Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00030294 | ||
Relator: | AMANCIO FERREIRA | ||
Descritores: | VENDA DE CORTIÇA FORMA DO CONTRATO RECURSO DE REVISTA ÂMBITO DO RECURSO MATÉRIA DE FACTO PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA | ||
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Nº do Documento: | SJ199605280000711 | ||
Data do Acordão: | 05/28/1996 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Referência de Publicação: | BMJ N457 ANO1996 PAG350 | ||
Tribunal Recurso: | T REL ÉVORA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 710/94 | ||
Data: | 09/26/1995 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
Indicações Eventuais: | C MENDES IN TEORIA GERAL DO DIR CIV VOLI 1978 PAG398. P LIMA E A VARELA IN CCIV ANOTADO VOLI 4ED PAG197. | ||
Área Temática: | DIR CIV - DIR REAIS / TEORIA GERAL. DIR PROC CIV - RECURSOS. DIR REGIS NOT. | ||
Legislação Nacional: | L 76/77 DE 1977/09/29 ARTIGO 29. CCIV66 ARTIGO 204 N1 C ARTIGO 212 N1 N2 ARTIGO 408 N2 ARTIGO 875 ARTIGO 880 N1 ARTIGO 882 N2 ARTIGO 1528. CNOT67 ARTIGO 89 A. CPC67 ARTIGO 729 N1 N2. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO STJ DE 1976/11/12 IN BMJ N261 PAG165. | ||
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Sumário : | I - A alienação da cortiça das árvores de determinados prédios não está sujeita a escritura pública, por a cortiça não se incluir no conceito de bem imóvel. II - Dado como provado nas Instâncias que, da venda de determinados prédios, foi excluída a cortiça das árvores neles existentes, não pode o Supremo exercer censura sobre tal conclusão, por se tratar de matéria de facto. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. A e mulher B, o primeiro hoje substituído pelos seus sucessores B (sua mulher), C e marido D, E e mulher F, G e mulher H, I e mulher J, L, M, N e O pedem revista do acórdão da Relação de Évora que, confirmando, nessa parte, a sentença do Círculo Judicial de Santiago do Cacém, julgou improcedente a acção por eles intentada contra vários réus, dos quais se mantêm na instância, neste momento, apenas P e mulher Q. Pretendiam e pretendem ser investidos na propriedade e posse dos prédios indicados no artigo 1 da petição inicial, vendidos aos referidos réus, com desrespeito da preferência legal resultante da sua situação de arrendatários (artigo 29 da Lei 76/77, de 29 de Setembro). Nas conclusões da sua alegação de recurso dizem os recorrentes: 1. - É evidente a divergência entre o teor da comunicação para preferência de 15 de Fevereiro de 1985 - que exclui do projecto de compra e venda a cortiça a extrair no Verão de 1985 - e a escritura de 28 de Fevereiro do mesmo ano, perfeitamente omissa relativamente ao destino da cortiça; 2. - É legalmente impossível a conclusão constante do acórdão recorrido nos termos da qual a cortiça teria sido vendida na árvore a terceiros no dia 14 de Fevereiro de 1985, véspera da comunicação para preferência; na verdade. 3. - A cortiça naquelas condições - a extrair no Verão de 1985, - assume a natureza de coisa imóvel - alínea c) do n. 1 do artigo 204 do Código Civil, só podendo a sua propriedade ser transferida por escritura pública - artigo 875 do C.Civil e 89 do Código do Notariado - fulminando a lei de nulidade o negócio jurídico se nãotiver sido - como manifestamente não foi - utilizada a forma legalmente prescrita - artigo 220 do Código Civil; também, 4. - A coberto da escritura de compra e venda de 28 de Fevereiro de 1985 transferiu-se para o comprador P a propriedade da cortiça existente nas árvores àquela data, por aplicação dos comandos legais contidos nos ns. 1 e 2 do artigo 882 do Código Civil, uma vez que a escritura é completamente omissa relativamente ao destino da cortiça, como claramente se apurou nos autos; 5. - Tendo a venda sido concretizada em condições seguramente menos onerosas do que as anunciadas na comunicação para preferência - o preço incluiu o valor da cortiça, expressamente excluído da comunicação - deve decidir-se não terem os recorrentes perdido o direito de preferência cujo reconhecimento pedem nesta acção. Os recorridos pronunciam-se pela negação da revista. Cumpre apreciar e decidir. 2. Vem pelo tribunal recorrido fixada a matéria de facto que a seguir se descreve. A) O prédio misto denominado "Codeços", sito na freguesia e concelho de Grândola, inscrita a parte rústica na matriz cadastral da freguesia de Grândola sob o artigo 71, da secção CC, índice 1, e inscrita a parte urbana sob o artigo 671, da matriz predial urbana da freguesia de Grândola, sob o n. 676, do livro B-2 e o prédio misto denominado "Codeços", sito na freguesia e concelho de Grândola, inscrita a parte rústica na matriz cadastral da freguesia de Grândola sob o n. 67 da secção CC, índice 1 e a parte urbana inscrita na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o artigo 672, descritos na Conservatória do Registo Predial de Grândola sob o n. 6593 do livro B-19, estão registados em nome de R e marido e S e mulher e o usufruto em nome de T. B) O falecido autor A era arrendatário dos referidos prédios. C) S, R e T enviaram a A a carta datada de 15 de Fevereiro de 1985 e constante de folhas 15, comunicando-lhe a intenção de vender os dois prédios ao réu P pelo preço de 4500000 escudos, a pagar no momento da escritura, que se realizaria no dia 28 do mesmo mês, ficando excluída da transacção a venda de toda a cortiça a extrair dos prédios, no Verão de 1985, e convidando-o a exercer o seu direito de preferência como rendeiro, no prazo de oito dias. D) Em 25 de Fevereiro de 1985, A escreveu a S a carta junta a folhas 59, declarando não estar interessado na compra dos prédios nas condições expostas na carta do anterior dia 15. E) Por escritura pública de 28 de Fevereiro de 1985, outorgada no cartório notarial de Santiago de Cacém, R e S venderam a nua propriedade dos dois prédios mencionados na alínea A) ao réu P pelo preço global de 4000000 escudos e T vendeu ao mesmo réu o usufruto dos mesmos prédios pelo preço global de 500000 escudos, não aludindo a escritura ao destino a dar à cortiça das árvores dos referidos prédios. F) Foi intenção das partes, ao celebrarem a escritura da alínea anterior, dela excluirem a venda da cortiça. G) A cortiça existente nos prédios vendidos tinha, no ano de 1985, a idade legal da extracção, com um valor da ordem das centenas de contos. H) A cortiça mencionada na alínea anterior foi vendida nas árvores, em 14 de Fevereiro de 1985, pelos outorgantes vendedores à sociedade "Alfredo, Estêvão e Correia, Lda". I) Por vezes, é vendida na árvore a cortiça a extrair em determinado ano e com algum tempo de antecedência. J) Na região, o valor do prédio é sempre calculado em função das idades da cortiça. L) No dia 14 de Fevereiro de 1988, R e S, por si e na qualidade de herdeiros de T, celebraram a escritura pública constante de folhas 130 a 133, de rectificação da escritura de 28 de Fevereiro de 1985, no sentido de esclarecerem que a venda então efectuada tinha sido feita com exclusão da cortiça a extrair nesse ano de 1985 dos prédios rústicos transaccionados. 3. Nas 2. e 3. conclusões da sua alegação sustentam os recorrentes a impossibilidade legal de a cortiça ter sido vendida na árvore a terceiros no dia 14 de Fevereiro de 1985, véspera da comunicação da preferência, e isto por a transacção não se ter efectivado por meio de escritura pública, nos termos dos artigos 875 do CC e 89 do Código do Notariado. Sabe-se que a cortiça, por ser a produção periódica de uma coisa que não afecta a sua substância, integra o conceito jurídico de fruto natural, tal como se encontra definido nos ns. 1 e 2 do artigo 212 do CC. E os frutos naturais são de considerar coisas imóveis, como se refere na alínea c) do n. 1 do artigo 204 do mesmo Código. Contudo, apenas pertencem a essa categoria enquanto ligados ao solo. Assim, se o terreno for vendido, a menos que haja declaração em contrário, a venda abrangerá a cortiça dos sobreiros do terreno. E também a cortiça será coisa imóvel se a venda separada dos sobreiros do terreno se compadecer com a continuação da sua ligação ao solo (constituição duma situação de direito de superfície, artigo 1528 do CC). (1) Mas, se os frutos forem objecto de um negócio que envolva a sua desligação do prédio, como no caso dos autos (venda da cortiça nas árvores, meses antes da sua extracção), a transferência da sua propriedade para o adquirente só ocorrerá no momento da separação material, como expressamente consta do n. 2 do artigo 408 do CC. Até esse momento, o adquirente terá um mero direito de crédito - o direito de exigir que o vendedor lhe permita apartar do prédio os frutos objecto do contrato. O vendedor, por sua vez, fica obrigado a exercer as diligências necessárias para o comprador distrair do prédio os frutos vendidos, segundo o que for estipulado ou resultar das circunstâncias do contrato, nos termos do n. 1 do artigo 880 do CC. Incide, assim, a alienação sobre coisas móveis futuras, por ser essa a natureza jurídica que os frutos objecto do contrato adquirirão após a separação material do prédio. Donde os contraentes considerarem as coisas alienadas (v.g., a cortiça dos autos), não no seu estado actual de coisas imóveis, mas antes no seu estado futuro, resultante da separação, ou seja, no estado de coisas móveis. Destarte, a alienação da cortiça das árvores de determinado prédio não está sujeita a escritura pública, por fora do âmbito do artigo 875 do CC e 89, alínea a) do Código do Notariado então vigente, que se reportam a bens imóveis. (2) Improcedem, assim, as 2. e 3. conclusões da alegação. 4. Nas demais conclusões da sua alegação continuam a sustentar os recorrentes apesar da matéria de facto fixada pelas instâncias e que este Supremo Tribunal, como tribunal de revista tem de acatar, de harmonia com os cânones dos ns. 1 e 2 do artigo 729 do CPC, que a coberto da escritura de compra e venda de 28 de Fevereiro de 1985 se transferiu para o comprador P a propriedade da cortiça existente nas árvores àquela data, em desconformidade com o conteúdo da comunicação para a preferência de 15 de Fevereiro de 1985. E invocam o disposto no n. 2 do artigo 882 do CC, onde se estabelece que a obrigação de entregar a coisa abrange "as partes integrantes e os frutos pendentes" a ela pertencentes. Mas, segundo este normativo, o fenómeno será diferente se houver estipulação em contrário. Ora, o tribunal recorrido deu como apurada essa estipulação em contrário. Com efeito, o aresto sob censura deu como assente, não obstante nada constar sobre isso na escritura pública de 28 de Fevereiro de 1985, ter sido intenção das partes excluirem da venda dos prédios a cortiça neles produzida, tendo sido esta vendida, nas árvores, à sociedade "Alfredo, Estêvão e Correia, Lda., em 14 de Fevereiro de 1985. Daí corresponder à verdade a comunicação para preferência de 15 de Fevereiro de 1985 feita pelos vendedores ao arrendatário José Francisco Amaro, titular de preferência real, ao tempo reconhecida pelo artigo 29 da Lei 76/77, de 29 de Setembro. Ao declarar não querer preferir, perdeu o arrendatário o direito de haver para si os prédios alienados, sendo injustificável que, em recurso de revista, pretendam os seus sucessores ver alterada a matéria de facto a fim de o adquirente abrir mão dos prédios em seu favor, incluindo o preço a pagar, em contrapartida, e da responsabilidade dos ora recorrentes, o valor da cortiça, contra o apurado nos autos, em matéria de facto. 5. Termos em que se nega a revista, com custas pelo recorrente. Lisboa, 28 de Maio de 1996. Amâncio Ferreira. Machado Soares. Fernandes Magalhães. (1) Cf. João Castro Mendes, "Teoria Geral do Direito Civil", Vol.I, 1978, pp. 398 e seg. (2) Cf.: Acórdão do STJ de 23 de Novembro de 1976, BMJ, 261, p.165: Pires de Lima e Antunes Varela, "Código Civil Anotado", Vol.I, 4. edição, p. 197: Manuel Henrique Mesquita, "Direitos Reais", 1967, pp. 25 e segs; e Pessoa Jorge, "Obrigações", 1966, p. 66. |