relação exclusivamente com base na matéria de direito — ora, o art. 432.º, n.º 1, al. c) não limita o recurso direto para o STJ apenas aos casos em que a pena única e as parcelares são todas superiores a 5 anos, nem o CPP quis estabelecer esta distinção dado que estes casos podem ser integrados na possibilidade de recurso direto para o STJ por terem sido julgados em tribunal coletivo (o legislador se queria limitar esta possibilidade teria que o fazer expressamente, dado que a partir do momento em que os considerou no âmbito de competência do tribunal coletivo todas as regras subsequentes ligadas às regras de delimitação da competência ficaram afetadas por aquela tomada de posição); - assim, quando a pena é superior a 5 anos (pena de um só crime ou pena única de um concurso de crimes, independentemente das penas parcelares) e o recurso é só de direito, este necessariamente tem que ir para o STJ, pois não pode haver recurso prévio exclusivamente de direito para a Relação. IV - Entende-se, no seguimento do AFJ n.º 4/95, que este Supremo Tribunal pode analisar, e eventualmente alterar, a qualificação jurídica dada aos factos provados, ainda que sempre com respeito pelo princípio da reformatio in pejus. V - A agravação prevista no n.º 3 do art. 86.º da Lei 5/2006, de 23-02, não é aplicável quando a detenção de “arma aparente ou oculta” constitua um elemento do tipo qualificado de roubo previsto no art. 210.º, n.º 2, al. b), articulado com o art. 204.º, n.º 2, al. f), ambos do CP. VI - Todavia, justifica-se a punição em concurso efectivo do crime de roubo qualificado por uso de arma e do crime de detenção de arma proibida, na medida em que o ilícito singular subjacente à detenção de arma proibida não é coberto, integralmente, pelo ilícito principal subjacente ao crime de roubo. VII - A punição qualificada do roubo depende apenas da detenção de arma, sem que caracterize a detenção como legal ou ilegal, o que leva a concluir que abrange ambos os casos. Assim sendo, o ilícito global subjacente ao crime de roubo cobre apenas parcialmente o ilícito de detenção de arma ilegal. VIII - Há tentativa de crime de roubo sempre que não se consumou a subtracção. E a subtracção só ocorre quando se tenha verificado a apropriação da coisa, isto é, sempre que a coisa entra, de uma maneira minimamente estável, no domínio de facto do agente; não basta o instantâneo domínio de facto sobre a coisa; é necessário que o agente adquira uma posse consolidada sobre a coisa. IX- Existe tentativa de crime de roubo qualificado do art. 210.º, n.º 2, al. a), articulado com os arts. 204.º, n.º 2, als. a) e f), 22.º e 23.º, todos do CP, se os arguidos, apesar de já terem colocado os objetos dentro dos sacos, ainda se encontravam no interior do estabelecimento comercial, em pleno assalto, quando foram surpreendidos pelas autoridades policiais. X - Não é necessário proceder à notificação prevista no art. 424.º, n.º 3, do CPP, quando o STJ altera a qualificação jurídica de crime consumado para crime tentado. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:
I Relatório 1. Nos presentes autos de processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, mediante acórdão de 13.02.2014, proferido pelo 3.º Juízo Criminal de Felgueiras (vide págs. 1027 a 1102, Vol. IV), foram condenados: - o arguido AA pela prática: - em co-autoria material, de um crime de roubo, previsto e punido pelos arts. 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), e 204.º, n.º 2, als. a) e f), do CP, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão; - em co-autoria material, de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo art. 256.º, n.ºs 1, als. b) e e), e 3, do CP, na pena de 1 (um) ano de prisão; - em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos arts. 2.º, n.º 1, als. p) e q), 3.º, n.ºs 1 e 4, e 86.º, n.º 1, al. c), todos do Regime Jurídico das Armas e das Munições, aprovado da Lei n.º 5/2006, de 23.02, na redação introduzida pela Lei n.º 17/2009, de 06.05, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; - em cúmulo jurídico, na pena única conjunta de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão e - o arguido BB pela prática: - em co-autoria material, de um crime de roubo, previsto e punido pelos arts. 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), e 204.º, n.º 2, als. a) e f), do CP, na pena de 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de prisão; - em co-autoria material, de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo art. 256.º, n.ºs 1, als. b) e e), e 3, do CP, na pena de 1 (um) ano de prisão; - em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos arts. 2.º, n.º 1, als. p) e q), 3.º, n.ºs 1 e 4, e 86.º, n.º 1, al. c), todos do Regime Jurídico das Armas e das Munições, aprovado da Lei n.º 5/2006, de 23.02, na redação introduzida pela Lei n.º 17/2009, de 06.05, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; - em cúmulo jurídico, na pena única conjunta de 6 (seis) anos e 10 (dez) meses de prisão
2. Inconformados com a decisão proferida, os arguidos AA e BB interpuseram recurso direto para este Supremo Tribunal de Justiça (ao abrigo do art. 432.º, n.º 1, al. c) do CPP), apresentando as seguintes conclusões (vide págs. 1145 a 1173, Vol. V): “1. A apreciação do presente recurso desdobra-se em três questões: a. As medidas das penas parcelares; b. A medida da pena única e respetiva fundamentação; c. A suspensão da execução da pena de prisão. 2. O acórdão recorrido aplicou as seguintes penas: a. Ao arguido AA, em concurso real, cinco anos e seis meses de prisão, um ano de prisão e um ano e seis meses de prisão, pela prática, respectivamente, de um crime de roubo, um crime de falsificação de documento e um crime de detenção de arma proibida; b. Ao arguido BB, em concurso real, cinco anos e dez meses de prisão, um ano de prisão e um ano e seis meses de prisão, pela prática, respectivamente, de um crime de roubo, um crime de falsificação de documento e um crime de detenção de arma proibida. 3. O Tribunal, ao determinar a pena concretamente cabida ao caso, o quantum de pena, serve-se do critério global contido no artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, segundo o qual a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção. 4. No caso sub judice, o grau de ilicitude e a intensidade do dolo não poderão ser considerados tão elevados ao ponto de relegar para aplicação residual todo o comportamento patenteado pelos arguidos e as exigências de prevenção especial que ao caso cabem. 5. A pena única resultante do cúmulo jurídico deverá, consequentemente, ser reformada e substancialmente reduzida, pelo que, não poderá deixar de se considerar desproporcional e desadequada a aplicação de uma pena em cúmulo de: a. Seis anos e seis meses de prisão ao arguido AA b. Seis anos e dez meses de prisão ao arguido BB 6. Sem prescindir de tudo quanto se alegou no âmbito do presente recurso, parece, salvo o devido respeito, que as exigências de prevenção especial se encontram esbatidas. 7. Os arguidos colaboraram com a justiça, confessaram os factos e demonstraram arrependimento. 8. A personalidade dos recorrentes, associada à sua idade, 23 anos para o arguido AA e 27 anos para o arguido BB, não se revela tendencial, sendo facto único, com implicações na ponderação das finalidades de prevenção especial - que na pena única partem do previsível efeito da pena no comportamento futuro do agente e nas perspectivas de reinserção. 9. Os arguidos, que em algum momento foram agressivos para com as pessoas que se encontravam dentro do estabelecimento objeto do assalto, aquando da sua captura, entregaram-se imediatamente sem esboçar qualquer reacção, assim se frustrando as suas expectativas de apropriação dos bens. 10. Aqui, conduta também reveladora da intenção que sempre presidiu aos seus propósitos, limitada ao “animus apropriandi”, 11. Estamos perante arguidos que, pautando as suas vidas com respeito pela Lei sempre tiveram valores éticos e morais coerentes com as exigências sociais. 12. Com hábitos de trabalho enraizados, encontram-se perfeitamente inseridos na sociedade, familiar e profissionalmente. 13. Têm total apoio da família, amigos e entidade patronal, para os ajudar na fase inicial da necessária reorganização das suas vidas pessoais e laborais. 14. São suporte fundamental da estabilidade económica e emocional dos respectivos agregados familiares, que deles dependem em grande medida. 15. No caso do arguido AA, cujo arrependimento pelas consequências e repercussões que os seus atos provocaram a nível familiar, afastando-o do seu lar e da sua filha nascida em Janeiro 2013, jamais se apagará, mais essencial se mostra essa necessidade de se permitir a sua reintegração. 16. Cometeram um erro, grave, que mancha inelutavelmente a reputação, sem mácula, que sempre granjearam, mas que jamais se repetirá. 17. Com consequências devastadoras para os respectivos núcleos familiares caso se mantenha a pena nos moldes em que vem decretada pela Acórdão ora recorrido. 18. Deveria este comportamento e inverosímil reincidência ser amplamente valorada para as medidas das penas a favor dos arguidos. 19. Também é verdade, o móbil do crime de falsificação e de detenção ilegal de arma em nada é idêntico ao móbil no crime principal, crime de roubo. 20. Desta feita, a fixação do quantum destas penas parcelares, em: a. Um ano e seis meses de prisão para o crime de detenção ilegal de arma e um ano de prisão para o crime de falsificação para ambos os arguidos, mostram-se manifestamente excessivas. 21. Assim, a determinação da medida da pena feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, no caso concreto (art. 71.º, n.º 1, do CP), deve atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra ele (n.º 2), designadamente: o grau de ilicitude do facto, o modo de execução e a gravidade das suas consequências; a intensidade do dolo ou da negligência; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; a conduta anterior e posterior ao facto; a falta de preparação para manter conduta lícita, manifestada no facto; as condições pessoais do agente e a sua situação económica. 22. Pelo que, devem estas penas concretas serem diminuídas no seu quantum e tipo de pena. 23. Ponderados todos os elementos, e seguindo os critérios referidos, com realce no conjunto dos factos, circunstâncias e personalidade evidenciada pelos arguidos, teríamos a seguinte moldura penal abstracta do cúmulo jurídico para ambos os arguidos: a. De 4 anos de prisão a 5 anos de prisão (correspondentes à soma das penas de 4 anos de prisão, 1 ano de prisão e pena de multa, pela prática, respectivamente, de 1 crime de roubo agravado, 1 crime de detenção de arma proibida e 1 crime de falsificação; 24. Assim e em face de tudo o que se expôs e sem prescindir do que alegou, entendem os recorrentes, sempre com o devido respeito, que a pena única que lhes foi aplicada não poderá ser superior ao limite dos 4 anos e 3 meses de prisão, pelos crimes de roubo e de detenção ilegal de arma e, da aplicação de uma pena de multa para o crime de falsificação. 25. Para além de que, a fixação da pena de prisão próxima do limite mínimo abstratamente aplicável permitirá a suspensão da pena na sua execução. 26. E pelas razões de facto e de direito expostas, deverá tal pena ser suspensa na sua execução, tudo nos termos do disposto nos artigos 40.º, 50.º, 51.º e 71.º do Código Penal. 27. Foram, assim, violados os artigos 71.º, 72.º n.º 1 e 2 al. d), 77.º, 40.º, 50.º e 51.º do Código Penal.”
3. O Senhor Procurador da República junto do tribunal de 1.ª instância apresentou resposta ao recurso interposto pelos arguidos, tendo apresentado as seguintes conclusões (vide págs. 1185 a 1195, Vol. V): “1.ª As penas parcelares e a pena única resultante do cúmulo jurídico em que os arguidos foram condenados mostram-se justas e adequadas, tanto mais que na sua escolha e determinação o tribunal teve em devida consideração não só a moldura penal abstracta dos crimes praticados pelos arguidos como também tudo quanto é expendido nos artigos 40°, 70° e ss. do Código Penal. 2.ª A gravidade dos crimes praticados pelos arguidos, a moldura penal abstracta destes ilícitos criminais e todas as demais circunstâncias com relevância para o presente caso e que foram dadas como assentes impedem que o crime de falsificação de documento praticado pelos arguidos seja apenas punível com pena de multa, como pretendem os recorrentes. 3.ª O douto acórdão recorrido não merece qualquer censura ou reparo, pois não viola qualquer disposição ou preceito legal e muito menos algum princípio penal, processual penal ou constitucional, nomeadamente os referidos pelos recorrentes.” Termina pedindo que seja negado provimento aos recursos interpostos pelos arguidos e que seja mantido o acórdão recorrido.
4. Subidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, a Senhora Procuradora-Geral-Adjunta, usando a faculdade prevista no n.º 1 do art. 416.º do CPP, emitiu douto parecer nos seguintes termos (vide págs. 1203 a 1219, Vol. V): “(…) 1- O recurso dos arguidos AA e BB visam exclusivamente a medida das penas parcelares que são todas inferiores a 5 anos de prisão e só com a sua alteração é que propõem consequentemente outra pena única para cada um. Este recurso com estes fundamentos suscitam-nos a incompetência do Supremo Tribunal de Justiça para apreciar o recurso pelas seguintes razões: Tem sido jurisprudência agora parcial de Exmos. Conselheiros da 5.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça que o STJ não é competente para apreciar os recursos interpostos de decisões em que os arguidos são condenados por diversos crimes com penas iguais ou não superiores a 5 anos de prisão (neste sentido entre outros Ac. STJ de 510612012, p. 8/11.0GCODM.S 1). Por isso a decisão será recorrível para o Tribunal da Relação do Porto pois para o Supremo Tribunal de Justiça apenas poderia ser interposto recurso que visasse exclusivamente a pena única aplicada, o que não acontece pois não invocam e fundamentam autonomamente a aplicação de uma pena única menos gravosa, com as regras previstas no art. 77°, n.° 1 do CP - avaliação em conjunto dos factos e da personalidade. Parece-nos, pois, dever ser preliminarmente declarada a incompetência do STJ e declarar a competência do Tribunal da Relação do Porto para onde deverá ser remetido o recurso dos arguidos (…)” “2- Mas se assim não for entendido/decidido então parece-nos que poderá ser suscitado que os factos provados integram um crime de roubo qualificado e agravado pelo uso de arma proibida (art. 86.º, n.° 3 da lei 5/2006), embora não possa levar a alterar/agravar a pena pelo crime de roubo devido à proibição de "reformatório in pejus" (art. 409.°, n.º 1 do CPP). O crime de roubo cometido pelos arguidos ocorreu em 21/12/2012 sendo-lhe aplicável o art. 86.° n° 3 da lei 5/2006 pois atuaram com armas de fogo, mas o acórdão condenatório decidiu afastar este agravamento. O uso de arma não faz parte dos elementos essenciais do crime de roubo nem está prevista legalmente agravação mais elevada pelo seu uso, ao contrário do que a 1.ª instância refere. E a agravação da pena por autoria do crime de roubo ainda que qualificado/agravado não se mostra proibida legal e constitucionalmente, como resulta da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (…)” “Segundo nos parece os arguidos deveriam ter sido condenados pelo crime de roubo qualificado e agravado nos termos nos arts. 210.°, n.ºs 1 e 2 b), 204°, n.º 2 a) do CP e 86.° n.° 3 da Lei 5/2006. 3- Medida das penas parcelares e únicas aplicadas e aplicáveis aos arguidos recorrentes. A pena aplicada por co-autoria do crime de roubo qualificado foi encontrada entre o mínimo 3 anos e máximo 15 anos de prisão sem que neste momento possa vir a ser agravada eventualmente por força do disposto no art. 86.°, n° 3 da lei 5/2006: -pelo crime de falsificação de documento (art.º 256°, n° 1, b) do CP) a pena aplicável de prisão é de 6 meses a 5 anos ou pena de multa de 60 a 600 dias, -pelo crime de detenção de arma proibida (art. 86° n° 1 c) da Lei 5/2006) a pena aplicável de prisão é de 1 a 5 anos ou pena de multa até 600 dias. Nas penas a aplicar aos arguidos AA e BB, para além de prevenção geral (atendimento do sentimento comunitário) a prevenção especial também terá de ser atendida como "neutralização - afastamento" do agente no cometimento de outros crimes, para isso intimando-o a proporcionar, a moldar a sua personalidade (v. neste sentido o Ac. do STJ de 27/5/2011, proc. 517/08.9). A reinserção social do agente integrar-se-á na prevenção especial positiva, mas dentro das finalidades da proteção dos bens jurídicos e a integração geral positiva deverá haver um fim essencial da pena na linha doutrinária e jurisprudencial. As penas estabelecidas pela co-autoria dos crimes de roubo, falsificação e arma proibida, pelos julgadores da 1.ª instância foram estabelecidas conjuntamente por terem tido um comportamento idêntico e terem agido com dolo direto intenso e o grau de ilicitude dos factos ser elevado devido a todas as circunstâncias que foram dadas como provadas na preparação e execução do crime, as consequências dos seus comportamentos, também na execução do crime com a utilização de armas e já a confissão e o arrependimento foram aceites restritamente, face o motivo que os determinou ao cometimento do crime - terem sido convencidos pelo co-arguido CC, que não foi aceite, embora seja referido pelas testemunhas que o mesmo não trabalhava e seria amigo do dono da ourivesaria. Igualmente as condutas anteriores e posteriores, as condições pessoais e as suas situações económicas não terão sido avaliadas, relativamente a todos os crimes cometidos, porque poderão revelar terem ambos preparação para virem a manter, no futuro, uma conduta licita. Também não foi tido em conta que as consequências do crime foram relevantes por terem sido recuperadas e entregues todas as peças de que se haviam apoderado os arguidos. Estas circunstâncias e todas as outras anteriores e posteriores e acrescentadas às mais favoráveis relativas ao facto de serem trabalhadores e sem passado criminal, parece-nos que poderiam levar a alterar a medida das penas, especialmente as relativas ao crime de falsificação e arma proibida para o seu limite mínimo e a pena por autoria do crime de roubo mais próximo dos 5 anos de prisão. Parece-nos que as penas parcelares poderão vir a ser alteradas, pois a determinação da medida da pena, segundo o art. 71.° n.° 1 do CP “far-se-á em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes", dentro dos limites definidos na lei. 3.1 Igualmente as penas únicas resultantes do concurso das penas que vierem possivelmente a ser fixadas teriam de ser alteradas. A fixação da pena do concurso depende da consideração dos factos e da personalidade dos arguidos conforme determina o n° 1 do art. 77° do CP pois o critério para a pena unitária dele resultante tem de assumir-se como um critério especial. A sua fixação, tal como resulta da lei, não se determina com a soma das penas/crimes cometidos e das penas respectivas, mas da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso dos arguidos, pois tem de ser considerado e ponderado um conjunto dos factos e a sua personalidade "como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão, e o tipo de conexão, que entre os factos concorrentes se verifique", (Figueiredo Dias, cito pág. 290,292). Todas as circunstâncias, que expressamente foram dadas como provadas relativas ao conjunto dos factos e da sua personalidade terão de ser avaliadas como favoráveis e desfavoráveis. Na alteração de medida das penas únicas aplicadas, tem de se atender às exigências da prevenção geral que são mais elevadas que as da prevenção especial. Resultará uma ligação ou conexão entre os factos em concurso, a sua natureza, e o tipo de relações entre os factos. 3.2 Se vier a ser alterada a medida da pena de prisão aplicada pela co¬autoria especialmente dos crimes de falsificação e de arma proibida e eventualmente de roubo, então necessariamente a pena única deverá/terá de ser fixada mais próxima dos 5 anos e 6 meses e 6 anos de prisão. Assim por tudo isto parece-nos que se previamente o Supremo Tribunal de Justiça não se julgar incompetente para apreciar/decidir o recurso, então os recursos interpostos pelos arguidos AA e BB poderão obter parcial provimento quanto à medida das penas parcelares e consequentemente também a medida da pena única”.
5. Notificados deste parecer, os arguidos vieram sustentar que se deve decidir pela manutenção da competência do STJ para conhecer de todas as penas, e que este Supremo Tribunal deve julgar em conformidade com as conclusões do recurso que em devido tempo interpuseram (vide págs. 1217 a 1219, Vol. V).
6. Colhidos os vistos em simultâneo, e não tendo sido requerida a audiência de discussão e julgamento, o processo foi presente à conferência para decisão.
II Fundamentação A. Matéria de facto provada: 1. Matéria de facto dada como provada pela 1.ª instância: “1. No dia 21 de Dezembro de 2012, ao final da tarde, os arguidos AA e BB, juntamente com o falecido CC, dirigiram-se à "Ourivesaria ...", sita na Rua ..., no veículo ligeiro de passageiros, de cor cinza, marca "Renault", modelo "Clio", no qual e com a finalidade de evitar que fosse descoberta a sua identidade, apuseram a matrícula ...-LO-..., que não lhe pertence, pois este veículo tem o chassis VFICR140H44585279, ao qual corresponde a matrícula ...-LE-.... 2. Aí chegados, por volta das 20:00 horas e na sequência de um plano previamente traçado entre todos, os arguidos e CC estacionaram o supra mencionado veículo, em segunda fila, saíram do mesmo, encapuzados, com gorros de tecido preto e três orifícios, vestidos com roupa escura, luvas pretas e empunhando todos eles armas de fogo. 3. CC Silva empunhava uma espingarda caçadeira, de marca "Maverick", modelo "Mossberg 88", de calibre 12 (12 Gauge), com o n.º de série MV70998E, apresentando o cano e a coronha cortados, municiada com cinco cartuchos de calibre 12 e leva outros dois no bolso; o arguido AA empunhava uma pistola, marca "FN/Brovming", calibre 7,65 mm, com o n.º de série 375716, com respetivo carregador municiado com seis munições do mesmo calibre e o arguido BB empunhava uma pistola, marca "Selbstlade Beholla", calibre 7,65 mm, com o n.º de série 49925, com respetivo carregador municiado com cinco munições do mesmo calibre. 4. Após, os arguidos entraram na "Ourivesaria ..." que, por ser altura de Natal, estava ainda aberta ao público, e no seu interior encontrava-se o proprietário do estabelecimento, ..., a sua esposa, ... e o cliente ..., que se encontrava a ser atendido. 5. Uma vez no seu interior, os arguidos e CC imediatamente mandaram os presentes deitarem-se no chão, sendo que ... se agachou junto ao balcão principal, pelo lado de fora, enquanto o cliente ... se deitou, junto à montra e a um pequeno balcão ali existente. 6. ... encontrava-se pelo lado de dentro do balcão tendo sido empurrado em direção à parede pelo arguido BB. 7. Os arguidos AA e BB exigiam, aos gritos, a ... "O dinheiro e o ouro, onde está o dinheiro e o ouro, o cofre", enquanto o falecido CC Silva, que empunhava a espingarda caçadeira se mantinha na parte exterior do balcão, junto à porta a controlar os movimentos e a verificar se mais alguém se aproximava do estabelecimento. 8. O arguido BB entrou no cofre e dele retirou várias pastas expositoras, que continham no seu interior vários objetos de joalharia, em ouro branco e amarelo. 9. Por sua vez, o arguido AA retirou objetos em ouro e prata que se encontravam nos balcões. 10. Os objetos referidos em 8) e 9), com o valor total aproximado de € 36.570,95, foram colocados pelos arguidos num saco e numa mochila que transportavam consigo, para esse efeito. 11. Quando os arguidos já se encontravam na posse dos objetos de joalharia em ouro e prata, diversos elementos da GNR que se encontravam nas proximidades chegaram ao local após terem sido avisados por um transeunte. 12[[1]]. Após terem ouvido a ordem dada pelo militar da GNR, Sargento..., para saírem e se renderem, o arguido AA saiu com as mãos erguidas e, seguindo as instruções que lhe foram dadas, deitou-se no chão, assim se mantendo até ser detido. 12. O arguido BB, bem como CC, saíram do estabelecimento comercial, tendo este último, no momento da saída, apontado a espingarda que empunhava na direção do referido elemento das forças de segurança. 12. De seguida, o arguido BB e CC dirigiram-se para o interior da galeria comercial, em fuga, sendo que, na sequência desta, este último acabou por ser baleado, vindo a falecer em consequência de disparo efetuado pela GNR. 13. No momento que precedeu a respetiva saída, o arguido AA deixou dentro do estabelecimento comercial, pousada em cima do balcão, a pistola, marca "FN", calibre 7,65 mm, que trazia consigo. 14. A espingarda caçadeira, de marca "Maverick", modelo "Mossberg 88", de calibre 12 (12 Gauge), com o n.º de série MV70998E, que CC empunhava havia sido subtraída, em Amarante, a 20 de Janeiro de 2008, dando origem ao inquérito n.º 91/08.6GBAMT. 15. A espingarda Maverick apresentava as seguintes caraterísticas: um cano de alma lisa com 410 mm de comprimento cortado; coronha cortada; arma de repetição com funcionamento manual da culatra no fuste ("pump action"); sistema de percussão central e direta, alimentada por carregador tubular com capacidade para 4 cartuchos, em boas condições de funcionamento. 16. A pistola FN Browning apresentava as seguintes caraterísticas:: calibre 7,65 mm Browning; funcionamento semiautomático de movimento simples, com sistema de percussão central e direta; cano com 102 mm apresentando 6 estrias de sentido dextrogiro, carregador com capacidade para 7 munições; encontrava-se em boas condições de funcionamento e sem deficiência suscetível de afetar a realização de disparos ou condicionar a obtenção de sequência de automatismo. 17. A pistola Selbstlade Beholla apresentava as seguintes caraterísticas: calibre 7,65 mm Browning; funcionamento semiautomático de movimento simples; sistema de percussão central e direta, cano com 73 mm apresentando estriado irregular e indefinido no interior de sentido levogiro; carregador com capacidade para 7 munições; encontrava-se em boas condições de funcionamento e sem deficiência susceptível de afetar a realização de disparos ou condicionar a obtenção de sequência de automatismo. 18. Ao atuarem da forma descrita, os arguidos AA e BB, acompanhados pelo falecido CC, agiram de forma livre, voluntária e consciente, de comum acordo e em comunhão de esforços, com o intuito de se apoderarem, como efetivamente se apoderaram, em proveito próprio, dos objetos de joalharia, em ouro branco e amarelo e prata, que encontrassem na Ourivesaria "...", bem sabendo que tais bens não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade do respetivo dono. 19. Os arguidos e CC, para alcançarem os fins a que se propuseram, em data não concretamente apurada, mas anterior ao final da tarde de 21 de Dezembro de 2012, retiraram do veículo ligeiro de passageiros, de marca "Renault", modelo "Clio", a matrícula ...-LE-... e colocaram-lhe a matrícula ...-LO-..., que não lhe pertence e que obtiveram de forma também não concretamente apurada. 20. Os arguidos e CC alteraram os caracteres numéricos da matrícula do veículo em que se deslocavam à ourivesaria, agindo também de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito de impossibilitar, ou pelo menos dificultar, a sua identificação e assim se furtarem à atuação da justiça e desse modo, obterem benefício ilegítimo, bem sabendo que a matrícula que colocaram no veículo automóvel que em que se faziam transportar não era verdadeira, pois não correspondia àquele veículo. 21. De igual modo sabiam os arguidos que, após a alteração da referida matrícula, a mesma não permitiria a identificação do veículo e que, desse modo, era afetada a credibilidade que as matrículas dos veículos gozam junto dos cidadãos e das autoridades. 22. Também para assegurar o êxito dos seus intentos e na sequência do plano que previamente haviam traçado, os arguidos e CC Silva usaram armas de fogo, em boas condições de funcionamento, que empunharam de modo a intimidar os ofendidos ... e ..., bem como ..., objetos que sabiam aptos a serem considerados meio letal de agressão, cientes que estes eram suscetíveis de causar aos ofendidos sério receio pela sua integridade física e pela própria vida, de modo impossibilitar qualquer capacidade de reação, com o propósito de, pelo modo referido, se apossarem dos objetos de joalharia, bem sabendo que atuavam contra a vontade dos ofendidos. 23. Não obstante estarem na posse das supra referidas armas de fogo e munições, os arguidos e CC não tinham os documentos que lhes correspondiam, não estando as armas manifestadas, nem registadas em seu nome, bem corno não eram os arguidos titulares de licença de uso e porte de arma. 24. Os arguidos sabiam que não podiam possuir as supra referidas armas de fogo e munições, sem que fossem titulares de licença de uso e porte de arma válida, bem corno dos documentos identificativos das mesmas e, não obstante, agiram da forma supra descrita. 25. Os arguidos agiram sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que todas as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei. 26. O arguido AA: a) não tem antecedentes criminais; b) é oriundo de um agregado familiar composto por três descendentes, de condição económico-social humilde, com dinâmica familiar marcada pela falta de hábitos de trabalho do progenitor, com consequências negativas na situação económica da família, igualmente derivada do dispêndio do rendimento do trabalho no jogo; c) à semelhança dos irmãos, estabeleceu relação privilegiada com a progenitora baseada na afetividade, veiculação de normas, valores e apoio, beneficiando da sua gestão do quotidiano familiar e da assunção do processo educativo; d) iniciou o sistema de ensino em idade normal, com abandono aquando da conclusão do 7.° ano de escolaridade, depois da separação dos pais que ocorreu quando tinha 14 anos de idade; e) revelou-se um aluno rebelde, desmotivado e desinteressado; f) depois da expulsão da escola, por excesso de faltas, frequentou um curso profissional de mesa e bar, ministrado pela Câmara Municipal de ...; g) aos 18 anos de idade iniciou experiência de trabalho na empresa ... Indústria de Metalomecânica, S.A., onde já trabalhava o irmão, exercendo funções da categoria profissional de montador de estruturas metálicas ligeiras 2; h) trabalhou regularmente durante um ano e seis meses, após o que não viu ser renovado o contrato; i) na data da detenção, após novo período de trabalho regular e competente na empresa ..., não exercia atividade profissional em virtude de se ter despedido em Setembro ou Outubro anterior, aguardando a atribuição de subsídio; j) enquanto trabalhava auferia um salário base de cerca de € 455 acrescido de horas extraordinárias e ajudas de custo, contribuindo com € 150 para as despesas do agregado, composto apenas por si pela progenitora. k) era encarado como um trabalhador competente; l) mantinha uma relação de namoro séria e duradoura com ..., com quem passava grande parte do seu tempo; m) tem uma filha nascida em Janeiro de 2013; n) à data da detenção residia com a mãe, em casa arrendada dotada de infraestruturas básicas, pela qual pagavam a contrapartida mensal de € 250; o) devido à situação de desemprego beneficiava do rendimento auferido pela mãe como empregada de limpeza, no montante de € 300, bem como do auxílio pontual da avó materna e da entidade patronal da progenitora; p) após o nascimento da filha, perspectivava deslocar-se para França com esta e a namorada a fim de trabalhar com o sogro no setor da construção civil; q) relacionava-se cordialmente com os pais da namorada; r) mantém a relação com a namorada que o visita regularmente no estabelecimento prisional, levando ocasionalmente a filha de ambos; s) conta com o apoio da namorada, da progenitora e de amigos; t) na hipótese de restituição à liberdade, pretende reintegrar o agregado de origem; u) tem perspectivas de reintegração na empresa ... manifestadas pelo respetivo Presidente do Conselho de Administração, embora condicionadas ao resultado do programa de restruturação derivado da atual crise económica; v) é caraterizado socialmente como um individuo educado e com relações adequadas junto da comunidade onde esteve sempre inserido; w) apresenta perspectivas de reintegração comunitária na área de residência da progenitora por inexistência de indicadores de resistência à mesma; x) detém competências sociais e profissionais que não foram postas em causa com a reclusão; y) aparenta consciencialização e sentido crítico relativamente aos comportamentos assumidos, manifestando vergonha e constrangimento perante a angústia que provocou nos seus familiares; z) assume comportamentos adequados e conformes às normas do Estabelecimento Prisional, tendo frequentado e concluído curso de operador de manutenção hoteleira com 200 horas; aa) não apresenta qualquer tipo de registo disciplinar; ab) atualmente encontra-se a estudar com vista à obtenção de equivalência ao 9° ano de escolaridade; ac) verbalizou arrependimento e pedido de desculpas às pessoas que desiludiu e aos presentes na noite do assalto. 27. O arguido BB: a) não tem antecedentes criminais; b) é oriundo de um agregado familiar composto por três descendentes, de condição económico-social humilde, com dinâmica familiar marcada pela falta de hábitos de trabalho do progenitor, com consequências negativas na situação económica da família, igualmente derivada do dispêndio do rendimento do trabalho no jogo; c) à semelhança dos irmãos, estabeleceu relação privilegiada com a progenitora baseada na afetividade, veiculação de normas, valores e apoio, beneficiando da sua gestão do quotidiano familiar e da assunção do processo educativo; d) iniciou o sistema de ensino em idade normal, com abandono aquando da frequência do 11.º ano de escolaridade, depois da separação dos pais, ocorrida quando tinha 16 anos de idade; e) revelou-se um aluno motivado e interessado; f) desistiu definitivamente do percurso escolar devido à debilidade da situação económica do agregado e a necessidade de contribuir economicamente no quotidiano da família; g) iniciou atividade profissional na construção civil, a que se seguiu um período numa fundição perto da área de residência; h) em busca de melhor salário trabalhou em Lisboa, durante seis meses, na embalagem de produtos aviários na empresa Kilon; i) optou, de seguida, por regressar a Amarante para trabalhar na empresa ... Indústria de Metalomecânica, S.A. com a categoria profissional de montador de estruturas metálicas ligeiras 2, cujas funções desempenhava principalmente no exterior; j) desenvolveu a atividade profissional de forma regular, responsável e competente; k) contribuía com parte do seu salário para as despesas do agregado; l) há sete anos iniciou relação afetiva com a atual companheira ..., filha do falecido CC; m) cerca de um ano antes dos factos em apreciação passou a viver em união de facto com a namorada, tendo arrendado um imóvel em Março de 2012, onde residia à data da detenção, pagando a renda de € 230; n) apesar de se ter autonomizado do agregado familiar de origem não deixou de apoiar economicamente a progenitora; o) não tem filhos; p) à data da detenção renovara recentemente o contrato de trabalho com a empresa ... até 15 de Agosto de 2013; q) constituía a única fonte de rendimento do casal, na medida em que a companheira se encontrava desempregada; r) auferia um salário base de € 515, acrescido de horas extraordinárias e ajudas de custo, aquando das suas deslocações para o exterior, o que lhe permitia obter um rendimento de cerca de € 700/800; s) quando colocado em liberdade, perspectiva ingressar no agregado familiar da mãe da companheira, sita na Rua ..., onde esta regressou devido à prisão preventiva e por depender economicamente do rendimento social de inserção no montante mensal de € 200 atribuído à progenitora; t) após a restituição à liberdade pretende recuperar o posto de trabalho na ..., tendo o apoio do Presidente do Conselho de Administração da empresa nesse sentido, embora condicionado ao resultado do programa de restruturação derivado da atual crise económica; u) é caraterizado socialmente como individuo com hábitos de trabalho, educado e com um estilo de vida pró-social; v) apresenta perspectivas de reintegração comunitária na área de residência da mãe e da companheira por inexistência de indicadores de resistência à mesma; w) aparenta consciencialização e sentido crítico relativamente os comportamentos assumidos, manifestando vergonha e constrangimento perante a angústia que provocou nos seus familiares; x) detém competências sociais e profissionais que não foram postas em causa com a reclusão; y) assume comportamentos adequados e conformes às normas do EP, tendo frequentado e concluído curso de operador de manutenção hoteleira com 200 horas; z) não apresenta qualquer tipo de registo disciplinar; aa) verbalizou arrependimento e dirigiu ao Tribunal pedido de desculpas, assim como às vítimas e à família.”
2. Matéria de facto dada como não provada pela 1.ª instância: “a) ... tivesse sido empurrado pelo arguido AA; b) ... tivesse sido empurrado para dentro do cofre; c) CC estivesse pronto a disparar, caso tal fosse necessário; d) o arguido AA tivesse entrado no cofre e retirasse pastas expositoras que continham objetos em ouro; e) o arguido AA se tivesse dirigido para o interior da galeria comercial em fuga; f) a pistola FN tivesse sido deixada no balcão pelo arguido AA no momento da fuga; g) os arguidos e CC fossem proprietários das armas que levavam consigo.”
B. Matéria de direito 1. Da competência para a apreciação do recurso interposto pelos arguidos AA e BB 1.1. A Senhora Procuradora-Geral Adjunta veio suscitar a questão prévia da competência para o julgamento do recurso, que entende dever ser atribuída ao Tribunal da Relação do Porto, na medida em que, segundo o seu entendimento, o Supremo Tribunal de Justiça somente colhe competência para a apreciação dos recursos diretamente interpostos, que visem, em exclusivo, matéria de direito, desde que todas as penas aplicadas sejam superiores a 5 anos de prisão. No douto parecer apresentado, deixa, nesta perspetiva, consignado que o recurso interposto pelos arguidos visa exclusivamente a medida das penas parcelares que são todas inferiores a 5 anos de prisão e que, só com a sua alteração, é que propõem, consequentemente, a aplicação de uma outra pena única. Por seu turno, os arguidos, na sua resposta, persistem na atribuição da competência ao Supremo Tribunal de Justiça para conhecer do recurso, mas, caso assim não venha a ser decidido, defendem que os autos devem ser remetidos ao Tribunal da Relação de Guimarães, o territorialmente competente. A jurisprudência do STJ não tem sido uniforme quanto à atribuição da competência para o conhecimento dos recursos restritos à matéria de direito, interpostos diretamente de decisão do tribunal coletivo ou do tribunal de júri, nos casos em que coexistam, para apreciação, crimes em que tenham sido aplicadas penas ─ penas parcelares ou pena única conjunta ─ superiores e inferiores ou iguais ao limite estabelecido pela al. c) do n.º 1 do art. 432.º do CPP. Uma corrente jurisprudencial tem vindo a entender que, respeitando o recurso exclusivamente ao reexame de matéria de direito, o STJ colhe competência para conhecer de todos os crimes, mesmo que cominados com penas de prisão iguais ou inferiores a 5 anos, desde que a pena aplicada, aquela que o condenado vai ter de cumprir, seja superior a esse limite dos 5 anos de prisão (neste sentido, vide, entre outros, Acs. STJ de14-03-2013, Proc. n.º 149/10.1TAFND.C1.S1, de 20-02-2013, Proc. n.º 29/11.3GALLE.S1, de 06-02-2013, Proc. n.º 94/12.6GAVGS.S1, de 30-06-2010,Proc. n.º 99/09.4GGSNT.S1, de 18-11-2009, Proc. n.º 947/06.0GCALM.L1.S1, e de 21-10-2009, Proc. n.º 33/08.9TAMRA.E1.S1). Uma outra corrente jurisprudencial, ao invés, tem defendido que só são passíveis de recurso direto para o STJ as decisões do tribunal coletivo ou de júri que isoladamente tenham aplicado por um crime pena de prisão superior a 5 anos ou que, num caso de concurso de infrações, tenham aplicado uma pena única superior a esse limite, sendo os restantes casos (crimes em que as penas parcelares impostas sejam iguais ou inferiores a 5 anos de prisão) integrantes da competência dos Tribunais das Relações (neste sentido, vide, entre outros, Acs. STJ de 05-07-2012, Proc. n.º 61/11.7JAPRT.S1, de 05-06-2012, Proc. n.º 8/11.0GCODM.S1, de 15-03-2012, Proc. n.º 97/10.5GCVCT. S1, de 05-01-2012, Processo: 62/11.5JACBR. S1, e de 03-11-2011, Proc. n.º 69/09.2PAGDM.P1.SD1). 1.2. O problema coloca-se em sede deste recurso, pois ambos os arguidos foram condenados, em tribunal coletivo, cada um deles, numa pena única superior a 5 anos de prisão, porém as penas parcelares dos crimes que integram o concurso de crimes são inferiores a 5 anos de prisão. Será admissível o recurso direto para o STJ, ainda que as penas parcelares sejam inferiores a 5 anos? Quais as consequências da não admissibilidade do recurso, ainda que a pena única seja superior a 5 anos, por as penas parcelares serem inferiores a 5 anos? Quais as regras quando se trata de um recurso de um crime em que foi aplicada pena de prisão superior a 5 anos? Segundo o CPP é admissível recurso direto para o STJ no casos em que a pena aplicada seja superior a 5 anos, e o recurso vise exclusivamente matéria de direito (art. 432.º, n.º 1, al. c)) — o que constitui uma exceção à regra geral de recorribilidade das decisões para a Relação, nos termos do art. 427.º do CPP. Além disto, se o recurso é direto para o STJ e exclusivamente sobre matéria de direito não pode haver recurso prévio, em matéria de direito, para a Relação — art. 432.º, n.º 2, do CPP. Perante isto, a pergunta que se pode colocar é a seguinte: pode o arguido, ou o MP, em caso de recurso que verse exclusivamente matéria de direito, escolher entre interpor o recurso para a Relação ou para o STJ? Isto é, pode haver recurso exclusivamente de direito, num caso de pena superior a 5 anos, para a Relação e não para o STJ? Segundo o art. 427.º, a regra é a de que o recurso da decisão do tribunal de 1.ª instância é para a Relação; mas, com a exceção prevista na 1.ª parte deste art. 427.º, em que se admite que da 1.ª instância não se recorra para a Relação, mas para o STJ quando se trate exclusivamente de matéria de direito — art. 432/1-c). Mas, poderia ter ido antes para a Relação? Não, por força do art. 432.º, n.º 2, segundo o qual não é admissível recurso prévio para a Relação[2]. Ou seja, da 1.ª instância recorre-se para a Relação se o objeto de recurso for matéria de facto e de direito; se apenas for matéria de direito, o recurso é um recurso direto para o STJ. Até porque é o próprio CPP que nos diz que em caso de recurso exclusivamente sobre matéria de direito, e relativamente a crime em que tenha sido aplicada pena de prisão superior a 5 anos, “recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça” (art. 432.º, n.º 1), e “não é admissível recurso prévio para a Relação” (art. 432.º, n.º 2). Assim sendo, há recurso exclusivamente sobre matéria de direito da 1.ª instância para a Relação nos casos em que a pena aplicada é igual ou inferior a 5 anos, e há recurso direto para o STJ nos caso em que a pena aplicada seja superior a 5 anos de prisão. Haverá algum caso em que haja possibilidade de duplo grau de recurso em matéria de direito? Apenas há possibilidade de duplo grau de recurso em matéria de direito quando se trate de crimes punidos com pena de prisão superior a 8 anos, ou superior a 5 anos se a Relação não tiver confirmado a condenação da 1ª instância.. Na verdade, se se quiser interpor recurso também da matéria de facto, seja qual for a pena aplicada, terá que se recorrer (primeiro) para a Relação (segundo a regra geral do art. 427.º), e desta apenas haverá recurso de direito para o STJ. E isto é assim, pois só é admissível recurso prévio para a relação, ainda que posteriormente ocorra um recurso exclusivo em matéria de direito, quando se pretenda também um recurso da matéria de facto (cf. art. 432.º, n.º 2, que remete expressamente para o art. 414.º, n.º 8). Porém, se a pena aplicada for inferior a 8 anos (ainda que superior a 5 anos), havendo recurso da matéria de facto e indo antes para a Relação, já não poderá haver recurso da matéria de direito para o STJ, por força do art. 400.º, n.º 1, al. f) (pressupondo que houve “dupla conforme”). O que faz com que, nestes casos, apenas haja um grau de recurso, em matéria de direito, para a Relação. A estrutura do recursos, tal como está no CPP, apenas admite um duplo grau de recurso em matéria de direito nos casos em que a pena aplicada (pela Relação) seja superior a 8 anos (em caso de confirmação da condenação de 1.ª instância)[3]. Em todos os outros casos apenas há um grau de recurso — nos casos de pena aplicada até aos 5 anos apenas para a Relação; em casos em pena aplicada superior a 5 anos, ou se trata de um recurso de matéria de facto e de direito, e a regra geral impõe que o recurso seja para a Relação, ou é um recurso exclusivamente de direito e o recurso é para o STJ, com impossibilidade de recurso prévio para a Relação. Havendo recurso sobre a matéria de facto e de direito para a Relação, em princípio (e havendo dupla conforme) não haverá outro recurso, a não ser nos casos excecionais em que ainda se admite um recurso para o STJ quando a pena aplicada (pela Relação) seja superior a 8 anos (por força do art. 400.º, n.º 1, al. f)). E como resolver nos casos de concursos de crimes, em que a pena única é superior a 5 anos e, todavia, as penas parcelares inferiores a 5 anos? Em primeiro lugar, este problema só se põe porque nestes casos, ainda que as penas dos crimes “parcelares” sejam inferiores a 5 (e que se analisados “isoladamente” teriam sido julgados em sede de tribunal singular, nunca sendo possível o recurso direto para o STJ), a pena única poderá ser superior a 5 tendo o legislador entendido que deviam ser julgados em tribunal coletivo (art. 14.º, n.º 3, do CPP). Isto é, temos aqui já um entendimento de que ainda que os crimes que integram um concurso sejam crimes de pequena gravidade, ainda assim são tratados como os de criminalidade média, e julgados pelo tribunal competente para esta média criminalidade (pena de prisão aplicável superior a 5 anos; dado que os crimes puníveis com pena de prisão igual ou inferior a 5 anos são julgados em tribunal singular — cf. art. 16.º, n.º 2, al. b)). Assim sendo, desde cedo o CPP entende que crimes de pequena gravidade agrupados em regime de concurso, com pena abstratamente aplicável superior a 5 anos de prisão, terão o mesmo regime que os crimes de média gravidade. No que respeita ao regime do recurso, poderá haver, como vimos, recurso direto para o STJ, exclusivamente em matéria de direito, nos termos do art. 432.º, n.º 1, al. c), quando se trate de crime punido com pena de prisão superior a 5 anos, devendo bastar que a pena única seja superior a 5 anos, ainda que as penas parcelares sejam inferiores a 5 anos. Não só porque o CPP desde o início concedeu a estes crimes um regime distinto do que aquele que teriam se tivessem sido julgados em separado; como ainda porque se não admitirmos o recurso direto para o STJ, exclusivamente em matéria de direito, e impusermos que o recurso, exclusivamente de direito, seja interposto para a Relação (por as penas parcelares serem inferiores a 5 anos), numa rigorosa interpretação sistemática da lei, não mais poderia haver recurso para o STJ da pena única superior a 5 anos, no caso de dupla conforme, pois não há possibilidade de recurso prévio para a Relação, por força do art. 432.º, n.º 2. E assim, de uma só vez, retira-se qualquer utilidade ao art. 432.º, n.º 1, al. c), nos casos em que a pena única seja superior a 5 anos e as penas parcelares inferiores a 5 anos, pois nestes casos, havendo dupla conforme, deixaria de haver possibilidade de recurso, exclusivamente em matéria de direito, para o STJ. E esta restrição o CPP não a fez. Além disto, quando o CPP estabeleceu que estes casos seriam julgados pelo tribunal coletivo, em vez de serem julgados pelo tribunal singular, mostrou que queria para estes casos um tratamento diferente daquele que teriam se isoladamente analisados. Poder-se-á sempre dizer que o CPP em sede de recurso quis que apesar de terem sido julgados em tribunal coletivo, ainda assim o recurso, mesmo que exclusivamente em matéria de direito, ficaria limitado à Relação. Porém, como vimos, a regra, nos casos de recurso exclusivamente em matéria de direito, é a de serem para a Relação — nos casos de penas inferiores a 5 anos —, e para o STJ — nos casos de penas superiores. Ao impedir o recurso direto para o STJ nos casos de pena única superior a 5 anos e das penas parcelares inferiores a 5 anos, está a cumprir-se a regra quanto às penas parcelares – isto é, penas inferiores a 5 anos ainda que o recurso seja apenas de direito apenas são conhecidas na Relação —, mas também a limitar a regra em sede de direito ao recurso que estabelece que o recurso exclusivamente de direito em pena superior a 5 anos é conhecido pelo STJ; e uma vez “enviado” o caso para a Relação, apenas com conhecimento da matéria de direito, já não poderá haver recurso, posterior, sobre a matéria de direito relativa à pena única superior a 5 anos, por força do art. 432.º, nº 2, do CPP, e em contradição clara com o disposto no art. 432.º, n.º 1, al. c), se houver dupla conforme.. Isto é, por interpretação restritiva do ar. 432.º, n.º 1, al. c) está a limitar-se o direito ao recurso em matéria de direito para o STJ em penas únicas superiores a 5 anos (mas inferiores a 8 – pois nestes casos já é admissível o duplo grau de recurso). É certo que se tivermos um caso em que a pena única seja superior a 5 anos (mas inferior a 8 anos), e as penas parcelares inferiores, e houver recurso em matéria de facto e de direito, segundo a regra geral, o recurso terá que ser interposto na Relação, e não haverá possibilidade de recurso para o STJ (por força do art. 400.º, n.º 1, al. f). Mas, isto é assim cumprindo a ideia básica que preside ao regime de recurso em matéria de direito — regra geral, apenas há duplo grau de recurso em matéria de direito em casos de penas superiores a 8 anos, e nesta situação já houve um grau de recurso em matéria de direito: quando recorreu de facto e de direito para a Relação. E também assim no caso de a pena única ser superior a 8 anos e todavia as parcelares inferiores. Havendo recurso da matéria de facto e de direito para a Relação, apenas poderá haver recurso para o STJ da matéria de direito relativa à pena única, pois relativamente às parcelares inferiores a 8 anos já houve o único grau de recurso em matéria de direito admissível (dado que não se admite duplo grau de recurso em matéria de direito em penas aplicadas inferiores a 8 anos). E no caso de a pena única ser superior a 8 anos e as parcelares superiores a 8 anos, poderá haver apenas recurso de direito para a Relação e depois para o STJ? Não, pois o recurso exclusivamente de direito terá que ser diretamente para o Supremo, por força do art. 432.º, n.º 1, al. c), sem prévio recurso para a Relação, por força do art. 432.º, n.º 2 (sendo apenas admissível recurso prévio para a Relação quando tiver havido recurso da matéria de facto e da matéria de direito, por força do art. 432.º, n.º 2 e 414.º, n.º 8). Assim sendo, - só há uma via de recurso restrito à matéria de direito – ou para a Relação, quando a pena é inferior a 5 anos, ou para o STJ, quando a pena é superior a 5 anos; - só há uma via de recurso restrito à matéria de direito, ainda que a pena seja superior a 8 anos, para o STJ; - ou seja, se o recurso é restrito à matéria de direito não pode haver recurso prévio para a Relação, quando a pena é superior a 5 (o que inclui a pena superior a 8); - apenas poderá haver dupla via de recurso em matéria de direito, se houver um recurso (prévio) sobre matéria de facto e de direito para a Relação, e a pena aplicada e confirmada (pela Relação) seja superior a 8 anos, podendo então haver novo recurso para o STJ[4]; - todavia se se tratar de um caso de concurso, e a pena única for superior a 8 anos e as parcelares inferiores a 8 anos, tendo havido recurso prévio para a Relação em matéria de facto e de direito, apenas se pode conhecer novamente em matéria de direito das penas superiores a 8 anos (não se devendo conhecer das parcelares inferiores a 8 anos e confirmadas pela Relação, pois já tiveram um grau de recurso); - assim também nos casos em que a pena única é superior a 5 anos (mas inferior a 8 anos) em que havendo recurso da matéria de facto e de direito para a Relação (e esta tenha confirmado a decisão da 1.ª instância), não pode haver depois recurso para o STJ; - e se a pena única é superior a 5 anos, mas as parcelares inferiores a 5 anos, o recurso restrito à matéria de direito é direto para o STJ, pois a imposição de recurso prévio para a Relação (por causa das parcelares inferiores a 5) inviabiliza um conhecimento da pena única superior a 5 pelo STJ, se confirmada, dado que não é possível recurso prévio para a Relação exclusivamente com base na matéria de direito — ora, o art. 432.º, n.º 1, al. c) não limita o recurso direto para o STJ apenas aos casos em que a pena única e as parcelares são todas superiores a 5 anos, nem o CPP quis estabelecer esta distinção dado que estes casos podem ser integrados na possibilidade de recurso direto para o STJ por terem sido julgados em tribunal coletivo (o legislador se queria limitar esta possibilidade teria que o fazer expressamente, dado que a partir do momento em que os considerou no âmbito de competência do tribunal coletivo todas as regras subsequentes ligadas às regras de delimitação da competência ficaram afetadas por aquela tomada de posição); - assim, quando a pena é superior a 5 anos (pena de um só crime ou pena única de um concurso de crimes, independentemente das penas parcelares) e o recurso é só de direito, este necessariamente tem que ir para o STJ, pois não pode haver recurso prévio exclusivamente de direito para a Relação.
1.3. Pelo exposto, entendemos ser de admitir o recurso interposto pelos arguidos AA e BB.
2. Da qualificação jurídica dos factos 2.1. No douto parecer de fls. 1203 a 1210, o Ministério Público veio sustentar que os factos provados integram a prática de um crime de roubo qualificado e agravado pelo uso de arma proibida, nos termos do disposto no n.º 3, do art. 86.º, da Lei n.º 5/2006, ainda que não lhes possa ser imposta pena mais gravosa, atendendo ao princípio de proibição da reformatio in pejus (art. 409.º, n.º 1, do CPP). A este propósito importa recordar que os arguidos BB e AA foram condenados pela prática, em co-autoria material, de um crime de roubo, previsto e punido pelos arts. 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), e 204.º, n.º 2, als. a) e f), do CP, na medida em que o tribunal recorrido considerou, enquanto circunstâncias qualificativas, que tinham sido subtraídas coisas móveis alheias de “valor consideravelmente elevado”, e que os agentes do crime traziam ”no momento do crime, arma aparente ou oculta”. O acórdão recorrido, para afastar a agravação prevista pelo n.º 3, do art. 86.º da Lei n.º 5/2006, de 23.02, na redação introduzida pela Lei n.º 17/2009, de 06.05, deixou expresso o seguinte: “Tendo as agravantes das alíneas a) e f) do n° 2 do artigo 204.º efeito idêntico não só porque correspondem à mesma moldura penal abstrata no crime de furto mas também na medida em que a alínea b) do n.º 2 do artigo 210° não faz qualquer distinção quanto à sua suscetibilidade de conduzir à aplicação de pena de prisão entre três e quinze anos, qualquer das duas se encontra em condições para determinar a punição dos arguidos. Assim, a aplicação simultânea da alínea f) do n.º 2 do artigo 204.º e dos n.ºs 3 e 4 do artigo 86.° redundaria numa dupla valoração do mesmo facto, que não é admissível, o que afasta a aplicação destas duas últimas normas (…)” ─ vide pág. 1092 dos autos. 2.2. Importa assim saber se o Supremo Tribunal de Justiça pode conhecer da questão suscitada — alteração da qualificação jurídica dada aos factos provados — pelo MP, ainda que não tenha sido objeto da interposição do recurso. Neste ponto assume particular importância o acórdão de fixação de jurisprudência n.º 4/95, de 7 de junho (DR, I série-A, de 06.07.1995, p. 4298). Pronunciando-se sobre se “o Supremo Tribunal de Justiça poderá ou não alterar oficiosamente a qualificação jurídico-penal dos factos recolhidos na instância recorrida e sobre os quais esta erigiu a decisão que, uma vez proferida, subiu em recurso à instância superior” (acórdão cit., p. 4298-9), entendendo que o que “está em debate é a admissibilidade ou não da qualificação jurídica dos factos feita na instância em caso de recurso, quando a mesma qualificação não esteja em debate, ou seja, não constitua objecto de impugnação” (acórdão cit., p. 4299), concluiu, e fixou jurisprudência, este Supremo Tribunal que “O tribunal superior pode, em recurso, alterar oficiosamente a qualificação jurídico-penal efetuada pelo tribunal recorrido, mesmo que para crime mais grave, sem prejuízo, porém, da proibição da reformatio in pejus”. Por isto, entendemos que este Supremo Tribunal pode analisar, e eventualmente alterar, a qualificação jurídica dada aos factos provados, ainda que sempre com respeito pelo princípio da reformatio in pejus. Vejamos. 2.3.1. Entende o MP que “os factos provados integram um crime de roubo qualificado e agravado pelo uso de arma proibida (art. 86.º, n.º 3 da lei 52/2006)” (fls. 1205). Porém, os arguidos foram condenados num crime de roubo qualificado de acordo com o disposto no art. 210.º, n.º 2 , al. b) e art. 204.º, n.º 2, al. a) e f) (“trazendo, no momento do crime, arma aparente ou oculta”. A Lei n.º 5/2006, de 23.02 (com as alterações entretanto introduzidas — Lei n.º 59/2007, de 04.09, Lei n.º 17/2009, de 06.05, Lei n.º 26/2010, de 30.08, Lei n.º 12/2011, de 27.04 e Lei n.º 50/2013, de 24.07) pune no art. 86.º a detenção de arma proibida, assim como a prática de crime com utilização de arma. Neste último caso, nos termos do n.º 3[5], as penas dos crimes praticados são agravadas de um terço nos seus limites mínimos e máximos das respetivas molduras penais, “excepto se o porte ou uso de arma for elemento do respectivo tipo de crime ou a lei já previr agravação mais elevada para o crime, em função do uso ou porte de arma”. Ora, no caso dos autos os recorrentes foram condenados por crime de roubo qualificado nos termos do art. 210.º, n.º 2 do CP, por referência à qualificativa prevista no art. 204.º, n.º 2, al. f), do CP [“f) trazendo no momento do crime, arma aparente ou oculta”] — isto é, a pena do crime de roubo qualificado é uma pena agravada em função do facto de o agente trazer arma aparente ou oculta. E, nos termos no art. 86.º, n.º 4, da Lei n.º 5/2006, entende-se que “Para os efeitos previstos no número anterior, considera-se que o crime é cometido com arma quando qualquer comparticipante traga, no momento do crime, arma aparente ou oculta prevista nas alíneas a) a d) do n.º 1, mesmo que se encontre autorizado ou dentro das condições legais ou prescrições da autoridade competente.” Ou seja, a partir do n.º 4 do art. 86.º verificamos que a agravação prevista no número anterior (n.º 3) ocorrerá sempre que não haja agravação para o crime em função do uso e porte de arma, e a agravação aqui prevista (na Lei n.º 5/2006) ocorrerá quer se trate de uso e porte de arma proibida ou não. Assim sendo, considera-se que nos termos do art. 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, a agravação nele prevista não é aplicável ao presente caso, dado que a detenção de arma aparente ou oculta constitui um elemento do tipo qualificado de roubo, previsto no art. 210.º, n.º 2, al. b) articulado com o art. 204.º, n.º 2, al. f), todos do CP. Coisa diferente é a de, saber se tendo os recorrentes sido condenados pelo crime de roubo qualificado por trazerem “arma aparente ou oculta”, ainda assim deveriam autonomamente ser punidos pelos crime de detenção de arma proibida, de harmonia com o disposto nos art. 2.º, n.º 1, als. p) e q), art. 3.º, n.ºs 1 e 4, e art. 86.º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 5/2006. Na base da incriminação qualificada do furto e do roubo em função de o agente trazer arma está a ideia de que “o potencial de superioridade de ataque que uma arma traz ao delinquente é, ninguém o desconhece, uma realidade indesmentível e indiscutível, o que tem como contrapartida uma clara diminuição da defesa que a vítima pode encetar”[6]. Trata-se, pois, de um meio agravado de constrangimento da vítima para que proceda à entrega da coisa móvel. Mas, diferente é a incriminação subjacente ao disposto no art. 86.º, n.º 1, da Lei n.º 5/2006, dado que aqui se pune a detenção de arma proibida, isto é, pune-se “Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, transferir, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação, transferência ou exportação, usar ou trouxer consigo”, independentemente de a usar ou a deter aquando da prática de um crime. Tudo isto a justificar a punição em concurso efetivo do crime de roubo qualificado por uso de arma e do crime de detenção de arma proibida. Mas, ainda assim uma pergunta não pode deixar de ser feita: se entendermos que a detenção de arma proibida constitui apenas um meio para a prática de um outro crime, ainda assim o agente deverá ser punido em concurso efetivo por ambos os crimes? Na verdade, verifica-se que, de acordo com os factos provados, os recorrentes utilizaram as armas para praticar o crime de roubo, nomeadamente para ameaçar e constranger as vítimas a entregarem os objetos que pretendiam. Analisando globalmente os acontecimentos temos a prática de um crime de roubo, sendo este o ilícito dominante. Porém, o ilícito singular subjacente à detenção de arma proibida não é coberto, integralmente, pelo ilícito principal subjacente ao crime de roubo. Na verdade, tanto integra o crime de roubo a conduta de ameaças com detenção de arma proibida, como integra o crime de roubo a conduta de ameaças com detenção “legal” de arma. E o ilícito subjacente ao crime de detenção ilegal de arma é, em parte, independente daquele ilícito dominante subjacente ao crime de roubo. Porém, não podemos deixar de assinalar que constituiu o meio para a prática do ilícito principal, sendo certo que a punição qualificada do roubo depende apenas da detenção da arma[7], sem que caracterize a detenção como legal ou ilegal, parecendo abranger ambos os casos. Assim sendo, o ilícito globalmente analisado subjacente ao crime de roubo cobre apenas parcialmente o ilícito de detenção de arma ilegal.
2.3.2. a) Um outro ponto objeto de análise será o resultante da qualificação jurídica dos seguintes factos dados como provados: «10. Os objetos referidos em 8) e 9), com o valor total aproximado de € 36.570,95, foram colocados pelos arguidos num saco e numa mochila que transportavam consigo, para esse efeito. 11. Quando os arguidos já se encontravam na posse dos objetos de joalharia em ouro e prata, diversos elementos da GNR que se encontravam nas proximidades chegaram ao local após terem sido avisados por um transeunte. 12[[8]]. Após terem ouvido a ordem dada pelo militar da GNR, Sargento ..., para saírem e se renderem, o arguido AA saiu com as mãos erguidas e, seguindo as instruções que lhe foram dadas, deitou-se no chão, assim se mantendo até ser detido. 12. O arguido BB, bem como CC, saíram do estabelecimento comercial, tendo este último, no momento da saída, apontado a espingarda que empunhava na direção do referido elemento das forças de segurança. 12. De seguida, o arguido BB e CC dirigiram-se para o interior da galeria comercial, em fuga, sendo que, na sequência desta, este último acabou por ser baleado, vindo a falecer em consequência de disparo efetuado pela GNR. » Além disto, no acórdão de 1.ª instância afirma-se que: «Os arguidos colocaram os objectos em causa, cujo valor ascendia aproximadamente a € 36.570,95, num saco e numa mochila que transportavam consigo para esse efeito. Entretanto, chegando ao local após ter sido avisada por um transeunte, a GNR ordenou a saída e rendição dos três intervenientes do assalto» (fls. 1091). E ainda: «De resto, mesmo a surpresa da intervenção policial em pleno assalto (...)” (fls. 1050). E por fim: «No que diz respeito à saída, não temos dúvidas que o assalto foi interrompido pela chegada da GNR (...)” (fls. 1068). Estaremos perante um crime roubo consumado, tal como foi entendido pela 1.ª instância, ou perante uma tentativa de um crime de roubo? Poderemos considerar que com o simples facto de terem colocado os objetos dentro dos sacos, quando ainda se encontravam dentro do estabelecimento comercial, e apesar de terem sido logo confrontados com as autoridades policiais dentro do estabelecimento e dentro da galeria comercial onde se encontra o estabelecimento, já está consumado o crime de roubo? Haverá tentativa do crime de roubo sempre que, nomeadamente, “não se consumou a subtracção"[9]. E a subtração ocorrerá sempre que que se tenha verificado a apropriação da coisa, isto é, sempre que se possa dizer que “a coisa entra, de uma maneira minimamente estável, no domínio de fato do agente da infracção"[10]. Mas, ainda assim existem dois momentos importantes, como nos adverte Faria Costa: “O primeiro: a) é a entrada da coisa alheia na esfera de domínio de facto do agente da infracção que, obviamente, pressupõe como prioridade lógica a saída da coisa da esfera de domínio do sujeito passivo; e o segundo: b) liga-se, indissoluvelmente, ao decurso do tempo considerado necessário para que se julgue consumada a infracção"[11]. E por isso “não basta que o sujeito passivo se veja privado do domínio de facto sobre a coisa, é ainda imprescindível que o agente da infracção tenha adquirido um pleno e autónomo domínio sobre a coisa”[12]. E assim não basta “o instantâneo domínio de facto sobre a coisa, porquanto é isso um critério que faria, incorretamente coincidir ou fazer sobrepor subtracção com domínio de facto (...). Na verdade, ninguém compreenderia que ao entrar em sua casa e ao ver um ladrão que tentava escapar pela porta traseira com um saco cheio de coisas furtadas não pudesse exercer o direito de legítima defesa na medida em que o furto já estaria consumado, isto é, o ladrão já teria o instantâneo domínio de facto sobre a coisa”[13]. Ora, no caso dos autos nenhum dos arguidos, apesar de já ter subtraído as coisas, tinha já adquirido um domínio de facto sobre os objetos apropriados, ou dito de outro modo, a posse consolidada das coisas[14]. Foi em “pleno assalto” para utilizar as palavras do acórdão de 1.ª instância que a autoridade apareceu e iniciou as manobras de necessárias para impedir que ocorresse um domínio de fato sobre os objetos subtraídos. Estamos perante um caso de tentativa de roubo, devendo a qualificação jurídica dos factos provadas ser alterada, considerando-se que praticaram uma tentativa de um crime de roubo qualificado, previsto e punido nos arts. 210, n.º 2, al. a) articulado com o art. 204.º, n.º 2, als. a) e f) e ainda o arts. 22.º e 23.º, todos do CP. b) Atendendo a que não foi dado conhecimento prévio desta qualificação jurídica dos factos aos recorrentes, poderá questionar-se da necessidade (ou não) de cumprimento do disposto no art. 424.º, n.º 3, do CPP. Tem entendido este Supremo Tribunal que: «III - Dispõe o n.º 3 do art. 424.º do CPP, introduzido pela Lei 49/07, de 29-08, que «sempre que se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na decisão recorrida ou da respectiva qualificação jurídica não conhecida do arguido, este é notificado para, querendo, se pronunciar no prazo de 10 dias. IV - O sentido da notificação dos interessados quando se vislumbra a possibilidade de serem alterados não substancialmente os factos ou a qualificação jurídica efectuada, decorre da necessidade de não pôr em causa o seu direito de defesa, o direito de se pronunciarem quanto a elementos surpresa de que não puderam oportunamente defender-se. E isso resulta claramente do preceito transcrito, quando se refere à alteração «não conhecida do arguido». V - Ora, tal não sucede quando o Tribunal se limita a alterar a qualificação jurídica, “desagravando” um crime de qualificado para simples, por entender que determinada circunstância qualificativa acaba por não ter no caso em apreciação o valor agravativo suposto pela norma; então, não só não se verifica surpresa, pois o interessado já fora chamado a pronunciar-se sobre a circunstância qualificativa que agora se tem por não verificada, como o bem jurídico protegido é o mesmo e se trata de uma reforma para melhoria da qualificação e consequente condenação – cf. Simas Santos e Leal-Henriques, Código de Processo Penal Anotado, II, anotação ao art. 358.º.» (acórdão de 31.10.2007, processo n.º 07P3271, relator Cons. Costa Mortágua, sumário em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/9c6fd4d2d3809b25802573da0055c3c8?OpenDocument ). Também aqui ocorre um “desagravamento” dado que se altera a qualificação jurídica de crime consumado para crime tentado, pelo que entendemos não ser necessário proceder àquela notificação. c) Assim sendo, os arguidos incorreram na prática, em concurso, dos seguintes crimes: - AA pela prática: - em co-autoria material, de um crime de roubo, na forma tentada, previsto e punido pelos arts. 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), e 204.º, n.º 2, als. a) e f), e arts.22.º e 23.º do CP; - em co-autoria material, de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo art. 256.º, n.ºs 1, als. b) e e), e 3, do CP; - em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos arts. 2.º, n.º 1, als. p) e q), 3.º, n.ºs 1 e 4, e 86.º, n.º 1, al. c), todos do Regime Jurídico das Armas e das Munições, aprovado da Lei n.º 5/2006, de 23.02, na redação introduzida pela Lei n.º 17/2009, de 06.05; e - BB pela prática: - em co-autoria material, de um crime de roubo, na forma tentada, previsto e punido pelos arts. 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), e 204.º, n.º 2, als. a) e f), e arts.22.º e 23.º do CP;; - em co-autoria material, de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo art. 256.º, n.ºs 1, als. b) e e), e 3, do CP; - em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos arts. 2.º, n.º 1, als. p) e q), 3.º, n.ºs 1 e 4, e 86.º, n.º 1, al. c), todos do Regime Jurídico das Armas e das Munições, aprovado da Lei n.º 5/2006, de 23.02, na redação introduzida pela Lei n.º 17/2009, de 06.05.
3. Das penas parcelares: Os recorrentes BB e AA contestam a medida das penas parcelares que lhe foram aplicadas pelo tribunal de 1.ª instância pela prática dos crimes de roubo e de detenção de arma proibida, que consideram manifestamente excessivas e que entendem não dever ultrapassar, respetivamente, 4 anos e 1 ano de prisão, para cada um deles. De igual sorte, entendem que a pena de 1 ano de prisão, cominada pela prática do crime de falsificação de documento em referência nos autos, deve vir a ser substituída pela aplicação, a cada um deles, de uma pena de multa. Para sustentarem a aplicação destas penas, os recorrentes BB e AA invocam em seu abono, muito em síntese, que “(…) confessaram os factos e demonstraram arrependimento (…)”, que “(…) não foram agressivos para com as pessoas que se encontravam dentro do estabelecimento objecto do assalto (…)”, que “(…) sempre tiveram valores éticos e morais coerentes com as exigências sociais (…)” e que possuem “(…) hábitos de trabalho enraizados (...)” e que “(…) têm apoio da família, amigos e entidade patronal, para os ajudar na fase inicial da necessária reorganização das suas vidas pessoais e laborais (…)” ─ vide maxime conclusões n.ºs 7, 9, 11, 12, 13 e 14 do recurso interposto pelos arguidos. A Senhora Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se no sentido do recurso poder vir a merecer provimento parcial quanto à medida das penas parcelares. A determinação da pena, realizada em função da culpa e das exigências de prevenção geral de integração e da prevenção especial de socialização (de harmonia com o disposto nos arts. 71.º, n.º 1 e 40.º do CP), deve, no caso concreto, corresponder às necessidades de tutela do bem jurídico em causa e às exigências sociais decorrentes daquela lesão, sem esquecer que deve ser preservada a dignidade da pessoa humana do delinquente. Para que se possa determinar o substrato da medida concreta da pena dever-se-á ter em conta todas as circunstâncias que depuseram a favor ou contra o arguido, nomeadamente, os fatores de determinação da pena elencados no art. 71.º, n.º 2, do CP. Nesta valoração, o julgador não poderá utilizar as circunstâncias que já tenham sido utilizadas pelo legislador aquando da construção do tipo legal de crime, e que tenha sido em consideração na construção da moldura abstrata da pena (assegurando o cumprimento do princípio da proibição da dupla valoração). Acresce que o nosso sistema de reações criminais é claramente caracterizado por uma preferência pelas penas não privativas da liberdade ─ cf. art. 70.º do CP ─ devendo o tribunal dar primazia a estas quanto se afigurem bastantes para que sejam cumpridas, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição. Assim, de acordo com as exigências de prevenção geral de integração (da norma) e de prevenção especial de socialização, tendo como limite a culpa, será determinada a pena concreta para cada um dos crimes praticados pelo recorrentes AA e BB. Relativamente ao crime de falsificação de documentos e ao crime de detenção de arma proibida, vêm cada um dos arguidos, AA e BB, condenados em pena de um ano de prisão para o crime de falsificação de documento, e pena de um ano e seis meses para o crime de detenção de arma proibida. No que respeita ao crime de falsificação ele constitui nitidamente um crime instrumental relativamente ao crime de roubo. Na verdade, demonstrando alguma preocupação na preparação do conduta criminosa que se propunham realizar — assalto a uma ourivesaria — não só se apresentaram encapuçados, com luvas e roupa escura, e empunharam todos eles armas de fogo, como utilizaram um veículo automóvel alterando a matrícula, para assim dificultar a sua identificação. A falsificação constituiu um instrumento para a realização do ilícito dominante; tratou-se, pois de um crime realizado “no âmbito de um propósito inicial que era o de levar a cabo um assalto a uma ourivesaria, sendo os crimes de falsificação de documento e de detenção de arma proibida instrumentais desse propósito” (acórdão cit. supra). Entendemos, no entanto, que as razões que estiveram subjacentes à determinação da pena (e porque o comportamento de ambos os arguidos é idêntico, procederemos, tal como a 1.ª instância, a uma análise em conjunto), razões que, sucintamente, são: - no que respeita à detenção ilegal da arma, ambos os arguidos, tal como foi provado, agiram com dolo, numa atividade de ilicitude média, e utilizando as armas como meio para constranger as vítimas a realizarem o que pretendiam, embora não tenham lesado bens jurídicos pessoais; - em ambos os casos, atento o alarme social e o sentimento de insegurança provocado, as necessidades de prevenção geral são consistentes com a necessidade de atribuição de uma pena de prisão, ainda que o nosso sistema de reações criminais tenha uma clara preferência por penas não detentivas; - no que respeita ao crime de falsificação, também aqui foi provado em 1.ª instância a sua prática dolosa, com vista a dificultar, ou até mesmo impossibilitar, a identificação dos intervenientes na prática do ilícito dominante, assim impondo necessidades acrescidas às exigências de prevenção geral; - de realçar também, em ambos os arguidos, a ausência de antecedentes criminais; ora, estas razões mantêm-se, pelo que consideramos as penas parcelares, atribuídas em 1.ª instância, corretamente determinadas de acordo com os pressupostos do art. 40.º e 71.º, do CP. Ou seja, - para o arguido AA: o quanto ao crime de detenção ilegal de arma: um ano e seis meses de pena de prisão; o quanto ao crime de falsificação de documento: um ano de pena de prisão; e - para o arguido BB: o quanto ao crime de detenção ilegal de arma: um ano e seis meses de pena de prisão; o quanto ao crime de falsificação de documento: um ano de pena de prisão. Porém, no que respeita ao crime de roubo, entendemos que os factos dados como provados apenas integram a tentativa de um crime de roubo qualificado, previsto e punido no art. 210.º, n.º 2, al. b) e art. 204.º, n.º 2, als. a) e f), do CP, cuja moldura abstrata passa a ser (por força do disposto nos art.s 23.º e 73.º, do CP) de pena de prisão de 7 (sete) meses e 6 (seis) dias — redução a 1/5 do limite mínimo de 3 anos — a 10 (dez) anos — redução de 1/3 do limite máximo de 15 anos. Ora, a partir da matéria de facto dada como provada, verificamos que o plano criminoso foi cuidadosamente traçado, de modo que para a sua realização - procederam a uma prévia preparação de roupas escuras, luvas e gorros com buracos para evitarem a sua identificação; - utilizaram um veículo automóvel, o que lhes conferiu uma maior mobilidade e uma possibilidade de uma fuga rápida; - dividiram as tarefas entre si, com uns a recolherem os objetos, e outro, à porta do estabelecimento, a controlar a entrada de terceiros; - escolheram uma hora perto da hora do jantar para que assim se tornasse mais fácil a prática do assalto, pois as pessoas em circulação seriam menos, apesar de terem escolhido a época natalícia, altura em que o estabelecimento estaria com um fornecimento maior de peças; - mostraram algum grau de eficiência ao realizarem os seus intentos de forma rápida; - e tentaram apropriar-se de objetos avaliados em € 36 570, 95, ou seja, quase o dobro do limite mínimo previsto para a agravação em função do valor; - o grau de ilicitude dos factos realizados é elevado, embora não tanto uma vez que para além da experiência traumática, que as vítimas tiveram, não ocorreram lesões da integridade física. No entanto, após o aparecimento da GNR, os comportamentos de ambos os arguidos não forma idênticos: enquanto AA obedeceu às instruções dadas pelas autoridades tendo saído da loja, de mãos no ar, e tendo-se deitado no chão quando lhe mandaram, BB fugiu para o interior da galeria comercial, impedindo a sua captura imediata. Temos ainda que destacar a ausência de antecedentes criminais de ambos os arguidos; ambos apresentam relações afetivas estáveis, com boa imagem social e boa inserção familiar. No meio prisional, onde se encontram desde 21 de dezembro de 2012, frequentam cursos de formação profissional e apresentam um comportamento adequado, sem registo disciplinar (ao tempo da prolação da decisão de 1.ª instância). No que respeita à sua reinserção, uma vez saídos do estabelecimento prisional, destaca-se a perspetiva de reintegração nos quadros da empresa ... Indústria de Metalomecânica, S.A., onde já desempenharam atividade profissional; isto apesar das dificuldades que a entidade apresenta devido à crise económica. A boa inserção familiar de que gozam permite-nos antever que, uma vez em liberdade, não haverá rejeição por parte dos restantes elementos da família, dado que mantêm apoio da progenitora, das respetivas namoradas e dos seus amigos. Além disto, apesar de terem revelado algum arrependimento, em particular, por causa das consequências que as suas condutas tiveram em cada um dos membros do seu agregado familiar, assim como das consequências negativas que as suas condutas tiveram para cada um, nomeadamente, a perda do trabalho e o afastamento de casa, e no caso do AA, o afastamento da sua filha, apesar de tudo isto, ainda assim as exigências de prevenção especial são consideráveis, a impor que se demonstre aos arguidos o grau de ilicitude elevado das suas condutas, ainda que não tenham logrado os seus intentos. Não podemos deixar de voltar a acentuar não só a forma minuciosa como tudo foi preparado, como o elevado grau de perigosidade da conduta que realizaram com a utilização de 3 armas de fogo, e uma delas — caçadeira com cano cerrados — com um elevado potencial destrutivo. Por tudo isto, as exigências de prevenção geral neste tipo de criminalidade, que provocou considerável alarme social, requerem que se demonstre à coletividade que bens jurídicos como os aqui ofendidos continuam a ser protegidos pelo ordenamento jurídico. Ora, tendo em conta tudo o exposto anteriormente entendemos ser de aplicar - ao arguido AA, a pena de prisão de 4 (três) anos e 6 (seis) meses, pelo crime de roubo na forma tentada, e - ao arguido BB, a pena de prisão de 4 (três) anos e 10 (dez) meses, pelo crime de roubo, na forma tentada. E, ainda que se entenda que os crimes de falsificação e de detenção de arma proibida sejam crimes instrumentais relativamente ao crime de roubo, não podemos deixar de considerar que estamos perante um caso de concurso de crimes. Um caso de concurso de crimes cuja punição deverá ocorrer de harmonia com o disposto no art. 77.º, do CP, e em particular, de acordo com o disposto no n.º 2 daquele mesmo normativo[15].
4. Da pena única conjunta 4.1. Entendem também os recorrentes BB e AA que a pena única conjunta que lhes venha a ser aplicada pela prática dos crimes de roubo e de detenção de arma proibida não deve ser superior a 4 anos e 3 meses de prisão, a que acresceria a aplicação de uma pena de multa pela prática do crime em apreço de falsificação de documento. Afirmam, muito em síntese, que o cometimento destes crimes não indicia a existência de uma carreira criminosa por parte dos mesmos, que se trata de uma pluriocasionalidade que não radica em características próprias da personalidade, que são primários, que tiveram uma postura colaborante com a justiça, confessando os factos e demonstrando arrependimento, que beneficiam do apoio da família de origem e de amigos, para além de possuírem hábitos de trabalho. Perante isto, sustentam que é possível “formular um juízo de prognose favorável sobre a conduta de vida dos mesmo no futuro, sendo de prever que a simples ameaça da pena será suficiente para prevenir a reincidência, realizando a finalidade da prevenção especial”, pelo que pedem que a pena única conjunta que lhes venha a ser imposta, em medida sempre inferior a 5 anos de prisão, venha a ficar suspensa na sua execução, nos termos do disposto no art. 50.º do CP. A Senhora Procuradora-Geral Adjunta defendeu que, caso seja alterada a medida das penas parcelares quanto aos crimes de falsificação de documento e de detenção arma proibida ou eventualmente quanto ao crime de roubo, a pena única deva ser fixada entre os 5 anos e 6 meses e os 6 anos de prisão. A determinação da medida da pena, em sede de concurso de crimes, apresenta especificidades relativamente aos critérios gerais do art. 71.º do CP. Nos casos de concurso de crimes, a determinação da pena única conjunta tem que obedecer aos critérios específicos determinados no art. 77.º do Código Penal. A partir dos critérios especificados é determinada a pena única conjunta, com base no princípio do cúmulo jurídico. Assim, após a determinação das penas parcelares que cabem a cada um dos crimes que integram o concurso, é construída a moldura do concurso, tendo como limite mínimo a pena parcelar mais alta atribuída aos crimes que integram o concurso, e o limite máximo a soma das penas, sem todavia exceder os 25 anos de pena de prisão (de harmonia com o disposto no art. 77.º, n.º 2, do CP). A partir desta moldura é determinada a pena conjunta, tendo por base os critérios gerais da culpa e da prevenção (de acordo com o disposto nos arts. 71.º e 40.º do CP), ao que acresce um critério específico — na determinação da pena conjunta, e segundo o estabelecido no art. 77.º, n.º 1 do CP, "são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente". Assim, a partir dos factos praticados deve proceder-se a uma análise da "gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique"[16]. Na avaliação da personalidade ter-se-á que verificar se dos factos praticados pelo agente decorre uma certa tendência para o crime, ou se estamos apenas perante uma pluriocasionalidade sem possibilidade de recondução a uma personalidade fundamentadora de uma "carreira" criminosa. Apenas quando se possa concluir que se revela uma tendência para o crime, quando analisados globalmente os factos, é que estamos perante um caso onde se suscita a necessidade de aplicação de um efeito agravante dentro da moldura do concurso. Para além disto, e sabendo que também influem na determinação da pena conjunta as exigências de prevenção especial, dever-se-á atender ao efeito que a pena terá sobre o delinquente e em que medida irá ou não facilitar a necessária reintegração do agente na sociedade; exigências, porém, limitadas pelas imposições derivadas de finalidades de prevenção geral de integração (ou positiva). Assim, tendo em conta a gravidade do ilícito global e a personalidade dos arguidos BB e AA, cumpre analisar criticamente a pena única que lhes foi atribuída. De acordo com o estipulado no art. 77.º, n.º 2, do CP, a moldura do concurso dos crimes em referência tem o limite mínimo de 4 anos e 6 meses de pena de prisão, para o arguido AA, e 4 anos e 10 meses, para o arguido BB (penas parcelares mais elevadas dos crimes em concurso); e como limite máximo a pena de 7 anos de prisão para o arguido AA, e de 7 anos e 4 meses, para o arguido BB (soma aritmética de todas as penas parcelares em que os arguidos foram condenados). Assim, esquematicamente, - quanto ao arguido AA temos um a moldura abstrata do concurso de crimes entre 4 anos e 6 meses e 7 anos de pena de prisão, e - para o arguido BB temos uma moldura abstrata do concurso de crimes entre 4 anos e 10 meses e 7 anos e 4 meses, de pena de prisão. Utilizando a proposta de Figueiredo Dias para a determinação da pena do concurso de crimes impuro, isto é, utilizando a moldura do ilícito dominante, teríamos uma moldura entre 7 meses e 6 dias e 10 anos de prisão. Ou seja, a eventual desproporcionalidade que poderia decorrer da aplicação das regras do art. 77.º, do CP, ao presente caso parece não se verificar. Na verdade, a moldura do concurso a que chegámos aparece como menos agravante do que aquela a que chegaríamos utilizando aquele entendimento. Vejamos então, a partir da moldura abstrata do concurso de crimes a que chegámos, qual a pena concreta a atribuir a cada um recorrentes. Analisando globalmente os factos, minuciosamente preparados e rapidamente executados, apenas interrompidos pela pronta intervenção da GNR, os recorrentes demonstram que, apesar de estarmos perante delinquentes primários, ainda assim revelam uma personalidade com tendência para iniciar uma vida ligada a condutas ilícitas. E, no caso do arguido BB, que não respondeu de imediato às instruções das autoridades, tendo dificultado a sua captura, revela uma personalidade com uma maior propensão para a prática do crime. O que justifica a diferente pena que lhe deverá ser atribuída. Ou seja, ainda não podemos dizer que estamos perante uma carreira criminosa. Nenhum dos arguidos a apresenta. Nem ainda podemos dizer que as suas condutas correspondem a caraterísticas enraizadas da sua personalidade. Porém, o modo de execução, o grau de preparação, a rapidez impõem-nos ainda que se proceda a uma punição com algum tempo de privação da liberdade. Assim, consideramos que a pena única a atribuir a cada um dos recorrentes, pelos crimes que praticaram, deverá ser - quanto ao recorrente AA, pena de prisão de 5 anos e 6 meses, e - quanto ao recorrente BB, pena de prisão de 5 anos e 10 meses . 4.2. Atentas as penas concretas a que chegámos, e tendo em conta o disposto nos arts. 50.º e ss, do CP, não estão preenchidos, desde logo, os pressupostos formais para que seja possível equacionar a aplicabilidade (ou não) da pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão. III Conclusão
Nos termos acima expostos, acordam em conferência na secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça: 1. Conceder provimento parcial ao recurso interposto por AA, condenando-o o em co-autoria material, de um crime de roubo, na forma tentada, previsto e punido pelos arts. 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), e 204.º, n.º 2, als. a) e f), e arts. 22.º e 23.º, todos do CP, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão; o em co-autoria material, de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo art. 256.º, n.ºs 1, als. b) e e), e 3, do CP, na pena de 1 (um) ano de prisão; o em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos arts. 2.º, n.º 1, als. p) e q), 3.º, n.ºs 1 e 4, e 86.º, n.º 1, al. c), todos do Regime Jurídico das Armas e das Munições, aprovado da Lei n.º 5/2006, de 23.02, na redação introduzida pela Lei n.º 17/2009, de 06.05, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; o em cúmulo jurídico, na pena única conjunta de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão. 2. Conceder provimento parcial ao recurso interposto por BB, condenando-o o em co-autoria material, de um crime de roubo, na forma tentada, previsto e punido pelos arts. 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), e 204.º, n.º 2, als. a) e f), e arts. 22.º e 23.º, todos do CP, na pena de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão; o em co-autoria material, de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo art. 256.º, n.ºs 1, als. b) e e), e 3, do CP, na pena de 1 (um) ano de prisão; o em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos arts. 2.º, n.º 1, als. p) e q), 3.º, n.ºs 1 e 4, e 86.º, n.º 1, al. c), todos do Regime Jurídico das Armas e das Munições, aprovado da Lei n.º 5/2006, de 23.02, na redação introduzida pela Lei n.º 17/2009, de 06.05, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; o em cúmulo jurídico, na pena única conjunta de 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de prisão
3. No mais, manter a decisão recorrida.
Porque o recurso obteve provimento parcial não são devidas custas, de harmonia com o disposto no art. 513.º, n.º 1 do CPP.
Supremo Tribunal de Justiça, 10 de setembro de 2014
Os Juízes Conselheiros,
Helena Moniz
Rodrigues da Costa (Vencido quanto à questão prévia da competência. Teria decidido pela competência da Relação.)
Santos Carvalho (Com voto de desempate) ---------------------
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