Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
99B054
Nº Convencional: JSTJ00036760
Relator: SIMÕES FREIRE
Descritores: ESTABELECIMENTO COMERCIAL
CONTRATO DE CESSÃO DE EXPLORAÇÃO COMERCIAL
CONTRATO INOMINADO
CONTRATO DE CONCESSÃO
CONTRATO MISTO
DENÚNCIA
INDEMNIZAÇÃO
CADUCIDADE
CLIENTELA
Nº do Documento: SJ199904220000542
Data do Acordão: 04/22/1999
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 253/98
Data: 06/25/1998
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA REVISTA À RÉ.
CONCEDIDA PARCIALMENTE.
REVISTA À AUTORA.
Área Temática: DIR COM.
Legislação Nacional: CPC95 ARTIGO 684 ARTIGO 690.
RAU90 ARTIGO 111.
CCIV66 ARTIGO 220 ARTIGO 333 ARTIGO 1028.
CNOT67 ARTIGO 89 K.
DL 178/86 DE 1986/07/03 ARTIGO 27 N2 ARTIGO 28 N1 C ARTIGO 33 N4 ARTIGO 34.
DL 118/93 DE 1993/04/16.
Legislação Comunitária: DIR CEE RELATIVA AO PRAZO DO CONTRATO DE AGÊNCIA 86/653/CEE.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO RL DE 1984/04/26 IN BMJ N336 PAG406.
ACÓRDÃO RP DE 1992/07/02 IN CJ ANOXVII T4 PAG231.
ACÓRDÃO STJ DE 1998/06/30 IN CJSTJ ANOVI T2 PAG153.
Sumário :
1. Integra dois contratos atípicos, um de entrega, para exploração, de um posto abastecedor de combustíveis (não uma locação de estabelecimento) e outro de concessão comercial, aquele esquema negocial em que A entrega a B, mediante uma retribuição mensal, um posto de venda de combustíveis, para que, nele, B venda, em exclusivo, produtos de A, mediante uma comissão, pertencendo os combustíveis a A até à venda ao público, assumindo B o funcionamento do posto e a contratação do pessoal, e reservando-se A o direito de inspeccionar o estabelecimento, realizar obras e prestar a B a assistência técnica necessária.
2. A norma do art. 28, do DL 178/86, de 3/7, ainda que aplicável, por analogia, ao contrato de concessão, não tem natureza imperativa.
3. O art. 33, do citado DL 178/86, que regula a indemnização de clientela, é aplicável, por analogia, ao contrato de concessão comercial.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
A, propôs a presente acção ordinária contra B, com sede em Braga, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de 24191273 escudos e juros de mora desde a citação à taxa de 18%.
Invoca que estabeleceu relações comerciais com a ré pelas quais esta passou a ser sua revendedora de combustíveis e lubrificantes no posto da autora, em Braga. As relações comerciais entre a autora e a ré cessaram em 17-9-1990, verificando-se que a ré era então devedora à autora da quantia que vem peticionar nos autos.
Citada a ré contestou e deduziu reconvenção.
Por contestação alega que o débito à autora era na data referida de 23641078 escudos. Todavia, este crédito encontra-se extinto por virtude da denúncia ilegal do contrato e ser superior o crédito da ré sobre a autora.
Assim, por reconvenção, alega a ré que estabeleceu com a autora em 27-7-1984 um contrato por virtude do qual a autora atribuiu à ré o direito de comercializar em nome próprio e por sua conta no posto, acima referido, pertencente à autora produtos de petróleo e outros por ela fornecidos com o dever, entre outros, de pagar a utilização do posto, de só comercializar produtos da autora, tendo a ré direito a uma certa comissão. Esta actividade iniciou-se em 8-9-1984 com os custos que a ré teve de suportar inerentes ao exercício da actividade comercial.
No exercício dessa actividade a ré conseguiu fazer progredir o negócio e ultrapassou o volume de vendas que lhe havia sido estipulado como mínimo. Inexplicavelmente a ré, em 9-7-1990 denunciou ilegalmente o contrato com efeitos a partir de 17-9-1990, com violação do acordado na data da celebração e dos princípios da boa fé.
Com essa denúncia a ré sofreu prejuízos por cessação da sua actividade, por perda de mercadorias, indemnizações a trabalhadores e perda de mobiliário, o que estima em 11000000 escudos; em perda de benefício de clientela a quantia de 25000000 escudos.
Conclui pedindo a extinção do crédito da autora e a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 32358921 escudos e setenta centavos.
Houve réplica, concluída pela redução do pedido da autora em 317222 escudos e cinquenta centavos, e tréplica.
Prosseguindo os autos os seus termos, veio a ré a reduzir o pedido reconvencional para a quantia de 24723773 escudos, desistindo dos prejuízos que invocou ter sofrido, de 12500000 escudos, na verba relativa à indemnização de clientela e de 7776227 escudos por lucros cessantes, que, assim ficou reduzido nesta parte para 12223773 escudos.
Foram juntos pareceres jurídicos.
Proferida sentença foram julgados a acção e o pedido reconvencional parcialmente procedentes e declarados compensados reciprocamente os créditos de autora e ré, sendo as partes remetidas para execução de sentença na parte do crédito da ré referente aos prejuízos desta por via de oposição à renovação do contrato sem respeito pelo pré-aviso de seis meses.
Efectuada a liquidação integral e compensação dos créditos na parte correspondente, nessa liquidação em execução de sentença se condenará autora ou ré no pagamento da quantia que resultar da diferença dos créditos integralmente liquidados.
Em recurso interposto por autora e ré, veio a ser proferido acórdão que julgou:
Improcedente a apelação da ré, enquanto julgou a acção procedente e provada (pedido de condenação em 23874050 escudos);
Em parte procedente e provada a reconvenção e, desde logo, compensáveis os créditos das partes, relegando para execução de sentença a liquidação de parte do crédito da ré, relativa aos prejuízos da mesma resultantes da denúncia do contrato sem observância do prazo de seis meses de pré-aviso que no caso se julgou caber;
Deu-se parcial provimento ao recurso da autora, revogando a sentença na parte em que a condenou nas custas relativas aos 15000000 escudos, relegando, também nesta parte, as custas para execução de sentença;
Condenou a parte que, em resultado da liquidação do crédito da ré e da compensação dos créditos das partes, por tal se revele responsável no pagamento à outra da quantia resultante da diferença dos créditos respectivos.
Mais uma vez, inconformadas, recorreram a autora e ré.
Nas suas conclusões diz a autora, em síntese:
O posto de abastecimento de combustíveis, mesmo que não tivesse entrado em funcionamento, constituía um estabelecimento comercial, com um valor de posição de mercado, capacidade lucrativa e aviamento;
A cedência do estabelecimento à ré integra a figura da locação de estabelecimento por se verificarem todas as respectivas características;
Nas relações entre autora e ré houve dois contratos, sendo um de cessão de exploração de estabelecimento e outro de concessão comercial;
Sem prejuízo da sua autonomia, aqueles contratos têm uma finalidade económica de venda comum a ambos, numa dependência bilateral, já que um não teria sido concretizado sem o outro, pelo que a ligação existente entre ambos constitui uma união de contratos, intrínseca com dependência, que fez com que as vicissitudes de um se repercutissem na validade e vigência do outro.
Na ausência de escritura pública, o contrato de cessão de exploração de estabelecimento é nulo e a sua nulidade implica a do contrato de concessão comercial.
A nulidade não implica a redução do negócio e a subsistência do contrato de concessão comercial, uma vez que a autora nunca o teria concluído sem a locação do estabelecimento, a redução não foi invocada por qualquer das partes e não podia ser conhecida oficiosamente no acórdão.
A alínea c) do n. 1 do art. 28 do DL 178/86 de 3-7, na redacção introduzida pelo DL 118/93 de 16-4, não se aplica aos contratos de concessão comercial e aos celebrados por prazo certo, embora renovável;
Ainda que se aplicasse, não devia o acórdão ter decidido pela sua denúncia, prazo superior ao limite de 3 meses, constante da redacção actual daquela alínea;
De igual modo é inaplicável ao contrato de concessão comercial celebrado entre a recorrente e a recorrida a indemnização de clientela.
Atenta a localização do posto de abastecimento de combustíveis e as suas características, como factores relevantes de captação de clientela, na actividade de venda de combustíveis e o facto de o mesmo pertencer à recorrente, nunca se verificaria a equiparação da actividade da ré à de um agente, para que lhe pudesse ser analogamente concedido o direito à indemnização de clientela.
O prazo do art. 34 do DL 178/86, na redacção vigente à data do contrato dos autos, é um prazo de caducidade que só podia ter sido evitado se a indemnização de clientela tivesse sido reclamada judicialmente dentro do recurso do mesmo.
Não o tendo sido, caducou.
No acórdão recorrido foi violada a alínea k) do art. 89 do C. de Notariado, arts. 11, 292, 298 n. 2, 331 e 333 n. 1 do C. Civil, bem como os arts. 27 e 28 n. 1 al. c), 33 n. 1 do DL 178/86 de 3-7 e o art. 34 deste último diploma, na redacção anterior ao DL 119/93 de 16-4.
Termos em que deve proceder o recurso.
No recurso da ré, conclui ela, em síntese:
Quando a autora denunciou o contrato ou se opôs à sua prorrogação, já se tinha iniciado um novo período contratual, o que implicará que seja de 12 meses o tempo a considerar para o disposto no art. 9 n. 2 do DL 178/86;
Considerando o prazo de 6 meses de pré-aviso exigível à autora, deveria ter denunciado ou oposto à prorrogação em momento anterior àquele em que o fez;
Fazendo-o com o prazo de 2 meses em relação ao termo do seu período de vigência, já não podia impedir que ele se renovasse por um período de um ano.
Será esta a consequência das cláusulas 29 e 30 da minuta do contrato, por um lado, e do tempo mínimo de pré-aviso, por outro.
É esta igualmente a solução decorrente do princípio da boa fé.
A denúncia ou oposição à prorrogação do contrato apenas pode ser considerada eficaz em relação ao termo desse período, iniciado em 8-9-1990 e terminado em 8-9-1991.
Também a esta solução se chega pelo lugar paralelo do art. 1055 e 1954 do C. Civil.
As instâncias nunca se pronunciaram expressamente sobre este período de tempo a considerar para efeitos do art. 29 n. 2 do DL 178/86.
O acórdão recorrido violou os arts. 660 n. 2 e 661 n. 1 al d) do CPC, arts. 9, 1054 e 1055 do C. Civil, bem como o art. 406 do C. Civil, em virtude da não observância da cláusula 29 da minuta do contrato.
Deve ser concedida revista e a questão objecto do recurso ser interpretada de modo a que seja de 12 meses o tempo a considerar para efeitos do disposto no n. 2 do art. 29 do DL 178/86.
Houve contra-alegações de ré e autora.
Perante as alegações são as seguintes as questões postas pela autora:
Nulidade do contrato de cessão de exploração do posto de combustíveis;
Denúncia do contrato;
Indemnização de clientela e caducidade.
Questão posta pela ré:
Período a que se refere a indemnização.
Factos.
A A dedica-se à exploração de petróleo bruto e à comercialização de produtos dele derivados (A).
No exercício dessa actividade, a A iniciou em 8-9-84 relações comerciais com a R. pelas quais esta era sua revendedora de combustíveis e lubrificantes no posto de abastecimento desses produtos, propriedade da A, sito no lado norte da Av. João XXI, na cidade de Braga, desde o início explorado pela R (B e arts. 12 a 14 da contestação, não impugnados).
A R. tinha o dever de manter o posto em funcionamento das 8 às 23 horas e de afectar 3 funcionários à sua laboração (S).
O controlo das quantidades de combustíveis vendidos nesse posto era estabelecido pelos talões de leitura, documentos elaborados pela R. e que funcionavam como factura da A, onde se registavam os números dos contadores "Actual" e "Anterior", o quantitativo de litros de combustível saído e a verba cobrada, e que eram periodicamente enviados à A (C).
Nesses talões mencionava-se ainda o montante do cheque enviado, que devia coincidir com o saldo resultante do valor do combustível vendido deduzido dos eventuais créditos que a R. tivesse sobre a A e do montante total do conteúdo dos envelopes que continham os meios especiais de pagamento admitidos pela A, entre outros, cheques de combustíveis, requisições de entidades oficiais e senhas de lavoura (D e E).
A R. tinha direito a uma comissão de revenda consistente na diferença entre o preço de venda dos combustíveis ao público e o montante pelo qual os pagava à A, sendo este último o constante dos talões de leitura (G).
A A verificava e conferia todos esses montantes, creditando ou debitando a R. pelas diferenças contratualmente encontradas (H).
Pela utilização que a R. fazia das suas instalações, a A tinha direito a uma taxa de exploração cujo cálculo estava desde o início acordado entre A. e R. (F).
Em virtude do acordo estabelecido entre A e R., esta tinha, além de outros, o dever de pagar à A pela utilização dos posto a retribuição mensal de 6 centavos por litro de combustível vendido, que, a partir de meados de 1986, passou para 17 centavos, e desde meados de 1987 para 23 centavos(R).
No âmbito das relações comerciais estabelecidas entre A e R., foi por ambas subscrita a minuta de contrato (datada de 7-1-86) junta a fls. 226 a 237, cujas cláusulas 1 a 28 e 31 a 36, pelo menos, foram aceites por ambas as partes (Q).
A e R. aceitaram ainda a cláusula 29, com a seguinte redacção: "O contrato é celebrado pelo prazo de um ano, prorrogando-se por períodos sucessivos de um ano se nenhuma das partes o tiver denunciado" (4º).
E aceitaram também a cláusula 30, com a seguinte redacção; "A denúncia tem de ser comunicada ao outro contraente com a antecedência mínima de 30 dias relativamente ao fim do prazo do contrato ou da prorrogação" (5º).
Em virtude de denúncia feita pela A por carta registada com A/R recebida pela R. em 9-7-90, com efeitos em 17-9-90, cessaram as relações comerciais acima referidas e iniciadas em 8-9-84.
Existia bom relacionamento entre a A e a R. (12º e 13º).
À data, a única actividade da R. era a venda de combustíveis e lubrificantes no posto a que se reportam os autos (14º).
A denúncia do contrato ocorreu na sequência da transacção judicial celebrada em 29-5-90 constante de fls. 35 a 36, celebrada entre a aqui A e C, através da qual a aqui A prometeu ceder à dita C, a exploração do posto de abastecimento em causa nestes autos, situado no lado norte da Av. João XXI, prometendo igualmente a aqui A fazer cessar as relações que mantinha com a aqui R. para a data em que esta fizesse entrar em funcionamento um outro posto de abastecimento de combustíveis que trazia em construção, ou, independentemente de tal entrada em funcionamento, no prazo de um ano (18º, 20º e 21º).
A C, é um dos sócios-gerentes da R. dedica-se à comercialização de produtos petrolíferos, comercializando produtos em vários postos espalhados pelos distritos de Braga e Viana do Castelo, um dos quais se situa na EN 14, à frente daquele em que a R. também comercializava produtos da A (V e X).
Através de escritura pública (de que há certidão a fls. 86 a 89) D, por si e na qualidade de procurador de sua mulher, cedeu a sua quota na sociedade C, a E (A 2).
No documento a fls. 114, emitido pela Câmara Municipal de Braga, certifica-se que a A requereu o deferimento de obras no posto de combustíveis em causa nos autos, que lhe foram deferidas no ano de 1991, entre Fevereiro e Março (A 3).
No talão de leitura nº 659516, de 23-8-90, a R. cometeu um erro de cálculo contra ela própria no montante de 408594 escudos (M).
No seu talão de leitura nº 660798, a R. considerou em duplicado uma nota de crédito da A de 9077 escudos e cinquenta centavos (L).
A R. tem um crédito sobre a A no montante de 519708600 escudos resultante de uma nota de débito da R. (N).
O último talão de leitura enviado pela R. à A em 2-9-90 foi elaborado pela R. e apresentava como débito da R. o montante de 15697515 escudos e cinquenta centavos (3º).
Da diferença entre os valores considerados pela R. como existentes nos envelopes enviados à A e aqueles que efectivamente deveriam ser considerados resultou uma diferença de 6166 escudos (K).
A A procedeu à leitura final dos contadores das bombas abastecedoras, elaborando em 26-9-90 o talão de leitura, que representava um débito da R. à A no montante de 9211312 escudos e quarenta centavos (1º e 2º).
A R. não pagou as importâncias constantes dos documentos a fls. 6 e 7 (P).
Em 24-9-90, na presença de F, gerente da R., a A fez o levantamento do "stock" das existências desta, cujo valor, de 317222 escudos e cinquenta centavos, foi creditado à R. em 22-3-91 (O e 33º).
A R. deve à A, a título de taxas de exploração, a quantia de 195504 escudos e cinquenta centavos (J).
A R. deixou no posto o mobiliário de escritório, a máquina eléctrica de jardim e o cofre de segurança (36º e 37º).
Até 3 meses antes da data da denúncia do contrato dos autos, a R. suportou despesas com a celebração de um contrato de arrendamento, e até à data da cessação do contrato dos autos, com a celebração de um contrato de locação financeira e com subsídios e salários a trabalhadores (23º).
Invocando esse trabalhador despedimento sem aviso prévio ou processo disciplinar e reclamando indemnização, a R. foi convocada para tentativa de conciliação com G, seu trabalhador, na Delegação da Procuradoria da República do Tribunal de Trabalho de Braga, agendada para 21-11-90 (22º).
A R. mantinha o posto de abastecimento ininterruptamente aberto das 7 às 24 horas e tinha um quadro de pessoal de 6 funcionários (T).
Ultrapassou sempre o volume mínimo de vendas estabelecido com a A (U).
A A distinguiu a R. com diploma "pela melhor apresentação do posto de revenda de produtos Galp" (A 1).
Tendo em vista a rentabilidade do posto, a R. angariou clientes para o mesmo, entre outros, em empresas com frotas-auto (8º e 9º).
No ano de 1988, vendeu 2819736 litros de combustíveis; em 1989 vendeu 2571996 litros; e em 1990, até cessar, em 17-9 a sua actividade, vendeu 1976968 litros (Z).
Movimentava, em combustível, quantias de cerca de 200000000 escudos por ano, a que acresceriam as resultantes da venda de lubrificantes, tudo com abstracção dos lucros que revertiam para a R.
Vendia uma média anual de 12 toneladas de lubrificantes (30º)
O direito.
Nulidade na locação de estabelecimento.
A autora defende, contrariamente ao decidido no acórdão recorrido, que, no caso dos autos, estamos perante a cedência da autora à ré dum posto de venda de combustíveis e lubrificantes mediante uma comissão pelo local cedido e que tal negócio constitui um contrato de cessão de exploração de estabelecimento.
No acórdão recorrido diz-se que não estamos perante um tal contrato, porque, antes da locação, ainda não havia estabelecimento.
Lembremos que o posto de revenda foi entregue à ré sem que antes estivesse em funcionamento para que esta aí vendesse combustíveis, exclusivamente da autora, em regime de consignação, como se diz na petição, pertencendo os combustíveis à autora até à sua venda ao público; a ré assumiu o funcionamento do posto e a contratação de pessoal, sendo a sua contrapartida uma comissão de revenda. A autora reservou-se o direito de inspeccionar o estabelecimento, realizar obras e prestar à ré a assistência técnica necessária. Esta pagava à autora uma quantia mensal pela utilização das instalações.
Do acórdão recorrido resulta que se não tem como cessão de exploração de estabelecimento, porque se tratou de entregar à ré as suas instalações.
Dissentimos da posição tomada neste aspecto, quanto à fundamentação.
Conforme se decidiu no Ac. do STJ de 18-7-1985 "o que essencialmente importa para se chegar à conclusão de que determinada organização constitui um estabelecimento comercial ou industrial é a prova da sua aptidão para entrar em funcionamento, como tal, ou seja dentro do fim para que foi criado; e não a de que a sua exploração se tenha iniciado já" (ROA 47-536, com o aplauso de Eridano de Abreu a págs. 753 e segs. e na mesma revista Lobo Xavier, pág. 767).
Aliás, nem o Prof. Orlando de Carvalho parece defender o contrário quando diz (RLJ 115-10) que "quem criou o estabelecimento foi quem reuniu no prédio (garantido por que título fosse) os restantes factores organizatórios; quem pôs de pé o próprio cinema com estrutura organizatório... quem aviou (lhe abriu caminho) para a concorrência e para a conquista de uma sua clientela". No mesmo sentido Galvão Teles (CJ XVII-1-55), A. Varela (RLJ 123-349), Januário Gomes (Arrendamentos Comerciais, 160) e Ferrer Correia (ROA 47-819). Também no mesmo entendimento se orienta a jurisprudência que, cremos, ser maioritária. Além do acórdão acima indicado ver o Ac. RP de 2-7-1992, CJ XVII-4-231 e o Ac. do STJ de 30-6-1998, CJ(S) VI-2-153. Em sentido contrário se pode ver o Ac. RL de 26-4-1984, BMJ 336-406 e Ac. RL de 26-11-1987, V-123.
Entendemos que a doutrina e jurisprudência maioritária, sintetizada na passagem referida no acórdão do STJ de 18-7-1985, é a que melhor traduz a ideia de cessão ou locação de estabelecimento. Este, embora desnudado, não deixa de ter a potencialidade de realizar lucros, quando esteja dotado de capacidade organizacional para isso, a quem aproveitar para esse fim, a estrutura a que é destinado e que o próprio adquirente pode aumentar com a introdução do que for mais conveniente à sua eficiência.
A expressão tradicional de cessão de exploração de estabelecimento comercial, que o art. 111 do RAU ainda usa, tende a ser substituída pela de locação de estabelecimento (ver A. Varela, RLJ 123-63) porque na "concessão de exploração, isto é, uma cedência temporária e remunerada da empresa, o que houve aí foi, por conseguinte, uma certa cedência do gozo - não uma cedência da propriedade ou do domínio -, continuando o estabelecimento a pertencer à sociedade que inicialmente o abriu ou constituiu" (O. Carvalho, RLJ 115-10). "Cedência temporária do estabelecimento como um todo, como uma unidade mais ou menos complexa" (A. Varela, RLJ 100-270). Como diz este autor o estabelecimento é um corpo certo preparado para a conquista de benefícios (rev. e 1. cit). Mas, como refere Orlando de Carvalho, (Critério e Estrutura do Estabelecimento Comercial, 213/214) "já será de excluir algo que atente contra a autonomia do exercício por parte do cessionário da exploração, algo que suponha uma participação do cedente no dia a dia da empresa que concede".
Temos, assim, de nos questionar sobre se no caso dos autos estamos perante um estabelecimento.
Ferrer Correia (Estudos Jurídicos, II, 255) define estabelecimento comercial como "o complexo da organização comercial do comerciante, o seu negócio em movimento ou apto para entrar em movimento". E mais adiante acrescenta que "o estabelecimento é, normalmente, uma organização de serviços ou de pessoas: o seu rendimento depende, antes de tudo, da actividade do empresário - a alma e o cérebro da empresa e, depois, do trabalho dos seus empregados e operários. Este nome de aviamento veio-nos do italiano aviamento. Toda a empresa, enquanto organização de factores produtivos, é uma fonte potencial de lucros para o respectivo empresário". E a fonte potencial de lucro representa um valor em si mesmo (ver também neste sentido a ROA 47-766).
Do que vem de dizer-se resulta que a locação do estabelecimento é, como da própria expressão se colhe, um aluguer da empresa, a que não são aplicáveis as normas vinculísticas da locação (ver sobre o tema a RLJ 100-270/271 e ROA 47-764).
Nestas condições importa saber se, no caso dos autos, estamos perante a locação dum estabelecimento.
Entendemos que não.
O negócio era controlado pela autora em aspectos importantes. Designadamente, eram seus os produtos a vender e não podiam ser vendidos outros sem autorização da autora; os combustíveis eram propriedade da autora até à altura da venda; era estabelecido à ré um mínimo de vendas e a autora podia inspeccionar o posto, que lhe pertencia; eram da conta da autora as despesas de instalação, verificação e afinação, reparação e outras de uso normal.
Nestas circunstâncias não se pode dizer que tenha sido cedido à ré a locação do estabelecimento constituído pela exploração do posto de gasolina. A intervenção da autora na organização e funcionamento é tão intensa que não se pode dizer que a autora tenha entregue à ré uma empresa para esta explorar. Mingua-lhe demais a autonomia para que estejamos perante um estabelecimento a ser explorado pela ré.
Estamos, assim, neste aspecto, de acordo com o parecer do Prof. Pinto Monteiro junto aos autos.
Poder-se-ia questionar se a ré, ela própria, criou um estabelecimento para gerir o posto daí retirando lucros. Mas esta é uma questão que não interessa à decisão, nem vem posta.
O contrato pelo qual a autora concedeu à ré a exploração do posto, com as cláusulas que dele constam, é, a nosso ver, um contrato atípico ou inominado, não se enquadrando em qualquer dos contratos previstos na lei.
Não se caracterizando o contrato para entrega do posto para exploração como locação do estabelecimento, não era exigível escritura pública, pelo que improcedem as seis primeiras conclusões da autora (art. 220 do C. Civil e 89 al. k) do C. de Notariado). Esta formalidade não é exigível no contrato atípico de cedência de exploração do posto de gasolina, nos termos em que as partes contrataram.
Tendo em conta a ligação da cedência do posto com o contrato de concessão, que as partes aceitam ter sido também negociado entre eles, há que dizer que, do ponto de vista da sua formalização e atenta a conclusão a que se chega com a cessão do estabelecimento, dado que o contrato de concessão é também atípico, não exigindo qualquer formalidade para a sua constituição, saber-se se estamos perante um caso de união de contratos ou um contrato misto, não releva para efeitos de nulidade.
Apenas tem importância para efeitos de saber qual o regime, tendo em conta a aplicação, por analogia, do art. 1028 do C. Civil.
Dado, porém, que os aspectos suscitados nos autos têm no contrato a folhas 225 e seguintes e na prova colhida a sua regulamentação, nem nesse aspecto há que saber qual o prevalecente para definir o regime.
Denúncia do contrato.
Defende a autora que a al. c) do n. 1 do art. 28 do DL 178/86 de 3-7, redacção anterior às alterações introduzidas pelo DL 118/93 de 16-4, não se aplica aos contratos de concessão comercial e aos celebrados por prazo certo, embora renovável.
Como se vê da sentença de 1ª instância entendeu-se que era aplicável ao caso dos autos o art. 28 do DL 178/86, sem as alterações introduzidas pelo DL 118/93.
Aplicando aquele preceito considerou-se que o contrato tinha de ser denunciado com a antecedência de três meses, relativamente ao termo do prazo de vigência, embora o contrato estipulasse que o prazo mínimo da denúncia era de um mês. Considerando que a norma do art. 28 era de interesse e ordem pública fixou-se o prazo de três meses, o necessário para a denúncia e de seis meses o prazo de indemnização por ser nula a cláusula que previa a denúncia com antecedência de 30 dias.
A minuta do contrato foi subscrita pelas partes em 7-1-1986 e o contrato iniciou-se em 8-9-1984.
Diz a autora, no recurso para a Relação (conclusão 14ª), que não se aplicam no caso dos autos os prazos de denúncia da al. c) do n. 1 (por lapso diz-se n. 6) do art. 28, porque neste artigo se prevê a contratação por tempo indeterminado.
O acórdão da Relação entendeu que, sendo a prorrogação sucessiva e ilimitada, salvo denúncia, e apoiando-se na doutrina de Maria Helena Brito (O Contrato de Concessão Comercial) o contrato acaba por ser por tempo indeterminado.
Entendemos que tem razão a autora quando defende que, na redacção do n. 2 anterior ao DL 118/93, o contrato renovável não correspondia ao contrato por tempo indeterminado.
Vejamos algumas das razões que nos levam a pensar deste modo.
A redacção introduzida no n. 2 pelo DL 118/93 foi a seguinte:
Considera-se transformado em contrato de agência por tempo indeterminado o contrato por prazo determinado cujo conteúdo continue a ser executado pelas partes, não obstante o decurso do respectivo prazo.
Dizia-se na anterior redacção que se considerava renovado por tempo indeterminado o contrato que continue a ser cumprido pelas partes após o decurso do prazo.
A iniciativa do legislador em vir alterar o n. 2 e ao dizer que o contrato por tempo determinado se transforma em contrato por tempo indeterminado, aponta, a nosso ver, para uma mudança de regime que visou acompanhar a directiva n. 86/653/CEE a cuja redacção corresponde.
E não se nos afigura que se possa dizer que é a mesma a redacção do n. 2 do art. 27 do DL 178/86 e a introduzida pelo DL 118/93. A ser a mesma, não se justificava a sua modificação.
Mas outro dado aponta no sentido de que a expressão "transformar" teve aqui um sentido determinado. É que no anteprojecto do DL 178/86 (BMJ 360-135) já se dizia no número 3, em alternativa: "se o contrato for renovado segunda vez, considera-se renovado por tempo indeterminado".
Todavia, prevaleceu no DL 178/86 a 1ª proposta do anteprojecto no sentido de se considerar renovado por tempo indeterminado o contrato que continue a ser cumprido pelas partes após o decurso do prazo. Ora, a renovação não é aqui uma transformação, mas sim uma renovação em sentido técnico, como refere Carlos Lacerda (Sobre o Contrato de Agência, pág. 82).
Não se entende a alteração como uma mera alteração de forma. Antes parece ser mais ajustado ao caso dos autos o ensinamento em que o Prof. Pinto Monteiro (Contrato de Agência, pág. 91) diz que "não se aplicará o disposto no n. 2 do art. 27 se as partes, tendo celebrado um contrato por tempo determinado, estipularam, elas próprias, que o contrato se prorrogará por períodos sucessivos (de igual ou diferente duração), salvo se alguma delas comunicar à outra, com certa antecedência, não desejar a prorrogação". No caso dos autos o contrato foi celebrado pelo prazo dum ano, prorrogando-se por períodos sucessivos de um ano se nenhuma das partes o tiver denunciado, convencionando-se que a antecedência para a denúncia era de 30 dias. A concessão é um contrato atípico, estamos no domínio das estipulações das partes e não se vê que o acordo tenha ofendido a lei.
O Memº Juiz, em primeira instância, entendeu que o encurtamento do prazo para a denúncia para 30 dias ofendia a ordem pública e vem defendido nos autos que o art. 28 do DL 178/86 é uma norma imperativa na medida em que estabelece prazos mínimos para a denúncia.
O contrato que as partes aceitam como adequado a regular o acordo entre eles estabelecido, quanto à venda dos produtos, é o de concessão comercial que, como já se disse, é um contrato atípico.
Entende-se que a norma do art. 28 do DL 178/86, ao estabelecer limites mínimos para a denúncia, não reveste a natureza duma norma de interesse e ordem pública. Não se entende tal interpretação para o contrato de agência, assim como, por maioria de razão, o não entendemos para o contrato de concessão comercial.
É que não se vê onde estejam razões de interesse público que imponham aquela disciplina, sendo certo que os outorgantes, na defesa dos seus interesses, podem estipular prazos que mais lhe convenham e estes podem não coincidir com os do regime legal. Dentro dos limites da lei as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos no Código Civil ou incluir nestes cláusulas que lhes aprouver (art. 405 do C. Civil).
A ordem pública é o conjunto de interesses fundamentais subjacentes ao sistema jurídico que o Estado e a sociedade estão interessados em que prevaleçam e que têm uma acuidade tão forte que devem prevalecer (Mota Pinto, Teoria Geral - 1967-304).
O prof. Vaz Serra (Separata do BMJ 74-127) diz que é difícil dizer o que é a ordem pública até porque os princípios que a regulam variam com os tempos. Assim como se deduz do parecer da PGR 166/76 de 3-2-1977 (BMJ 274-29) que a ofensa aos princípios de ordem pública poderá estar na ofensa à liberdade de contratação.
Quanto à imperatividade da norma do art. 28 do DL 178/86, a nosso ver, ela só poderia existir para os contratos por tempo indeterminado, o que não é o caso dos autos.
Discorda-se, assim do decidido no acórdão recorrido nesta parte.
Tendo a denúncia ocorrido com antecedência superior a 30 dias relativamente à renovação do contrato, ele não se renovou e não há, neste aspecto, direito à indemnização.
Indemnização de clientela. Caducidade.
Entende a autora que não há lugar à indemnização de clientela por não ser aplicável ao caso dos autos, por analogia, o disposto quanto ao contrato de agência no art. 33 do DL 178/86.
São três os requisitos previstos no art. 33 para a existência de indemnização de clientela para o agente e entendemos que eles estão presentes nos factos provados.
O douto acórdão recorrido considerou que os factos que indicou - actividade na venda de combustíveis e lubrificantes, deve de manter o posto em laboração das 8h às 23h e afectar três funcionários, tendo a ré aberto o posto das 7h às 24h, com seis funcionários, ter ultrapassado o volume mínimo de vendas, ter sido distinguida pela autora pela melhor apresentação do posto de revenda, ter angariado clientes e volume de vendas e ter feito vendas com frotas auto -, justificavam que lhe fosse atribuído o direito à indemnização de clientela que vinha pedido.
Entendemos ser de confirmar esta decisão pois verifica-se analogia entre a situação da ré e a dum agente, face à disposição citada e seus fundamentos.
Contrariamente ao que entende a autora não se vê que o art. 33 seja uma norma excepcional, insusceptível de aplicação analógica. Como defende o Prof. Pinto Monteiro (o. cit., 103/104) trata-se duma compensação pela mais valia, pelo enriquecimento, de uma medida próxima do enriquecimento sem causa. E isto, a nosso ver, nada tem de excepcional. O agente (ou no caso o concessionário) tem direito à indemnização por compensação do valor acrescido que proporciona ao principal. Isto coaduna-se com os institutos acima referidos.
O art. 34 do DL 178/86 prescrevia:
A indemnização referida no artigo anterior é calculada em termos equitativos e deve ser exigida no prazo de três meses posteriores à cessação do contrato.
O n. 4 do art. 33, na redacção introduzida pelo DL 118/93 modificou a redacção dizendo-se, no que ora interessa, que a acção deve ser proposta no ano subsequente a esta comunicação.
A redacção do art. 34 era duvidosa quanto à natureza do prazo. Tanto podia ser de caducidade como de prescrição, embora a actual redacção aponte mais no sentido da caducidade.
Em todo o caso, como se defende na decisão recorrida, não pode ter-se como direito indisponível e de conhecimento oficioso aquele prazo, qualquer que seja o instituto em que se enquadre (art. 333 do C. Civil). Ora, a excepção (de caducidade ou prescrição) não foi deduzida.
Improcede, nesta parte, a alegação da autora.
Recurso da ré.
Período de indemnização.
Entende a ré que não se tendo feito a denúncia com um prazo de seis meses, anteriormente à renovação do contrato, este se renovou pelo período dum ano, sendo este lapso de tempo o que deve ser contado para efeito de indemnização por cessação indevida do contrato.
A questão posta é nova, pelo que não pode agora ser conhecida nem o foi em 2ª instância (arts. 684 e 690 do CPC).
De resto é outro o entendimento seguido como resulta do que acima vem referido.
Improcedem as alegações da ré.
Face ao exposto:
Nega-se revista ao recurso da ré.
Concede-se parcial revista ao recurso da autora, considerando-se que não é devida indemnização pelo prazo de seis meses depois de findo o contrato nos termos do art. 28 n. 1 al. c) do DL 178/86 por a denúncia ter sido feita em tempo de evitar a renovação do contrato.
Mantém-se no demais quanto à condenação da autora no que se liquidar pela indemnização de clientela.
Mantém-se a condenação da parte que, em resultado da liquidação do crédito da ré, se revele responsável e no montante respectivo.
Custas provisoriamente por ambas as partes, em partes iguais, sem prejuízo da sua concretização face à liquidação que vier a fazer-se, a final, com a liquidação.
Lisboa, 22 de Abril de 1999.
Simões Freire,
Roger Lopes,
Costa Soares.