Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | PEREIRA MADEIRA | ||
Descritores: | COMPETÊNCIA DA RELAÇÃO RECURSO DA MATÉRIA DE DIREITO RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO OPÇÃO DO RECORRENTE CÚMULO JURÍDICO PENA ÚNICA MEDIDA DA PENA | ||
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Nº do Documento: | SJ20060209001095 | ||
Data do Acordão: | 02/09/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE COM * DEC VOT | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO PARCIAL | ||
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Sumário : | I - Após o alargamento da competência das Relações, que deixaram de conhecer apenas dos recursos das decisões dos juízes singulares, para abarcarem, agora, também os das decisões finais dos tribunais colectivos - independentemente da gravidade da infracção -, desde logo quando se trate de conhecer de facto e de direito ou só de facto, deve responder-se afirmativamente à questão de se saber se tal alargamento é extensível aos recursos dessas decisões que versem apenas matéria de direito. II - Neste sentido depõe o argumento por maioria de razão (quem “pode o mais”, i.e., quem pode julgar de facto e de direito, também “pode o menos”, i.e., julgar só de direito); põe-se cobro à falada incomunicabilidade entre os tribunais superiores; satisfaz-se o objectivo da implantação discreta do princípio da dupla conforme; dá-se corpo ao alargamento dos poderes de cognição das Relações, impedindo-se que decidam, por sistema, em última instância e amplifica-se a possibilidade de um duplo grau de recurso. III - Por outro lado, tendo presente a Exposição de Motivos que subjaz ao actual CPP, o recurso per saltum não é imposto, antes admitido; logo, não sendo obrigatório, conclui-se que quando esteja em causa apenas matéria de direito, se pretendeu deixar na disponibilidade do interessado (nos casos em que o recurso seja admissível), a escolha do tribunal ad quem- a Relação ou o STJ. IV - Tendo em conta que nos casos de cúmulo jurídico (art. 77.º, n.º 2, do CP), a pena única tanto pode emergir da acumulação das penas em concurso, como ficar-se pela exasperação de todas elas afinal concentradas na pena correspondente à pena parcelar mais elevada, este Supremo Tribunal tem lançado mão de um factor de compressão das penas parcelares que se adicionam à pena parcelar mais elevada, que no comum dos casos - mas sempre sem prescindir das circunstâncias da situação concreta -, aponta para a redução a 1/3 dessas penas adicionáveis. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. Em processo comum singular (n.º…., 1.º Juízo da Comarca da….), foi condenado AA, nascido a 3.1.1984, quanto ao mais devidamente identificado, na pena única de 16 anos e 6 meses de prisão e 60 dias de multa, à taxa diária de 3 euros, no montante global de 180 euros. Inconformado com esta decisão, recorreu o arguido à Relação do……, suscitando estas questões: - a mesma não especifica a personalidade do arguido a quando da prática dos factos; - o arguido provém de condição social e económica precária, mantendo um comportamento institucional adequado e activo; - a pena recorrida é desajustada, pois a soma material das penas parcelares representa 24 anos e 4 meses de prisão e o mínimo da pena parcelar mais elevada representa 6 anos de prisão; - além disso, a sua excessiva duração, prejudicaria a ressocialização do recorrente; considera o recorrente justa a pena única de 12 anos de prisão; - mostra-se violado o art.º 77.º, n.º1 do CP; - deveria ter sido aplicado o regime previsto no art.º 4.º do DL n.º 401 / 82, de 23 7 09, para jovens delinquentes, encontrando-se para tal base de apoio no relatório social junto aos autos. O Ministério Público junto do Tribunal recorrido pronunciou-se na sua resposta pela manutenção da decisão recorrida sustentando que os ilícitos praticados assumem foro de gravidade elevada, tanto em termos de alarme social, como de revelação de uma personalidade bastante deformada – não havendo razão para se proceder à atenuação especial da pena, à luz do regime especial par jovens delinquentes. Afinal foi proferido acórdão em que foi decidido conceder provimento parcial ao recurso, condenando o arguido AA na pena única de treze anos de prisão e 60 dias multa, à taxa diária de 3 euros de, no montante global de 180 euros; no mais mantendo a decisão recorrida. Inconformado, de novo recorre o arguido, agora ao Supremo Tribunal de Justiça, assim delimitando o objecto da sua discordância: 1. Vem o presente recurso da decisão do Tribunal da Relação do Porto que, no conhecimento superveniente do concurso de crimes, aplicou uma pena única de prisão de 13 (treze) anos de prisão, nos termos dos artigos 77.º e 78.º, ambos do Código Penal. 2. Da leitura da decisão recorrida, esta reconhece que a decisão proferida em 1.ª instância, que aplicou uma pena de 16 (dezasseis) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela punição do concurso de crimes, “afasta-se substancialmente, em mais de quatro anos de prisão, de forma não fundamentada, do critério normalmente utilizado na sua determinação”. 3. Deveria então ter sido aplicada ao arguido, pela punição do concurso de crimes, uma pena de prisão inferior a 12 (doze) anos e 6 (seis) meses. 4. Resta a incómoda sensação de que o tribunal ad quem aplicou, mesmo assim, uma pena pesada ao arguido – 13 anos de prisão. 5. Superior ao critério normalmente utilizado por este Venerando Supremo Tribunal de Justiça na sua determinação, baseado na soma da pena mais grave com um terço das parcelares menos graves. 6. Não se deve olvidar que, nos termos revelados no relatório social junto aos presentes autos de processo, para a formação da personalidade do arguido contribuíram factores sociais endógenos, nomeadamente ser oriundo de um agregado familiar numeroso, com carências económicas, tendo o seu processo de crescimento/socialização decorrido no contexto familiar condicionado pelos hábitos alcoólicos do progenitor, entretanto falecido. 7. O aqui recorrente, nascido a 3 de Janeiro de 1984, à data dos factos – de Janeiro de 2001 a Fevereiro de 2002; 15 de Julho de 2001 e 21 de Abril de 2002, contava apenas 17/18 anos de idade, tendo completado 21 anos no passado dia 3 de Janeiro do ano em curso [2005]. 8. Vive em unidade de facto com a sua companheira, de quem tem uma filha com 6 anos de idade, a viver com a mãe, sendo regularmente visitado pela mãe e por aquela, encontrando-se ambas, juntamente com a filha comum do casal, a residir em casa da mãe deste. 9. No EP de Coimbra, o recorrente tem mantido um comportamento institucional adequado, tendo ingressado, desde o passado dia 11 de Abril de 2005, num curso de “carpintaria de limpos”, apresentando empenhado e motivado na frequência do mesmo. 10. Ao caso em apreço, a soma material das penas parcelares representa 24 anos e 4 meses de prisão, e limite mínimo da pena parcelar mais levada representa 6 anos de prisão. 11. Considera o aqui recorrente que a pena única conjunta aplicável de 13 anos de prisão é desadequada e desajustada. Porquanto 12. Não pode o julgador perder de vista que se trata de um jovem que, à data dos factos tinha 17/18 anos de idade, pelo que, são redobradas as exigências legais de afeiçoamento da medida da pena concreta à finalidade ressocializadora das penas em geral. 13. Determinar a reclusão de um jovem por tão largo período de tempo, determina igualmente o cuartar (sic) do processo de reintegração do recorrido na sociedade. 14. O recorrido (sic) encontra-se recluído pela primeira vez; que o seu processo de crescimento decorreu num contexto familiar relativamente instável (6 irmãos, pai ora falecido mas ao mesmo tempo alcoólico e agressivo); 15. A pena que foi agora aplicada em cúmulo, de 13 anos, desperta a urgência de que se amenize aqui e agora, atenta a juventude do recorrente, a redução desta pena, de modo a evitar-se que uma reclusão excessivamente longa prejudique uma porventura difícil, mas sempre desejável, ressocialização do recorrente. 16. Sendo que, ao equilíbrio daquele agregado familiar torna-se premente diminuir/encurtar a ausência de relacionamento, contactos e afectos, tão necessários à própria subsistência da cédula social. 17. Justificar-se-á, pois, que se lance mão – em prol da reinserção social do jovem condenado – do dever/poder de atenuação especial da pena, nos termos do art.º 4.º do DL n.º 401/82, de 23/9, reduzindo-se a pena de 13 anos, fixando-se em 10 anos. 18. Apesar de a atenuação especial prevista no art.º 4.º do DL 401/82, de 23/9, não ser de aplicação automática, o tribunal não está dispensado de considerar na decisão a pertinência ou inconveniência da aplicação de tal regime. 19. O recorrido revela a existência de meios suficientes de subsistência para o agregado familiar em que está inserido, porquanto desenvolve actividade de trolha na construção civil, sendo a companheira empregada fabril numa conserveira de…….. 20. E, é o próprio relatório social junto aos autos que conclui: “…entendemos que estão reunidas as condições mínimas para que o seu processo de reinserção decorra sem dificuldades de maior.” 21. Deste modo, dúvidas não restam que, de forma objectiva, resultam vantagens sérias para a aplicação do regime instituído no artigo 4.º do DL 401/82, pelo que o douto acórdão recorrido viola aquele diploma legal. 22. Encontra-se ainda violado o n.º 1 do art.º 77.º do C.Penal. Termina pedindo, no provimento do recurso, a revogação do acórdão recorrido e a redução da pena única para 12 anos de prisão. Ou caso assim não se entenda, a aplicação da atenuação especial prevista no artigo 4.º do DL 401/82, de 23/9. Respondeu o Ministério Público junto da Relação em defesa do julgado. E, apesar de o não ter feito na altura em que a lógica mandava que o fizesse – antes do julgamento consumado no tribunal ora recorrido – suscita no fim, a questão prévia «algo delicada» no seu dizer, qual seja a da (in) competência da Relação para julgamento do recurso, uma vez que o mesmo versava apenas matéria de direito, sendo pois o seu conhecimento da competência exclusiva do Supremo Tribunal de Justiça, com o que seria nulo o acórdão recorrido. As questões a decidir são, pois, a da medida da pena e a questão prévia a que se acaba de fazer alusão. 2. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. Logicamente, começará por abordar-se a questão processual suscitada. Deve dizer-se, para abrir, que a questão não é nova e foi objecto de várias decisões deste Supremo Tribunal, nem sempre, ao que se sabe, em sentido coincidente. A posição assumida pelo relator e pelo primeiro dos Ex.mos Conselheiros Adjuntos – embora não isenta de dúvidas – tem sido e continua sendo, no sentido de que, no actual enquadramento jurídico-processual, as relações, tirando os recursos do tribunal de júri, que são sempre dirigidos ao SupremoTribunal de Justiça, não sofrem qualquer restrição de competência para conhecer [de facto] e (ou) de direito qualquer que seja o recurso penal que lhes é dirigido. Na verdade, tal como em muitos arestos com o mesmo relator foi decidido, nomeadamente, por exemplo no acórdão proferido no recurso n.º ……ou no acórdão de 7/11/2002, proferido no recurso n.º……., e muitos outros que ora seria ocioso citar. São estas as razões de tal entendimento: «O regime dos recursos instituído pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, contém inovações de relevo quando comparado como o regime originário do Código de Processo Penal de 1987. Ali – isto é, na versão original do Código – como se faz notar na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 157/VII que o alterou, os recursos contam-se entre as matérias em que tal Código [1987] mais inovou. “Como se refere no preâmbulo do diploma, foi preocupação do legislador reforçar a economia processual numa óptica de celeridade e eficiência e emprestar efectividade à garantia de um duplo grau de jurisdição. As soluções postas ao serviço destes objectivos caracterizaram-se pela linearidade quase esquemática dos princípios e por uma forte sensibilidade às conexões entre processo e organização judiciária. Neste contexto, as ideias de tramitação unitária, de competência baseada na natureza do tribunal a quo, de estrutura acusatória ou de revista alargada exprimiram um singular compromisso entre teoria e exigências práticas. Houve, certamente, a consciência de que o projecto se aproximava, em alguns capítulos, de limites constitucionais e que a sua aplicação dependeria de uma utilização exaustiva dos meios. Alguns anos decorridos, há que reconhecer que, não obstante os seus aspectos positivos, a experiência, ficou aquém das expectativa. Por razões que, naturalmente, se prenderam mais com dificuldades de aplicação do que com o mérito das soluções, é hoje manifesta a erosão de alguns princípios, de que são exemplo, nomeadamente: b) A incomunicabilidade entre instâncias de recurso resultante de os poderes das relações e do Supremo Tribunal de Justiça incidirem, em regra, sobre objecto diferente (os primeiros sobre recursos interpostos do tribunal singular; os segundos sobre recursos interpostos do tribunal colectivo ou de júri); c) A indesejável duplicação de tribunais de recurso que julgam, por regra, em última instância (em princípio, não há recurso ordinário dos acórdãos proferidos pelas relações e pelo Supremo Tribunal de Justiça); f) O enfraquecimento da função real e simbólica do Supremo Tribunal de Justiça como tribunal a quem compete decidir, em última instância, sobre a lei e o direito”. Para corrigir a indicada erosão de princípios, a nova lei visa, expressamente, a introdução de “instrumentos mais consistentes, adequados e dialogantes, obtidos a partir da reavaliação dos meios disponíveis, da tradição jurídica e da cultura prevalecente.” E para concretização destes objectivos: “c) Faz-se um uso discreto do princípio da «dupla conforme», harmonizando objectivos de economia processual com a necessidade de limitar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça aos casos de maior gravidade; d) Admite-se o recurso per saltum, justificado pela medida da pena e pela limitação do recurso a matéria de direito; e) Retoma-se a ideia de diferenciação orgânica, mas apenas fundada no princípio de que os casos de pequena ou média gravidade não devem, por norma, chegar ao Supremo Tribunal de Justiça; f) Ampliam-se os poderes de cognição das relações, evitando-se que decidam, por sistema, em última instância;” Com este pano de fundo, surgem agora as principais disposições legais concretas onde se tentou verter estes objectivos de política legislativa: 1. Artigo 427.º: Exceptuados os casos em que há recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, o recurso de decisão proferida por tribunal de primeira instância interpõe-se para a relação. 2. Artigo 428.º, n.º 1: As relações conhecem de facto e de direito. 3. Artigo 432.º: Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: a) De decisões das relações proferidas em primeira instância; b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º; c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri; d) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito; e) De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos proferidos nas alíneas anteriores. 4. Artigo 434.º: Sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, n.ºs 2 e 3, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito. Uma interpretação meramente literal dos preceitos transcritos, poderia dar algum apoio à tese sustentada no muito sucinto acórdão da Relação ora em causa, pois, segundo tal teor literal, mormente o do artigo 432.º, d) supra transcrito, “Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça (...) de acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito”. Na interpretação que se extrai do referido aresto da Relação do Porto, este tribunal interpreta tal dispositivo com o sentido de que daqueles acórdãos finais do colectivo (restritos à matéria de direito) só é possível, ou, é imperativo, recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça. Porém, como é sabido, e resulta dos princípios gerais de interpretação jurídica, a letra da lei, se bem que constitua um importante elemento de interpretação não é o único, nem, porventura, o mais importante. O elemento lógico ou racional, conjugado com os elementos histórico, e sistemático, nomeadamente, não podem ser descurados, para mais, quando, como in casu sucede, há apoio – aparente – para duas soluções contraditórias. É que se a tese do acórdão pode mergulhar apoio no teor literal da lei processual vigente, mormente na supra citada disposição legal, a tese aqui defendida pelo Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, com a mesma força, pode apoiar-se nos dizeres, i. a, dos artigos 427.º e 428.º, n.º 1, supra transcritos. É, pois, aqui que emerge com mais evidência a responsabilidade do intérprete, ao ter de eleger, de entre as duas soluções apoiadas pela letra da lei, a que seja verdadeiramente a mais correcta. Daí a necessidade de ultrapassar o patamar da mera leitura dos textos, para, verdadeiramente, apreender a sua essência. É essa a tarefa que ora está cometida a este Supremo Tribunal. A tradição jurídica, que como acima ficou expresso, o novo regime dos recursos pretende repor, vai na direcção oposta àquela por que se orientou a Relação. Com efeito, sem pretensão de fazer um exaustivo percurso histórico, dá-se conta de que, segundo Luís Osório, citando Ulpiano, «o fundamento da existência das Relações é dado pela necessidade de admitir o recurso de apelação, por meio do qual se tende a corrigir os defeitos ou iniquidades do primeiro julgamento (...) Se bem que, por vezes, como diz o mesmo jurisconsulto, se reformam para mal as sentenças bem feitas, pois nem sempre o último é o melhor julgamento». Segundo mesmo autor, desde tempos remotos que a competência das Relações tem sido principalmente o conhecimento das causas em segunda instância. Mas adverte: «Porque as Relações não têm para bem julgar os mesmos elementos que têm os tribunais inferiores, por vezes o legislador lhes tirou o poder de julgar àcerca do facto (...)». Constata-se, por outra via, que no tradicional regime dos recursos condensado no Código de 1929 e que, na sua essência, se manteve em vigor até à sua revogação pelo Código de 1987, tem sido irrestrito o conhecimento dos recursos pelas relações: “as relações conhecerão de facto e de direito nas causas que julguem em primeira instância, nos recursos interpostos das decisões proferidas pelos juízes de primeira instância, das decisões finais dos tribunais colectivos e das proferidas nos processos em que intervenha o júri, baseando-se para isso, nos dois últimos casos, nos documentos, respostas aos quesitos e em quaisquer outros elementos constantes dos autos.” – art.º 665.º do Código de Processo Penal de 1929, modificado pelo Decreto n.º 20147, de 1 de Agosto de 1931. E, nos termos do disposto no artigo 37.º do mesmo Código, às relações competia: 1.º Conhecer em recurso, nos termos da lei, das decisões dos tribunais colectivos e dos juízes de direito das comarcas, dos juízes criminais, e dos juízes de transgressões (...) Ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 36.º competia, nomeadamente, conhecer em recurso, das decisões proferidas nas Relações. Como se disse já, este regime foi profundamente remodelado pelo Código de 1987, passando no essencial as Relações a conhecer apenas dos recursos das decisões proferidas pelos juízes singulares, como se extraia das disposições conjugadas dos artigos 427.º e 432.º, b) e c). Tal estado de coisas, baseando o destino dos recursos mais na natureza do tribunal a quo, que na das decisões, pela erosão de princípios a que conduziu, nomeadamente a “incomunicabilidade” estabelecida entre os tribunais superiores, cada qual a decidir de coisas distintas, em regra sem possibilidade de recurso ordinário, foi declaradamente um alvo da actual reforma. E, como ficou dito, uma das linhas mestras das inovações legislativas, passa pelo alargamento da competência das relações, que deixaram de conhecer apenas de recursos das decisões dos juízes singulares, para abarcarem, agora, também os das decisões finais dos tribunais colectivos – independentemente da gravidade da infracção – desde logo quando se trate de conhecer de facto e de direito ou só de facto. O que ora importa saber agora é se esse alargamento de competência às deliberações finais do tribunal colectivo é extensível aos recursos dessas decisões que versem apenas matéria de direito. Ora, se a gravidade das infracções deixou de constituir limitação aos poderes de cognitivos daquela classe de tribunais superiores, quando está em causa o conhecimento de facto e (ou) de facto e de direito, dificilmente se encontraria justificação racional e lógica para que tal limitação surgisse quando, apenas em discussão, matéria de direito. Quem pode o mais, isto é, quem pode julgar de facto e de direito, não deixará de poder o menos, isto é, é julgar só de direito. Esta conclusão é, de resto, a que mais se harmoniza com o proclamado objectivo de pôr cobro à falada incomunicabilidade entre os tribunais superiores que o regime de 1987 acabou por deixar estabelecer. É também a que melhor satisfaz o objectivo de implantação discreta do «princípio da dupla conforme», declaradamente almejada pelo novo regime A não ser assim, os casos de funcionamento de tal regime ficar-se-iam pelos recursos de facto e de direito para a relação e que pudessem ainda ser objecto de recurso para o STJ. Mas não se descortina razão para o admitir apenas nessa situação e não o estendê-lo àqueles em que está em causa apenas matéria de direito.. Por outro lado, fazendo fé na “Exposição de Motivos”, o recurso per saltum, não é imposto, antes admitido. Logo, não sendo obrigatório, terá de concluir-se, logicamente, que, quando está em causa matéria de direito apenas, se pretendeu deixar na disponibilidade do interessado, nos casos em que o recurso seja admissível, a escolha do tribunal ad quem: a relação ou o Supremo. Assim se corporiza também devidamente a proposta ideia de “diferenciação orgânica apenas fundada Sublinhado agora no princípio de que os casos de pequena e média gravidade, não devem, por norma, chegar ao Supremo Tribunal de Justiça” Enfim, dá-se corpo ao alargamento dos poderes de cognição das relações, impedindo-se que decidam, por sistema, em última instância. Sem esquecer que, assim, se amplifica a possibilidade de um duplo grau de recurso – ut art.º 400.º do CPPP – com os inerentes reflexos positivos e sempre desejáveis em sede de reforço de direitos, liberdades e garantias com assento constitucional. Donde, a conclusão de que, ao referir-se aos recursos para o Supremo Tribunal de Justiça, na alínea d) do artigo 432.º, [recurso das decisões finais do colectivo restritas a matéria de direito] o legislador disse coisa diversa do que pretendia, pois claramente estava arredado do seu pensamento, nessa hipótese, impor o recurso para o mais alto tribunal, antes, e tão-somente, permiti-lo. É certo que, contra o exposto, poderá esgrimir-se com a natureza publicística do direito processual penal, que não poderia acobertar aquela margem de arbítrio permitida ao recorrente na escolha do tribunal ad quem. Mas não se vê que essa margem de arbítrio seja maior do que a que é concedida ao interessado quando lhe é facultada logo – art.º 399.º do CPP vigente – a própria iniciativa de interpor recurso ou deixar de o fazer. Isto é: Tal objecção só colheria plenamente se, à semelhança do que acontecia, em certos casos, no regime do Código de 1929, o recurso (ordinário) fosse obrigatório. De resto, é solução harmónica com o sistema emergente do processo civil – que apesar de regular a composição de conflitos civis, ser não deixa de ter natureza, (equiparada à do processo penal), de direito público nomeadamente do seu artigo 725.º onde consagra idêntico regime de recurso per saltum, com possibilidade de opção pelo interessado entre a relação e o Supremo Tribunal. E que, de algum modo, está de acordo com um dos fins claramente também perseguidos pela actual reforma: limitar o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça. Pois, em muitos casos, é de esperar afoitamente que o recorrente, vergado definitivamente pelo peso do julgamento superior da relação e respectivos fundamentos, se sinta definitivamente desincentivado para levar mais alto a sua discordância. Enfim, e não menos importante, sai, deste jeito, conforme o pretendido pelo legislador, reforçada a função real e simbólica do Supremo Tribunal de Justiça como tribunal a quem compete decidir, em última instância, sobre a lei e o direito. São razões bastantes para ter como mais acertada a interpretação (….) segundo a qual, em suma, as relações, salvo quanto às deliberações do tribunal de júri, não sofrem, no actual regime de recursos, qualquer limitação ao conhecimento de direito, qualquer que seja a natureza do tribunal recorrido e a gravidade da infracção. Daí que, com aquela ressalva, devam conhecer de todo o tipo de recursos de decisões finais da primeira instância que apara ali sejam encaminhados. E, com eles, nos termos legais, dos interlocutórios que os acompanhem na subida. Não se diga, como o já se ouviu ex adverso, que uma tal interpretação viola o artigo 165.º, n.º 1, b), da Constituição, pois que a Lei n.º 59/98 emana do órgão legislativo competente – a Assembleia da República – e visou justamente consagrar as orientações contidas na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 157/VII que levavam incluídas como se deles consta, aquelas alterações na orgânica e funcionamento dos tribunais superiores. E só uma apressada leitura dos textos pode levar alguém a amedrontar-se com uma pretensa violação do princípio do juiz natural. Com efeito, e sem necessidade de ir mais longe, deve dizer-se que a possibilidade de opção pelo recorrente entre uma de duas categorias de tribunais superiores para dirigir o recurso, não viola, de per si, um tal princípio. Basta que as regras estejam, em abstracto fixadas à partida, nomeadamente no momento da consumação do facto. É o que dizem os Mestres: “Particularmente relevante se nos apresenta a doutrina italiana para a interpretação do nosso preceito constitucional [art.º 32.º, n.º 9, da CR], pois que também o artigo 25.º da Constituição italiana refere o juiz preconstituído por lei. A doutrina e jurisprudência italianas começaram por interpretar o preceito da sua constituição como querendo garantir, para além da proibição de tribunais extraordinários, a determinação do tribunal competente com relação ao facto abstracto realizável no futuro e não a posteriori, ou seja, uma competência fixada imediata e exclusivamente por lei, mas resolúvel a posteriori mediante um procedimento singular. Portanto, esta orientação consagrava uma reserva absoluta da lei em matéria de competência jurisdicional, a qual devia ser estabelecida com anterioridade aos factos que hão-de ser julgados. Numa corrente doutrinal mais recente, o princípio do juiz natural preconstituído por lei vem a ser interpretado como sendo aquele que é racionalmente idóneo para garantir a objectividade e imparcialidade do julgamento. A ratio do artigo 25.º, n.º 1, da Constituição italiana seria então a de garantir a imparcialidade do juiz. A competência do juiz deverá ser fixada com base em critérios gerais fixados previamente e não depois da prática do crime e em vista ao seu julgamento de modo a assegurar a sua efectiva imparcialidade. Ora, a tal luz, que é a consagrada na Lei Fundamental, estão definitivamente afastados eventuais fantasmas quanto ao respeito absoluto pelo falado princípio constitucional, assim como qualquer receio quanto à pretensa violação do princípio da proibição de desaforamento consagrado no artigo 23.º da LOFTJ. Diga-se finalmente que não se vê bem como podem resultar diminuídos os direitos de defesa do arguido quando, em vez de poder dispor de apenas uma possibilidade de recurso, como quer a relação, vê esse direito alargado com a possibilidade de acesso a duas classes de tribunais superiores, um deles, justamente, o Supremo Tribunal de Justiça.(…)». São termos em que improcede a falada questão prévia não havendo razão para ter como nulo o acórdão recorrido. Cumpre prosseguir no conhecimento do recurso. Refere o acórdão recorrido: «Foi o seguinte o teor da decisão recorrida [de 1.ª instância]: Discutida a causa, resultaram provados, com base nas decisões a seguir indicadas e no relatório social do arguido, os seguintes factos: 1. Nos presentes autos foi o arguido João Paulo Pinho Silva condenado, por sentença de 01/07/2004, já transitada em julgado, pela prática, em 15 de Julho de 2001: -de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo Art.º 291°,n° 1, aI. b), do Cód. Penal, na pena de oito meses de prisão, e pela prática de um crime de detenção ilegal de arma de defesa, p. e p. pelo Art.º 6° da Lei nº 22/97, de 27 de Junho, na pena de oito meses de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de 12 (doze) meses de prisão, cuja execução se suspendeu pelo período de 3 (três) anos; - de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3°, nº 1, do Dec. -Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 3 (três euros), no o montante global de € 180 (cento e oitenta euros), a que corresponderão, sendo caso disso, 40 (quarenta) dias de prisão subsidiária, e bem assim na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, nos termos do Art.º69°, nº 1, aI. a), do Cód. Penal, pelo período de 12 (doze) meses. 2. O arguido AA sofreu ainda as seguintes condenações: 2.1. No Proc. Comum Colectivo n.º…….GBVFR, do 1° Juízo Criminal do Tribunal Judicial de…….., foi condenado, por acórdão de 21/11/2003, já transitado em julgado, pela prática, em 21/04/2002: 2.1.1. em autoria material, em concurso real, e na forma tentada, de dois crimes de homicídio simples, p. e p. pelo Art.o131° do Cód. Penal, na pena de 6 anos prisão por cada um dos crimes. 2.1.2. em autoria material, em concurso real, de três crimes de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos art.s. 143° e 146°, nos. 1 e 2, com referência ao art.º 132°, nº 2, al. g), do Cód. Penal, na pena de 2 anos prisão por cada um dos crimes. Tendo-lhe sido cominada, em cúmulo jurídico, a pena única de 12 anos de prisão. 3. No Proc. Comum Colectivo n.º……..GAMTS, do 1° Juízo Criminal do Tribunal Judicial de………., foi condenado, por acórdão de 23/12/2002, pela prática, em 2001/2002, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos Art.ºs. 21°, n° 1 e 24°, ais. b) e i), do Dec. -Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas…., ……e ….., do Anexo, na pena de 8 anos prisão. Porém, na sequência de recurso interposto dessa decisão, QS.T.J., por Acórdão de 11/03/2004, transitado em julgado, reduziu tal pena a 5 anos de prisão. 4. O arguido é oriundo de um agregado numeroso, tendo o seu processo de crescimento/socialização decorrido num contexto familiar condicionado pelos hábitos alcoólicos do pai, o qual se tomava agressivo, e pela condição económica humilde, já que o mesmo trabalhava como alfaiate e a mãe trabalhava desde há anos numa fábrica de conservas. 5. A mãe do arguido está actualmente desempregada, a receber subsídio de desemprego, e o pai faleceu há vários anos. 6. A mãe voltou a estabelecer novo relacionamento afectivo, tendo o companheiro falecido, por doença, há cerca de sete anos. De há quatro anos a esta parte, esta vive com o actual marido, o qual possui, também, hábitos alcoólicos, embora sem perturbar substancialmente a dinâmica familiar. 7. O arguido frequentou a escola até aos 12 anos de idade, tendo reprovado uma vez, vindo a abandonar os estudos, apenas com a 48 classe concluída, devido à necessidade de se iniciar laboralmente por força da situação económica precária então vivida pela família. 8. Desde sempre exerceu actividade laboral como trolha, inicialmente para subempreiteiros, trabalhando, aquando da reclusão, há aproximadamente um ano, por conta própria. 9. O arguido manteve um primeiro relacionamento afectivo, cerca de quatro anos, do qual tem uma filha com 6 anos de idade. 10. Quando foi preso mantinha um novo relacionamento, há cerca de seis meses, e a companheira integrava o seu agregado familiar constituído, também, pela mãe do arguido e marido desta e por um irmão. 11. O arguido encontra-se preso no Estabelecimento Prisional de ……, onde deu entrada em 29/09/2004, proveniente do E.P. do ….., em sequência de uma medida disciplinar por posse de pequena quantidade de produto não autorizado. 12. É visitado regularmente pela mãe, bem como pela primeira companheira, com quem, entretanto, restabeleceu o relacionamento afectivo, encontrando-se a mesma, assim como a filha de ambos, a residir, actualmente, na habitação da mãe do arguido. 13. No E.P tem mantido um comportamento institucional adaptado às normas, e no dia 11 de Abril de 2005 ingressou num curso de "Carpintaria de Limpos", curso que tem o seu termo previsto para Fevereiro do próximo ano, apresentando-se o arguido empenhado e motivado na frequência do mesmo. B. O DIREITO APLICÁVEL Todas as decisões supra mencionadas transitaram em julgado, e as respectivas penas encontram-se numa situação de concurso. Por ser este o processo da última condenação, é este o Tribunal competente para realizar o cúmulo jurídico das penas referidas (cfr. Art.º 471°, nº 2, do Cód. Proc. Penal). Para se realizar o cúmulo deverão desfazer-se os cúmulos das penas efectuados no âmbito dos presentes autos, e bem assim do Proc. Comum Colectivo n.º …….GBVFR, do 1° Juízo Criminal do Tribunal Judicial de……., tendo em conta que as regras da punição do concurso operam por referência a todos os crimes que deram origem às diversas penas parcelares, no sentido de se apurar uma pena conjunta, cujo limite máximo é a soma material das diversas penas parcelares (24 anos e 4 meses de prisão) e o mínimo a pena parcelar mais elevada (6 anos de prisão) – Art.ºs. 77° e 78° do Cód. Penal. Na determinação da pena única serão considerados (Art.º 77°, nº 1, 2.ª parte, do Cód. Penal), os factos praticados e a personalidade do arguido manifestada nesses factos e, ainda, a materialidade supra referida em …….. Assim, considerando o número e a natureza das infracções, a personalidade do arguido, os limites abstractos da pena única aplicável, bem como toda a factualidade subjacente, entendemos como inteiramente justa e adequada a pena única de 16 anos e 6 meses de prisão e 60 dias de multa à taxa diária de € 3,00, a que corresponderão, sendo caso disso, 40 dias de prisão subsidiária, a que acresce a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, pelo período de 12 (doze) meses. E já em sede de fundamentação de direito, prossegue: «1. A especificação da personalidade do arguido. Tem a jurisprudência entendido consensualmente que não serão necessárias grandes dissertações acerca da personalidade do arguido para que se considere observado o requisito imposto pelo art.º 77.º, n.º1 do CP. Todavia, também tal consenso abrange a ideia de que sob pena de nulidade do respectivo acórdão deverão ser conjuntamente considerados quer os factos quer a personalidade do agente, não bastando apenas a invocação abstracta dessa personalidade desintegrada das respectivas características – Ac. STJ, 8.7.1998, CJ, Acs. do STJ, VI, tomo 2, 246. Configurar-se-ia uma hipotética nulidade de sentença, prevista nos art.s. 374.º, ns. 2 e 379.º, n.º1, al. a) do CPP. Todavia, esta nulidade de sentença não foi expressamente invocada pelo recorrente na sua motivação ou conclusões do recurso – não podendo este Tribunal oficiosamente suprir essa omissão – art.s. 120.º, n.º1 e 121.º ambos do CPP. A falta de aplicação do regime previsto no art.º 4.º do DL n.º 401 / 82, de 23 / 09, para jovens delinquentes e ponderação do teor do relatório social implica, também a ocorrência hipotética de nulidade de sentença, a qual de acordo com jurisprudência do STJ é enquadrável na alínea c) do n.º 1 do art.º 379.º do CPP – cfr. Acs. de 3.10.2001, proc. n.º 2245 /01-3.ª, SASTJ, n.º 54, pág. 73; de 6.2.2002, proc. n.º 3919 / 01-3.ª, SASTJ, N.º 58,pág. 47. Mantém-se válida a conclusão retirada no parágrafo anterior sobre o não conhecimento oficioso desta nulidade. 2. A pena única. A pena única constante da decisão recorrida afasta-se substancialmente, em mais de quatro anos de prisão, de forma não fundamentada, do critério normalmente utilizado na sua determinação, baseado na soma da pena mais grave com um terço das parcelares menos graves e nas correlativas correcções deste apoio aritmético, para mais ou para menos, conforme a gravidade dos crimes ou a personalidade do delinquente. No presente caso, verificando-se que o conjunto dos factos praticados pelo arguido é de avultada gravidade e a sua personalidade manifestamente propensa para a prática dos crimes mais censuráveis, entendemos adequada a pena única de treze anos de prisão e 60 dias de multa, à taxa diária de 3 euros, no montante global de 180 euros.» Tendo em conta que nos casos de cúmulo jurídico – art.º 77.º, n.º 2, do Código Penal – a pena única tanto pode emergir da acumulação das penas em concurso, como ficar-se pela exasperação de todas elas afinal concentradas na pena correspondente à pena parcelar mais elevada, importa, tanto quanto possível, encontrar um critério que subtraia tal delicada operação às contingências indesejáveis do arbítrio, de efeitos tanto mais gravosos quanto maior for o distanciamento das balizas mínima e máxima da pena aplicável, ou seja, quanto maior for a distância entre a maior pena das parcelares e o máximo de 25 anos fixado na lei. Tem o Supremo Tribunal de Justiça lançado mão, para tal efeito, de um factor de compressão das penas parcelares que se adicionam à pena parcelar mais elevada, que, no comum dos casos, mas sempre sem prescindir das circunstâncias do caso concreto, aponta para a redução a 1/3 dessas penas adicionáveis, embora sem prescindir da necessária adequação a outros em que ela juridicamente se justifique. Ora, no caso, tendo em conta os factos – onde não pode olvidar-se o «peso» de duas condenações de 6 anos de prisão por outras tantas tentativas de homicídio – a jovem idade do recorrente à data da consumação, que, sem justificar a aplicação da atenuação especial específica para jovens adultos nomeadamente em função do número e gravidade dos ilícitos cometidos, deve ser tida na devida conta, enfim, a envolvência social desfavorável que, de algum modo potenciou este início de vida adulta em delinquência – considerando ainda os dados positivos do relatório social sobre a personalidade do recorrente, sem contudo, esquecer os negativos, como o percurso disciplinar na prisão, esse critério mostra-se adequado. E, em face dele, a pena única conjunta deve ser fixada no máximo de 12 anos de prisão. Procede, assim, a principal pretensão recursiva, o que prejudica o conhecimento da subsidiária. 3. Termos em que: A. Julgam improcedente a questão prévia de nulidade do acórdão recorrido. B. Concedem provimento ao recurso e fixam a pena única conjunta em 12 anos de prisão e 60 dias de multa à taxa diária de 3 euros. Sem tributação. Supremo Tribunal de Justiça, 9 de Fevereiro de 2006 Pereira Madeira (relator) Simas Santos Santos Carvalho (com declaração de voto, no sentido que “o recorrente, em processo penal, não pode escolher para qual dos Tribunais pode remeter um determinado recurso, antes tem de se guiar pelas regras imperativas determinadas na lei”). Costa Mortágua Declaração de voto Embora conhecesse da questão de fundo nos termos e com a fundamentação que conduziu à decisão final. votaria pela procedência da questão previa e anularia o Acórdão da Relação. pois discordo da teoria de que o recorrente pode optar em recorrer para a Relação ou para o Supremo em recurso exclusivamente de direito de acórdão do tribunal colectivo. Na verdade: De acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito, recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça, conforme expressamente dispõe o art.° 432°, ai. d), do CPP. Mas, não se diga que, tendo a Relação competência para conhecer de facto e de direito nos recursos de acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo (art.° 427.° do CPP), pode a Relação, por maioria de razão, conhecer de recurso que vise só questões de direito. Este argumento “por maioria de razão” não colhe, pois a competência dos tribunais é questão de interesse e ordem pública, pertencendo a reserva relativa de competência da Assembleia da República (art.° 165°, n.° 1, ai. b), da Constituição da República Portuguesa) e não pode ser deixado ao critério de quem tem o poder, mas também o dever, de aplicar o que está legislado. E viola claramente a lei, pois o art.° 427.° do CPP, impõe que «exceptuados os casos em que há recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, o recurso da decisão proferida por tribunal de ia instância interpõe-se para a relação». E, nos termos da al. d) do art.° 432.° do CPP, recorre-se directamente para o Supremo Tribunal de Justiça, entre outros casos, «de acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito» (sublinhados nossos). Se a Relação se arrogasse competência para conhecer dos recursos de acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito, estaria a ultrapassar os limites da sua competência, em flagrante violação das normas indicadas. E a interpretação de que tal recurso pode fazer-se quer para a Relação quer para o Supremo “conforme a escolha dos recorrentes”, não pode colher. Na verdade, como conceber que haja dois juizes ou dois tribunais simultaneamente competentes para a mesma questão e que o recorrente possa escolher entre um e outro conforme a sua conveniência de momento? Note-se que as regras previstas no art.° 725.° do CPC — que, elucidativamente, não existem no processo penal - não deixam à simples escolha do recorrente a decisão de recorrer para a Relação ou para o STJ, pois é ouvida a parte contrária, o Juiz de 1ª instância tem o poder de se opor e o STJ pode alterar a decisão. Aliás, no processo civil, a regra é a de que das decisões do tribunal colectivo se recorre para a Relação, mesmo nos casos restritos à apreciação da matéria de direito, podendo as partes requerer que o recurso se faça “per saltum” para o STJ. Mas no processo penal, para os que adoptam a referida interpretação, a regra seria a contrária, pois recorre-se para o STJ, mas recorrente pode escolher que o recurso siga primeiro para a Relação. No processo civil a excepção à regra visa acelerar a decisão final (com o recurso “per saltum”), mas no processo penal a pretendida excepção permitiria o seu protelamento (com um novo e imprevisto recurso). Este protelamento, a ser admitido, constituiria uma intolerável diminuição das garantias de defesa, pois o recorrente — que de acordo com esta opinião “escolhe” o tribunal “ad quem” — pode ser o assistente ou o M.° P.° e o arguido ficaria sem a oportunidade de se opor. De resto, tendo recorrente escolhido a Relação o Acórdão neste proferido pode não ter recurso para o STJ (cf art.°s 14°, n.°s 1 e 1 al. a) e 400°, n.° 1, ai. e), do CPP), pelo que o recorrido (que pode ser arguido) vê diminuída a garantia de ver o seu caso apreciado pelo mais alto Tribunal. Por outro lado, podendo haver vários recorrentes, uns que “escolhem” recorrer para o STJ e outros que “escolhem” recorrer para a Relação, sendo as questões suscitadas meramente de direito por qual das escolhas se deve optar? Por fim, se o recorrente, por pura ignorância dos seus direitos, endereça o recurso para a Relação, mas podia tê-lo feito para o STJ, será que “escolheu” recorrer para a Relação? No processo civil, ao menos, o recorrente tem de -fazer um requerimento a pedir o recurso “per saltum” e sobre esse requerimento é exercido o princípio do contraditório. Mas, no processo penal, segundo a dita opinião, bastaria ao recorrente endereçar o recurso para certo tribunal para que nele se fixasse a competência. Aliás, se o legislador quisesse a solução de permitir a escolha dos recorrentes neste domínio, teria redigido o art.° 432°, ai. d), do seguinte modo: «Pode recorrer-se para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente reexame da matéria de direito». Mas, não, o legislador foi imperativo: «Recorre-se para o Supre Tribunal de Justiça». Em suma. o recorrente em processo penal não pode escolher para qual dos Tribunais pode remeter um determinado recurso. antes tem de se guiar pelas regras imperativas determinadas lei. José Vaz dos Santos Carvalho _________________________ I-Itálico nosso. II-Como na nota anterior |