Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2709/08.1TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÂO
Relator: OLIVEIRA VASCONCELOS
Descritores: CONTRATO DE CONCESSÃO COMERCIAL
DENÚNCIA
RESOLUÇÃO
INDEMNIZAÇAO DE CLIENTELA
Data do Acordão: 06/18/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE A REVISTA DA AUTORA E NEGADA A DA RÉ
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS.
DIREITO COMERCIAL - CONTRATO COMERCIAL / CESSAÇÃO DO CONTRATO.
Doutrina:
- Carolina Cunha, “A Indemnização de Clientela do Agente Comercial”, Stvdia Ivridica, nº 71, a pp. 329, 335, 338, 339.
- Menezes Leitão, A Indemnização de Clientela no Contrato de Agência, 2006, a p. 80 e seguintes.
- Pedro Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, p. 179
- Pinto Monteiro, Contrato de Agência, 2ª edição, pp.103, 104.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 432.º, N.º1.
DECRETO-LEI N.º 178/86, DE 03.07, COM AS ALTERAÇÕES QUE NELE FORAM INTRODUZIAS PELO DECRETO-LEI 118/93, DE 13.04: - ARTIGOS 30.º, 33.º, 34.º
Sumário :
1. A situação do concessionário no momento da denúncia do contrato é tão merecedora de atribuição da indemnização de clientela como a do agente, desde que se verifique o pressuposto da obrigação de transmissão do círculo de clientes ao concedente e este adquira benefícios dessa transmissão.

2. A indemnização de clientela é uma compensação devida ao agente – ou concessionário – após cessação do contrato, pelos benefícios que de que principal – ou concedente – continua a auferir com a clientela angariada ou desenvolvida pelo agente – ou concessionário.

3. Tal indemnização só é devida se o contrato tiver cessado por razões imputáveis ao agente.

 4. A pergunta que tem que se fazer face à questão posta pelo nº3 do artigo 33º do Decreto-lei 178/86 é qual a causa em virtude da qual o contrato cessou e não quais as razões pela quais aquela causa existiu.

5. Para que de verifique o requisito da indemnização de clientela referido na alínea a) do nº1 do artigo 33º do Decreto-lei 178/86, não se mostra necessário que os benefícios tenham já ocorrido, bastando que, de acordo com um juízo de prognose, seja bastante provável que eles se venham a verificar.

6. A indemnização de clientela não é uma verdadeira “indemnização”, não revestindo a característica sancionatória ou reparatória que nos levaria a fazer coincidir o seu montante com os prejuízos que o concessionário teve com a cessação do contrato.

7. Na verdade, o que se pretende é “compensar” o concessionado, não pelos prejuízos que teve, mas antes pela “mais-valia” que proporcionou ao concedente graças à atividade por si desenvolvida.

8. O que conta são os benefícios proporcionados pelo concessionário ao concedente, pelo que a quantificação da indemnização de clientela tem por base, não o prejuízo sofrido pelo concessionário com a cessação do contrato, mas tão só o enriquecimento que o concedente auferiu ou vai auferir com o aproveitamento da clientela anteriormente angariada pelo concessionário.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Em 2008, na 10ª Vara Cível de Lisboa, AA, SA intentou a presente ação contra BB, SPA

Alegou em resumo que

- no âmbito da sua atividade comercial, na sequência dos contactos estabelecidos com a ré, na década de oitenta, esta última aceitou que a autora fosse e ficasse representante/concessionária da sua marca e dos seus produtos, em regime de exclusividade, para a comercialização (venda e distribuição) destes produtos no território Português;

- mediante contrato verbal celebrado, definiram as partes, entre si, a estratégia comercial para angariação, publicidade e o marketing dos produtos BB no mercado Português, tendo para tanto a autora que realizar todo um investimento de divulgação, promoção e marketing dos produtos fabricados pela ré, tendo construído de raiz, e desenvolvido uma estrutura comercial específica para venda e distribuição de tais produtos;

- o contrato manteve-se estável e duradouro desde os anos 80 até outubro de 2007, comercializando e fornecendo a ré os seus produtos em Portugal através da autora;

- inicialmente a gama de produtos comercializados era apenas referente a mosaicos de vidro para decoração e para revestimentos de piscina, passando, face ao êxito do produto, a incorporar outras componentes fabricadas pela R. em trabalhos projetados por artistas plásticos e com uma índole mais criativa, em mosaicos de qualidade superior, sendo que foi com o trabalho desenvolvido pela autora que os produtos da ré obtiveram a projeção que tiveram e ainda têm no mercado português, criando até a autora uma equipa de profissionais que se deslocavam a Itália para receber formação, cujos encargos eram custeados pela autora;

- no ano de 2006, a ré começou por alterar radicalmente as condições anteriormente acordadas e negociadas, decidindo aumentar de modo significativo os preços, estipulando um objetivo que representava uma exigência de crescimento de cerca de 64%, acompanhado por uma redução dos descontos comerciais que vinham a ser feitos ao longo dos anos de contratação;

- tal postura tinha como objetivo provocar denúncia do contrato por parte da ré, o que veio a acontecer em 27 de outubro de 2007;

- data a partir da qual, sem qualquer outra comunicação, a ré fez terminar a representatividade e a intermediação da autora e passou ela a contactar, de forma direta, os clientes angariados por aquela e a vender-lhes os produtos BB;

- esta situação acarretou enormes prejuízos para a autora, que viu frustradas todas as expectativas criadas com a angariação da clientela que havia conseguido, a diminuição efetiva da faturação, a consequente diminuição dos lucros, e ainda postos em causa alguns projetos futuros já em carteira;

- tais prejuízos importam na verba aproximada de 1.100.642,006, correspondentes a 888.154,006 de perda de faturação e de clientela, 13.000,006 de per da de bónus, 199.488,00€ de produtos em stock não retomados, assistindo assim à A. o direito a ser indemnizada em tal montante, a título de indemnização pela falta de pré-aviso e de indemnização de clientela.

Pediu que a ré fosse condenada no pagamento à autora de uma indemnização por denúncia sem respeito do prazo de pré-aviso e da quantia a título de indemnização por clientela, pelos danos patrimoniais que a autora sofreu por a ré se ter estabelecido diretamente em Portugal, no montante de 1.100.642,006 €, acrescido dos respetivos juros vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento, por a R. ter posto termo ao contrato mediante o qual a autora detinha a agência exclusiva e representação da casa BB e produtos da ré em Portugal.

Contestando

a ré alegou, também em resumo, que

- não foi dada qualquer exclusividade à autora para a venda dos seus produtos;

- não foi estabelecido com a autora qualquer contrato de agência ou concessão comercial;

- a autora apenas comprava os produtos da ré e depois procedia à sua venda, sem que para o efeito houvesse algum acordo entre elas:

- não houve qualquer cessação de contrato ilícita por parte da ré;

- não existiram os prejuízos invocados pela autora.

Proferido despacho saneador, fixada a matéria assente e elaborada a base instrutória, foi realizada audiência de discussão e julgamento.

Em 2012.09.10, foi proferida sentença, em que se julgou a ação parcialmente procedente, condenando-se a ré a pagar à autora quantia de 150.000,000 €, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva dos juros comerciais, desde a data do trânsito em julgado da decisão até integral pagamento, absolvendo a ré do mais pedido.

Inconformadas, a autora e a ré deduziram apelações, esta última subordinada.

Em 2013.06.25, na Relação de Lisboa, foi proferido acórdão em que se julgou improcedente a apelação da ré e parcialmente procedente a apelação da autora, condenando-se a ré a pagar à autora, a quantia de 200.000,00 € , a título de indemnização de clientela, mantendo-se no mais o decidido.

Novamente inconformadas, quer a autora, quer a ré, deduziram as presentes revistas, apresentando as respectivas alegações e conclusões.

Ambas contra alegaram.

Cumpre decidir.

As questões

Tendo em conta que

- o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº3 e 690º do Código de Processo Civil;

- nos recursos se apreciam questões e não razões;

- os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido

são os seguintes os temas das questões propostas para resolução:

A) – Cessação do contrato

B) – Indemnização de clientela

C) – Abuso de direito

Os factos

São os seguintes os factos que foram dados como provados nas instâncias:

1. A A. exerce a atividade comercial, entre outras, de importação e exportação de materiais de construção civil e decoração e prestação de serviços técnicos a nível da indústria da construção civil, conforme doc. de fls. 54 a 57. - al. A) dos factos assentes

2. A R. é uma sociedade italiana que exerce a atividade industrial de fabricação de mosaico de vidro para decoração de interiores e revestimentos exteriores. - al. B) dos factos assentes

3. Para o exercício da sua atividade, a A. frequenta e visita feiras internacionais de maior oferta de produtos na área dos materiais de construção, nas suas múltiplas funcionalidades. - al. C) dos factos assentes

4. Foi assim que na década de 80, há cerca de 20 anos, a A. se deslocou à feira internacional de materiais de construção na cidade italiana de Bolonha. - al. D) dos factos assentes

5. Nessa feira, os representantes da A., Srs. CC e DD, tomaram, pela primeira vez, conhecimento da atividade desenvolvida pela R., visitaram o seu "stand", na feira, viram e observaram os produtos por esta fabricados e comercializados, tendo constatado que os mesmos não eram, nem conhecidos, nem comercializados em Portugal. - al. E) dos factos assentes

6. Os produtos da R. em exposição na referida feira e que mais despertaram a atenção dos representantes da A. consistiam, essencialmente, em mosaicos de revestimento e mosaicos decorativos para piscinas. - al. F) dos factos assentes

7. Da visita e dos conhecimentos obtidos na feira, A. e R. vieram, posteriormente, a estabelecer contactos comerciais, tendo em vista a comercialização dos produtos desta, no mercado português. - al. G) dos factos assentes

8. Por acordo verbal celebrado na década de 80, a R. obrigou-se a vender à A. e esta a comprar-lhe os produtos por aquela fabricados marca "BB", com o fim de os revender no território português, em regime de exclusividade. - resposta ao art.° 1.° da base instrutória

9. Nos termos acordados, a A. obrigou-se a proceder à: - angariação de clientela; - promoção do conhecimento dos produtos da R. em feiras, exposições e outros eventos; - organização duma rede de vendas e distribuição; - promoção e formação profissional de vendedores específicos nesta área e gama de produtos. - resposta ao art.° 2.° da base instrutória

10. A A. e a R., no âmbito do contrato celebrado, mais definiram entre si a estratégia comercial para a angariação, a publicidade e o marketing dos produtos BB no mercado Português. -resposta ao art.° 3.° da base instrutória

11. Para desenvolver e dar a conhecer a marca e os produtos da R., a A. teve que realizar no território nacional todo um investimento de divulgação, promoção e marketing dos referidos produtos fabricados pela R.. - resposta ao art.° 4.° da base instrutória

12. Para o efeito, a A. construiu de raiz e desenvolveu uma estrutura comercial especifica para venda e distribuição dos produtos da R., designadamente, - constituiu uma equipa de vendas específica para a comercialização destes produtos; - organizou mais de 100 pontos de venda em todo o país; - criou "ambientes" e "expositores" da "marca BB" nos principais clientes distribuidores; - participou em diversas feiras em Portugal para promoção da marca BB, durante todos estes anos. - resposta ao art.° 5.° da base instrutória

13. Os objetivos comerciais anuais a prosseguir pela A. era discutidos e acordados entre a A. e a R.. - resposta ao art.° 6.° da base instrutória

14. A R. acompanhou sempre a atuação comercial da A. na concretização dos objetivos previamente definidos e fixados, informando-a e negociando com ela os novos preços e condições de venda. - resposta ao art.° 7.° da base instrutória

15. Para este efeito, A. e R. reuniam por diversas vezes e nestas reuniões a R. inquiria e questionava a A. sobre o número de clientes, o volume de faturação, os projetos futuros e o exercício da sua atividade comercial. - resposta ao art.° 8.° da base instrutória

16. A R. visitava, em conjunto com a A., os principais clientes e consumidores dos seus produtos em Portugal. - resposta ao art.° 9.° da base instrutória

17. Desde a década de 80 que a A. procedia à encomenda de produtos à R., importava-os e adquiria-os para "stock" e depois, consoante as solicitações dos clientes angariados e dos trabalhos a realizar, procedia à sua revenda e distribuição a estes destinatários finais. - al. H) dos factos assentes

18. A A. angariou e fidelizou clientes em todo o território português, constando do doc. de fls. 58 a 63, que aqui se dá por reproduzido, a identificação de clientes angariados pela A. e respetivos volumes de vendas nos anos de 2003 a 2007. - resposta ao art.° 10.° da base instrutória

19. Inicialmente, a gama de produtos da R. comercializados pela A. em Portugal era apenas a referente a mosaicos de exterior (revestimento e decoração de piscinas). - al. J) dos factos assentes

20. Posteriormente, a A. e a R. acordaram desenvolver o produto e passar a incorporar outras componentes fabricadas pela R. em trabalhos projetados por artistas plásticos e com uma índole mais criativa, em mosaicos de qualidade superior. - resposta ao art.° 11.° da base instrutória

21. A A. elaborava projetos decorativos com a colaboração de artistas plásticos, que criavam e ficcionavam o ambiente a decorar. - resposta ao art.° 12.° da base instrutória

22. A A. enviava estes projetos, artisticamente criados, para a R. e esta, com a técnica de incorporação cromática no azulejo, construía o projeto em forma de puzzle. - resposta ao art.° 13.° da base instrutória

23. Uma vez construído este novo produto assim concebido, as suas peças eram numeradas para permitir a colocação/aplicação sem erros e seguidamente era reimportado pela A. para venda aos clientes que o encomendavam. - resposta ao art.° 14.° da base instrutória

24. A aplicação deste produto era, por regra, feita por aplicadores contratados pela A. em Portugal e apenas em situações excecionais de maior complexidade e rigor, eram os próprios técnicos da R., que se deslocavam a Portugal, para coordenar a aplicação. - resposta ao art.° 15.° da base instrutória

25. A R. produziu e aplicou os mosaicos que se encontram na cúpula da sede da …, da autoria do artista plástico GG. - al. L) dos factos assentes

26. A relação comercial entre as partes assumiu importância tal na aceitação e na expansão da marca e dos produtos BB em Portugal, que a R. passou mesmo a produzir produtos com a referência de cores/mosaicos com a indicação de "TC", sigla da A., AA, criados exclusivamente para o mercado Português. - resposta ao art." 16.° da base instrutória

27. A partir do ano de 2000, a R., mudando de estratégia comercial, decidiu reduzir, paulatinamente, a comercialização de mosaicos de exterior e intensificar a comercialização de mosaicos de interior. - resposta aos arts 28.°, 29.° e 30.° da base instrutória

28. Como tal, foi orientando os seus clientes, incluindo a A., para a diminuição da comercialização dos mosaicos de exterior (Classe A), de gama light, e, por outro lado, incentivando o incremento da comercialização dos mosaicos de interior (Classe B e C), sobretudo de gama média/alta. -resposta ao art.° 31.° da base instrutória

29. Era intenção da R. deixar de comercializar mosaicos de exterior a partir do ano de 2006. - resposta ao art.° 32.° da base instrutória

30. Em 2003, A. e R. acordaram um volume de faturação de € 2.165.000,00, dos quais € 866.000,00 (40%) teriam de ser alcançados na venda de mosaicos da classe C. - resposta ao art.° 34° da base instrutória

31. Por e-mail de 10.10.2003 a R. comunicou à A. que: "(…) Conforme combinado em 2002 supõem-se que a AA deveria terminar o ano de 2003 com uma faturação geral de € 2.165.000,00 dos quais € 866.000,00 respeitando a interiores (40% na classe C).(...)", conforme doc. n° 3, junto a fls. 178 cuja tradução se mostra junta a fls. 15 do requerimento com a refª eletrónica …, que aqui se dá por reproduzido. - al. P) dos factos assentes

32. Em 2003, o volume de faturação da A. fixou-se em cerca de € 1.758.000,00, sendo cerca de € 470.000,00 respeitantes a mosaico da classe C e cerca de € 318.000,00 respeitantes a mosaico da classe B. - resposta ao art.° 35.° da base instrutória

33. No ano de 2004, o volume de faturação acordado entre as partes foi de € 1.950.000,00, dos quais entre 35% a 40% teria de respeitar a mosaicos da classe C. - resposta ao art.° 36.° da base instrutória

34. Por correio eletrónico de 23.01.2004 a R. comunicou à A. que: "(...) resumo a seguir o programa para 2004: Budget global 2004 € 1.950.000,00 (+10% sobre a faturação de fechamento de 2003.(...)", conforme doc. n° 5, junto a lis. 181 cuja tradução se mostra junta a fls. 25 do requerimento com a refª eletrónica …, que aqui se dá por reproduzido. - al. Q) dos factos assentes

35. Em 2004, o volume de faturação da A. fixou-se em cerca de € 2.005.000,00, sendo cerca de € 640.000,00 respeitantes a mosaico da classe C e cerca de € 454.000,00 respeitantes a mosaico da classe B. - resposta ao art.° 37.° da base instrutória

36. No ano de 2005, o volume de faturação acordado entre as partes foi de € 2.270.000,00, tendo a A. atingido um volume de negócios de cerca de € 2.000.000,00, sendo cerca de € 854.000,00 respeitantes a mosaico da classe C e cerca de € 254.000,00 respeitantes a mosaico da classe B. -resposta ao art.° 38.° da base instrutória

37. No ano de 2006, o volume de faturação acordado entre as partes foi de € 2.100.000,00, dos quais cerca de 45% teria de respeitar a mosaicos da classe C, tendo a A. atingido um volume de negócios de cerca de € 1.652.204,13, sendo cerca de € 818.036,29 respeitantes a mosaico da classe C e cerca de € 244.000,00 respeitante a mosaico da classe B. - resposta ao art.° 39.° da base instrutória

38. Por e-mail de 24.10.2006 a R. comunicou à A. que: "(«.) A linha Mosaico LIGHT não é mais sustentável, pois está completamente fora da estratégia de marca da BB e, além disso, o preço requerido pelo mercado não é, em absoluto, rentável para a nossa empresa. A sequência do acima exposto levou-nos a uma decisão estratégica de porte não indiferente, pois envolve todos os mercados da BB: a eliminação da linha LIGHT.(...) Agora, com a eliminação da linha LIGHT (...) deveremos-nos concentrar nos interiores.(...)", conforme doc. N° 1, junto a fls. 174, cuja tradução se mostra junta a fls. 5/6 do requerimento com a refª eletrónica …, que aqui se dá por reproduzido. - al. N) dos factos assentes

39. Por e-mail de 08.11.2006 a R. comunicou à A. que: "(•••) A situação de hoje demonstra que tal estratégia não deu retorno, o próprio mercado está a colocar-nos de lado pelos motivos que conhecemos. Hoje, uma vez mais, estamos a dizer que as piscinas não são um objetivo para a BB, portanto, resta-nos o setor dos interiores.(...)", conforme doc. n° 2, junto a fls. 176/7, cuja tradução se mostra junta a fls. 10/1 do requerimento com a refª eletrónica …, que aqui se dá por reproduzido. - al. O) dos factos assentes

40. Por e-mail de 09.01.2007, a R comunicou à A. que: "(».) permanece o grave facto de que não alcançámos o budget previsto, lembrando que inicialmente era de € 2.472.000,00 e depois reduzido para € 2.100.000,00. A faturação definitiva para 2006 igual a € 1.652.204,39 está longe, até mesmo de acordo com a previsão mais pessimista; de facto corresponde a - 33% do budget original e a - 22% do budget revisto, decididamente um resultado negativo. Por dois anos consecutivos não conseguimos fechar as vendas dentro do budget, portanto 2007 será um ano decisivo. (...)", conforme doe. n° 7, junto a fls. 191 cuja tradução se mostra junta a fls. 33 do requerimento com a refª eletrónica …, que aqui se dá por reproduzido. - al. R) dos factos assentes

41. Para o ano de 2007, foi acordado entre as partes um volume de faturação de € 1.200.000,00 na venda de mosaicos da classe C. - resposta ao art° 40° da base instrutória

42. (...) Dos quais, € 350.000,00 correspondem ao objetivo mínimo para o primeiro trimestre do ano de 2007. - resposta ao art.0 41.° da base instrutória

43. Por e-mail de 09.01.2007 a R. comunicou à A. que: "(...) O budget 2007 não deverá ser inferior a € 1.200.000,00. (...) Analisando os últimos anos, a partir de 2004, verificamos que os negócios foram muito maus em termos de faturação, e veremos que: 2004: € 2.000.000,00 com um incremento de 12% sobre 2003. . 2005: € 2.000.000,00 incremento zero sobre 2004 defronte a um budget que era de € 2.2270.000,00. 2006: € 1.652.204,13 equivalente a -18% sobre 2005 e -33% sobre budget original de € 2.452.000,00 (que foi mais reduzido, mas de qualquer modo não foi alcançado). Se esta situação negativa continuar, 2007 será um ano absolutamente decisivo e por esta razão prevemos verificações trimestrais do budget 2007, o que será dividido da seguinte maneira:

Período Faturação Trimestral Progressivo

31 de março de 2007               € 350.000,00            € 350.000,00

30 de junho de 2007                € 400.000,00            € 750.000,00

30 de Setembro de 2007          € 100.000,00            € 850.000,00

31 de Dezembro de 2007         € 350.000,00            € 1.200.000,00

Se um dos objetivos trimestrais e o relativo progressivo não for alcançado seremos obrigados a reconsiderar a relação de trabalho em vigor (...)", conforme doc. n° 8, junto a fls. 192, cuja tradução se mostra junta a fls. 35 do requerimento com a refª eletrónica …, que aqui se dá por reproduzido. - al. S) dos factos assentes

44. Por e-mail de 05.02.2007 a R. comunicou à A. que: "(»■) constatei que em janeiro de 2007 fechámos com uma faturação de € 29.116,00. Como você se deve lembrar fixámos um objetivo de € 350.000,00 para o primeiro trimestre, mas se as premissas são aquelas acima citadas, temos com que nos preocupar. (...)", conforme doc. n° 9, junto a fls. 193, cuja tradução se mostra junta a fls. 38 do requerimento com a refª eletrónica …, que aqui se dá por reproduzido. - al. T) dos factos assentes

45. No primeiro trimestre de 2007, a A. atingiu um volume de negócios de € 191.919,38 e, no ano de 2007, de cerca de € 1.500.000,00, sendo cerca de € 930.000,00 respeitante a mosaico da classe C e cerca de € 209.000,00 respeitante a mosaico da classe B. - resposta ao art.° 42.° da base instrutória

46. Por carta registada com aviso de receção, datada de 10.04.2007 e recebida pela A. em 17.04.2007, a R. comunicou à A. que: "A nossa empresa verificou de novo os resultados comerciais do segmento interior (ex C segmento): . Orçamento fim de março de 2007 € 350.000,00;. Receita bruta fim de março de 2007 € 191.919,38; . Diferença - 45%. Estes resultados são realmente inferiores ao orçamento fixado que lhes comunicámos e, no mais, não vimos nenhuma melhoria no que toca aos dados já obtidos e conservados durante os meses passados. BB S.P.A. mudou as estratégias comerciais e, como sabem faz tempo, decidiu reduzir de forma sensata a sua presença nos mercados de mosaicos para piscinas e quer desenvolver minimamente o setor de mosaicos para interiores. Claramente, isto não se concilia com o seu sistema de distribuição que não é capaz de alcançar essas mínimas metas de vendas que acordaram e que nós consideramos facilmente atingíveis. Esta situação forçar-nos-á, a partir de outubro de 2007, a procurar estratégias alternativas de distribuição que nos garantirão uma mais adequada penetração no mercado de interiores. A partir dessa data começaremos a procurar novos parceiros comerciais com estas características que nos prestarão a mais eficaz venda dos nossos produtos estratégicos.", conforme doc. n° 10, junto a fls. 194, cuja tradução se mostra junta a fls. 43 do requerimento com a refª eletrónica …, que aqui se dá por reproduzido. - al. U) dos factos assentes

47. Na sequência de reunião realizada entre as partes em 02.08.2007, a R. enviou à A. a carta datada de 07.08.2007, onde aborda a distribuição direta por parte da R. no mercado português e o interesse da R. no fornecimento à A. de mosaico para piscina, cuja tradução se mostra junta a fls. 492 e que aqui se dá por reproduzida; a A. enviou à R., por email de 25.09.2007, a minuta da carta que seria por si enviada aos clientes entre 26 e 27 de setembro de 2007 e que consta de fls. 545 e que aqui se dá por integralmente reproduzida, e, a partir de 29.10.2007, a R. passou a contactar, de forma direta, os clientes angariados pela A. e a vender-lhes os produtos BB. - resposta aos arts 17.° e 18.° da base instrutória

48. Em novembro de 2007, a R. contratou duas pessoas que haviam sido funcionários da A., de nome EE e FF, com formação e "know how" dado e fornecido por esta, para exercerem funções de venda dos produtos da R.. - resposta ao art° 19° da base instrutória

49. 0 volume de negócios realizado e faturado pela A. de produtos BB atingiu, nos anos de 2003 a 2007, um valor médio de cerca de € 2.730.000,00. - resposta ao art.° 20.° da base instrutória

50. Nos anos de 2003 a 2007, a margem de comercialização bruta da A. foi, em média de cerca de € 870.000,00/ano. - resposta ao art.° 21.° da base instrutória

51. A R. pagava à A. um bónus anual variável em função do volume de compras realizado para revenda aos seus clientes. - al. I) dos factos assentes

52. A A. também auferia um bónus no montante aproximado de € 13.000,00/ano. - resposta ao art.° 22.° da base instrutória

53. Findo o contrato, a R. não aceitou a devolução/retoma dos produtos que a A. tinha em "stock/ existências" no valor de € 199.488,00. - resposta ao art.° 23." da base instrutória

54. A A. tem tido grande dificuldade em escoar e vender os produtos que ficaram em "stock", uma vez que a R. atua diretamente no mercado português e, por isso os clientes que eram exclusivos da A. passaram a adquirir tais produtos à R., por preços e valores inferiores. - resposta ao art.° 24.° da base instrutória

55. A A. angariou toda a clientela para os produtos "BB". - resposta ao art.° 25.° da base instrutória

56. Após a cessação do contrato, os clientes angariados pela A. e que continuaram a comprar produto BB ficaram para a R.. - resposta ao art.° 26.° da base instrutória

57. (...) E a A. deixou de receber qualquer quantia por contratos celebrados com esses clientes. -resposta ao art.° 27.° da base instrutória

58. Por carta datada de 10.07.2008, a A. comunicou à R. que "No seguimento da denúncia unilateral apresentada e da cessação do contrato ocorrida em outubro de 2007, que durou mais de 20 anos, a AA exige o ressarcimento, a título de indemnização, pela clientela que foi angariada pela empresa no mercado português na vigência do contrato no valor de € 1.000.000,00 (...)", conforme doc. de fls. 74. - al. M) dos factos assentes.

Os factos, o direito e o recurso

Na sentença proferida na 1ª instância entendeu-se que o contrato celebrado entre as partes devia ser qualificado como de concessão comercial ao qual, para além das cláusulas acordadas entre as partes, se aplicava, por analogia, o regime do contrato de agência, estabelecido no Decreto-lei 178/86, de 03.07, com as alterações que nele foram introduzias pelo Decreto-lei 118/93, de 13.04.

Mais se entendeu que através de carta datada de 2007.04.10, a ré “denunciou lícita e eficazmente o contrato”, respeitando o prazo legal de pré-aviso estabelecido na alínea b) do nº1 do artigo 28º do referido Decreto-lei 178/86.

E que “não estando verificada a ilicitude da denúncia do contrato de concessão comercial, que constitui o pressuposto do funcionamento da responsabilidade civil, não tem a autora direito de ressarcimento pela ré dos prejuízos sofridos correspondentes à perda de faturação e à perda de bónus, nem à retoma de bens em stock ou a qualquer indemnização a esse título”-

Quando à indemnização de clientela, entendeu-se, na referida sentença, que a mesma era de atribuir à autora, uma vez que o contrato não tinha cessado por razões imputáveis àquela mas sim à ré e se verificavam os requisitos estabelecidos para a sua concessão referidos nas alíneas diversas do nº1 do artigo 33º do citado Decreto-Lei, calculando-se o montante da indemnização em 150.000,00 €.

No acórdão recorrido sufragou-se este entendimento, exceto quanto ao montante da indemnização de clientela, que se fixou em 200.000,00 €.

As partes não questionam, quer a classificação do contrato em causa como um contrato de concessão comercial, quer a aplicação a este, por analogia, das regras estabelecidas para o contrato de agência no citado Decreto-lei 178/86, pelo que, concordando com esse entendimento, não nos vamos pronunciar sobre essas matérias, a não ser na questão da indemnização de clientela, como adiante de verá.

A) – Cessação do contrato

Nas instâncias entendeu-se que a cessação do contrato foi efetuada pela ré por meio de denúncia e não de resolução.

A ré recorrente entende que foi resolução e, por isso, não teria que indemnizar a autora.

Cremos que não tem razão.

A resolução de um contrato é um meio de extinção do vínculo contratual por declaração unilateral e encontra-se condicionada por um motivo previsto na lei ou depende de convenção das partes – cfr. nº1 do artigo 432º do Código Civil.

Independentemente da forma, a declaração mediante a qual se pretende resolver um contrato deve ser suficientemente precisa quanto aos motivos e à intenção.

Não basta invocar que se resolve o contrato porque a contraparte incumpriu as obrigações a que estava adstrita, é necessário concretizar a situação de incumprimento, pois, doutra forma, não se poderá verificar a situação de incumprimento e apreciar a sua gravidade - Pedro Romano Martinez “in“ Da Cessação do Contrato, página 179.

Ora, da matéria de facto dada como provada, não resulta de modo algum que a ré tenha invocado concretos motivos dirigidos à resolução do contrato com base no estabelecido para o efeito no artigo 30º do Decreto-lei 178/86.

Na verdade, apenas se referem factos relativos a mudanças de estratégia comercial da ré que não se conciliariam com a distribuição realizada e a realizar pela autora, o que obrigaria aquela ré a “procurar estratégias alternativas de distribuição”, procurando “novos parceiros comerciais” que “prestarão a mais eficaz venda” dos produtos estratégicos da ré.

Não há aqui, com se verifica, precisão quanto à intenção de resolver o contrato nem a apresentação de motivos em concreto que se pudessem enquadrar nas causas de resolução do contrato referidas no citado artigo 30º do Decreto-lei 178/86.

Mas o mesmo não de passa em relação à denúncia.

A denúncia consiste na comunicação da vontade de uma das partes, feita à contraparte, manifestando a intenção de fazer cessar o vínculo obrigacional.

É assim, um modo de cessação de vínculos obrigacionais de duração indeterminada.

E emerge de exercício discricionário, não sendo necessário invocar qualquer motivo.

No caso de se estar perante um contrato de agência – ou de concessão comercial, como o presente – a denúncia só é permitida com um pré-aviso.

Ora, no caso concreto em apreço e face ao que aos sinais já acima referidos aquando da apreciação sobre a questão da resolução, parece não poder haver dúvidas que a ré pretendeu cessar o contrato que tinha com a autora através de uma declaração por si emitida de que não lhe interessava continuar com o mesmo.

Concluímos, pois, que não estamos perante uma resolução do contrato feita pela ré, mas antes parente uma denúncia feita pela mesma.

E denúncia essa feita com o pré-aviso legal, pelo que por esse facto não se coloca a questão de a autora ser indemnizada por danos causados pela sua falta – cfr. artigo 29º do já referido Decreto-lei 178/86.

B) – Indemnização de clientela

Perante a cessação do contrato, encaremos agora a questão da chamada indemnização de clientela, que vem prevista nos artigos 33º e 34º do citado Decreto-Lei, para o contrato de agência.

Põe-se a questão da aplicação ao contrato de concessão comercial – como o que está em causa no presente processo – desta indemnização.

Menezes Leitão dá-nos conta da controvérsia sobre esta questão “in” A Indemnização de Clientela no Contrato de Agência, 2006, a páginas 80 e seguintes.

Conclui que “ a situação do concessionário no momento da denúncia do contrato é tão merecedora de atribuição da indemnização de clientela como a do agente, desde que se verifique o pressuposto da obrigação de transmissão do círculo de clientes ao concedente e este adquira benefícios dessa transmissão” – mesma obra, a páginas 84 e 85.

Também assim o entendemos.

Por isso entendemos que o regime da indemnização de clientela estabelecido nos citados artigos 33º e 34º deve ser aplicado ao contrato de concessão comercial.

Vejamos, então, se se justifica que seja aplicado no caso concreto em apreço.

A indemnização de clientela, é, conforme diz Pinto Monteiro “in” Contrato de Agência, 2ª edição, a página 103, uma compensação devida ao agente – ou concessionário, dizemos nós – após cessação do contrato, pelos benefícios que de que principal – ou concedente – continua a auferir com a clientela angariada ou desenvolvida pelo agente – ou concessionário.

Tal indemnização só é devida “se o contrato tiver cessado por razões imputáveis ao agente” – cfr. nº 3 do artigo 33º, acima referido.

Nas instâncias considerou-se que este impedimento ao direito de o concessionário pedir a indemnização em causa não se verificava no caso concreto em apreço porque tinha sido a ré concedente a denunciar o contrato, sendo essa a razão pela qual o contrato havia cessado.

A ré concedente entende que o que releva aqui não é a forma como o contrato cessou, mas antes os fundamentos determinantes da sua vontade que levou à denúncia do contrato, ou seja, o que relava é que “a recorrente pôs fim à relação comercial que manteve com a recorrida em virtude do grave e reiterado incumprimento por parte desta” das suas obrigações.

Cremos, no entanto, que não tem razão.

Na verdade, a pergunta que tem que se fazer face à questão posta pelo extrato do nº3 do artigo 33º do Decreto-lei 178/86 acima transcrito é qual a causa em virtude da qual o contrato cessou e não quais as razões pela quais aquela causa existiu.

Isto é e em relação ao caso concreto em apreço, o que se trata é de se saber por que razão o contrato cessou.

E resposta é que cessou por denúncia da ré recorrente.

As razões porque essa denúncia ocorreu não relevam para a questão, sendo certo que, como refere Pinto Monteiro na obra atrás citada, a página 105, a finalidade da indemnização de clientela não é sancionatória de qualquer conduta, antes compensatória de benefícios proporcionados ou a proporcionar pelo concessionário que o concedente não pagou.

A este respeito, há que salientar que aquele mestre admite, antes da introdução da redação do nº3 ao artigo 33º feita pelo Decreto-lei 118/93, de 13.04, que mesmo que o contrato tivesse cessado por iniciativa do concessionário não haveria obstáculo a que a indemnização pudesse ser concedida.

Concluímos, pois, não haver o impedimento para a autora ter direito à indemnização de clientela.

Levanta-se agora a questão sobre se verificam os requisitos positivos e cumulativos estabelecidos nas três alíneas do nº1 do artigo 33º já referido para se conceder esse direito.

A ré concedente põe em causa, em primeiro lugar, o requisito referido na alínea b), ou seja, que “a outra parte venha a beneficiar consideravelmente, após, a cessação do contrato, da atividade desenvolvida pelo agente”.

Nas instâncias, considerou-se que este requisito se verificava, uma vez que dos factos resultava que tinha ficado apurado que ” tendo a autora angariado toda a clientela para os produtos da ré e fidelizado clientes em todo o país, após a cessação do contrato, os clientes angariados pela autora e que continuaram a comprar produto BB, ficaram para a ré, tendo esta, em Novembro de 2007, contratado duas pessoas que haviam sido funcionários da autora, com formação e know-how fornecido por esta, para exercerem as funções de venda dos produtos da ré, sendo que a partir de 29.10.2007, a mesma passou a contactar, de forma direta, os clientes angariados pela autora, vendendo-lhes os seus produtos, atuando no mercado português”.

A ré recorrente entende que, face aos factos dados como provados, se não podia concluir que tinha sentido um benefício considerável resultante da atividade levada a cabo pela autora ao abrigo do contrato de concessão, antes tinha experimentado “uma drástica quebra na faturação dos seus produtos vendidos no território nacional”, sendo certo que “a atividade da recorrida não conseguiu fixar uma clientela significativa à recorrente”.

É sabido que não se mostra necessário que os benefícios tenham já ocorrido, “bastando que, de acordo com um juízo de prognose, seja bastante provável que eles se venham a verificar, isto é, que a clientela angariada pelo agente constitua, em si mesma uma chance para o principal” – Pinto Monteiro “in” ob. cit., a página 104.

Atentemos, então, nos factos.

- Para desenvolver e dar a conhecer a marca e os produtos da R., a A. teve que realizar no território nacional todo um investimento de divulgação, promoção e marketing dos referidos produtos fabricados pela R.

- Para o efeito, a A. construiu de raiz e desenvolveu uma estrutura comercial especifica para venda e distribuição dos produtos da R., designadamente, - constituiu uma equipa de vendas específica para a comercialização destes produtos; - organizou mais de 100 pontos de venda em todo o país; - criou "ambientes" e "expositores" da "marca BB" nos principais clientes distribuidores; - participou em diversas feiras em Portugal para promoção da marca BB, durante todos estes anos.

- Desde a década de 80 que a A. procedia à encomenda de produtos à R., importava-os e adquiria-os para "stock" e depois, consoante as solicitações dos clientes angariados e dos trabalhos a realizar, procedia à sua revenda e distribuição a estes destinatários finais.

- A A. angariou e fidelizou clientes em todo o território português,

- A relação comercial entre as partes assumiu importância tal na aceitação e na expansão da marca e dos produtos B... em Portugal, que a R. passou mesmo a produzir produtos com a referência de cores/mosaicos com a indicação de "TC", sigla da AA, criados exclusivamente para o mercado Português.

- Por carta registada com aviso de receção, datada de 10.04.2007 e recebida pela A. em 17.04.2007, a R. comunicou à A. que: "A nossa empresa verificou de novo os resultados comerciais do segmento interior (ex C segmento): . Orçamento fim de março de 2007 € 350.000,00;. Receita bruta fim de março de 2007 € 191.919,38; . Diferença - 45%. Estes resultados são realmente inferiores ao orçamento fixado que lhes comunicámos e, no mais, não vimos nenhuma melhoria no que toca aos dados já obtidos e conservados durante os meses passados. BB S.P.A. mudou as estratégias comerciais e, como sabem faz tempo, decidiu reduzir de forma sensata a sua presença nos mercados de mosaicos para piscinas e quer desenvolver minimamente o setor de mosaicos para interiores. Claramente, isto não se concilia com o seu sistema de distribuição que não é capaz de alcançar essas mínimas metas de vendas que acordaram e que nós consideramos facilmente atingíveis. Esta situação forçar-nos-á, a partir de outubro de 2007, a procurar estratégias alternativas de distribuição que nos garantirão uma mais adequada penetração no mercado de interiores. A partir dessa data começaremos a procurar novos parceiros comerciais com estas características que nos prestarão a mais eficaz venda dos nossos produtos estratégicos."

- Na sequência de reunião realizada entre as partes em 02.08.2007, a R. enviou à A. a carta datada de 07.08.2007, onde aborda a distribuição direta por parte da R. no mercado português e o interesse da R. no fornecimento à A. de mosaico para piscina, a A. enviou à R., por email de 25.09.2007, a minuta da carta que seria por si enviada aos clientes entre 26 e 27 de setembro de 2007 e que consta de fls. 545 e que aqui se dá por integralmente reproduzida, e, a partir de 29.10.2007, a R. passou a contactar, de forma direta, os clientes angariados pela A. e a vender-lhes os produtos BB.

- Em novembro de 2007, a R. contratou duas pessoas que haviam sido funcionários da A., de nome EE e FF, com formação e "know-how" dado e fornecido por esta, para exercerem funções de venda dos produtos da R..

- O volume de negócios realizado e faturado pela A. de produtos BB atingiu, nos anos de 2003 a 2007, um valor médio de cerca de € 2.730.000,00.

- A A. angariou toda a clientela para os produtos "BB".

- Após a cessação do contrato, os clientes angariados pela A. e que continuaram a comprar produto BB ficaram para a R..

- E a A. deixou de receber qualquer quantia por contratos celebrados com esses clientes.

Ora, tendo em conta estes factos e com base na aceitação da utilização de juízo de prognose, acima referido, parece ser de considerar que a ré venha a beneficiar consideravelmente da atividade desenvolvida pela autora, nomeadamente, ao nível de clientela angariada.

Na verdade, está demonstrado que esta criou um ambiente propício à venda dos produtos da ré, angariando e fidelizando clientes em todo o território português, sendo que os que, após a cessação do contrato continuaram a comprar os produtos da ré foram angariados pela autora.

Acresce que após essa cessação e com a finalidade de exercerem funções de venda de produtos da ré, esta contratou duas pessoas que haviam sido funcionárias da autora e a quem esta tinha dado formação e know-how para o efeito, o que indica claramente que a ré iria beneficiar desta formação e know-how fornecido pela autora.

Quanto à classificação dos benefícios como consideráveis, o conjunto dos números invocados pela ré não permitem, só por si, contrariarem a ideia, anteriormente referida, que a ré beneficiou consideravelmente da atividade da autora.

Antes e pelo contrário, é a própria ré a afirmar, na sua carta de 10.04.2007, que a cessação do contrato lhe permitiria “procurar estratégias alternativas de distribuição” que lhe garantiriam “uma mais adequada penetração no mercado de interiores”, e encontrar “novos parceiros comerciais” com aquelas “características” que lhe prestariam “a mais eficaz venda” do seus “produtos estratégicos”.

Tudo isso se compagina com a conclusão que a atividade desenvolvida pela autora a ser utilizada como base na nova estratégia comercial da ré, nos termos acima assinalados, proporcionaria a esta ganhos consideráveis.

Entende também a ré recorrente que não se verifica aqui o requisito previsto na alínea c) do nº1 do artigo 33º do Decreto-lei 178/86, na medida em que existindo da sua parte interesse em continuar a fornecer os seus produtos à autora, para que esta os revenda, no âmbito da sua atividade comercial, existirá também interesse por parte desta nessa comercialização, pelo que se poderá esperar que ela continuará, no futuro, a beneficiar da atividade desenvolvida ao abrigo do contrato de concessão celebrado com a ré.

Mas não é assim.

Consiste aquele requisito em que “o agente deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes referidos na alínea a)”.

Ora, estando demonstrado que após a cessação do contrato, os clientes angariados pela autora e que continuaram a comprar produtos BB, ficaram para a ré e por isso a autora deixou de receber qualquer quantia por contratos celebrados com esses clientes, não se vê como se pode prever que esses clientes voltem para a autora e esta venha a receber qualquer retribuição por causa disso.

De qualquer forma, da minuta de folhas 545, não resulta o interesse da autora em continuar a vender produtos da ré, antes resulta a intenção da ré em vendê-los diretamente.

E quanto a qualquer interesse da autora em continuar a vender os produtos das rés, não existem factos que nos permitam concluir pela sua existência.

Assente que a autora tem direito a uma indemnização de clientela, atentemos agora na questão relativa ao seu valor, questão esta levantada pela autora.

Na sentença proferida na 1ª instância entendeu-se como mais adequado para o efeito o montante de 150.000,00 €.

No acórdão recorrido decidiu-se fixar esse valoro em 200.000,00 €.

A autora entende que tal montante deve ser fixado em valor mais elevado, que fixa em 1.082.488,00 €.

Cremos que em parte tem razão.

Nos termos do disposto no artigo 34º do Decreto-lei 178/86, “a indemnização de clientela é fixada em termos equitativos, mas não pode exceder um valor equivalente a uma indemnização anual, calculada a partir da média anual das remunerações recebidas pelo agente durante os últimos cinco anos esteve em vigor; (…)”.

A “indemnização” que aqui se trata e refere a lei não é uma verdadeira “indemnização”, não revestindo a característica sancionatória ou reparatória que nos levaria a fazer coincidir o seu montante com os prejuízos que o concessionário teve com a cessação do contrato.

Na verdade, o que se pretende é “compensar” o concessionado, não pelos prejuízos que teve, mas antes pela “mais-valia” que proporcionou ao concedente graças à atividade por si desenvolvida.

E tanto é assim, que a dita “indemnização” não está dependente da prova, pelo concessionário, de danos sofridos.

O que conta são os benefícios proporcionados pelo concessionário ao concedente, pelo que a quantificação da indemnização de clientela tem por base, não o prejuízo sofrido pelo concessionário com a cessação do contrato, mas tão só o enriquecimento que o concedente auferiu ou vai auferir com o aproveitamento da clientela anteriormente angariada pelo concessionário.

É claro, no entanto, que para o cômputo dessa indemnização têm que ser tomados em conta os lucros que o concessionário teve com a venda dos produtos, ou seja, a diferença entre o preço por que os comprou ao concedente e o preço por que os vendeu aos seus então clientes.

Decorre do disposto no artigo 34º atrás transcrito que a equidade – que na redação anterior desse artigo era erigida como o único critério para cálculo da indemnização – serve aqui como moduladora circunstancial do quantitativo a receber pelo concessionário, ou seja e conforme diz Carolina Cunha “in” A Indemnização de Clientela do Agente Comercial, “Stvdia Ivridica”, nº 71, a página 329, tem o papel de “fornecer a medida ou o quantum da indemnização de clientela”.

Trata-se de fornecer ao julgador a possibilidade de quantificar em concreto uma quantificação abstrata anteriormente feita – neste sentido, ver a mesma autora, na mesma obra, a página 335.

E para o efeito e também como refere esta autora, a página 338 da dita obra, “adquire importância fundamental para a quantificação da indemnização de clientela o próprio regime traçado no artigo 33º, sobretudo os pressupostos a que a que a lei condiciona a aquisição do correspondente direito: a angariação ou desenvolvimento da clientela e dos benefícios que para o principal daí resultaram. E do diálogo desses pressupostos com as concretas circunstâncias a que no caso se entenda conferir relevo, emergirá o montante adequada à satisfação do direito do agente”.

A quantia a receber pelo concessionário a título de indemnização de clientela está, como resulta do artigo 34º, sujeita a um plafond, que não deve ser tomado como ponto de partida para a sua fixação, na medida em que ele só deve ser tomado em conta no caso de o montante apurado à luz da equidade ultrapassar o seu valor – neste sentido, ver também Carolina Cunha, na obra citada, a página 339.

Posto isto, vejamos o caso concreto em apreço.

A autora constituiu de raiz e desenvolveu uma estrutura comercial específica para a venda e distribuição dos produtos da ré, investindo na divulgação, promoção e marketing desses produtos em todo o território nacional.

A ré acompanhava sempre a autora na sua atuação comercial, reunindo com ela diversas vezes e, com ela, visitava os principais clientes e consumidores dos seus produtos em Portugal.

A ré acordou com a autora em desenvolver com esta a produção de azulejos decorativos, incorporando componentes fabricados por esta, que depois os vendia.

A ré orientou a autora no sentido de reduzir a comercialização de mosaicos de exterior e intensificar a comercialização de mosaicos de interior.

O contrato perdurou durante vinte anos.

Nos anos de 2003 a 2007 a margem bruta de comercialização bruta da autora foi, em média de cerca de 870.000,00 €/.

Após a cessação do contrato, clientes que tinham sido angariados pela autora passaram a adquirir diretamente à ré produtos que a autora vendia, a preços e valores inferiores, deixando a autora de receber qualquer quantia por contratos celebrado com esse clientes.

A ré propôs à autora a continuação do fornecimento de mosaicos para piscinas.

A ré contratou duas pessoas que trabalhavam para a autora e a quem esta tinha dado formação.

Ora, tendo em conta estes factos, parece podermos concluir que a concedente se aproveitou de toda uma estrutura criada durante vinte anos pela autora para continuar a vender os produtos que esta revendia, sendo razoável pensar que assim continuou a ter a possibilidade de obter os lucros que ela obtinha.

No entanto, temos também que considerar que auxiliou a autora a criar essa estrutura ou, pelo menos, a orientar essa criação e dispôs-se a fornecer à mesma mosaico para piscinas.

Ou seja, se a ré beneficiou da atividade da autora, também esta beneficiou da colaboração da ré e poderá continuar a beneficiar em parte, se assim o entender.

Ponderando tudo isto e utilizando o juízo de equidade, erigido como critério base pelo legislador, entendemos como montante mais adequado para a ré compensar a autora pelos benefícios que aufere e auferirá com a clientela angariada e desenvolvida por esta, a quantia de 300.000,00 €.

C) – Abuso de direito

Entende a ré recorrente que estamos perante um abuso de direito na modalidade de tu quoque, na medida em que a autora recorrida “incumpriu as obrigações que para si decorriam do contrato de concessão (…) pelo que é claramente abusivo que aquela venha agora tentar tirar proveito do contrato que ela violou e das consequências do seu incumprimento, como se o contrato se tivesse mantido perfeito e o seu sinalagma equilibrado até á sua cessação”.

Mas não ressalta dos factos dados como provados e como acima se disse, que tenha havido qualquer incumprimento por parte da autora, na medida em que o mesmo não foi invocado pela ré.

Na verdade, o contrato não cessou por razões imputáveis à autora, conforme acima ficou decidido.

Sendo assim, não se vislumbra o abuso de direito invocado pela ré.

A decisão

Nesta conformidade, acorda-se em negar provimento à revista da ré e conceder parcial provimento à revista da autora, fixando-se em 300.000,00 € (trezentos mil euros) a indemnização que a ré deve pagar à autora pela indemnização de clientela.

Custas da revista da ré apenas por esta.

Custas da revista da autora por esta e pela ré, de acordo com o vencimento.

Lisboa, 18 de Junho de 2014

Oliveira Vasconcelos (Relator)

Serra Baptista

Álvaro Rodrigues