Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03P2623
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SILVA FLOR
Descritores: QUEIXA DO OFENDIDO
LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO
CRIME PÚBLICO
BURLA AGRAVADA
TENTATIVA
Nº do Documento: SJ200310290026233
Data do Acordão: 10/29/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2 J CR PAREDES
Processo no Tribunal Recurso: 111/00
Data: 06/18/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Sumário :
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

I. No Tribunal da Comarca de Paredes, em processo comum com intervenção do tribunal colectivo distribuído ao 2.º Juízo Criminal, n.º 111/00.2TAPRD, o Ministério Público acusou o Dr. A da prática, em concurso de infracções, de um crime de falsificação de documento previsto e punido artigo 256.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, e de um crime de burla qualificada, na forma tentada, previsto e punido nos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 1, do mesmo diploma.
No processo comum apenso n.º 118/99.0TAPRD, o Ministério Público acusou os arguidos Dr. A, B e C, imputando ao A e à C, a prática, em co-autoria, de um crime de falsificação de documento previsto e punido no artigo 256.º, n.º 1, alíneas a) e b), o Código Penal, com referência ao artigo 255.º, alínea a), e ao arguido B um crime de falsificação de documento previsto e punido no artigo 256.º, n.º 1, alínea c), com referência ao artigo 255.º, alínea a).
No processo comum apenso n.º 40/00.0TAPRD, o Ministério Publico acusou o arguido Dr. A da prática de um crime de burla previsto e punido no artigo 217.º, n.º 1, do Código Penal. O ofendido D deduziu pedido de indemnização cível contra o arguido. E, por desistência de queixa do ofendido, veio a ser declarado extinto o procedimento criminal, arquivando-se os autos nessa parte. No processo comum apenso n.º 65/00.5TAPRD, o Ministério Público acusou A da prática de um crime de falsificação de documento previsto e punido 256.º, n.ºs 1, alínea a), e 3, do Código Penal.
No processo comum apenso n.º 181/99.4TAPRD o arguido Dr. A foi pronunciado pela prática de um crime de falsificação previsto e punido no artigo 256.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.
No processo comum n.º 584/99.46APRD, o Ministério Público acusou o arguido Dr. A pela prática, em concurso de infracções, de um crime de injúria agravado previsto e punido nos artigos 181.º, n.º 1, e 184.º, com referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea j), e um crime de resistência e coacção sobre funcionário, previsto e punido no artigo 347.º, do Código Penal.
II. Na primeira sessão do julgamento, em 22-10-2002, após requerimento do arguido A pretendendo que o julgamento fosse efectuado pelo tribunal singular, foi proferida, a fls. 1088, decisão do tribunal colectivo julgando improcedente o incidente, considerando competente o tribunal colectivo.
O arguido A recorreu dessa decisão, a fls. 1256.
III. Na sessão de julgamento realizada em 05-11-2002, o tribunal colectivo proferiu uma decisão nos termos do artigo 359.º do Código de Processo Penal (alteração substancial dos factos constantes da acusação) fls. 1223 a 1225.
A fls. 1227, foi proferida decisão sobre a mesma questão, determinando, nos termos do artigo 359.º, n.º 1, última parte, que se extraísse certidão do processo principal para ser remetida ao Ministério Público.
E a fls. 1330 foi proferida decisão indeferindo a arguição de nulidades pelo Ministério Público.
O Ministério Público recorreu dessas decisões, a fls. 1315.
IV. Na sessão realizada em 02-12-2002, foi proferida, a fls. 1367, uma decisão do tribunal colectivo comunicando ao arguido A uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação. O arguido invocou a nulidade desse despacho, tendo a arguição sido indeferida por decisão proferida a fls. 1369.
O mesmo arguido recorreu dessa decisão, a fls. 1392 e 1405.
V. Concluído o julgamento, foi proferido acórdão, a fls. 1459 e seguintes, no qual, julgando-se a acusação pública parcialmente procedente, foi decidido:
Absolver o arguido A do crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256°, n.° 1, al. a) e n.° 3 do Código Penal, a que aludem os autos de processo comum n.° 65/00.5TAPRD;
Absolver o arguido A do crime de resistência e coacção a funcionário, p. e p. pelo art. 347° do Código Penal, a que aludem os autos de processo comum n.° 584/99.4GAPRD;
Absolver o arguido B do crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256°, n.° 1, al. c) do Código Penal, a que aludem os autos de processo comum n.° 118/99.0TAPRD;
Condenar o arguido A pela prática, em autoria material, e em concurso efectivo, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256°, n.° 1, al. c) do Código Penal, na pena de 1 ( um ) ano de prisão e de um crime de burla qualificada, na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 22°, 23°, 217°, n.° 1 e 218°, n.° 1 todos do Código Penal, na pena de 9 ( nove ) meses de prisão, a que aludem os autos de processo comum n.° 111/00.2TAPRD;
Condenar o arguido A, pela prática, em co-autoria material, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256°, n.° 1, b) do Código Penal com referência ao art. 255°, alínea a) do mesmo diploma legal, na pena de 6 ( seis ) meses de prisão, a que aludem os autos de processo comum n.° 118/99.0TAPRD;
Condenar o arguido A pela prática, como autor material, de um crime de falsificação, p. e p. pelo art. 256°, n.° 1, al. c) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão, a que aludem os autos de processo comum n.° 181/99.4TAPRD;
Condenar o arguido A pela prática, em autoria material, de um crime de injúria agravada, p. e p. pelos arts. 181°, n.° 1, e 184°, com referência ao art. 132°, n.° 2, al. j), todos do Código Penal, na pena de 100 ( cem ) dias de multa, à taxa diária de € 7,5, o que perfaz a quantia de € 750, a que aludem os autos de processo comum n.° 584/99.4GAPRD;
Condenar a arguida C pela prática, em co-autoria material, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256°, n.° 1, als. a) e b) do Código Penal, com referencia ao art. 255°, alínea a) do mesmo diploma legal, na pena de 100 ( cem ) dias de multa, à taxa diária de € 3, o que perfaz a quantia de € 300, a que aludem os autos de processo comum n.° 118/99.0TAPRD.
Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares, aplicar ao arguido A a pena única de 2 (dois ) anos e 6 ( seis ) meses de prisão, cuja execução se suspende pelo período de 5 ( cinco ) anos.
Condenar o arguido A na pena acessória de proibição do exercício da profissão e funções de advogado, pelo período de 5 ( cinco ) anos.
Julgar improcedente, por não provado, o pedido cível deduzido por D contra A, no âmbito dos autos de processo comum n.° 40/00.0TAPRD e, em consequência, absolver o demandado A do pedido.
VI. Do acórdão recorreram o Ministério Público, a fls. 1559, e o arguido A, a fls. 1584 e 1606.
A fls. 1701 houve desistência da queixa apresentada por S contra o arguido A, no processo comum n.º 584/99.4GAPRD, tendo o Ministério Público emitido parecer a fls. 1709, no sentido de se considerar a mesma extemporânea.
O processo foi remetido inicialmente para o Tribunal da Relação do Porto, onde o Exmo. Procurador-Geral Adjunto levantou a questão de se dever considerar ter havido desistência do primeiro recurso interposto pelo recorrente A, por este não ter especificado no recurso do acórdão que mantinha interesse no mesmo, nos termos do artigo 412,º, n.º 5, do Código de Processo Penal. Ouvido o recorrente A pelo mesmo foi dada sua concordância ao parecer do Ministério Público (fls.1789).
Em seguida o Exmo. Desembargador Relator na Relação do Porto proferiu um despacho determinando a remessa do processo para este Supremo Tribunal por ser o competente para conhecer dos recursos interpostos.
Colhidos os vistos e realizada a audiência, cumpre apreciar e decidir.
VII. Recurso interposto a fls. 1256 pelo arguido A.
Trata-se de recurso de um decisão interlocutória, que o recorrente não teve interesse em manter na motivação do recurso do acórdão final, nos termos do artigo 412.º, n.º 5, do Código de Processo Penal. Mais tarde, a fls. 1789, confirmou o seu desinteresse no conhecimento do recurso. Assim, por desinteresse do recorrente em manter esse recurso, e nos termos daquele preceito, não se conhecerá do mesmo.
VIII. Recurso interposto a fls. 1315 pelo Ministério Público
Na sessão de audiência de julgamento de 05-11-2002, o Ministério Público, com o fundamento de que os factos constantes da acusação do processo principal integram, além dos crimes de falsificação de documento e de burla na forma tentada, um crime de abuso de confiança qualificado previsto e punido no artigo 205.º, n.ºs 1 e 4, do Código Penal, «decorrente da apropriação das letras de câmbio aí referenciada», estando-se no domínio da alteração não substancial dos factos constantes da acusação, requereu que fosse admitida a alteração da incriminação, procedendo-se à comunicação prevista no artigo 358.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
Em seguida, que foi proferida a seguinte decisão, a fls. 1223:
«Como bem salienta o Digno (por lapso escreveu-se «dito») Procurador da República, o aqui arguido Dr. A, está no âmbito do Comum Colectivo n° 111/00.2 TAPRD, acusado da prática em concurso de um crime de falsificação de documento, p.p. pelo art. 256º, n° 1 e de um crime de burla qualificada, p.p. art(s) 217º, nº 1 e 218°, na forma tentada, com referência aos art. (s) 21º e 23º todos do C.Penal.
É igualmente certo que em tal acusação constam factos que, a serem provados, são susceptíveis de integrarem o crime de abuso de confiança, p.p. art. 205°, n° 1 e 4 al. a) todos do C. Penal, a que corresponde a pena de prisão até cinco anos ou pena de multa até seiscentos dias.
Todavia e ao invés do doutamente promovido entende o Tribunal que tal subsunção jurídica dos factos constantes no libelo acusatório consubstancia uma alteração substancial dos factos e não já uma alteração substancial dos factos.
É que in casu o arguido e demais intervenientes processuais acordem (?) na continuação do julgamento já de acordo com a cominação que ora se lavra o mesmo, no âmbito desse processo, será julgado pelos crimes que inicialmente lhe foram imputados e de um crime novo, o que ora se comunica.
Por tal a versada questão não se enquadra já no 3 do art. 358.º do C. P. P., mas sim de uma alteração substancial, nos termos da definição constante do art. 1°, n° 1 al. f) do C.P.P.
Se é verdade igualmente que poderá assistir a razão ao Ilustre Procurador da Republica no que tange às considerações acerca da punição dos factos, no tocante à sua incriminação com o crime de abuso de confiança achando-se por isso consumido o crime de burla na forma tentada, certo é igualmente, que tal raciocínio a ser firmado sê-lo-á em sede de decisão final, pelo que não poderá colher esse argumento para que possamos considerar essa alteração como não substancial.
Por tal e em cumprimento no disposto no art. 359° do C.P.P. comunica o Tribunal que os factos constantes da acusação proferida no âmbito do processo Comum Colectivo n°111/00.2TAPRD poderão subsumir-se ao crime de abuso de confiança, p.p. art. 205°, n° 1 e 4 al. a) e bem assim no n° 5 do C.Penal, o que ora se comunica.»
Em seguida, depois de o arguido se ter oposto à «tentativa de nova incriminação» por intermédio do seu defensor, e de ter declarado não consentir no prosseguimento do processo nesses termos, foi proferido a fls. 1227 o seguinte despacho:
«Atenta a oposição firmada pelo arguido e ao abrigo do disposto no art. 359°, n° 1 última parte do C.P.P. determino se extraia certidão dos autos do processo n.º 111/00.2TAPR incluindo a presente acta e seja remetida ao Ministério Público para os fins tido por convenientes.»
A fls. 1227 o Ministério Público arguiu duas irregularidades: omissão da comunicação prevista no artigo 358.º, n.º 3, e prática dos actos previstos no artigo 359.º, n.ºs 1, e 2.
A fls. 1230 foi proferida a seguinte decisão:
«O despacho judicial proferido anteriormente e que versa sob o indeferimento de uma comunicação de alteração não substancial e onde é também lavrada a comunicação de alteração não substancial no âmbito do processo n° 111/00-2TAPRD, encontra-se devidamente fundamentado quer de facto quer de direito conforme a exigência legal.
Como tal entendemos não ter ocorrido qualquer omissão ou acção que influa nos actos subsequentes àquele outro pelo que decidimos mantê-lo na sua integridade.
Assim, pelo exposto e ao abrigo do art. 123°, n° 1 "a contrario" do C.P.P. decide-se indeferir a arguição das mencionadas irregularidades referidas pelo Ministério Público.»
Na motivação do recurso dessas três decisões, o Ministério Público formulou as conclusões que em seguida se transcrevem:
«1. Recorre-se dos doutos despachos de fls. 1223 a 1225, 1230 e 1227 proferidos pelo Ex.mo Tribunal Colectivo do Círculo Judicial de Paredes nos autos com processo comum criminal n.° 111/00.2TAPRD do 2° Juízo de Competência Especializada Criminal do Tribunal Judicial da comarca de Paredes, em que são arguidos o Dr. A, B e C.
2. Tais deliberações constam da acta da sessão da audiência de julgamento que teve lugar em 5.11.2002, sendo que.
3. A de fls. 1223 a 1225, por entender que tanto envolvia alteração substancial nos termos dos art.°s 1° n.º 1, f) e 359° n.º 1 do Código de Processo Penal, indeferiu pedido do Ministério Público fundado no art.° 358° n.° 3 do Código de Processo Penal e que visava o aditamento de um crime de abuso de confiança qualificado p. e p. pelos art.°s 205° n.º 1 e 4 a) e 202° a) do Código Penal à incriminação acusatória a que estava sujeito o arguido Dr. A;
4. A de fls. 1230 julgou improcedente a arguição de irregularidades deduzida pelo Ministério Publico ao abrigo dos art.°s 123° n.º 1, 358° n.° 3 e 359° n.º 1 do Código de Processo Penal,
5. E a de fls. 1227 determinou, na sequência da oposição do arguido Dr. A ao prosseguimento do julgamento (também ) pelo crime aditado - art.° 359° n.° 2 e 1 do Código de Processo Penal -, a extracção e entrega de certidão ao Ministério Público para o efeito da instauração de procedimento autónomo - art.° 359° n.° l citado.
6. A alteração da incriminação proposta - da qual, de resto, emergiria uma relação de concurso aparente entre o proposto crime de abuso de confiança e o crime de burla qualificada sob a forma tentada p. e p. pelos art.°s 217°, 218° n.º 1, 22°, 23° e 74° a) e b) do Código Penal por que aquele arguido, também, se encontra acusado
7. Não envolve alteração substancial nos termos e para os efeitos dos art.°s 1° n.º 1 f) e 359° n.º 1 do Código de Processo Penal
8. Na medida em que, não referindo, embora, o tipo dos art.°s 205° n.º 1 e 4 a) e 202° a) do Código Penal, a acusação pública já continha - sempre conteve - todos os correspondentes factos.
9. A situação delineada traduz tão-somente hipótese equiparável a alteração não substancial, por isso que a merecer tratamento no âmbito do art.° 358° n.° 3 do Código de Processo Penal conforme o requerido,
10. E a autorizar o seu conhecimento no processo em curso para o efeito de eventual condenação.
11. Decidindo diferentemente - isto é, entendendo estar-se perante alteração substancial de factos, indeferindo (tacitamente ) o pedido de comunicação para os fins do art.° 358° n.° 3 do Código de Processo Penal e determinando a comunicação prevista no art.° 359° n.° 2 e l do Código de Processo Penal - violaram os M.mos Juízes recorridos as normas dos art.°s 358° n.° 3, 359° n.° 2 e l e 1° n.º 1 f) do Código de Processo Penal, por erro de interpretação.
12. Razões por que o douto despacho de fls. 1223 a 1225 não pode subsistir, havendo de ser substituído por outro em que se admita a alteração incriminatória proposta e se mande dar cumprimento ao disposto no art.° 358° n.° 3 do Código de Processo Penal, tudo tendo em vista o conhecimento no âmbito do presente processo (também) do crime de abuso de confiança p. e p. pelos art.°s 205° n.º 1 e 4 a) e 202° a) do Código Penal. E se assim vier acontecer, como se espera,
13. Então, haverá que revogar também o douto despacho de fls. 1230, que indeferiu a arguição das irregularidades consistentes em se ter omitido a comunicação prevista no art.° 358° n.° 3 do Código de Processo Penal e em se ter dado cumprimento à referida nos n.° 2 e l do art.° 359° do Código de Processo Penal,
14. Uma vez que, também por erro de interpretação, violou aquelas disposições legais e ainda a do art.° 123° n.º 1 do Código de Processo Penal.
15. Invalidados tais actos pela procedência da irregularidade, anulado deverá ser, ainda, o douto despacho de fls. 1227, que se seguiu àqueles e que deles depende absolutamente, isso ainda por força do disposto no art.° 123° n.º 1 do Código de Processo Penal.
Assim não se entendendo,
16. O douto despacho em causa merecerá, de qualquer modo, revogação visto que sempre violou as normas dos art.° 359° n.º 1 e 358° n.° 3 do Código de Processo Penal, por erro de interpretação.
Termos em que, e nos mais de direito aplicáveis, devem os recursos ser integralmente providos conforme o requerido e com as consequências referenciadas nas conclusões 9 a 12 e 13 a 16.»
O arguido A não respondeu ao recurso.
Passemos à apreciação do mesmo.
Os factos que constam da acusação e que para o efeito interessa considerar, são, em breve resumo, os seguintes:
Foram entregues no escritório do arguido, como advogado, quatro letras de câmbio, pelo seu portador, para serem objecto de acção executiva contra o aceitante. Este pagou ao portador das letras o valor destas, antes de instaurada a execução. Ficou acordado entre o arguido, o representante legal da sociedade portadora das letras e o aceitante, que as letras seriam devolvidas a este. Todavia, o arguido, apropriando-se das letras, deu-as à execução, usando para tanto uma procuração do portador das letras forjada, com o propósito de conseguir um proveito económico para si. Na sequência de uma reacção do executado quando teve conhecimento da execução, o arguido declarou no processo que havia recebido o valor das letras, pelo que a execução não prosseguiu os seus normais termos.
A questão fulcral em apreço consiste em determinar se a situação configura uma alteração não substancial dos factos, sujeita ao regime do artigo 358.º do Código de Processo Penal, ou uma alteração substancial, com o conceito definido no artigo 1.º, n.º 1, alínea f), regulada no artigo 359.º.
Segundo esse conceito, alteração substancial dos factos é aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos da sanções aplicáveis.
O artigo 358.º do Código de Processo Penal estabelece o regime da alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia.
O n.º 3, introduzido pela lei n.º59/98, de 25 de Agosto, preceitua que o disposto no n.º 1 é correspondentemente aplicável quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia.
A razão de ser da introdução do n.º 3 foi resolver as dúvidas que antes se levantavam sobre a possibilidade legal de o tribunal poder livremente atribuir uma qualificação jurídico-penal dos factos diferente da mencionada na acusação, designadamente, quando dessa alteração resultasse um tratamento mais gravoso para o arguido.
O aditamento de um novo crime à acusação, mantendo-se a imputação dos crimes anteriores, ainda que os factos nela descritos pudessem integrá-lo, não constitui uma alteração da qualificação jurídica, sujeita ao regime do n.º 3 do artigo 358.º do Código de Processo Penal, no sentido, que parece ser o consagrado no preceito, de atribuição ao mesmo facto de qualificação jurídico-penal diferente da referida na acusação ou na pronúncia.
Antes se configura ter havido uma alteração substancial dos factos, tendo presente o conceito definido no artigo 1.º, n.º 1, alínea f), do mesmo diploma, uma vez que foi imputado ao arguido um crime diverso dos que constavam da acusação, até quanto à natureza do interesse protegido.
E assim, impunha-se que o tribunal procedesse em conformidade com o disposto no artigo 359.º, n.º 1, comunicando a alteração ao Ministério Público para procedimento pelos novos factos.
No fundo, o que se passou foi que o Ministério Público, no decurso da audiência de julgamento, e independentemente do que nesta se passou, pretendeu rever a acusação que deduzira, acrescentando um novo ilícito penal aos que mencionara na peça acusatória.
O que não era lícito fazer, não só porque o artigo 358.º do Código de Processo Penal o não prevê, mas também, e principalmente, porque daí resultaria uma diminuição das garantias de defesa do arguido e uma desconformidade com os princípios do acusatório e do contraditório, assegurados no artigo 32.º, n.ºs 1, 2 e 5, da Constituição.
Acresce ainda que na acusação, embora haja uma referência à apropriação das letras, não se encontram descriminados e claramente indicados os elementos objectivos e subjectivos do crime de abuso de confiança, de forma a que mostrar ao arguido que lhe era imputado o crime de abuso de confiança, a par dos outros, para que organizasse atempadamente também em relação a ele a sua defesa.
Designadamente, porque não é líquido que se possa considerar que os factos descritos na acusação integram o crime de abuso de confiança qualificado que o Ministério Público imputou ao arguido em audiência de julgamento, ou seja, tendo por objecto um valor correspondente ao montante das letras. Com afeito, a mera «apropriação das letras», enquanto não se realizasse a cobrança destas e integração do respectivo valor no património do arguido, não poderia integrar o crime de abuso de confiança qualificado pelo valor das letras, na forma consumada.
Aliás, dificilmente se compreenderia que os mesmos factos pudessem integrar simultaneamente dois crimes contra o património, de abuso de confiança e de burla na forma tentada, visando a obtenção de um mesmo benefício económico, representado pelo valor das letras, em prejuízo do mesmo ofendido.
Refere o Ministério Público recorrente que da alteração da incriminação proposta emergiria uma relação de concurso aparente entre o crime de abuso de confiança e o de burla qualificada na forma tentada, pelo que só um dos crimes seria punido.
É sabido que o chamado concurso aparente de crimes é apenas um concurso ou conflito de normas incriminadoras, só uma delas devendo funcionar, por aplicação de diversas regras, como as especialidade e da consumpção.
No caso, não se descortina esse concurso ou conflito em relação aos dois tipos de crime referidos. E não se justificaria um aditamento à acusação para possibilitar a condenação em alternativa por um de dois crimes, afectando os direitos de defesa do arguido, nos termos referidos.
Bem andou assim o tribunal colectivo ao proceder em conformidade com o disposto no artigo 359.º.
Consequentemente, não se verificaram as alegadas irregularidades nos termos do artigo 123.º, por omissão da comunicação nos termos do artigo 358.º, n.º 3, e por se ter efectuado a comunicação a que alude o artigo 359.º, n.º 1, dado que o tribunal se limitou a agir em conformidade com a lei.
Deste modo, o recurso não merece provimento.
IX. Recurso interposto a fls. 1392 e 1405 pelo arguido A.
Na sessão realizada em 02-12-2002, foi proferida, a fls. 1367, a seguinte decisão do tribunal colectivo:
«Mais decide o Tribunal em cumprimento no disposto no artigo 358.° do Código do Processo Penal que em face da prova produzida em audiência de julgamento é susceptível para além do mais, vir a dar-se como assentes os seguintes factos no âmbito dos processos crime a seguir designados:
- Processo crime n." 111/00.2TAPRD - é susceptível para além do mais que venha a dar-se como provado que o arguido fez juntar a procuração de fls. 49, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, ao requerimento executivo que deu entrada neste Tribunal e deu causa à execução sumária n.° 44/99 que veio a ser distribuída ao 3° Juízo Cível bem sabendo que E, que nela identifica como casada, residente na Rua Candieira, n.° ...., Rebordosa, em Paredes e outorgando na qualidade de legal representante da firma "F, a qual identificada como tendo sede na Rua de Luís de Camões em Rebordosa, é pessoa inexistente e nunca foi sócia-gerente daquela sociedade - F, - não tinha nem nunca teve, a sua sede na Rua de Camões em Rebordosa, Paredes e, (?) obstante assim a apresentou.
- Já no âmbito do processo n.° 181/99.4TAPRD é susceptível, para além do mais que o Tribunal venha a dar como provado que o arguido fez juntar ao requerimento executivo que deu entrada na secretaria deste Tribunal no dia 27/09/1996 e que deu origem à execução sumária n.º 406/96 do 1° Cível, o substabelecimento que se encontra a fls. 9, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, sabendo o arguido que, em nenhum momento, o Sr. Dr.G outorgou ou quis outorgar tal substabelecimento a seu favor.
Para além disso é ainda susceptível de vir a dar-se como demonstrado que o arguido bem sabia que, no final do texto do substabelecimento referido, foram colocados selos fiscais sobre os quais o Sr. Dr.G havia aposto a sua assinatura, estampilhas fiscais estas que tinham sido retiradas de um outro documento que não foi possível identificar, e sem o consentimento do Dr.G.
Tais actos, a darem-se como demonstrados, são susceptíveis de, em cada um dos referidos processos, integrar a prática pelo arguido de um crime de falsificação previsto e punido pelo artigo 256°, n° 1 alínea c) do Código Penal.
Como se disse, tais factos, atenta a moldura penal abstracta do crime de falsificação previsto e punido, quer por força do n° 1 alínea a) - tipo legal constante de cada um dos libelos acusatórios quer aquela que resulta da aplicação do n.° 1 alínea c) do versado tipo legal de crime são iguais pelo que tal alteração se configura como não substancial à luz dos critérios plasmados no artigo 358°, n° 1 e artigo 1° alínea f) do Código do Processo Penal.»
O recorrente opôs-se à imputação de novos factos, arguindo a nulidade da mesma.
Por decisão proferida a fls. 1369 foi indeferida a arguição dessa nulidade.
E dela interpôs recurso o arguido, que rematou a motivação nos seguintes termos:
«1.º Os factos imputados não constituem a qualificação que aqui se invoca;
2.º Aliás, nada se provou na audiência para efeitos do artigo 358.º do Código de Processo Penal;
3.º Comunicada no fim do julgamento, a mesma é extemporânea e impede o contraditório;
4.º Aliás, os mesmos factos imputados não podem ser conhecidos por ilegitimidade do Ministério Público.
Violou-se o disposto no artigo 358.º do Código de Processo Penal.»
O Ministério Público respondeu pronunciando-se pelo não provimento do recurso.
Apreciemos o mesmo, com o âmbito definido nas conclusões.
Está em causa a alteração não substancial de factos realizada no decurso da audiência, em relação ao objecto do processo principal e do processo comum apenso n.º 181/99.4TAPRD.
Em relação ao primeiro, a alteração consistiu apenas em referir que o arguido juntou a procuração que, segundo sugere a decisão, terá sido forjada por um terceiro, e não pelo arguido, o que conduziria à qualificação do crime de falsificação como estando previsto e punido no artigo 256., n.º 1, alínea c), do Código Penal, em vez da alínea a), referida na acusação.
Em relação ao segundo, a alteração foi semelhante, referindo-se a um substabelecimento, conduzindo também à qualificação da conduta nos mesmos termos.
O que o tribunal pretendeu mostrar ao recorrente foi que os documentos teriam sido forjados por terceiro, e não por ele, como consta da acusação, com as inerentes consequências quanto à qualificação dos factos. É aliás discutível a necessidade de recorrer ao mecanismo previsto no artigo 358.º do Código de Processo Penal quando o arguido está acusado da prática do crime de falsificação com uso do documento falso, e se vem a provar apenas o uso de documento falso.
Assim sendo, tem-se por correcta a indicação da alínea c) do n.º 1, do artigo 256.º do Código Penal, que prevê o uso de documento falso, não procedendo assim a 1.ª conclusão da motivação.
Alega também o recorrente que não se provaram factos em audiência que suportem a referida alteração.
Não pode este Supremo Tribunal, como é evidente, sindicar a existência de tal prova, tendo de se aceitar o que na decisão recorrida se referiu a tal propósito, sendo que, aliás, a prova de novos factos para os efeitos do disposto no artigo 358.º do Código de Processo Penal, se deve considerar meramente provisória ou indiciária, já que apreciada antes do fim do julgamento.
Improcede assim a 2.ª conclusão.
Alegou também o recorrente que a comunicação da alteração, feita no fim julgamento, é extemporânea e não permite o contraditório.
Como se alcança de fls. 1365 e seguintes, o incidente em causa teve lugar no decurso da audiência de 02-12-2002, antes das alegações.
Nos termos do disposto no artigo 358.º, n.º 1, feita a comunicação da alteração ao arguido, ser-lhe-á concedido, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa.
Nada impedia que o Tribunal fizesse a comunicação naquele momento em relação ao processo principal e ao processo comum apenso n.º 181/99.4TAPRD. Ponto é que não fosse negada ao arguido a possibilidade de se defender da nova imputação, inclusivamente com a produção de prova.
E o arguido, tanto quanto resulta da acta, nada requereu, pelo que não se compreende que venha depois invocar a não observância do princípio do contraditório.
Deste modo, improcede a 3.ª conclusão.
Refere por último o recorrente que os crimes que lhe foram imputados «não podem ser conhecidos por ilegitimidade do Ministério Público», já que os respectivos ofendidos não apresentaram queixa, como se preceitua no artigo 259.º, n.º 4, do Código de Processo Penal.
Estes artigo refere-se aos crimes de danificação ou subtracção de documento e notação técnica, que são efectivamente semi-públicos.
Todavia, os crimes ora imputados ao arguido são de falsificação de documentos, previstos e punidos no artigo 256.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal. Tendo estes crimes natureza pública, não faz qualquer sentido a invocação de falta de legitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal por inexistência de queixa dos ofendidos (artigos 48.º e 49.º do Código de Processo Penal).
O recorrente referiu no início da motivação, discordando da qualificação feita na acusação, que o crime de burla na forma de tentativa está previsto no n.º 1 do artigo 217.º do Código Penal, pelo que se tornava necessária a queixa do ofendido para que o Ministério Público pudesse promover o processo.
É matéria estranha ao despacho recorrido, pelo que não que conhecer da mesma a propósito deste recurso.
Deste modo, improcede também a 4.ª conclusão.
Consequentemente, o recurso não merece provimento.
X. Apreciados os dois recursos de decisões interlocutórias, subsistem para apreciação os dois recursos do acórdão do tribunal colectivo.
Para o efeito importa começar por descrever a matéria de facto.
Conhecendo este Supremo Tribunal apenas de direito, a matéria de facto é a que o tribunal colectivo deu como provada e que em seguida se descreve.
Factos provados
No âmbito do Processo Comum n.° 111/00.2PAPRD
- O arguido exerce a profissão de advogado, com escritório na Rua 1° de Dezembro, nesta cidade de Paredes;
- Por sua vez, H, identificado a fls. 37, enquanto sócio gerente da sociedade "F - Aglomerados e Contraplacados, L.da.", com sede em Santa Luzia, Rebordosa, Paredes, era cliente do arguido;
- Em data não concretamente apurada, o H dirigiu-se ao escritório do arguido e aí entregou as letras de câmbio juntas a fls. 45 a 48 dos autos, a fim de ser intentada acção executiva contra I, identificado a fls. 30;
- Com efeito, a sociedade F era dona e legítima possuidora: da letra junta a fls. 45, que aqui se dá por integralmente reproduzida, aceite em 7 de Maio de 1997 pelo I, vencida a 30 de Junho de 1997, no valor de Esc. 130.000$00 (cento e trinta mil escudos); da letra junta a fls. 46, que aqui se dá por integralmente reproduzida, aceite em 7 de Maio de 1997 pelo I, vencida a 30 de Junho de 1997, no valor de Esc. 180.000$00 (cento e oitenta mil escudos); da letra junta a fls. 47, que aqui se dá por integralmente reproduzida, aceite em 7 de Maio de 1997 pelo I, vencida a 30 de Junho de 1997, no valor de 160.000$00 (cento e sessenta mil escudos); e da letra junta a fls. 48, que aqui se dá por integralmente reproduzida, aceite em 7 de Maio de 1997 pelo I, vencida a 30 de Junho de 1997, no valor de Esc. 240.000$00 (duzentos e quarenta mil escudos);
- Todas estas letras de câmbio titulavam uma dívida de I à sociedade F, no montante global de Esc. 710.000$00 e quando foram apresentadas a desconto por aquela sociedade não obtiveram pagamento;
- Sucede que antes do arguido intentar a acção executiva, em data que não foi possível apurar, o I pagou à F a quantia em dívida relativa a tais letras de câmbio, pagamento esse feito na pessoa do arguido, enquanto mandatário da sociedade F, que por isso tinha conhecimento desse pagamento;
- Na posse de tais títulos, o arguido resolveu urdir um plano para conseguir proventos económicos para ele;
- Assim, na execução de tal plano que previamente havia delineado, o arguido não entregou as quatro letras de câmbio a que se aludiu ao I, apropriando-se destes títulos, apesar de saber que os mesmos não lhe pertenciam e que actuou contra a vontade do seu legítimo dono, guardando-os consigo, no seu escritório, com a finalidade de intentar a respectiva acção executiva e conseguir da forma exposta para si a quantia de Esc. 710.000$00 titulada pelas mencionadas letras, acrescida de juros de mora;
- Porém, para dar entrada da petição em Tribunal teria o arguido que conseguir a necessária procuração;
- Com o requerimento executivo que deu causa à execução sumária n.° 44/99, distribuída ao 3° Juízo Cível, que deu entrada na secretaria deste Tribunal no dia 14/07/99, e em que figura como exequente "F" e como executado I e sendo a quantia exequenda de Esc. 739.000$00 correspondente ao montante titulado nas letras e juros de mora, o arguido fez juntar a procuração de fls. 49, que se dá por integralmente reproduzida;
- Na referida procuração consta uma tal "E", casada, residente na Rua da Candeeira, n.° ..., em Rebordosa, Paredes, que outorga na qualidade de legal representante da firma "F", a qual é identificada nesse documento como tendo a sua sede na Rua Luís de Camões, em Rebordosa;
- Ora, como o arguido bem sabia, nem a sociedade "F" tinha a sua sede na Rua Luís de Camões, nem nunca a E, que aliás é pessoa inexistente, tinha sido sócia-gerente daquela sociedade;
- Na dita procuração e no final do texto que a incorpora, foram colados os selos fiscais e, por cima deles, foi aposta a assinatura "E";
- Pretendia o arguido apropriar-se da aludida quantia, apesar de saber que a mesma não lha pertencia e que nem sequer era devida pelo I;
- No entanto, o I, antes de proceder ao pagamento de qualquer quantia peticionada na aludida execução sumária n.° 44/99, resolveu contactar, através da pessoa de sua filha J, com o legal representante da "F", sendo certo que só nessa altura, em data não concretamente apurada, teve o H conhecimento da propositura de tal acção executiva;
- De imediato o H entrou em contacto com o
arguido, pedindo-lhe explicações para a pendência da execução sumária n.° 44/99. Ulteriormente, nesse mesmo processo, veio o arguido na qualidade de mandatário da sociedade exequente, pelo requerimento cuja cópia se encontra junta a fls.17, que aqui se dá por reproduzido, solicitar que o mesmo fosse à conta alegando para tanto que a sociedade exequente tinha recebido nessa data a quantia exequenda;
- De resto, na apontada execução sumária n.° 44/99, por douto despacho de 21 de Outubro de 1999, já a Meritíssima Juíza daquele processo havia ordenado que se procedesse à penhora de bens pertencentes ao aí executado, suficientes para o pagamento da quantia exequenda;
- Como o I, através do requerimento cuja cópia se encontra junta a fls.19, informasse em 18 de Novembro de 1999 na mencionada execução que já antes da instauração daquela acção nada devia à "F", o arguido, em 27 de Novembro de 1999, deu entrada neste Tribunal de Paredes ao requerimento cuja cópia se encontra junta a fls. 21, que aqui se dá por reproduzido, dirigido ao processo executivo n.° 44/99, reiterando que a exequente se encontrava paga da quantia exequenda apenas desde 4 de Novembro de 1999 e pedindo a condenação do I em multa e indemnização a atribuir à exequente;
- A forma ardilosa como o arguido actuou convenceu todos quantos lidaram com o processo executivo n.° 44/99 que o arguido havia sido mandatado pelo legal representante da sociedade "F" para propor aquela acção e este engano em que fez cair também o I só não o levou a pagar-lhe a importância de Esc. 739.000$00 peticionada, obtendo por esta forma um enriquecimento ilegítimo à custa do empobrecimento do I, por circunstâncias alheias à vontade do arguido e por o I ter esclarecido a situação com o legal representante da F Lda. antes de ter procedido ao pagamento da quantia exequenda, quantia de que o arguido se pretendia apropriar;
- O arguido ao proceder pelo sobredito modo agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, sabedor que ao usar a procuração nos termos expostos prejudicava a fé que lhe era devida, que com a instauração da acção iria enganar os intervenientes no processo e que com este engano iria enriquecer ilegitimamente à custa do empobrecimento também ilegítimo do I;
- Sabia ainda o arguido que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, tanto mais que exerce a profissão de advogado;
No âmbito do Processo Comum n.° 118/99.0TAPRD
- O arguido A é advogado, titular da cédula profissional n.° 6157, emitida pelo Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, com escritório e domicílio profissional na Rua 1° de Dezembro, n.° ..., freguesia de Castelões de Cepeda, nesta comarca e cidade de Paredes;
- A arguida C, em Fevereiro de 1999, era funcionária da firma "U de Paços L.da." sita no Centro Médico de Enfermagem, em Paços de Ferreira, com a categoria profissional de recepcionista;
- O arguido B é industrial e legal representante do estabelecimento comercial denominado "L", com sede no lugar de Entroncamento, freguesia de Sobrosa, Paredes;
- O estabelecimento comercial denominado "L" através da pessoa do seu legal representante, o ora arguido B, solicitou os serviços de advocacia ao arguido A, em regime de avença;
- Na sequência deste relacionamento profissional entre os arguidos A e B, e em questão suscitada num processo cível patrocinado pelo ora arguido A, foi aberto o processo de inquérito n.° 7/99.9 TAPRD a correr os seus legais termos nesta Procuradoria da República deste Tribunal de Paredes;
- Uma das pessoas, entre outras, a ser ouvida nesse inquérito era o ora arguido B;
- Assim, em 17 de Fevereiro de 1999, a Guarda Nacional Republicana de Lordelo, na execução de despacho da autoridade judiciária competente, notificou por contacto pessoal o arguido B para comparecer na Procuradoria da Republica do Tribunal Judicial de Paredes, no dia 4 de Março de 1999, pelas 9 horas e 30 minutos, a fim de ser ouvido no inquérito 7/99.9 TAPRD, bem como da cominação legal da sua falta;
- Depois de notificado, o arguido B falou com o arguido A e informou-o do teor de tal notificação e de que não podia comparecer no dia 4 de Março de 1999 na Procuradoria da República deste Tribunal, por razões de natureza profissional;
- O arguido A, a solicitação do arguido B, disponibilizou-se para resolver esta questão ao seu cliente;
- Por sua vez, no dia 9 de Fevereiro de 1999, a Guarda Nacional Republicana de Paredes, na execução de despacho do Ministério Público, havia notificado por contacto pessoal o arguido A para comparecer na Procuradoria da Republica do Tribunal Judicial de Paredes, no dia 19 de Fevereiro de 1999, pelas 9 horas e 30 minutos, a fim de ser interrogado no processo de inquérito n.° 426/98.8TAPRD, no qual foram incorporados os processos de inquérito n°s 438/99.5TAPRD, 6/99.0TAPRD e 4/99.4TAPRD, bem como da cominação legal da sua falta;
- Contudo, o arguido A faltou à diligência para a qual estava convocado;
- Estando a arguida C ocupada com outros afazeres próprios da clínica pediu à sua colega M para preencher uma justificação de falta;
- Assim, a M utilizou um impresso de uso corrente naquela clínica, junto a fls.20 dos presentes autos, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais, e que na altura se encontrava em branco e por preencher;
- Este impresso, normalmente utilizado por esta firma, era entregue apenas àqueles que o solicitassem para justificar, perante terceiros, que realmente estiveram naquele local em determinada hora, dia, mês e ano;
- O subscritor deste impresso ao apor a sua assinatura ou rubrica declara, atesta e gera confiança pública que determinada pessoa, em determinada hora, dia, mês e ano, compareceu e esteve naquele gabinete durante determinado período de tempo;
- Nos espaços em branco desta declaração, a M preencheu com seu punho, utilizando tinta azul, os dizeres que nele constam, nos termos que lhe foram mencionados pela arguida C, completando assim os ditos espaços em branco;
- Preenchida a declaração no modo acabado de descrever, a M entregou-a à arguida C, a fim de esta a assinar;
- Deste modo, a arguida C subscreveu a declaração assim preenchida, apondo com o seu punho a sua rubrica junto do carimbo
"U de Paços de Ferreira, L.da.";
- Através de tal documento, atestou-se a assegurou-se que o arguido B compareceu naquela clínica no dia 4/3/1999, e nesse local permaneceu das 9 às 11 horas para realizar exames complementares de diagnósticos;
- Na posse das declarações juntas a fls. 92, 94, 96 e 98 dos presentes autos cujo teor se dá por integralmente reproduzido, o arguido A minutou em letra dactilografada quatro requerimentos endereçados ao Procurador da Republica do Tribunal da Comarca de Paredes, identificando, em cada um deles, os processos n.°426/98.8TAPRD, 436/98.5TAPRD, 6/99.0TAPRD e 4/99.4TAPRD, processos estes entretanto todos incorporados no 426/98.8TAPRD, apresentando tais requerimentos o seguinte uniforme teor: " A, com os sinais dos autos à margem referenciados, vem juntar atestado médico comprovativo da sua impossibilidade de comparecer a diligência que se encontrava marcada para o dia 19/02/99, a Tribunal, e, porque o faz tempestivamente requer a V.Ex.a. se digne considerar-lhe relevada a falta",
- No final do texto do requerimento acabado de enunciar e no espaço disponível a seguir ao escrito - "O arguido", o arguido A apôs com seu punho a sua assinatura "A.
Depois, anexou a tais requerimentos quatro declarações emitidas pela "L, L.da.", onde consta que o arguido A, no dia 19 de Fevereiro de 1999 ali se deslocou para a realização de exames complementares diagnóstico, onde permaneceu das 9 horas às 12 horas e, no dia 24 de Fevereiro de 1999, deu entrada das mesmas na secretaria da Procuradoria da Republica do Tribunal Judicial de Paredes, onde se procedeu ao reconhecimento por semelhança da assinatura do arguido José Henrique mediante exibição do bilhete de identidade do mesmo;
- Por sua vez, e no interesse do arguido B, o arguido A minutou em letra dactilografada um requerimento endereçado ao Procurador Adjunto do Tribunal de Paredes, em que identificou o processo n.° 7/99.9TAPRD, colocando como requerente o nome de B, bem como o estado civil e residência deste, com o seguinte teor: "no dia de hoje é de todo impossível a sua comparência neste Tribunal para a realização da diligência requerida por V. Ex.a., na medida em que teve de se deslocar a Paços de Ferreira para a realização de uma ecografia. Assim, por motivos de saúde a sua comparência é de todo em todo impossível, pelo que roga a V. Ex.a. a marcação de uma nova data para os aludidos fins, e bem assim considerar justificada a falta. Protesta juntar documento comprovativo.";
- Minutado tal requerimento, o arguido A entregou-o ao arguido B para este o assinar;
- No final do texto do requerimento acabado de enunciar e no espaço disponível a seguir ao escrito "O requerente," o arguido B, apôs com o seu punho a sua assinatura "B";
- Logo que o arguido B assinou o requerimento, entregou-o novamente ao arguido A. Este anexou ao dito requerimento a declaração obtida nos moldes anteriormente descritos, e colocou ambos os documentos no interior de um envelope com timbre do remetente "A, Advogado, Rua 1° de Dezembro, n° 63, 4580 Paredes, Telef./Fax (055) 784424" que corresponde ao nome profissional, profissão, local do escritório, telefone e fax do arguido A;
- Preenchido o destinatário desse envelope - Delegação da Procuradoria da República de Paredes - e uma vez fechado com os tais documentos (requerimento e declaração) no seu interior, foi o mesmo selado com franquia registada pelos CTT - Correios, com data de 02/03/99;
- Recebido e aberto tal envelope nos Serviços do Ministério Público do Tribunal Judicial de Paredes, foi o requerimento existente no seu interior registado com o n.° 2109, tendo dado entrada em 03/03/99;
- No interior de tal envelope e em anexo ao requerimento, encontrava-se a declaração supra referida, em que se declara que o ora arguido B presente no gabinete da "L, L.da." para realização de exames complementares de diagnóstico no dia 04/03/99;
- Agiram os arguidos A e C deliberadamente;
- O arguido A sabia que o seu cliente, o arguido B, não esteve presente nos dias 02/03/99 e 04/03/99, nas instalações da "U, L.da.";
- Sabia igualmente que a declaração que atestava tal facto era falsa;
- Apesar disso, agiu com a intenção de fazer constar tal facto na declaração e requerimento que enviou aos serviços do Ministério Público do Tribunal de Paredes, por forma a fazer crer a terceiros, nomeadamente à autoridade, que o próprio arguido B esteve, no dia 4 de Março de 1999, na dita clínica de ecografias para efectuar exames de diagnóstico complementar;
- Agiu o arguido A com intenção de causar prejuízo ao Estado, bem como, de obter benefício ilegítimo para terceiro;
- A arguida C pediu à sua colega M para preencher a declaração supra referida e assinou-a, sabendo que no dia 4 de Marco de 1999 o arguido B não esteve, nem compareceu nas instalações da "L, L.da" para efectuar qualquer exame clínico;
- A arguida C sabia que ao assinar a declaração datada de 4 de Março de 1999 supra referida emitia um documento falso. Previu assim que com a sua conduta podia cometer um crime. Não obstante, não deixou de assinar tal declaração, por lhe ser indiferente o resultado previsto, com este se tendo conformado;
- Agiu a arguida com a intenção de causar prejuízo ao Estado, bem como de obter beneficio ilegítimo para outra pessoa;
- O arguido A e a arguida C actuaram em conjugação de esforços, desenvolvendo tarefas complementares necessárias à justificação da falta do arguido B;
- Agiram os arguidos A e C livre e conscientemente, sabendo que as suas condutas eram punidas por lei.
No âmbito do Processo Comum n.° 65/00.5TAPRD
- O arguido é advogado, tem o seu escritório na Rua 1° de Dezembro, n.° ...., em Paredes, e entre os seus clientes encontra-se a sociedade "L, L.da.", com sede no lugar de Entroncamento, freguesia de Sobrosa, concelho de Paredes e da qual é legal representante B, id. a fls. 32;
- O arguido tinha várias acções a propor em Tribunal, como mandatário desta sociedade;
- No dia 22 de Julho de 1999, o arguido apresentou em juízo uma petição inicial por si elaborada e subscrita, em representação da referida sociedade, na qual a sua cliente "L, L.da." pedia a condenação da ré "N - , L.da.", com sede em Bitarães, Paredes, a pagar-lhe a quantia de 324.121 $00 (trezentos e vinte e quatro mil cento e vinte e um escudos), bem como os juros legais, tendo junto com a mesma os documentos de fls. 6 e 7 que se dão por reproduzidos;
- O arguido entregou tal petição inicial e a dita procuração na secretaria judicial deste Tribunal Judicial de Paredes no dia 22 de Julho de 1999, a qual acabou por dar origem aos autos de acção sumaríssima n.° 32/99 do 3° Juízo Cível deste Tribunal;
- O documento de fls. 6 identifica o Cartório Notarial de Paredes e a Notária respectiva, exibe o selo branco em uso naquele Cartório, dele constando, ainda, os seguintes dizeres "PÚBLICA FORMA - É fotocópia pública forma com uma folha do documento que me foi apresentado e restituí e está conforme. Cartório Notarial de Paredes aos 14 de Julho de 1999";
- O documento de fls. 7 não tem aposto o selo branco em uso no Cartório Notarial de Paredes, e tem o seguinte teor "PROCURAÇÃO - L, L.da., com sede em Entroncamento, Sobrosa, Paredes, aqui representada pelo seu sócio gerente B, casado, residente na Av. dos Bombeiros Voluntários de Rebordosa, Rebordosa, Paredes, constitui seus bastantes procuradores os senhores Doutores A e, O e P, Advogados, com escritório na Rua 1° de Dezembro - n°..., na cidade de Paredes, a quem confere os mais amplos poderes forenses em direito permitidos, bem como para receber custas de parte. Paredes, 28 de Janeiro de 1999".
No âmbito do Processo Comum n.° 181/99.4TAPRD
- O arguido exerce a profissão de advogado, com escritório na Rua 1° de Dezembro nesta cidade de Paredes. Exerce tal profissão desde meados do ano de 1996, altura em que acabou o estágio de advocacia. O estágio do arguido foi patrocinado pelo Advogado Sr. Dr.G, que também tem escritório nesta comarca e cidade de Paredes;
- Durante o estágio, o arguido movia-se com toda a liberdade no escritório do patrono e tinha acesso a todos os documentos aí existentes;
- A confiança que lhe era conferida pelo patrono levou-o a urdir um plano para quando se autonomizasse conseguir trabalho e clientela;
- A sociedade "Q" (identificada a fls. 3) era cliente do Advogado Dr.G, tendo por isso depositado no escritório do Ex.mo. Causídico o original de uma procuração forense com as assinaturas reconhecidas notarialmente, e a partir da qual eram feitas as necessárias públicas formas para instaurar acções em tribunal;
- Durante o período das férias judiciais de 1996, uma funcionária daquela firma dirigiu-se ao escritório do patrono do arguido e aí entregou uma letra de cambio, cuja cópia consta de fls.5, a fim de ser intentada uma acção executiva contra R;
- O arguido, na execução do plano que previamente havia delineado, apropriou-se da letra e da pública forma da procuração atrás referida;
- Para dar entrada com a petição no tribunal teria o arguido que conseguir um substabelecimento. Assim, para suprir tal falta, o arguido juntou ao requerimento executivo o documento junto a fls. 9, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
- Tal documento constitui um substabelecimento, no qual consta que o Sr. Dr.G, na qualidade de advogado, substabelece no arguido, enquanto advogado, os poderes conferidos pela procuração aludida supra, tendo no final do aludido texto sido colocadas as necessárias estampilhas fiscais, sobre as quais o Sr. Dr.G tinha aposto a sua assinatura, selos fiscais estes que tinham sido retirados de um outro documento que não foi possível identificar;
- Em nenhum momento o Sr. Dr.G outorgou, ou quis outorgar, a favor do arguido, tal substabelecimento, o que o arguido bem sabia;
- A petição instruída com os elementos a que aludimos, designadamente com o substabelecimento, deu entrada na secretaria deste Tribunal no dia 27 de Setembro de 1996 e foi distribuída ao 1° Juízo Cível, onde passou a correr termos como execução sumária sob o n.° 406/96;
- O arguido ao proceder pelo sobredito modo sabia que usava um substabelecimento que sabia ser falso, desse modo prejudicando a fé devida ao documento que usou;
- Agiu livre, voluntária e conscientemente;
- Sabia que a sua conduta era proibida por lei.
No âmbito do Processo Comum n.° 584/99.4GAPRD
- O arguido é advogado e tem escritório nesta cidade de Paredes, na Rua 1° de Dezembro;
- Sucede que corre termos na Câmara Municipal de Paredes o processo de contra-ordenação n.° 7092/99 RM, em que é arguido também o A, por infracção do regulamento das zonas de estacionamento de duração limitada;
- Por sua vez, o ofendido S, identificado a fls. 2, é funcionário da Câmara Municipal de Paredes, onde desempenha as funções de fiscal municipal, pertencendo ao corpo da Polícia Municipal;
- No dia 24 de Novembro de 1999, o ofendido S recebeu da Divisão de Assuntos Jurídicos da Câmara Municipal de Paredes um mandado de notificação a efectuar ao arguido A, dando-lhe conta do teor da participação que deu origem ao processo de contra-ordenação n.° 7092/99 RM, da possibilidade de efectuar o pagamento voluntário da coima, que assim lhe seria liquidada pelo mínimo e da data designada para, querendo, e não efectuando o pagamento voluntário, ser ouvido em declarações no serviço de contra- ordenações da Câmara Municipal de Paredes, tudo conforme as cópias dos documentos juntos a fls. 21 e 22 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os legais efeitos;
- Deste modo, nesse mesmo dia 24 de Novembro de 1999, pelas 16h e 30m, o ofendido S e o motorista da Câmara Municipal de Paredes T, identificado a fls. 29, dirigiram-se ao escritório do arguido, sito na Rua 1° de Dezembro, em Paredes, ambos devidamente uniformizados e no exercício das suas funções, a fim do S notificar o arguido A nos termos que lhe haviam sido superiormente determinados;
- Aí chegados, o ofendido S e o T bateram à porta do escritório do arguido, pediram autorização para entrar, o que o assistente S fez, tendo-se este S identificado e informado o arguido dos motivos pelos quais aí se encontravam, entregando o S ao arguido a notificação a que se aludiu, solicitando-lhe que depois de se inteirar do seu conteúdo a assinasse;
- O arguido recebeu o original de tal notificação e depois de a ler atirou-a ao chão;
- Posto isto, o arguido dirigindo-se ao ofendido S, com o propósito de o ofender na sua honra e consideração, disse-lhe em voz alta e por várias vezes as seguintes expressões: "Ponha-se lá fora; você é um merdas; vá chatear o seu filho; ponha-se fora do meu escritório";
- Perante tal conduta, o ofendido S apanhou o original da notificação, colocou-a sobre a secretária do arguido e saiu do escritório deste;
- Quando o ofendido S e o seu colega T já se encontravam a descer as escadas do prédio onde se situa o escritório do arguido, este largou-se em correria sobre eles, atirou o original da notificação na direcção do S e do T, e agarrou o ofendido S, o qual só não caiu pelas escadas por ter logrado segurar-se atempadamente ao respectivo corrimão e à pessoa do arguido, ao mesmo tempo que lhe dirigiu em voz alta e, pelo menos, lhe disse "sai daqui seu filho da puta";
- Nesta ocasião solicitou ao ofendido S a respectiva identificação a que este acedeu;
- Regressado ao seu escritório e após ter fechado a respectiva porta, o arguido em voz alta e dirigindo-se ao assistente afirmou "vá-se embora; você é um cabrão; filho da puta";
- Ao ouvir estas expressões sentiu-se o assistente S ofendido na sua honra e reputação social e profissional, bem como no brio pelo desempenho das suas funções de fiscal municipal, tanto mais que tais palavras foram proferidas pelo arguido de forma a serem ouvidas pelas pessoas que se encontravam na ocasião naquele prédio;
- De resto, ao proferir tais expressões quis o arguido atingir e ofender, como conseguiu, a dignidade, consideração e honra devidas ao ofendido S, que bem sabia ser um fiscal municipal e encontrar-se no exercício das suas funções;
- Actuou sempre o arguido livre, deliberada e conscientemente, ciente de que não podia nem devia fazer nada do que fez e que tal comportamento era proibido e punido por lei.
Quanto às condições pessoais
- O arguido A, que é licenciado em Direito, ao tempo da prática dos factos, desenvolvia a actividade profissional de advogado;
- O mesmo arguido, até à data da sua prisão, vivia na companhia de seus pais, desfrutando do seu apoio, sendo certo que se encontra bem inserido no seu núcleo familiar;
- O arguido A foi já julgado e condenado, no âmbito do processo comum singular n° 414/97.1TAPRD do 2° Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Paredes, pela prática de um crime de descaminho de objecto colocado sob o poder público, p. e p. pelo art. 355° do Código Penal, na pena de 2 anos e seis meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, por factos ocorridos em Abril de 1997, tendo a sentença transitado em julgado em 17/05/2001 e, no âmbito do processo comum singular n° 419/00.7TAPRD do 2° Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Paredes, pela prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256°, n° 1, al. c) do Código Penal, na pena de 5 meses de prisão substituída por igual tempo de multa, à taxa diária de Esc. 2.000$00, relativo a factos ocorridos em 15/06/2000, decisão esta já transitada em julgado;
- A arguida C é casada, encontra-se desempregada, mas a preparar uma sociedade de transportes internacionais, que laborará em breve;
- Estudou até ao 12° ano de escolaridade e fez o Curso Técnico de Relações Publicas e Marketing;
- Esta arguida não tem antecedentes criminais e diz-se arrependida;
- O arguido B é industrial, auferindo uma remuneração mensal media de € 2000;
- Estudou até à 4ª classe.
- Este arguido não tem antecedentes criminais.
Factos não provados
No âmbito do Processo Comum n.° 111/00.2TAPRD
- Que o H entregou as letras ao arguido no decurso do ano de 1997;
- Que o I pagou à F as quantias tituladas pelas letras no decurso do ano de 1998;
- Que, na sequência do pagamento das letras, ficou acordado entre o arguido, o I o H que as referidas letras de câmbio seriam devolvidas ao I;
- Que foi o arguido que forjou o documento junto a fls. 49, manuscrevendo o texto que dele consta, colando os selos fiscais e escrevendo por cima deles, pelo seu punho, a assinatura "E»;
- Que depois de ter proposto tal acção, ainda em Julho de 1999, o arguido se dirigiu à residência do I, em Rochão, Vilela, Paredes, informando-o da pendência daquela acção executiva e pedindo-lhe que lhe entregasse a quantia de 739.000$00, relativa à mencionada execução;
- Que foi em finais de Outubro ou princípios de Novembro de 1999 que o H teve conhecimento da propositura da acção e da ocorrência de toda a factualidade descrita.
No âmbito do Processo Comum n.° 118/99.0TAPRD
- Que a arguida C era amiga e conhecida do arguido A;
- Que o arguido B foi informado pelo arguido A de que este iria justificar a sua falta por meios ilícitos;
- Que tendo em vista a justificação da sua falta, bem como a do seu cliente e ora arguido, B, o arguido A, em dia não concretamente apurado, mas que se terá situado entre os dias 17 e 24 de Fevereiro de 1999, telefonou para a firma "U", sita no Centro Médico e de Enfermagem, em Paços de Ferreira, e falou com a arguida C, de quem é conhecido e com quem se dava bem, solicitando-lhe uma "justificação" para um amigo;
- Que a arguida C de imediato acedeu à passagem de tal "justificação";
- Que nesse mesmo dia, passado cerca de uma hora daquele telefonema, o arguido A compareceu na firma "U", onde foi atendido por uma colega da arguida C, a testemunha M, que de imediato se prontificou a chamá-la;
- Que quando a arguida C chegou à recepção, encontrou o arguido A que a informou que se encontrava ali para levar a "justificação", que momentos antes lhe havia solicitado pelo telefone;
- Que a M preencheu a justificação datada de 04 de Março de 1999 nos termos pretendidos pelo arguido A e por ele ditados;
- Que a arguida C entregou tal declaração ao arguido A, e que este se certificou que a mesma estava preenchida nos rigorosos termos que ele queria;
- Que aproveitando a facilidade com que obteve a declaração atrás descrita, o arguido A convenceu a arguida C a passar-lhe mais quatro justificações, de molde a justificar a sua ausência à diligência marcada para o dia 19 de Fevereiro de 1999 na Procuradoria da República do Tribunal de Paredes;
- Que assim, a arguida C preencheu, em cada um dos quatro formulários, com o seu punho os dizeres que lhe foram então ditados pelo arguido A, completando os espaços em branco, tendo assinado no final e entregue ao arguido José as ditas declarações, juntas a tis. 92, 94, 96 e 98 dos autos, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para os devido efeitos legais;
- Que o teor dos documentos de fls. 92, 94, 96 e 98 não corresponda à verdade;
- Que o arguido B ao assinar o requerimento de justificação da sua falta tenha actuado consciente de que os dizeres que dele constam não correspondem à verdade;
- Que o arguido A sabia que eram falsas as declarações que atestavam a sua presença, no dia 19 de Fevereiro de 1999 nas instalações da "U" entre as 9 e as 12 horas para realizar exames complementares de diagnóstico;
- Que a arguida C ao assinar as declarações supra referidas sabia que emitia um documento falso e que previu assim que com a sua conduta podia cometer um crime e que não obstante, não deixou de preencher e assinar tais declarações, por lhe ser indiferente o resultado previsto, com este se tendo conformado;
- Que ao emitir as declarações supra referidas tenha agido a arguida C com a intenção de causar prejuízo ao Estado, bem como de obter beneficio ilegítimo para outras pessoas;
- Que o arguido A e a arguida C actuaram na realização de um plano previamente por ambos acordado;
- Que o arguido B ao assinar o requerimento minutado pelo arguido A, previu a possibilidade de estar a fazer uso de um documento fabricado e falsificado por outra pessoa e que apesar disso não deixou de assinar tal requerimento, aceitando o resultado de tal acção, nem que agiu o arguido B com intenção de causar prejuízo ao Estado, bem como de obter para si benefício ilegítimo;
- Que o arguido B agiu livre e conscientemente, sabendo que a sua conduta era punida por lei.
No âmbito do Processo Comum n.° 65/00.5TAPRD
- Que o arguido A no dia 14 de Julho de 1999 se dirigiu ao Cartório Notarial de Paredes, a fim de extrair várias cópias autenticadas da procuração junta a fls.7, outorgada em 28 de Janeiro de 1999, em que o legal representante da referida sociedade constituía seu bastante procurador o arguido e os Drs. O e P, conferindo-lhes os mais amplos poderes forenses em direito permitidos, bem como para receber custas de parte;
- Que no Cartório Notarial de Paredes foram entregues ao arguido A várias cópias autenticadas da referida procuração;
- Que o documento de fls. 6 foi recebido pelo arguido A no Cartório Notarial de Paredes;
- Que foi o arguido quem, em dia indeterminado, mas compreendido entre 14 de Julho e 22 de Julho de 1999, substituiu a segunda folha de tal procuração por uma fotocópia vulgar da dita procuração, agindo deliberada, livre e conscientemente;
- Que o arguido juntou a uma petição inicial, que depois deu entrada neste Tribunal Judicial de Paredes, uma cópia autenticada de uma procuração, mas em que substituiu uma das folhas de tal procuração;
- Que o arguido alterou um documento autenticado e bem sabia que, com a sua conduta, causava prejuízo ao Estado, uma vez que as cópias autenticadas de qualquer documento estão sujeitas ao pagamento de dinheiro nos Cartórios Notariais.
No âmbito do Processo Comum n.° 181/99.4TAPRD
- Que aquando da entrega da letra de câmbio no escritório do Sr. Dr. G, logo o funcionário do escritório dactilografou a petição para ser intentada a respectiva acção, e que à petição juntou o título executivo bem como uma pública forma de uma procuração em que os sócios-gerentes da firma "Q" constituíam seus procuradores os Advogados G e Y;
- Que foi o arguido quem forjou o substabelecimento junto a fls. 9, dactilografando o texto inerente ao exigido;
- Que, de um outro documento, o arguido retirou os selos fiscais sobre os quais tinha o Sr. Dr. G aposto a sua assinatura, e que, no final do texto que tinha dactilografado, colou o arguido tais estampilhas fiscais, que tinham aposta a assinatura do seu patrono;
- Que depois da acção ter sido intentada o arguido contactou telefonicamente com V, sócio-gerente da firma "Q" dizendo-lhe que o Sr. Dr. G lhe havia transmitido vários processos entre eles o aqui referido;
No âmbito do Processo Comum n.° 584/99.4GAPRD
- Que o arguido empurrou o assistente S;
- Que, quando o assistente S e o seu colega T se encontravam a descer as escadas, o arguido tivesse dirigido ao S as seguintes expressões: "seu cabrão; és um merdas; sai daqui para fora; põe-te na rua seu merdas";
- Que a expressão "saia daqui seu filho da puta", proferida pelo arguido quando o S se encontrava a descer as escadas foi ouvida pelas pessoas que iam naquele momento a passar na rua;
- Que o arguido actuou no propósito de estorvar quanto pudesse a acção do S, visando impedir que o assistente o notificasse.
XI. Recurso do acórdão interposto pelo arguido A.
Embora a interposição do recurso do Ministério Público seja anterior à deste recurso, porque naquele se discute fundamentalmente o cúmulo jurídico de penas, e neste se impugna a prática de qualquer crime, apreciar-se-á em primeiro lugar o recurso do arguido. Com efeito, só faz sentido entrar na discussão da aplicação da pena única depois de se assentar na prática dos crimes.
Na motivação do recurso foram formuladas as conclusões que em seguida se transcrevem:
1º- Não podia vir imputado um crime de burla agravada tentada pois a agravação do art. 218.º só existe na hipótese de prejuízo efectivo ou burla consumada;
2°- Daí que se não for, assim, ao crime consumado reparado era aplicável uma pena inferior ao crime tentado simples, como é fundamento da jurisprudência uniforme citada;
3°- Só podendo ser punível pelo art. 217.º a conduta imputada, o crime carecia de queixa e o MP não tem legitimidade para a acção penal;
4°- De resto não existe burla pelo exercício de direito em processo comum civil pela falta de meios tipicizados ou vinculados do engano indispensável à aceitação pelo burlado da actividade que lhe provoca a perda patrimonial, só podendo ocorrer em processo civil o uso anormal do processo;
5°- Exactamente por isso - nesse reconhecimento - é que o Exmo. Procurador requereu a alteração da imputação para abuso de confiança, esse sim, se, na sequência do processo, o recorrente tivesse ficado com a quantia em prejuízo do seu cliente, nunca aqui em que se reconheceu que apenas houve tentativa de obter o valor;
6°- Poderia ainda ocorrer burla por actos exteriores à execução, mas todos esses factos foram dados como não provados;
7.º - E estes e os dados como provados estão em contradição porquanto, afinal, não se apurou (apurou contraditoriamente que o H recebeu o dinheiro mas não sabia quando (1998...), nem sabia do processo (Outubro ou Novembro), estes e outros suficientes para a nulidade decorrente no art.410.º n. 2 alíneas a) e b) do C.P.P.;
8°- Admitindo-se a burla processual, então antes da consumação, ou antes do resultado, o recorrente pôs-lhe termo face ao requerimento que solicitava que processo fosse à conta (P. 18 e 20 dos autos de execução).
9°- Assim, a desistência em tentativa é relevante e impedia a punição - Lições 1975 -1976 do Prof. Figueiredo Dias à 2.ª turma, pág.31 e s.s., art. 23° e 24° do C.Penal;
10.º- Aliás crime impossível quanto à burla pois a execução foi intentada em nome da F pelo que o pagamento ou era a ela dirigido ou à acção executiva, nunca à pessoa do arguido que, assim, não tinha forma dele se apropriar;
11.º- Não houve apropriação de documentos que foram integrados na execução em que era titular do direito a F, cujos documentos eram e continuaram seus, num processo em que só ela era a beneficiária como exequente;
12.º- Aliás só haveria apropriação se os documentos estivessem endossados ao recorrente ou ele, assim, os integrasse sendo ele próprio o exequente;
13.º- A procuração, como se diz no acórdão, não é falsa mas inexistente juridicamente pois atribuída a pessoa inexistente, quando a falsificação pressupõe a existência de um emitente existente e, assim, de um documento a ele atribuído só que não emitido por aquele ou não assinado por aquele;
14.º- Não sendo falsa, não pode ser punido o uso dessa "falsidade" que no mínimo sendo inexistente juridicamente impossibilitava o seguimento da execução;
15.º- E o facto de não ser punido esse uso, não impedia que fosse punido o crime que com ela se obtivesse se se tivesse obtido o crime.
16.º- Ainda a falsificação implica uma obrigação, essa que constitui o perigo abstracto ou concreto com que se pune a falsificação;
17.º- Em tal documento inócuo não há, nem podia haver qualquer obrigação para o emitente que não sendo o "sósia" do verdadeiro nunca poderia prejudicar aquele por não coincidirem na identificação e, assim, no possível prejuízo;
18.º- Mesmo assim a subtracção ou uso de documentos carecia de queixa do titular particular - art. 259° n. 3 do C.P.P.;
19.º- O recorrente teria de ser absolvido em todo o proc. 111/00;
20°- Também no proc. 181/99 não houve apropriação, ou uso de documento falso, pois o processo foi movido no interesse do cliente como nesse interesse foi o uso do substabelecimento (prolongamento da procuração, ou ratificação de poderes forenses) em vista de que foi o cliente a receber os valores;
21.º- Também a hipotética subtracção implicava o regime da queixa do art. 259º n. 3 do CP., pelo que aqui também o recorrente tem de ser absolvido;
22.º- No proc. 118/99 a factualidade imputada e dada como provada de que o documento é verdadeiro pois emitido por pessoa que o fez só é punível nos termos do art. 255.º, n. 1, alínea c) e 260° n. 1 e 3, por se tratar de punição autónoma do conteúdo do documento e não da existência do documento face ao regime já interpretado na Comissão Revisora do CP, no art.279.º na acta da 15.ª Sessão, logo, não tendo sido o agente tipo (médico) a emitir a atestação que só é punível para os factos concretos aí referidos e prova da sua existência (óbito, nascimento) a conduta não é punível fora os casos do art. 260.º, sem prejuízo da sua ineficácia para justificação de faltas a actos jurídicos;
23.º- No proc. 584/99 como se releva no ac., o funcionário não carecia da assinatura do recorrente para a validade da notificação, ficou ciente de que o recorrente não a assinaria quando a terá deitado ao chão, não podia assim permanecer no escritório do recorrente contra a vontade deste (como era) pois o recorrente teve de repetir, segundo o ac., três vezes a ordem para o pôr cá fora, antes do alegado insulto de "filho da puta és tu, põe-te lá fora" o que significa que o S só saiu forçado depois de três ordens veementes para a saída e depois de ter realizado o seu acto, fundamento para que na violação do direito do recorrente (art.191.º do C. Penal pelo menos...) estão justificados o facto de o recorrente, ou, pelo menos, pelo elemento negativo do tipo, isento de pena - art. 31º, 32°, 186° do C.Penal.
24.º- Nenhum crime praticou e a ter sido praticado algum só o poderia ter sido o de prevaricação para possibilitar a suspensão do exercício da profissão como pena acessória, prevaricação que não ocorreu no prejuízo de seus clientes (exercício de actividade) ou de outrem. pelo que nunca lhe poderia ser aplicada a medida acessória de suspensão.
O Acórdão recorrido violou:
- no proc. 111/00 o disposto no art. 217.º n. 3, 218° n. 2 alíneas a) e c) e n. 3, 256°. 259° n. 4, 23° e 24° do C. Penal e 410° n. 2 do C.P.P.;
- no proc. 181/99 o disposto no art.259.º n. 4 e 256° e 410° n. 2 do C.P.P.;
- no proc. 118/99 violou o disposto no art. 255.º alínea c) e 260° n.º 1 e 3 do C.Penal;
- no proc. 584/99 violou o disposto no art.191.º, 32° e 33° n. 2 e 186° n. 2 do C. Penal;
- violou ainda assim o disposto no art.52° n.º 1 alínea a), 65° e 66° n.º 1 e 2 e 67° n. 3, designadamente.
No provimento do recurso deve o recorrente ser absolvido e revogada a suspensão do exercício profissional.
Não obstante a referência feita ao artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, no requerimento que apresentou na Relação do Porto, a fls. 1789, o recorrente aceitou que o recurso visa exclusivamente o reexame da matéria de direito.
Vejamos se foram cometidos os crimes pelos quais o arguido foi condenado.
Crimes objecto do processo principal (n.º 111/00.2TAPRD).
O arguido foi acusado e condenado, além do mais, pela prática de um crime de burla qualificada, na forma tentada, previsto e punido nos artigos 22.º, 23.º, 217.º, n.º 1, e 218.º.º n.º 1, do Código Penal.
O recorrente levantou a questão da ilegitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal pelo crime de burla na forma tentada. Alega em suma, remetendo para o que já expendera no recurso interposto a fls.1392, que, fazendo o artigo 218.º depender a agravação do efectivo prejuízo de valor elevado, ou de o lesado ficar em situação económica difícil, e não podendo uma burla tentada qualificada ser punida em termos mais graves do que uma burla consumada com reparação integral, a burla tentada só pode ser punida pelo artigo 217.º. Daí a necessidade de queixa para que o Ministério Público pudesse exercer a acção penal.
Mas sem razão, salvo o devido respeito.
Com efeito, o crime de burla tentada imputado ao arguido é punido com prisão até 3 anos e 4 meses ou multa até 400 dias artigos 218.º, n.º 1, 23.º, n.º 2, e 73.º, n.º 1, alíneas a) e c) , sendo também essa a pena aplicável pela prática do crime do mesmo crime na forma consumada havendo reparação integral do dano artigos 218.º, n.ºs 1 e 3, e 206.º, n.º 1. Assim, a pena aplicável ao crime excede a referida no artigo 217.º.
O acórdão deste Supremo Tribunal a que o recorrente, em abono da sua tese, parece querer referir-se, já que não o identifica (fls. 1394), é o de 14-12-88, publicado no BMJ, 382, pg. 314, no qual se entendeu que o crime do artigo 314.º, alínea c), do Código Penal de 1982, não admite a figura da tentativa. Todavia, a hipótese aí contemplada era diferente, como diferente é o regime legal presentemente aplicável. O caso era de punição de um crime de burla agravada tentado, em função do prejuízo consideravelmente elevado e da não reparação do dano, sendo que o Código Penal na versão de 1995 define e pune de forma diversa o crime correspondente artigo 218.º, n.º 2, alínea c) , sendo também diferente o efeito da reparação integral do prejuízo (artigo 206.º).
E integrarão os factos provados o crime de burla, na forma tentada?
No que concerne a esse crime, os factos podem resumir-se no seguinte: foram entregues no escritório do arguido, advogado em Paredes, pelo representante legal de F., quatro letras de câmbio, no valor total de 710 000$00, de que era portadora essa sociedade, aceites por I, e que não foram pagas pelo aceitante; antes de o arguido intentar a respectiva acção executiva, o aceitante pagou as letras à mesma sociedade, na pessoa do arguido, como seu mandatário; não obstante esse pagamento, actuando contra a vontade do dono das letras, o arguido, tendo urdido um plano para conseguir proveitos económicos, munido de uma procuração forjada, intentou em nome daquela sociedade, no Tribunal de Paredes, uma execução para cobrança das letras; o executado, tendo tido conhecimento da instauração da execução, contactou com o sócio gerente da F, pedindo-lhe explicações sobre a pendência da execução, após o que o arguido requereu que o processo fosse à conta, alegando que a sociedade exequente tinha pago nessa data a quantia exequenda.
Nos termos do artigo 217.º do Código Penal, comete o crime de burla quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano astuciosamente provocado, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial.
No acórdão recorrido expendeu-se que «A aparência da existência de um direito que a instauração de um processo judicial confere de per si, nomeadamente quando o requerimento executivo é acompanhado de letras de câmbio, era um meio idóneo a enganar o executado, fazendo-o crer que o pagamento de tais títulos era devido até porque, considerando que em regra o pagamento pressupõe a devolução dos títulos, ou pelo menos, um recibo de quitação, a existência das mesmas no processo executivo era susceptível de convencer o aí executado e o tribunal de que não estavam pagas...».
Afigura-se que não se verificou o erro ou engano astuciosamente provocado pelo arguido para determinar o executado a pagar as quantias das letras ao arguido.
A mera existência de um processo executivo para cobrança coerciva de letras que afinal já estavam pagas não constituía erro ou engano que determinasse o executado a pagar de novo as letras, antes se configura como uma forma de coagir aquele a pagar duas vezes a mesma dívida.
Acresce que se a execução tivesse prosseguido e chegado ao seu termo normal com a venda de bens do devedor, o produto da venda seria, em princípio, entregue ao exequente e não ao seu mandatário, o ora arguido.
E era necessário que o eventual erro ou engano levasse o executado a praticar qualquer acto que se traduzisse em prejuízo patrimonial, o que não aconteceria se, por exemplo, o executado, em vez de pagar espontaneamente a quantia exequenda, ficasse privado dos seus bens em resultado da penhora e venda judicial dos mesmos.
Por último dir-se-á que a situação configura ou pelo menos aproxima-se da chamada burla processual, que continua a não ser incriminada no actual Código Penal Dr. Maia Gonçalves, Código Penal Português, 14.ª ed., pg. 691. E isto porque a actividade processual não é meio para a prática de crimes de burla acórdão do STJ de 16-01-74, BMJ, 233, 67. As leis processuais contêm mecanismos que permitem a repressão dessas práticas, como acontece com a condenação por litigância de má fé, a que alude o artigo 456.º do Código de Processo Civil. E os advogados que patrocinam as partes estão sujeitos à acção disciplinar da Ordem dos Advogados pelas condutas processuais que infrinjam os seus deveres deontológicos.
Não se verificando todos os elementos do crime de burla na forma de tentativa, deverá o recorrente ser dele absolvido.
Abordemos em seguida o crime de falsificação de documento, previsto e punido no artigo 256.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal.
O acórdão recorrido deu como provado que o arguido fez uso no referido processo executivo de um documento intitulado como procuração, junto a fls. 49, constituindo o arguido procurador, do qual consta que uma tal «E», outorga na qualidade de representante legal da firma «F Lda.», identificada como tendo a sua sede na Rua Luís de Camões, em Rebordosa, sabendo o arguido que a F Lda. não tinha a sua sede nessa rua e que a E, pessoa aliás inexistente, não tinha sido sócia-gerente da referida sociedade. Na procuração foram colados selos fiscais e por cima destes foi aposta a assinatura «E». Provou-se também que o arguido «ao usar a procuração nos termos expostos prejudicava a fé pública que lhe era devida».
Alega o recorrente que não há um documento falso, pois este pressupõe-se atribuído a alguém existente. A inexistência da pessoa que pudesse emitir o documento só podia conduzir, não à falsificação, mas a uma ficção e assim à inexistência de procuração da exequente. Por outro lado, a falsificação pressupõe um perigo abstracto ou concreto, mas para conter esse perigo tem de conter uma obrigação para o possível lesado, o que não aconteceu. E o uso não é punível na medida em que inexiste benefício no mesmo.
Salvo o devido respeito, não tem razão.
É certo que nos termos do disposto no artigo 255.º, alínea a), do Código Penal, para que um escrito seja considerado documento para efeitos penais deve permitir reconhecer o emitente.
E, no caso, a pessoa que figura como subscritora do documento não existe.
Mas daí não resulta que o escrito não possa ser considerado um documento, na medida em que o documento se mostra assinado por uma pessoa, identificada com um nome, na falsa qualidade de representante da sociedade F Lda.
Na acta da 13.ª sessão da Comissão Revisora do Projecto da Parte Especial do Código Penal, esclareceu-se que para haver documento basta que seja reconhecível um emitente; quanto a saber se esse emitente é verdadeiro ou falso é já um problema posterior que nada tem a ver com o conceito de documento.
Assim, independentemente de se tratar de um falso emitente, o escrito constitui um documento para efeitos penais.
E verificam-se os elementos constitutivos do crime de falsificação do mesmo, nos termos do artigo 256.º, n.º 1, alíneas a) e c).
Em primeiro lugar porque o documento foi forjado para criar a convicção de que se tratava de uma procuração ao arguido, como advogado, de uma sociedade existente a F Lda. sendo irrelevante a inexistência de uma pessoa com o nome correspondente à que no documento figura como represente legal da sociedade.
Em segundo lugar porque o arguido visava com o uso do mesmo obter um proveito económico através da instauração da execução à revelia do suposto mandante, quanto mais não fosse através do proveito que um profissional do foro normalmente tira do exercício da sua actividade. E, tratando-se de um crime de perigo abstracto, nem era necessário a produção de qualquer resultado para a verificação do crime.
Por último, dir-se-á que a lei não exige que o documento contivesse qualquer obrigação para o possível lesado. A mera falsificação viola por si o interesse protegido a fé pública do documento.
O recorrente invocou também a violação do artigo 259.º do Código Penal, sem que se alcance a pertinência dessa alusão, dado que tal crime não lhe foi imputado.
Tem-se assim por líquido que foi praticado o crime de falsificação de documento previsto e punido no artigo 256.º, n.º 1, alíneas a) e c), do Código Penal.
Crime objecto do processo apenso n.º 118/99.0TPRD
O recorrente foi condenado pela prática de um crime de falsificação de documento previsto e punido no artigo 256.º, n.º 1, alínea b), com referência ao artigo 255.º, alínea a), do Código Penal.
Em suma, o que se provou foi que a co-arguida C, empregada duma clínica de exames médicos, emitiu uma declaração em impresso da clínica, atestando que B tinha, no dia 4 de Março de 1999, permanecido na clínica, das 9 às 11 horas, para realizar exames complementares diagnósticos, o que não corresponde à verdade. O documento destinava-se à justificação de uma falta do B a uma diligência na Procuradoria da República no Tribunal de Paredes. O recorrente, advogado do B, minutou um requerimento em nome deste para justificação da falta, endereçado ao Ministério Público na comarca de Paredes, dando conta de que o B não poderia comparecer à referida diligência, ao qual juntou a referida declaração, que remeteu para o tribunal por via postal em 02-03-2003. O recorrente sabia que o B não tinha estado na clínica nos dias 2 e 4 de Março de 1999 e que a referida declaração era falsa.
Aqui inexiste crime, mas por razões diversas das invocadas pelo recorrente.
Um dos elementos do crime de falsificação pelo qual o arguido foi condenado consiste em o agente fazer constar falsamente do documento facto juridicamente relevante.
Não basta qualquer desconformidade entre a declaração e o que na realidade se passou, ou seja, a chamada falsidade ou ideológica.
Há que recorrer no caso à doutrina alemã, que inspirou a elaboração do Código Penal de 1982.
Segundo Von Liszt, citado no Comentário Conimbrincense ao Código Penal, Tomo II, pg. 667, facto juridicamente relevante é um facto que, só por si ou ligado a outros, dá origem a relações jurídicas, as extingue ou altera.
A falsidade em documentos é punida quando se tratar de uma declaração de um facto falso, mas não todo e qualquer facto falso, apenas aquele que for juridicamente relevante, isto é, aquele que é apto a constituir, modificar ou extinguir uma relação jurídica Comentário referido pg. 683.
O que não é seguramente o caso de uma declaração emitida por uma empregada de uma clínica privada declarando, em desconformidade com a realidade, que uma determinada pessoa esteve na clínica em certo dia e hora, destinada a justificar a falta a um acto processual.
Deste modo, o recorrente deverá ser absolvido do crime de falsificação de documento que lhe foi imputado no referido processo.
E, tendo sido condenada como co-autora desse crime a co-arguida C, apesar de não recorrente, nos termos do artigo 402.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal, o recurso interposto pelo arguido A aproveita a essa arguida, que, consequentemente, deve ser também absolvida da prática do mesmo crime.

Crime objecto do processo apenso n.º 181/99.4TAPRD
O recorrente foi condenado pela prática de um crime de falsificação previsto e punido no artigo 256.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal.
Os factos que integram o crime são, em resumo, os seguintes:
Um empregado da sociedade «Q.», cliente do advogado Dr. G, depositou no escritório deste o original duma procuração forense a partir da qual eram extraídas as públicas formas necessárias para instaurar acções em tribunal. E durante as férias judiciais de 1996, foi entregue no escritório desse advogado uma letra de câmbio a fim de ser intentada uma acção executiva contra R. O arguido, que estagiara com aquele advogado, na execução de um plano que havia delineado, apropriou-se da letra e da pública forma da procuração. Necessitando de um substabelecimento para propor a respectiva acção, juntou ao requerimento executivo, que apresentou em tribunal, o documento junto a fls. 9, que constitui um substabelecimento do qual consta que o Dr. G substabelece no arguido os poderes conferidos pela procuração referida. No final do texto tinham sido colocadas as necessárias estampilhas fiscais, sobre as quais aquele advogado tinha aposto a sua assinatura, estampilhas que tinham sido retiradas de um outro documento, sem que o mesmo advogado quisesse outorgar tal substabelecimento a favor do arguido. Este sabia que usava um substabelecimento falso, desse modo prejudicando a fé devida ao documento que usou.
Alega o recorrente que não se provou que tivesse usado o documento sabendo que era falso, e que não houve queixa por subtracção de documentos, pelo que o Ministério Público carece de legitimidade para a acção penal.
No que toca a este ponto não se entende o levantamento da questão da legitimidade, dado que o arguido não foi acusado de ter praticado o crime de subtracção de documentos do artigo 259.º do Código Penal.
E, tendo o tribunal colectivo dado como provado, de forma muito clara, que o recorrente sabia que o documento era falso, também se não alcança o fundamento para afirmar o contrário.
Tendo o arguido feito uso, através da instauração de uma acção executiva, de um substabelecimento que sabia falsificado, pondo em causa a fé pública do mesmo, contra a vontade do advogado que tinha procuração para esse efeito, tem de se considerar que o recorrente cometeu um crime de falsificação de documento previsto e punido no artigo 256.º, n.º 1, alíneas a) e c), do Código Penal.
Crime objecto do processo apenso n.º 584/99.AGAPRD
Neste processo o arguido foi condenado pela prática de um crime de injúria agravada previsto e punido nos artigos 181.º, n.º 1, e 184.º, com referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea j), do Código Penal.
Cumpre assinalar aqui que o ofendido S apresentou uma desistência da queixa depois de o processo estar em recurso (fls.1701). Todavia, por força do disposto no artigo 116.º, n.º 2, do Código Penal, a desistência é manifestamente extemporânea, pelo que se considera a mesma irrelevante.
Os factos, em resumo, são os seguintes:
S, funcionário da Câmara Municipal de Paredes, exercendo funções de fiscal municipal, dirigiu-se ao escritório do arguido para efectuar uma notificação no âmbito de um processo de contra-ordenação. O arguido, depois de receber o original da notificação, atirou-a ao chão e, com o propósito de ofender o S na sua honra e consideração, proferiu por diversas vezes as seguintes expressões: «Ponha-se lá fora, você é um merdas, vá chatear o seu filho, ponha-se fora do meu escritório». Pouco depois disse-lhe em voz alta «sai daqui seu filho da puta» e noutro momento «vá-se embora seu cabrão».
O recorrente alegou que, não sendo necessária a sua assinatura para a validade da notificação e continuando o S a exigi-la, era ilegal a sua permanência no escritório, pelo que o recorrente podia exigir a saída do S. Tendo dito ao César para sair por três vezes, incorrendo este na prática do ilícito do artigo 191.º do Código Penal, a sua conduta deve considerar-se justificada nos termos dos artigos 31.º e 32.º do código Penal, devendo, pelo menos, ser dispensado da pena, nos termos do artigo 186.º
A construção apresentada pelo recorrente não encontra apoio nem nos factos provados nem no direito.
Com efeito, o recorrente começou a ofender o S ainda antes de lhe dizer para sair do escritório e continuou a ofendê-lo já depois de o mesmo ter saído.
Não faz qualquer sentido, face á evidente inexistência de suporte factual, a invocação da legítima defesa como causa de exclusão da ilicitude, nem a pretensão de dispensa da pena ao abrigo do disposto no artigo 186.º, n.º 2, com fundamento em provocação por conduta ilícita ou repreensível do ofendido.
Consequentemente, deve o recorrente ser considerado autor do referido crime de injúrias.
Questão da proibição do exercício da actividade profissional
Alega o recorrente que não praticou qualquer crime que pudesse fundamentar a aplicação da pena acessória de proibição do exercício da profissão de advogado pelo período de cinco anos, pelo que deve tal pena ser revogada.
Um dos requisitos para aplicação da pena acessória de proibição do exercício de funções regulada no artigo 66.º do Código Penal, é o cometimento de «um crime punido com prisão superior a 3 anos».
Não pode deixar de se entender que se deve atender à pena aplicada em concreto pela prática de um crime, e não à pena aplicável em abstracto ou à pena única aplicada em cúmulo de infracções.
É a interpretação que desde logo é inculcada pela redacção do preceito e que é corroborada pelo Prof. Figueiredo Dias. Discorrendo sobre os pressupostos formais da aplicação da pena acessória de demissão da função pública, no domínio da versão originária do Código de 1982, regulada no artigo 66.º, e para o qual remetia o artigo 69.º, que se referia à interdição de exercício de outras profissões ou actividades, sustenta o referido professor que não bastava que o crime fosse em abstracto punido com aquela pena, tornando-se necessário que o agente tivesse sido concretamente punido com pena de prisão superior a dois anos Consequências Jurídicas do Crime, pg. 166.
Não tendo o arguido e ora recorrente sido condenado em pena superior a 3 anos de prisão, por qualquer dos crimes, não podia ser-lhe aplicada a referida pena acessória, independentemente da verificação de outros requisitos, que por essa razão não interessa considerar.
O recurso procede nesta parte, embora com fundamento diverso do invocado.
XII. Recurso do acórdão interposto pelo Ministério Público
Na motivação desse recurso, o Ministério Público formulou as seguintes conclusões:
O acórdão padece de irregularidade e de nulidade nos termos dos artigos 123.º, n.º 1, e 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, respectivamente.
E incorreu em violação das normas dos artigos 77.º, n.º 3, 66.º, n.ºs 1, e 2, e 50.º, n.º 1, do Código Penal.
A irregularidade que se assaca ao douto acórdão recorrido nos termos do art.° 123.° n.º 1 do Código de Processo Penal, resulta de, também ele, se mostrar afectado pela invalidade que decorre do douto despacho de fls. 1223 a 1225 cuja revogação se pediu por via do recurso admitido a fls. 1335 com fundamento em violação das normas dos art.° 358.° n.° 3, 359.° n.°s 2 e 1, e 1.° n.º 1 f) do Código de Processo Penal, por erro de interpretação.
Revogado, como se espera, o despacho interlocutório, invalidados os despachos de fls. 1230 e 1227 e potenciado, desse modo, o cumprimento das formalidades previstas nos art.° 358.° n.°s 3 e 1 e 360.°, 361.°, 365.°, 368.°, 369.°, 371.°, 372.° e 373.°, seguir-se-á que também o douto acórdão recorrido terá que ser anulado, mas apenas na medida do estritamente necessário à consideração nele do crime de abuso de confiança qualificado p. e p. pelos art.° 205.° n.°s 1 e 4 a) do Código Penal a que, a par dos de burla qualificada sob a forma tentada e de falsificação de documento, os factos constantes da acusação do Proc. n.° 111/00 dão sustentação.
Ainda do ponto de vista da legalidade adjectiva, uma outra correcção merece o douto acórdão: não tratou da cumulação das penas impostas nestes autos ao arguido Dr. A com as que já lho haviam sido nos Processos Comuns Singulares n.° 414/97.1TAPRD e 419/00.7TAPRD, do 2° Juízo Criminal de Paredes, por sentenças anteriormente transitadas - 2 anos 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo de 3 anos, por crime p. e p. pelo art.° 355.° do Código Penal e 5 meses de prisão, substituída por igual tempo de multa a Esc. 2.000$00 diários, por crime p. e p. pelo art.° 256.° n.º 1 c) do Código Penal.
Todos esses crimes se encontravam entre si na relação de concurso superveniente prevista no art.° 78.° n.º 1 do Código Penal.
Incorreu assim na nulidade da omissão de pronúncia prevista no art.° 379.°, n.º 1, c) do Código de Processo Penal.
Por esse motivo, em suprimento dessa nulidade, deve ser anulado o acórdão em tudo quanto se seguiu à fixação das penas parcelares e ordenada a prática dos actos necessários à determinação da pena conjunta.
Mas mesmo que assim se não entenda, o douto acórdão não incluiu na pena conjunta de 2 anos e 6 meses que calculou nos termos do art.° 77.° do Código Penal, a pena de multa 100 dias de à taxa diária de € 7,5 que impôs ao arguido Dr. A pela comissão do crime de injúrias agravada.
Nessa conformidade e para corrigir o manifesto erro interpretativo do art.° 77.° n.° 3 do Código Penal a que tal omissão se deveu, requer-se a condenação do arguido em 2 anos e 6 meses de prisão e 50 dias de multa, esta à taxa diária de € 7,5.
Também a pena acessória de proibição de exercício da profissão e funções de advogado nos termos do art.° 66.° n.°s 1 e 2 do Código Penal, tem que ser revogada.
Ao aplicá-la, violou manifestamente o Ex.mo Tribunal a quo a norma acabada de citar, por erro de interpretação, pois que, contrariamente ao que ela exige, não havia imposto ao arguido Dr. A qualquer pena (parcelar) de prisão de duração superior a 3 anos.
Do mesmo haverá que eliminar a suspensão executiva da pena conjunta pelo período de 5 anos, que também esse segmento do acórdão releva violação de lei, no caso, do art.° 50.° n.º 1 do Código Penal.
Na verdade, para além de na própria economia do acórdão não fazer sentido a subsistência da suspensão executiva sem a «garantia» da proibição do exercício de funções - por isso que o pedido de revogação desta, praticamente implicará a eliminação, também, da suspensão.
A verdade é que a matéria de facto apurada no douto acórdão não permite fundar o prognóstico de que a simples censura do facto e a ameaça da pena afastarão o arguido da criminalidade.
De qualquer modo, sempre se oporiam à pena de substituição as acentuadas exigências de prevenção geral positiva.
A pena conjunta que venha a ser imposta ao arguido deverá ser uma pena efectiva, nunca suspensa na sua execução, sob risco de grave violação da norma do art.° 50° n.º 1 do Código Penal.
Apreciando:
Nas conclusões do recurso o Ministério Público retoma as questões que foram objecto do recurso que interpôs de decisões interlocutórias, relacionadas com a pretendida alteração da incriminação, com o aditamento do crime de abuso de confiança.
Como essas questões foram já apreciadas, a propósito desse recurso, não há que reapreciá-las de novo, remetendo-se para o que aí se expendeu.
Um dos fundamentos do recurso é a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia.
Alega o Ministério Público que o acórdão não cumulou as penas impostas nestes autos com as penas impostas nos processos comuns n.º 419/97.ITAPRD e 414/00.7APRD, do 2.º Juízo Criminal de Paredes, por sentenças transitadas, que se encontravam entre si numa relação de concurso superveniente, prevista no artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal.
E tem razão.
Como se alcança de fls. 1375 e seguintes, o arguido foi condenado por sentença proferida no processo comum n.º 419/00./TAPRD, em 11-07-2001, do 2.º Juízo do tribunal da comarca de Paredes, pela prática de um crime de falsificação de documento previsto e punido no artigo 256.º, n.º 1, alínea c), cometido em 15-06-2000, na pena de 5 meses de prisão substituída por igual tempo de multa taxa diária de 2.000$00, perfazendo o montante global de 3.00000$00.
E, consta a fls. 1350 e 1484, que o arguido foi condenado por sentença de 21-06-2000, proferida no processo comum n.º 414/97.1TAPRD, do mesmo Juízo, pela prática de um crime de descaminho de objecto colocado sob o poder público, previsto e punido no artigo 355.º do Código penal, cometido em Abril de 1997, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos.
Tratando-se de condenações proferidas em datas posteriores aos crimes que são objecto destes autos e ora sob recurso, nos termos do artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal, há lugar ao cúmulo de todas as penas aplicadas, excepto quanto à pena de multa aplicada no processo n.º 419/00.7TAPRD caso a mesmo tenha sido paga, já que não haveria qualquer interesse no cúmulo.
Verificou-se assim uma omissão de pronúncia, que constitui nulidade, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal.
Referiu também o Ministério Público que o acórdão recorrido não incluiu na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão a pena de multa de 100 dias à taxa diária de € 7,5, que impôs ao arguido pela comissão do crime de injúria agravada.
E na verdade, por força do disposto no artigo 77.º, n.º 3 do Código Penal, a pena única devia ter incluído essa pena de multa.
No que concerne à pena acessória de proibição de exercício de profissão, que o Ministério Público também entende não poder ser aplicada, é matéria já apreciada a propósito do recurso do arguido, pelo que nada há a acrescentar ao que aí se expendeu.
Finalmente há que abordar a questão da subsistência da suspensão da execução da pena.
Nesta parte, havendo revogação do acórdão em relação à condenação pela prática de dois crimes, e havendo que realizar novo cúmulo de penas, nos termos indicados, o qual terá de ser realizado na 1.ª instância para não se eliminar um grau de jurisdição, não se pode desde já tomar posição sobre a questão.
XIII. Em conformidade com o exposto, decide-se:
Não tomar conhecimento do recurso do arguido Dr. A interposto a fls. 1256;
Julgar não provido o recurso do Ministério Público interposto a fls. 1315;
Julgar não provido o recurso do arguido Dr. A interposto a fls. 1392;
Julgar parcialmente procedente o recurso do mesmo arguido interposto do acórdão e, em consequência, absolver o arguido da prática do crime de burla na forma tentada e do crime de falsificação de documento objecto do processo comum apenso n.º 118/99.OTPRD, e declarar sem efeito a pena única aplicada e a pena acessória de proibição de exercício da profissão de advogado;
Absolver a arguida C da prática do crime de falsificação de documento pelo qual foi condenada;
Julgar parcialmente provido o recurso do Ministério Público interposto do acórdão quanto ao cúmulo de penas, devendo o tribunal colectivo, se possível constituído pelos mesmos juízes, efectuar novo cúmulo, incluindo também as penas aplicadas nos processo comuns n.ºs 414/97.1TAPRD e 419/00.7TAPRD e bem assim a pena de multa correspondente ao crime de injúria agravado.
Confirmar no mais o acórdão recorrido.
Pagará o recorrente Dr. A 15 UCs de taxa de justiça.
São devidos honorários ao defensor nomeado, de harmonia com a tabela legal.

Lisboa, 29 de Outubro de 2003
Silva Flor
Soreto de Barros
Armindo Monteiro
Flores Ribeiro