Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07P3214
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: HENRIQUES GASPAR
Descritores: REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS
CONHECIMENTO OFICIOSO
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
ROUBO AGRAVADO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
REGIME DE PROVA
Nº do Documento: SJ200711070032143
Data do Acordão: 11/07/2007
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO O RECURSO
Sumário :

I - O regime pressuposto no art. 9.º do CP consta (ainda hoje) do DL 401/82, de 22-09, e contém uma dupla vertente de opções no domínio sancionatório: evitar, por um lado e tanto quanto possível, a pena de prisão, impondo a atenuação especial sempre que se verifiquem condições prognósticas que prevê (art. 4.º), e, por outro, estabelecer um quadro específico de medidas ditas de correcção (arts. 5.º e 6.º).

II - O regime penal especial aplicável aos jovens entre os 16 e os 21 anos constitui, pois, uma imediata injunção de política criminal que se impõe, por si e nos respectivos fundamentos, à modelação interpretativa dos casos concretos objecto de apreciação e julgamento. Injunção que se mantém actual (e porventura mesmo actualizada), como se pode ver na mais recente manifestação externa de uma intenção legislativa de recomposição do regime vigente (a Proposta de Lei 45/VIII, no Diário da Assembleia da República, II Série-A, de 21-09-2000).

III - A aplicação do regime penal relativo a jovens entre os 16 e os 21 anos não constitui, pois, uma faculdade do juiz, mas antes um poder-dever vinculado que o juiz deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos; a aplicação é, em tais circunstâncias, tanto obrigatória, como oficiosa.

IV - A oficiosidade da aplicação e do conhecimento de todas as questões que lhe pertinem resulta da natureza dos interesses que se visam proteger, na realização de uma irrecusável (pelo julgador) opção fundamental de política criminal, e da própria letra da lei ao usar a expressão “deve” com significado literal de injunção. Para tanto, o juiz não pode deixar de averiguar se existem pressupostos de facto para a atenuação sempre que o indivíduo julgado tenha idade que se integre nos limites da lei (cf., v.g., os Acs. do STJ, in CJSTJ, ano V, tomo 3, pág. 192 e ano VII, tomo 3, pág. 234, referindo vária jurisprudência).

V - Para decidir sobre a aplicação de regime relativo a jovens, o tribunal tem de dispor da base factual necessária, e por isso, independentemente do pedido ou da colaboração probatória dos interessados, tem de proceder, autonomamente, às diligências e à recolha de elementos que considere necessários (e que, numa leitura objectiva, possam ser razoavelmente considerados necessários) para avaliar da verificação dos respectivos pressupostos – determinar se pode ser formulado um juízo de prognose benigno quanto às expectativas de reinserção de um jovem –, perspectiva em que o relatório social deve ser considerado um elemento da maior relevância.

VI - O regime penal de jovens, com o nomem de regime especial, não pode ser conceptualmente considerado como lei especial, mas, antes, materialmente, constitui o regime regra aplicável a todos os arguidos que estejam compreendidos nas categorias etárias que prevê, verificados os pressupostos que condicionam a sua aplicação; constitui no rigor um regime específico e não um regime especial. É o que resulta do art. 2.º do referido DL 401/82.

VII - O regime penal aplicável a jovens entre 16 e 21 anos de idade prevê várias medidas e modalidades de determinação e fixação da pena de prisão quando deva ser aplicada, sendo que, no caso de ser aplicável pena de prisão, o art. 4.º do aludido diploma determina que a pena deve ser especialmente atenuada sempre que o juiz tiver «sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado».

VIII - A aplicação do regime, que consiste na atenuação especial da pena quando seja aplicável pena de prisão (superior a 2 anos – art. 5.º do DL 401/82), depende, pois, do juízo que possa (deva) ser formulado relativamente às condições do jovem arguido, e que deve ser positivo quando as diversas variáveis a considerar (idade, situação familiar, educacional, vivências pregressas, antecedentes de formação pessoal, traços essenciais de personalidade em formação) permitam uma prognose favorável (ou, com maior rigor, não impeçam uma prognose favorável) sobre o futuro desempenho da personalidade, mesmo, ou sobretudo, com o acompanhamento das instituições de reinserção.

IX - As reacções penais relativamente a jovens que praticam factos criminais devem, tanto quanto possível, aproximar-se das medidas de reeducação, e na máxima medida permitida pela concordância prática com exigências de prevenção, com a utilização da plasticidade dos modelos que o regime penal específico prevê, evitar as penas privativas de liberdade.

X - Num caso em que, ao tempo dos factos, o recorrente tinha 17 anos de idade, em que o mesmo revela dificuldades de integração, decorrentes de uma situação problemática em termos familiares [vivia numa barraca pertencente a uma tia-avó; não tinha nem tem contactos familiares com o pai; de nacionalidade são-tomense veio residir para Portugal com a idade de 10 anos; criado com a avó paterna não conheceu a mãe; tem escolaridade baixa, tardiamente concluída por falta de motivação e de apoio familiar; trabalhou esporadicamente e por períodos curtos; frequentou em 2005 um programa de recuperação de toxicodependência], por este quadro, de uma singularidade que necessariamente interpela a sociedade, os seus poderes e instituições, os limites das respostas normativas e institucionais hão-se ser equacionados certamente até ao máximo das possibilidades que permitem, na concordância prática entre as exigências dos pressupostos, o sentido dos institutos e a plasticidade das reacções, sendo, por isso, nesta perspectiva, o regime penal de jovens o que tem primeira vocação de aplicabilidade.

XI - Tendo em consideração que:
- a «gravidade do ilícito» não pode constituir, por si, fundamento para um juízo negativo, pois o que releva para este efeito será um juízo de prognose sobre a personalidade e o desempenho futuro da personalidade do jovem, sem qualquer consideração autónoma dos factos, que apenas deverão contribuir para aquele juízo no ponto em que revelam ou neles se manifeste uma projecção de personalidade especialmente desvaliosa. Ora, os factos revelam, antes, um comportamento próprio das pequenas violências urbanas, comum em zonas físicas e sociais de pequena delinquência juvenil, muitas vezes de primeiro grau, e que impõe o combate por meio da utilização de instrumentos de recomposição, evitando, na maior medida possível, as reacções institucionais e o contacto com o sistema prisional;
- as dificuldades que resultam da inexistência de amparos sociais e familiares não devem no plano dos pressupostos do regime de jovens ter uma leitura negativa; com efeito, as condições difíceis em que o arguido tem vivido existem antes e à sua margem e, por isso, não deverão impedir um juízo favorável, ou melhor, constituir-se em juízo desfavorável: só perante a criação de algumas condições possíveis no encaminhamento na direcção dos valores se poderá testar o modo de reacção e o desempenho futuro da personalidade do recorrente;
- numa situação de paradigma como a que vem descrita, o fundamento da prognose deve ser enquadrado pelo lado da ponderação negativa: o juízo deve ser positivo desde que não existam razões fortes para duvidar da possibilidade de reinserção, sendo que o relatório social contém indicações que permitem contribuir para uma prognose positiva, desde que o recorrente seja devidamente acompanhado pelas instituições competentes;
- mesmo o facto da condenação, alguns dias antes, por tráfico de menor gravidade, em pena suspensa, não altera decisivamente os pressupostos que não impõem um juízo desfavorável, apontando antes para uma conexão de circunstâncias envolvidas numa conjunção em que se manifestam os mesmos problemas próprios de uma situação de latência social a exigir um tratamento e uma abordagem conjunta; na leitura integrada do complexo das condições pessoais do recorrente, que aconselham uma interpretação mais plástica dos respectivos pressupostos, deve ser aplicado o regime penal de jovens previsto no DL 401/82, de 23-09, com a atenuação prevista no art. 4.º, porquanto as condições e a idade do recorrente fazem crer que da atenuação resultarão vantagens para a sua reinserção.

XII - Dentro da moldura penal abstracta aplicável, ou seja, de 7 meses e 6 dias a 10 anos de prisão (encontrada na moldura da atenuação especial – art. 73.º, n.º 1, als. a) e b), do CP), e tendo em conta todos os demais elementos e, em particular, o nível de ilicitude nas circunstâncias ambientais em que ocorreram os factos e as condições pessoais e sociais do recorrente, considera-se adequada pela prática de cada um dos crimes de roubo qualificado, p. e p. pelo art. 210.°, n.ºs l e 2, al. b), por referência ao art. 204.°, n.° 2, al. f), ambos do CP, a pena de 1 ano e 6 meses de prisão. E, atendendo aos factos no seu conjunto e ao ilícito global que, pela proximidade executiva, não vai muito além da unidade da acção, e às condições pessoais do recorrente, fixa-se, nos termos do art. 77.º, n.º 1, do CP, a pena única de 3 anos de prisão.

XIII - A suspensão da execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos (art. 50.º, n.º 1, do CP, na redacção da Lei 59/2007, de 04-09) deve ter lugar sempre que, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, for de concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

XIV - Constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, de forte exigência no plano individual, particularmente adequada para, em certas circunstâncias e satisfazendo as exigências de prevenção geral, responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, ao permitir responder simultaneamente à satisfação das expectativas da comunidade na validade jurídica das normas violadas, e à socialização e integração do agente no respeito pelos valores do direito, através da advertência da condenação e da injunção que impõe para que o agente conduza a vida de acordo com os valores inscritos nas normas.

XV - A suspensão da execução, acompanhada das medidas e das condições admitidas na lei que forem consideradas adequadas a cada situação, permite, além disso, manter as condições de sociabilidade próprias à condução da vida no respeito pelos valores do direito como factores de inclusão, evitando os riscos de fractura familiar, social, laboral e comportamental como factores de exclusão.

XVI - Não são, por outro lado, considerações de culpa que devem ser tomadas em conta, mas juízos prognósticos sobre o desempenho da personalidade do agente perante as condições da sua vida, o seu comportamento e as circunstâncias do facto, que permitam fazer supor que as expectativas de confiança na prevenção da reincidência são fundadas.

XVII - Por fim, a suspensão da execução da pena não depende de um qualquer modelo de discricionariedade, mas, antes, do exercício de um poder-dever vinculado, devendo ser decretada, na modalidade que for considerada mais conveniente, sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos.

XVIII - A medida de substituição realiza, assim, de modo determinante, um programa de política criminal, que tem como elemento central a não execução de penas curtas de prisão, na maior medida possível e socialmente suportável pelo lado da prevenção geral, relativamente a casos de pequena e mesmo de média criminalidade. E, deste modo, as penas de prisão aplicadas em medida não superior a 5 anos devem ser, por princípio, suspensas na execução, salvo se o juízo de prognose sobre o comportamento futuro do agente se apresentar claramente desfavorável, e a suspensão for impedida por prementes exigências geral-preventivas, em feição eminentemente utilitarista da prevenção.

XIX - A natureza do instituto e as finalidades de política criminal que prossegue e as condições e pressupostos de aplicação, permitem concluir que a suspensão da pena é adequada à situação do recorrente. Na verdade, pela medida da pena aplicada, a injunção da lei vai no sentido da suspensão da execução, o prognóstico sobre o desempenho futuro não é desfavorável, e, nas condições que vêm provadas, a simples censura do facto e a ameaça da execução prefiguram-se suficientes para prevenir a prática de futuros crimes, pelo que se verificam os pressupostos do art. 50.° do CP.

XX - O recorrente, ao tempo dos factos, tinha 17 anos, sendo assim necessário, como é opção do legislador (art. 53.º, n.º 3 do CP), e vem aconselhado no relatório social para melhor promover a inserção, que a suspensão da execução da pena [por 3 anos] seja acompanhada do regime de prova.
Decisão Texto Integral:


Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:



1. O Ministério Público deduziu acusação, em processo comum e com intervenção do Tribunal Colectivo, contra AA, solteiro, servente da construção civil, nascido a 27/07/87 em S.Tomé e Príncipe, de nacionalidade são tomense, filho de BB e de CC, residente na Quinta da Lage, Rua D, Beco A, porta ..., Falagueira, Amadora, imputando-lhe, em co-autoria material e em concurso real e na forma consumada, 2 (dois) crimes de roubo, p.e p. pelo art.210°, nºs.1 e 2, alínea b), com referência à alínea f) do n°.2 do art. 204°, ambos do Cod. Penal, e um crime de detenção de arma proibida, p.e p.nos termos do art.275°, nº.3, do Cod. Penal, com referência ao art.3°, n°.1, alínea f), do Dec.Lei n° 207/7 5, de 17 de Abril.
Realizado o julgamento, o arguido foi absolvido da prática do crime de detenção de arma proibida, p.e p. pelo art .275°, n°.3, do Cod. Penal, que lhe era imputado, e condenado pela prática, em co-autoria material e em concurso real, de 2 (dois) crimes de roubo, p.e p. pelo art.210°, nºs.1 e 2, alínea b), com referência ao art.204°, n°.2, alínea f), ambos do Cod. Penal, na pena, por cada um deles, de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão e, em cúmulo na pena única de 4 (quatro) anos de prisão.

2. Não se conformando, recorre para o Supremo Tribunal, com os fundamentos constantes da motivação que apresenta e que termina com a formulação das seguintes conclusões:
1.Tribunal" a quo" ao decidir como decidiu violou o art.º 4 do DL 401/82 de 23 de Setembro, e em consequência, o disposto nos artigos 73° e 74° do Código Penal.
2.Efectivamente, por força da atenuação especial consagrada no art.º 4 do DL 401/82 de 23 de Setembro e art.º 73° do Código Penal, considera a defesa do arguido ter o Tribunal "a quo" violado os citados dispositivos legais ao ter condenado o arguido nos termos em que o fez.
3.Ora, o regime jurídico a que o diploma acima referido diz respeito, exige que deva ser especialmente atenuada a pena nos termos dos artigos 73° e 74° do Código Penal, quando o Tribunal entenda que há sérias razões para crer que da atenuação espacial resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
4.Acontece porém que, salvo o devido respeito, o Tribunal "a quo" limitou-se a dizer, sem fundamentar que, e transcreve-se " Os Ilícitos cometidos assumem gravidade não reduzida, aliada a situação pessoal do arguido de instabilidade e sem hábitos de trabalho" e acrescenta imediatamente a seguir que, " Embora então sem antecedentes criminais por não ter ainda transitado em julgado a condenação aludida que sofreu, é assinalável que tenha incorrido na conduta ora em apreço decorridos apenas alguns dias após a prolação dessa decisão.
5.Entendeu, portanto, o Tribunal " a quo", que não havia razões sérias para crer que da atenuação especial resultem vantagens para a reinserção social do arguido de 18 anos de idade.
6.Que o mesmo é dizer que o Tribunal" a quo" entende que, para uma melhor reinserção social do arguido, a medida pena mais adequada é a prisão efectiva.
7.Por outro lado, se o Tribunal "a quo" sustentou a presente asserção no relatório social para determinação da pena que consta dos autos, então devemos dizer que a apreciação feita vai além dos termos do próprio relatório e recomendações do mesmo.
8.Na verdade, em lugar algum do dito relatório se diz que a reinserção social do arguido se mostra de prognose bem reservado.
9.O que se diz é, e transcreve-se" '" emitir um prognóstico reservado na sua reinserção social.
10.E, no que ao caso interessa, há uma diferença assinalável entre um prognóstico reservado e uma prognose bem reservada.
11.E a fronteira radica exactamente em submeter o arguido a um regime de suspensão da execução da pena com regime de prova, ou punir o arguido com pena de prisão efectiva onde vai passar a conhecer toda uma esteira de outros indivíduos ligados a tantos e tantos outros crimes, o que lhe possibilitará cursar uma verdadeira escola de crime,
12.A pena conforme sugerida pelo IRS é a medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, de forte exigência no plano individual, particularmente adequada para, satisfazendo as exigências de prevenção geral, responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, com respeito pelos valores do direito e da comunidade como factores de inclusão evitando assim os riscos de fractura familiar, (para além dos já existentes), social, laboral e comportamental.
13.Estamos perante um jovem adulto (miúdo) proveniente de uma família desestruturada, que vive na exclusão de um gueto urbano, a quem deve ser dada a oportunidade séria de encarar a vida e o futuro com um olhar de cidadão responsável..
14.A suspensão da pena, por força da atenuação especial decorrente do art.o 4° do DL 401182 de 24 de Setembro é, sujeita ao regime de prova (art.ºs 50° 1 e 5 e 53° n.º 1 e 3 do C.P)., é efectivamente, a pena que melhor preenche, simultaneamente, as exigências de prevenção geral e especial.
O magistrado do Ministério Público respondeu à motivação e condensa a sua posição nas conclusões com que faz terminar a resposta:
1 – O recorrente tinha 17 anos de idade à data da prática dos crimes por que foi condenado, pelo que estaria em princípio abrangido pelo regime penal especial para jovens consagrado pelo Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro.
2 – A aplicação de tal regime não é porém automática, dependendo antes da verificação de sérias razões para se crer que da atenuação especial da pena possam resultar vantagens para a reinserção social do agente da infracção.
3 – Razões essas que têm que se fundar na matéria de facto provada, sempre sem descurar as exigências da prevenção geral positiva nem prescindir do limite da pena necessária à garantia de protecção dos bens jurídicos em causa e, por essa via, à da validade da norma que os prevê e tutela.
4 – O factor idade só por si não permite sustentar o juízo de valor necessariamente subjacente à aplicação desse regime especial, sendo que, por outro lado, a própria situação pessoal do recorrente, e por este ora invocada, desaconselha vivamente a aplicação da atenuação especial da pena prevista no art. 4º do DL n.º 401/82, de 22/09.
5 – Desinserido socialmente, sem apoio familiar ou ocupação profissional regular e estável, com hábitos de consumo de estupefacientes e situação económica muito precária, não sendo ainda despiciendo o facto de ter cometido os crimes aqui em causa 10 dias após ter sido condenado pela prática de crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade em pena de prisão suspensa por 4 anos (condenação esta entretanto transitada em julgado),
6 – não é possível concluir que da aplicação do regime especial para jovens delinquentes com a decorrente atenuação especial da pena resultem para o recorrente, nas palavras do douto Colectivo de juízes, “vantagens para a sua reinserção social, a qual se mostra de prognóstico muito reservado”.
7 – Assim, e a ter por boa a pena unitária em concreto aplicada ao recorrente, 4 anos de prisão (que, diga-se, já de si é benévola, pois que resulta de um cúmulo cuja moldura abstracta é de 3 anos e 6 meses a 7 anos de prisão, relativamente a duas penas parcelares que apenas excedem em 6 meses de prisão, cada uma, o mínimo legal aplicável aos delitos em concurso),
8 –falece o pressuposto formal da suspensão da execução da pena consignado na 1ª parte do n.º 1 do art. 50º do CP..
9 – Entendemos, pois, que não é de suspender a execução da pena de prisão; porém, e mesmo a admitir-se a atenuação especial pretendida pelo recorrente e a aplicação de pena não superior a 3 anos por forma a suspendê-la na execução, é nossa opinião que deve tal suspensão durar pelo período máximo previsto na lei (5 anos), e acompanhada, durante esses 5 anos, por adequado e rigoroso regime de prova.
10 – Sempre se acrescentará, porém, que a ilicitude dos factos provados e o grau de culpa do agente que se evidencia, o circunstancialismo que depõe contra o recorrente e o que milita em seu abono, as exigências de prevenção, gerais, e as que in casu se fazem sentir, tornam adequadas, respeitando os critérios definidores dos artºs. 40º e 71º do Código Penal, as penas parcelares aplicadas (repete-se, pouco superiores ao respectivo limite mínimo de 3 anos),
11 - sendo igualmente justo e adequado o quantum emergente do cúmulo jurídico, de 4 anos de prisão.
Considera, deste modo, que deve ser negado provimento ao recurso «ou, a assim se não entender, fixar-se em 5 anos o período de suspensão de execução da pena resultante da atenuação especial prevista no regime penal especial para jovens delinquentes (que não poderá, por força de lei, ser superior a 3 anos de prisão), com rigoroso regime de prova durante igual período».

3. No Supremo Tribunal, a Exmª Procuradora-Geral teve intervenção nos termos do artigo 416º do CPP, entendendo que deve prosseguir o conhecimento do recurso.

4: Colhidos os vistos, teve lugar a audiência com a produção de alegações, cumprindo apreciar e decidir.

O tribunal colectivo considerou provados os seguintes factos:
1 ° No dia 14 de Fevereiro de 2005, pelas 17 horas e 30 minutos, o arguido, juntamente com o menor DD, […], ao avistarem EE e FF, […], que se deslocavam a pé pela Rua Elias Garcia, na Venda Nova, Amadora, logo formularam o propósito de se apropriarem dos telemóveis que aqueles detivessem.
2° Para o efeito, abordaram-nos e, tendo o arguido exibido e apontado àqueles o objecto semelhante a tesoura descrito a fls.56 -constituído por duas partes amovíveis, rodando sobre o seu eixo num raio de 180º, sendo estas suportadas por um arame funcionando como mola, tendo em cada uma das suas extremidades uma lâmina, e na posição de aberto com 21 centímetros de comprimento e cada lâmina com 3,5 centímetros -, exigiram-lhes a entrega dos telemóveis.
3° Aqueles, perturbados no seu sentimento de segurança perante a exibição do referido objecto, recearam pela sua integridade física e até pela vida, não oferecendo qualquer resistência ou oposição à actuação do arguido e acompanhante.
4° Lograram assim o arguido e o referido menor apropriarem-se do telemóvel da marca "Nokia", modelo 2100, de cor cinzenta, com o IMEI ..., pertença de FF, no valor de Eur.100,00 (cem euros), bem como do telemóvel da marca "Nokia", modelo 3650, de cor azul, com o IMEI ..., pertença de EE, no valor de Eur.400,00 (quatrocentos euros).
5° O arguido e o menor, em comunhão de esforços e intentos, dividindo as tarefas entre si, tiveram o propósito de fazer seus os telemóveis, o que conseguiram, sabendo que não lhes pertenciam e que estavam a agir contra a vontade dos respectivos donos.
6° Para tanto, exibiu o arguido o mencionado objecto, perturbando aqueles como descrito e intimidando-os para melhor levarem a cabo os seus desígnios.
7° Após, com os telemóveis em seu poder, abandonaram o local.
8° O arguido, ao ter em seu poder o indicado objecto, conhecia das suas características e de que o mesmo poderia ser utilizado como instrumento letal de agressão, não logrando justificar por que o detinha.
9° Em tudo, agiu deliberada, livre e conscientemente, sabendo que a sua conduta não era permitida.
10° Na sequência de diligências policiais, o arguido e o menor foram localizados nas imediações, tendo cada um deles em seu poder um dos telemóveis referidos.
11 ° Por isso, foram os mesmos entregues aos respectivos donos ainda no mesmo dia.
12° O arguido confessou encontrar-se no local acompanhado de Fábio Covas e ter em seu poder o referido objecto.
13° À data, encontrava-se sem ocupação profissional desde há cerca de quatro anos.
14 ° Vivia só, há cerca de pelo menos um ano, numa barraca, pertencente a uma tia-avó.
15° Não tinha, nem tem, contactos com familiares, designadamente com o pai,
com quem vivera anteriormente.
16° De nacionalidade são tomense, veio residir para Portugal, junto do progenitor, com a idade de dez anos.
17° Havia sido criado com a avó paterna, não conhecendo a mãe.
18° Tem cinco irmãos a residir em Portugal.
19° Apenas concluiu o 4°.ano de escolaridade com catorze anos, por falta de motivação, apoio familiar e empenhamento em tarefas escolares.
20° Não tem qualquer formação profissional.
21 ° Trabalhou, por períodos muito curtos e esporadicamente, como servente da construção civil e como distribuidor de publicidade.
22° Frequentou em 2005 programa de recuperação de toxicodependência em regime de internamento na "Associação Vale de Açor/Projecto Homem", em Almada.
Prova-se ainda que:
Foi anteriormente condenado:
Por acórdão proferido em 4.02.05 no 2ºJuízo Criminal de Lisboa, 3a.Secção, proc.nº. 110/04.5P AAMD, transitado em julgado em 21.02.05, pela prática, em 11.08.04, de crime de tráfico de menor gravidade de estupefacientes, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão suspensa na execução pelo período de 4 (quatro) anos.

5. Definido pelas conclusões da motivação, o objecto do recurso centra-se na questão da aplicação do regime penal de jovens p. no Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro, com as consequências decorrentes na determinação da media e natureza da pena.
O artigo 9º do Código Penal remete para legislação especial o regime penal dos indivíduos maiores de 16 e menores de 21 anos. A imposição de um regime penal próprio para os designados "jovens delinquentes" traduz uma das opções fundamentais de política criminal, ancorada em concepções moldadas por uma racionalidade e intencionalidade de preeminência das finalidades de integração e socialização, e que, por isso, comandam quer a interpretação, quer a aplicação e a avaliação das condições de aplicação das normas pertinentes.
A delinquência juvenil, com efeito, e em particular a delinquência de jovens adultos e de jovens na fase de transição para a idade adulta, é um fenómeno social muito próprio das sociedades modernas, urbanas, industrializadas e economicamente desenvolvidas, obrigando, desde logo o legislador, a procurar respostas exigidas por este problema de indiscutível dimensão social.
O regime pressuposto no artigo 9º do Código Penal consta (ainda hoje) do Decreto-Lei nº 401/82, de 22 de Setembro, e contém uma dupla vertente de opções no domínio sancionatório: evitar, por um lado e tanto quanto possível, a pena de prisão, impondo a atenuação especial sempre que se verifiquem condições prognósticas que prevê (artigo 4º), e por outro, pelo estabelecimento de um quadro específico de medidas ditas de correcção (artigos 5º e 6º).
O regime penal especial aplicável aos jovens entre os 16 e os 21 anos constitui, pois, uma imediata injunção de política criminal que se impõe, por si e nos respectivos fundamentos, à modelação interpretativa dos casos concretos objecto de apreciação e julgamento. Injunção que se mantém actual (e porventura mesmo actualizada), como se pode ver na mais recente manifestação externa de uma intenção legislativa de recomposição do regime vigente (a Proposta de Lei nº 45/VIII, no "Diário da Assembleia da República", II série-A, de 21 de Setembro de 2000).
Na Exposição de Motivos desta Proposta de Lei assenta-se na necessidade, indiscutida, de encontrar as respostas e reacções que melhor parecem adequar-se à prática por jovens adultos de factos qualificados pela lei como crime. «O direito penal dos jovens adultos surge, assim, como categoria própria, envolvendo um ciclo de vida», correspondendo «a uma fase de latência social que faz da criminalidade um fenómeno efémero e transitório. Observa-se, com efeito, nas sociedades modernas, que o acesso à idade adulta não se processa como antigamente, através de ritos de passagem, como eram o fim da escolaridade, o serviço militar ou o casamento que representavam um "virar de página" na biografia individual. O que ocorre, hoje, é uma fase de autonomia crescente face ao meio parental e de dependência crescente face à sociedade que faz dos jovens adultos uma categoria social heterogénea, alicerçada em variáveis tão diversas como são o facto de o jovem ter ou não autonomia financeira, possuir ou não uma profissão, residir em casa dos pais ou ter casa própria».
«Este período de latência social — em que o jovem escapa ao controlo escolar e familiar sem se comprometer com novas relações pessoais e profissionais — potencia a delinquência, do mesmo modo que, a partir do momento em que o jovem assume responsabilidades e começa a exercer os papéis sociais que caracterizam a idade adulta, regride a hipótese de condutas desviantes».
«É este carácter transitório da delinquência juvenil que, se se quer evitar a estigmatização, deve ter-se presente ao modelar o sistema de reacções».
Nesta intencionalidade de política criminal quanto ao tratamento pelo direito penal deste fenómeno social, uma das ideias essenciais é, como se salientou, a de evitar, na medida do possível, a aplicação de penas de prisão aos jovens adultos. Na verdade, «comprovada a natureza criminógenea da prisão, sabe-se que os seus malefícios se exponenciam nos jovens adultos, já porque se trata de indivíduos particularmente influenciáveis, já porque a pena de prisão, ao retirar o jovem do meio em que é suposto ir inserir-se progressivamente, produz efeitos dessocializantes devastadores» (cfr. Proposta de Lei, cit.), constituindo um sério factor de exclusão.
A aplicação do regime penal relativo a jovens entre os 16 e os 21 anos não constitui, pois, uma faculdade do juiz, mas antes um poder-dever vinculado que o juiz deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos; a aplicação é, em tais circunstâncias, tanto obrigatória, como oficiosa.
A oficiosidade da aplicação e do conhecimento de todas as questões que lhe pertinem resulta da natureza dos interesses que se visam proteger, na realização de uma irrecusável (pelo julgador) opção fundamental de política criminal, e da própria letra da lei ao usar a expressão "deve" com significado literal de injunção. Para tanto, o juiz não pode deixar de averiguar se existem pressupostos de facto para a atenuação sempre que o indivíduo julgado tenha idade que se integre nos limites da lei (cfr., v. g., os acórdãos do Supremo Tribunal, na "Colectânea de Jurisprudência", STJ, ano V, tomo III, pág. 192 e ano VII, tomo III, pág. 234, referindo vária jurisprudência).
Para decidir sobre a aplicação de regime relativo o jovens, o Tribunal tem de dispor da base factual necessária, e por isso, independentemente do pedido ou da colaboração probatória dos interessados, tem de proceder, autonomamente, às diligências e à recolha de elementos que considere necessários (e que, numa leitura objectiva, possam ser razoavelmente considerados necessários) para avaliar da verificação dos respectivos pressupostos - no caso, determinar se pode ser formulado um juízo de prognose benigno quanto às expectativas de reinserção de um jovem (no caso com 17 anos à data da prática dos factos).
O relatório social deve ser considerado, nesta perspectiva, um elemento da maior relevância.
O regime penal de jovens, com o nomem de regime especial, não pode ser conceptualmente considerado como lei especial, mas, antes, materialmente, constitui o regime regra aplicável a todos os arguidos que estejam compreendidos nas categorias etárias que prevê, verificados os pressupostos que condicionam a aplicação; constitui no rigor um regime específico e não um regime especial. É o que resulta do artigo 2º do referido Decreto-Lei nº 401/82.
O regime penal aplicável a jovens entre 17 e 21 anos de idade prevê várias medidas e modalidades de determinação e fixação da pena de prisão quando deva ser aplicada.
No caso de ser aplicável pena de prisão, o artigo 4º do Decreto-Lei nº 401/82, determina que a pena deve ser especialmente atenuada sempre que o juiz tiver «sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado».
A aplicação do regime, que consiste na atenuação especial da pena quando seja aplicável pena de prisão (superior a dois anos – artigo 5º do Decreto-Lei nº 401/82), depende, pois, do juízo que possa (deva) ser formulado relativamente às condições do jovem arguido, e que deve ser positivo quando as diversas variáveis a considerar (idade, situação familiar, educacional, vivências pregressas, antecedentes de formação pessoal, traços essenciais de personalidade em formação) permitam uma prognose favorável (ou, com maior rigor, não impeçam uma prognose favorável) sobre o futuro desempenho da personalidade, mesmo, ou sobretudo, com o acompanhamento das instituições de reinserção.
As reacções penais relativamente a jovens que praticam factos criminais devem, tanto quanto possível, aproximar-se das medidas de reeducação, e na máxima medida permitida pela concordância prática com exigências de prevenção, com a utilização da plasticidade dos modelos que o regime penal específico prevê, evitar as penas privativas de liberdade.
A plasticidade do modelo deve permitir logo uma leitura e interpretação dos pressupostos de aplicação, moldadas pela consideração individualizada do caso e do indivíduo na singularidade das condições do percurso de vida, que moldam as vivências que, muitas vezes, não procurou, mas que se lhe impuseram e das quais não tem meios para encontrar uma saída, nem acompanhamento ou apoio de reversão de situações problemáticas.
Na complexidade das sociedades modernas, urbanas, massificadas e com factores acrescidos de desestruturação e de desenraizamento nos meios da imigração, as dificuldades económicas, escolares e de formação, e as consequentes fracturas sociais, induzem fenómenos de isolamento, de afastamento ou mesmo de rejeição, com a assunção de comportamentos desviantes; o consumo e os tráficos de estupefacientes de pequena escala e a criminalidade conexa contra a propriedade como maior ou menor violência associada, são campos onde o fenómeno apresenta manifestações que confrontam a sociedade a um tempo com os sentimentos ambivalentes de insegurança e com as sua próprias responsabilidades.
É neste confronto extremo que, por vezes, casos singulares se apresentam paradigmáticos.
Ao tempo dos factos o recorrente tinha 17 anos de idade.
Revela dificuldades de integração, decorrentes de uma situação problemática em termos familiares, que se deduz dos factos provados nos nºs 13 a 21 da matéria de facto: vivia numa barraca pertencente a uma tia-avó; não tinha nem tem contactos familiares com o pai; de nacionalidade são-tomense veio residir para Portugal com a idade de dez anos; criado com a avó paterna não conheceu a mãe; tem escolaridade baixa, tardiamente concluída por falta de motivação e de apoio familiar; trabalhou esporadicamente e por períodos curtos; frequentou em 2005 um programa de recuperação de toxicodependência.
Por este quadro, de uma singularidade que necessariamente interpela a sociedade, os seus poderes e instituições, os limites das respostas normativas e institucionais hão-se ser equacionados certamente até ao máximo das possibilidades que permitem, na concordância prática entre as exigências dos pressupostos, o sentido dos institutos e a plasticidade das reacções.
Nesta perspectiva, o regime com primeira vocação de aplicabilidade será, como vem sustentado na motivação de recurso, o regime penal de jovens, tomada a especificidade do caso, desde logo, no nível de consideração da exigência dos pressupostos.
A decisão recorrida não considerou aplicável o regime penal do Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro, com o fundamento de que «os ilícitos assumem gravidade não reduzida», «aliada á situação pessoal […] de instabilidade e sem hábitos de trabalho», tudo conjugado com a circunstância de ter praticado os factos alguns dias após uma condenação, não transitada, em pena suspensa por tráfico de menor gravidade. Perante a conjugação de todos estes elementos, a decisão considerou que não existiam sérias razões para um juízo favorável sobre a reinserção social do recorrente.
Dos elementos considerados, a «gravidade do ilícito» não pode constituir, por si, fundamento para um juízo negativo. O que releva para este efeito será um juízo de prognose sobre a personalidade e o desempenho futuro da personalidade do jovem, sem qualquer consideração autónoma dos factos, que apenas deverão contribuir para o juízo de prognose no ponto em que revelam ou neles se manifeste uma projecção de personalidade especialmente desvaliosa.
Os factos, porém, não revelam por si, nem neles se manifesta, ostensiva e claramente, uma personalidade, ou tendências de personalidade desvaliosas. As circunstâncias revelam, antes, um comportamento próprio das pequenas violências urbanas, comum em zonas físicas e sociais de pequena delinquência juvenil, muitas vezes de primeiro grau, e que impõe o combate por meio da utilização de instrumentos de recomposição, evitando, na maior medida possível, as reacções institucionais e o contacto com o sistema prisional.
Por outro lado, as dificuldades que resultam da inexistência de amparos sociais e familiares não devem no plano dos pressupostos do regime de jovens ter a leitura negativa que parece resultar da decisão recorrida: Com efeito, as condições difíceis em que tem vivido existem antes e à margem do recorrente, e por isso não deverão impedir um juízo favorável, ou melhor, constituir-se em juízo desfavorável: só perante a criação de algumas condições possíveis no encaminhamento na direcção dos valores se poderá testar o modo de reacção e o desempenho futuro da personalidade do recorrente.
Numa situação de paradigma como a que vem descrita, o fundamento da prognose deve ser enquadrado pelo lado da ponderação negativa: o juízo deve ser positivo desde que não existam razões fortes para duvidar da possibilidade de reinserção.
A este propósito, o Relatório Social contém indicações que permitem contribuir para uma prognose positiva, desde que o recorrente seja devidamente acompanhado pelas instituições competentes.
Os elementos disponíveis possibilitam, na dúvida, um juízo que lhe não deve ser desfavorável ao recorrente.
Mesmo o facto, que no contexto de tempo é apenas um facto ainda sem consequências de maior imperatividade, da condenação alguns dias antes por tráfico de menor gravidade em pena suspensa, não altera decisivamente os pressupostos que não impõem um juízo desfavorável, apontando antes para uma conexão de circunstâncias envolvidas numa conjunção em que se manifestam os mesmos problemas próprios de uma situação de latência social a exigir um tratamento e uma abordagem conjunta.
Os factos, considerados no seu conjunto, fazem emergir a prevalência das finalidades político criminais que estão no fundamento do regime de jovens: assegurar, na maior extensão possível e compatível com as exigências de prevenção geral, as finalidades de ressocialização e de integração do jovem condenado nos valores da comunidade.
As condições precárias em que o recorrente viveu, e que não permitem um juízo categórico sobre as características da sua personalidade, não podem ser negativamente valoradas contra si, uma vez que também se não provaram factos que decisivamente apontem para a conformação de uma personalidade de contornos problemáticos e decisivamente avessa aos valores da ordem jurídica
Deste modo, na leitura integrada do complexo das condições pessoais do recorrente, que aconselham uma interpretação mais plástica dos respectivos pressupostos, deve ser aplicado o regime penal de jovens previsto no Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro, com a atenuação prevista no artigo 4º, porquanto as condições e a idade do recorrente fazem crer que da atenuação resultarão vantagens para a sua reinserção.
A pena a aplicar há-de, assim, ser encontrada na moldura da atenuação especial (artigo 73º, nº 1, alíneas a) e b) do Código Penal), ou seja, entre sete meses e seis dias e dez anos de prisão.
Nesta moldura, e tendo em consideração todos os demais elementos e, em particular, o nível de ilicitude nas circunstâncias ambientais em que ocorreram os factos e as condições pessoais e sociais do recorrente, considera-se adequada pela prática de cada um dos crimes de roubo qualificado, p. e p. pelo art. 210°, nºs l e 2, alínea b), por referência ao art. 204°, n.° 2, alínea f), ambos do C.P., a pena de um ano e seis meses de prisão.
Atendendo aos factos no seu conjunto e ao ilícito global que pela proximidade executiva não vai muito além da unidade da acção, e às condições pessoais do recorrente, fixa-se, nos termos do artigo 77º, nº 1 do Código Penal, a pena única de três anos de prisão.

7. A suspensão da execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos (artigo 50º, nº 1 do Código Penal, na redacção da Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro) deve ter lugar sempre que, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, for de concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, de forte exigência no plano individual, particularmente adequada para, em certas circunstâncias e satisfazendo as exigências de prevenção geral, responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, ao permitir responder simultaneamente à satisfação das expectativas da comunidade na validade jurídica das normas violadas, e à socialização e integração do agente no respeito pelos valores do direito, através da advertência da condenação e da injunção que impõe para que o agente conduza a vida de acordo com os valores inscritos nas normas.
A suspensão da execução, acompanhada das medidas e das condições admitidas na lei que forem consideradas adequadas a cada situação, permite, além disso, manter as condições de sociabilidade próprias à condução da vida no respeito pelos valores do direito como factores de inclusão, evitando os riscos de fractura familiar, social, laboral e comportamental como factores de exclusão.
Não são, por outro lado, considerações de culpa que devem ser tomadas em conta, mas juízos prognósticos sobre o desempenho da personalidade do agente perante as condições da sua vida, o seu comportamento e as circunstâncias do facto, que permitam fazer supor que as expectativas de confiança na prevenção da reincidência são fundadas.
Por fim, a suspensão da execução da pena não depende de um qualquer modelo de discricionariedade, mas, antes, do exercício de um poder-dever vinculado, devendo ser decretada, na modalidade que for considerada mais conveniente, sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos.
A medida de substituição realiza, assim, de modo determinante, um programa de política criminal, que tem como elemento central a não execução de penas curtas de prisão, na maior medida possível e socialmente suportável pelo lado da prevenção geral, relativamente a casos de pequena e mesmo de média criminalidade.
Deste modo, as penas de prisão aplicadas em medida não superior a cinco anos devem ser, por princípio, suspensas na execução, salvo se o juízo de prognose sobre o comportamento futuro do agente se apresente claramente desfavorável, e a suspensão for impedida por prementes exigências geral-preventivas, em feição eminentemente utilitarista da prevenção.
A natureza do instituto e as finalidades de política criminal que prossegue e as condições e pressupostos de aplicação, permitem concluir que a suspensão da pena é adequada à situação do recorrente.
Pela medida da pena aplicada, a injunção da lei vai no sentido da suspensão da execução; também o prognóstico sobre o desempenho futuro não é desfavorável. Verificam-se, deste modo, os pressupostos do artigo 50° do Código Penal, uma vez que nas condições que vêm provadas, a simples censura do facto e a ameaça da execução prefiguram-se suficientes para prevenir a prática de futuros crimes.
O recorrente, ao tempo dos factos, tinha 17 anos.
É, assim, necessário, como é opção do legislador (artigo 53º, nº 3 do Código Penal), e vem aconselhado no Relatório Social para melhor promover a inserção, que a suspensão da execução seja acompanhada do regime de prova.

8. Nestes termos, na procedência do recurso, atenuadas especialmente as penas por aplicação do disposto nos artigos 4º do Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro e 73º, nº 1, alíneas a), do Código Penal, condena-se o recorrente pela prática de dois crimes de roubo qualificado, p. e p. pelo art. 210°, nºs l e 2, alínea b), por referência ao art. 204°, n.° l, alínea f), ambos do Código Penal, na pena de um ano e seis meses de prisão por cada um; em cúmulo jurídico fixa-se a pena de três anos de prisão, suspensa por cinco anos, com regime de prova, nos termos dos artigos 50º, nº 1 e 53º do mesmo diploma.

Henriques Gaspar (relator)
Soreto de Barros
Armindo Monteiro
Santos Cabral (tem voto de vencido, por entender que não se verificam os pressupostos da suspensão da execução da pena)