Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02A1942
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: LOPES PINTO
Nº do Documento: SJ200207040019421
Data do Acordão: 07/04/2002
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Sumário :
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

A, intentou acção contra B e mulher C e "D - , S.A.", a fim de ser declarada a nulidade do ‘acordo de expropriação’ realizado entre os réus, por os primeiros, enquanto fiduciários, não o poderem celebrar e a autora - fideicomissária - se lhe opor.
Contestou apenas a ré D, excepcionando a litispendência e a ilegitimidade activa, e impugnando, tendo concluído pela sua absolvição da instância e, subsidiariamente, do pedido.
Após resposta, prosseguiu a acção até final para apuramento da vontade do testador.
Procedeu a acção, declarando-se a ineficácia em sentido estrito, em relação à autora, do ‘acordo de expropriação’ realizado pelos réus, por sentença que a Relação confirmou.
De novo inconformada, a ré D pediu revista concluindo, em suam e no essencial, em suas alegações -
- o réu B foi instituído herdeiro do remanescente da herança
- e a cláusula de inalienabilidade não atinge o remanescente da herança
- pelo que a recorrida não é havida como fideicomissária;
- o testador expressou a sua vontade de forma clara, inequívoca e objectiva ao instituir herdeiros e legatários;
- as instâncias ao atribuírem a esta vontade um sentido diverso, subvertendo-a, por via de admissão de prova complementar, têm o dever de proceder à análise crítica das provas e especificar os fundamentos, sob pena de nulidade do acto decisório;
- violado o disposto nos arts. 2.030-3, 2.187-1 e 2, 2.295-1 a) CC, e 668-1 c) e 712-1 a) e b) CPC.
Contra-alegando, pugnou a recorrida pela confirmação do acórdão e pela condenação da ré como litigante de má fé.
Colhidos os vistos.

Matéria de facto que as instâncias consideraram provada -
a)- por documento particular datado de 99.04.21, intitulado ‘Acordo de Expropriação’, os 1º e 2° réus acordaram na expropriação dos imóveis a seguir identificados, não recorrendo, para o efeito, à aquisição por via de direito privado, nos termos do art° 2° C.Exp., por força da cláusula de inalienabilidade que incide sobre tais imóveis, conforme doc. nº 1, junto com a petição inicial;
b)- o valor indemnizatório acordado pelos réus para a expropriação dos referidos prédios foi de 121000000 escudos, a pagar pela seguinte forma:
- 48400000 escudos, efectivamente pagos em 99.04.21;
- 36300000 escudos, efectivamente pagos em 99.11.04;
- 36300000 escudos, como remanescente da indemnização, na data da transacção formal dos imóveis, cobertos por uma garantia bancária condicionada à exibição da certidão de expropriação, a vencer à primeira solicitação, emitida pelo B.P.S.M., em 99.11.26;
c)- são os seguintes os imóveis objecto do referido acordo:
1)- prédio rústico denominado Campo e Bouça da Lamela, constituído por terreno de cultura, pinhal e mato, sito no lugar da Inveja ou Lamela, da freguesia de Celeirós, inscrito na matriz sob o artº 374 e descrito na C.R.P. de Braga com o n° 00651;
2)- prédio rústico denominado Campo da Agra da Conselheira, constituído por terreno de cultura, a confrontar de Norte com rio Este, Sul, Nascente e Poente com herdeiros de E, sito no lugar de Trezeste, freguesia de Celeirós, Braga, inscrito na matriz sob o artº 398 e descrito na Conservatória com o n° 00652;
3)- Campo da Bica, constituído por terreno de cultura, a confrontar do Norte, Sul e Nascente com herdeiros de E e do Poente com caminho de consortes, sito no lugar de Trezeste, freguesia de Celeirós, Braga, inscrito na matriz sob o artº 400 e que faz parte do prédio misto descrito na Conservatória com o n° 000649;
4)- Campo de Bouçães, constituído por terreno de cultura, a confrontar do Norte com rio Este, Sul com caminho de consortes, do Nascente com herdeiros de E e do Poente com herdeiros de F, sito no lugar de Trezeste, freguesia de Celeirós, Braga, inscrito na matriz sob o artº 402 e que faz parte do prédio misto descrito na Conservatória com o n° 00649;
5)- Leira do Casal, constituída por terreno de cultura, sita no lugar de Trezeste, freguesia de Celeirós, Braga, a confrontar de Norte e Sul com herdeiros de F, do Nascente com caminho de consortes e do Poente com rio Este, inscrito na matriz sob o artº 406 e descrito na C.R.P. com o n° 00653;
6)- Campo da Pereira, constituído por terreno de cultura, sito no lugar de Trezeste, Celeirós, Braga, a confrontar de Norte e Sul com herdeiros de F, Nascente com caminho de consortes e Poente com rio Este, inscrito na matriz sob o artº 408 e descrito na Conservatória sob o nº 00654;
d)- todos estes prédios foram legados ao réu marido por testamento de seu tio G, de 90.06.07, conforme teor do doc. nº 2, junto com a petição inicial, com os dizeres ‘finalmente lego ao meu sobrinho B, filho de H, todos os restantes bens’, mais aí clausulando o testador que era da sua vontade, e desde que a lei o autorizasse, ‘todos estes legados só poderão ser vendidos após a quinta geração dos legatários’;
e)- encontrando-se o ónus de proibição de alienação registado na C.R.P., constando do registo que favorece o réu marido e incidente sobre os prédios supra referidos;
f)- o de cujus G instituiu como legatários de bens determinados e identificados no testamento determinadas pessoas, também identificadas no dito testamento sob os nº 1 a 6;
g)- a pedido da Ré D - , SA, o Secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza, por despacho de 00.05.10, declarou a utilidade pública da expropriação de seis prédios sitos em Trezeste, freguesia de Celeirós, município de Braga, pertencentes aos requerentes, assinalados na planta anexa ao D.R., 23 série de 00.06.26, nº122, os quais constituem os prédios supra identificados na al. c);
h)- em 00.06.09, a ré notificou os réus expropriados para a formalização do acordo por escritura a celebrar no 2° Cartório Notarial de Braga, às 14h. de 00.06.30, devendo para o efeito e previamente remeter toda a documentação pertinente,
i)- tendo em 00.06.29 liquidado e pago na tesouraria da 2ª Repartição de Finanças de Braga o imposto de sisa correspondente no valor de 9680000 escudos;
j)- no dia e hora designados para a formalização do acordo por escritura, os réus expropriados não compareceram no 2° Cartório Notarial de Braga;
l)- ao saber da realização do referido acordo de expropriação, a autora comunicou a sua oposição aos réus,
m)- tendo os seus pais aceitado a nulidade de tal acordo e prontificaram-se a devolver à 2ª ré as importâncias recebidas, o que foi transmitido à 2ª ré;
n)- a vontade do testador de que os bens deixados só poderiam ser vendidos após a quinta geração, abrangeu a deixa de que foi beneficiário o réu marido;
o)- isto mesmo referiu o testador ao beneficiário B a aos seus amigos e conhecidos;
p)- o autor do testamento era um agricultor e um homem simples da aldeia, tendo como simples habilitações a antiga 4ª classe.

Decidindo: -
1 - Percorrendo as alegações da ré em vão se procura a arguição de nulidade que a sua conclusão bem como o apelo ao art. 668-1 c) CPC fariam supor.
As alegações foram viradas apenas à demonstração de a vontade real do testador não ser a indicada pelas instâncias. A haver, seria erro de julgamento e não nulidade processual.
Tão pouco, o apelo ao disposto no art. 712-1 a) e b) CPC encontra qualquer apoio nas suas alegações.
Têm como desnecessário, perante o texto e o contexto do testamento, o recurso à prova complementar, o que é bem diferente de afirmar quer a inadmissibilidade dessa prova quer que deva ser alterada a factualidade fixada.
E, é bom recordar, que o STJ não é uma 3ª instância e que, ressalvado o disposto nos arts. 722 n. 2 e 729 n. 2 e 3 CPC, compete às instâncias, maxime à Relação, a fixação da factualidade.
2 - A recorrente trunca a factualidade fixada.
Trunca-a quanto aos termos do testamento bem como ao que expressamente consta do ‘acordo de expropriação’.
E, por o fazer, pretende que o desenvolvimento jurídico se faça à margem da prova e sem ver se a vontade real do testador que se provou tem um mínimo de correspondência no contexto do testamento, ainda que imperfeitamente expressa (CC- 2187,2).
Isto, porém, não prescinde que se distinga entre apuramento da vontade real (matéria de facto) e a interpretação da declaração de vontade, a fixação do sentido jurídico decisivo da declaração (matéria de direito).
3 - G, pessoa simples de aldeia e praticamente iletrado, dispôs, em testamento, de todos os seus bens a favor de sete pessoas. Enquanto, em relação a seis delas, especificou para cada um os bens com que as contemplou, já quanto à outra - o réu B - indicou o remanescente dos bens.
A todos tratou como legatários - «lego-lhe ...», expressando-se, relativamente ao réu B, o último dos contemplados - «E finalmente lego ao meu sobrinho B...».
De imediato a esta disposição - «É da minha vontade e desde que a lei o autorize, todos estes legados só poderão ser vendidos após a quinta geração dos legatários».
A impressão que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, pode deduzir do comportamento do declarante é ter este querido dar um tratamento igual a cada um dos beneficiados pela sua disposição não só quando os trata como legatários como quando tem a disposição por legado como ainda que impôs a cada um, na medida do que a lei lhe permitisse, a inalienabilidade.
Em relação ao réu B há, no testamento, um outro elemento que, conjugado com a pessoa do testador (agricultor e homem simples de aldeia), mais vinca não só a impressão referida como a vontade de impor ao seu ‘quinhão’ a cláusula de inalienabilidade - é a menção expressa a neste incluir a ‘minha casa de morada’.
A prova complementar veio corroborar o que do contexto do testamento se retirava e, ao fazê-lo, permitiu ao tribunal fixar ter sido essa a vontade real do testador.
Encontrada a vontade real do testador, é esta a que vale (CC- 2187,1).
A uma pessoa simples de aldeia e praticamente iletrado não pode o jurista estar a pedir que conheça o art. 2030 CC e se expresse com o rigor terminológico e jurídico que tantas vezes escapa ao próprio erudito na matéria e também aos simples juristas.
E a substituição fideicomissária não é privativa da instituição de herdeiro, é aplicável também aos legados (CC- 2286 e 2296).
4.- Do ‘acordo de expropriação’ entre os réus pessoas singulares e a ré D consta expressamente que sobre todos os imóveis incide uma cláusula de inalienabilidade resultante do processo de sucessão e que para o levantamento desta cláusula as partes acordam em que será melhor desenvolver ... (als. c) e d) do «considerando» - fls. 5).
Não só a afirmaram como procuraram encontrar um meio para a ultrapassar.
Provado que, tendo-se a fiduciária (a autora) oposto ao dito ‘acordo’, os seus pais (os réus singulares) aceitaram a sua nulidade e prontificaram-se a devolver à ré as importâncias recebidas, o que lhe foi transmitido.
Quando, portanto, esta acção foi proposta a ré estava perfeitamente ciente da cláusula sobre os bens a expropriar e de que ela era a entidade expropriante, da oposição da fiduciária e da vontade dos co-réus em devolverem as importâncias recebidas.
Conheciam, pois, desde momento anterior à propositura da acção, qual fora a vontade real do testador.
Conhece também os termos do testamento.
Não se compreende como contestou procurando fazer tábua rasa do que conhecia e, menos ainda, como após a fixação da factualidade provada continua a pretender que se a ignore, no que reincide de modo insofismável nas alegações para o STJ além de truncar os factos e ter como subvertida completamente a vontade do testador.
Litiga de má fé (CPC - 456, n. 2 a) e b)).
Contra-alegando, pediu a recorrida a condenação da recorrente como litigante de má fé e esta, notificada da contra-alegação, nada disse.
Termos em que se nega a revista e se condena a recorrente, como litigante de má fé, em 500 (quinhentos) euros.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 4 de Julho de 2002.
Lopes Pinto,
Ribeiro Coelho,
Garcia Marques.