Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
040310
Nº Convencional: JSTJ00025166
Relator: LOPES DE MELO
Descritores: NEGLIGÊNCIA
FURTO QUALIFICADO
ELEMENTOS DA INFRACÇÃO
Nº do Documento: SJ198911290403103
Data do Acordão: 11/29/1989
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR CRIM - CRIM C/PATRIMÓNIO
Legislação Nacional: CP82 ARTIGO 15 ARTIGO 72 ARTIGO 76 ARTIGO 296 ARTIGO 297 N1 A N2 C D.
CPP87 ARTIGO 410 N2 ARTIGO 426 ARTIGO 436.
Sumário : I - Age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz não chega sequer a representar a possibilidade da realização do facto.
II - Quem, de noite, penetrar numa habitação e de lá retirar valores consideravelmente elevados, sem a autorização do dono e, deles se apropriar em proveito próprio, tendo essa intenção quando actua, pratica crime de furto qualificado.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1. Relatório.
O arguido A foi julgado, no tribunal colectivo do círculo de Portimão, por acórdão de 18 de Maio de 1989 (folhas 85 a 89), acusado de, em Dezembro de 1988, ter praticado, como autor material, os factos descritos nas folhas 55 a 57: dois crimes de furto qualificado (artigo 297, ns. 1, alínea a), e 2, alíneas c) e d), do Código Penal) e um crime de falsas declarações (artigo 22, parágrafo 1, do Decreto-Lei n. 33725, de 21 de Junho de 1944).
Foi então absolvido quanto a um crime de furto qualificado (o da "Casa Nicola") e ao de falsas declarações; e condenado pelo facto restante (previsto e punido nas citadas disposições legais) em que é ofendido B - na pena de dois (2) anos e seis (6) meses de prisão.
Do mesmo acórdão recorre o Ministério Público, apresentando a motivação de folhas 96 a 104 com as seguintes conclusões:
- Deverá o douto acórdão recorrido ser revogado, e de harmonia com o estatuído nas disposições conjugadas dos artigos 410 n. 2, 426 e 436, todos do Código de Processo Penal, reenviado o processo para novo julgamento.
- Quando assim se não entenda, deverá o mesmo acto ser revogado e substituído por outro que condene o arguido com pena substancialmente superior à que lhe foi imposta pela prática do crime previsto e punido nos artigos 296 e 297, ns. 1, alínea a), e 2, alíneas c) e d), ambos do Código Penal.
Na resposta de folhas 107 a 110, o referido arguido afirma que a decisão recorrida deve ser mantida.
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu o parecer de folha 113 no sentido de que o presente recurso deverá prosseguir os seus termos legais.
2. Fundamentos e decisão.
2.1. Corridos os vistos legais e realizada a respectiva audiência pública, cumpre decidir.
O recorrente funda o seu recurso, antes de mais, "no lapso evidente que se tem por verificado quanto à apreciação da causa".
Dado que mantendo-se, após discussão da causa, a mesma prova indiciária - o que decorre dos termos do douto acórdão recorrido- haveria apenas que considerar a acusação deduzida contra o arguido, pela prática do referido crime de furto (o da "Casa Nicola"), procedente e em consequência condená-lo.
No entendimento do recorrente o arguido deve ser condenado pelos dois crimes de que foi absolvido, pois que, tendo em conta as qualidades e capacidades do arguido, razoavelmente seria de esperar que o mesmo podia e devia, de facto, que a condenação do crime de falsas declarações, de que se extrairá que agiu com culpa, e quanto mais não seja a título de negligência e pelo menos da modalidade prevista na alínea b) do artigo 15 do Código Penal.
2.2. Provaram-se apenas os seguintes factos:
O arguido A, no dia oito de Dezembro de 1988, entre as 20 horas e 22 horas, dirigiu-se a uma residência sita no Lote 3, n. 2, rés-do-chão em Monte Paraíso - Carvoeiro, da comarca de Portimão, onde mora B.
Aí, após ter forçado uma porta, o arguido penetrou no interior da casa.
Da mesma retirou, querendo fazer seus e sabendo que agia contra a vontade do dono, as seguintes importâncias em dinheiro: a) 2000 escudos em dinheiro português, b) 4 notas de 1000 marcos da R.F.A. (Deutschenseks), 5 notas de 100 marcos alemães, 1 nota de 50 marcos alemães, 1 nota de 20 marcos alemães e 1 nota de 10 marcos alemães, a que corresponde em dinheiro português o equivalente a 379224 escudos. c) 10 notas de 50 dólares e 1 nota de 100 dólares, a que corresponde, em dinheiro português, o equivalente a 85800 escudos; tudo no montante global de 465024 escudos (quatrocentos e sessenta e cinco mil e vinte e quatro escudos).
O arguido agiu a coberto da noite e aproveitando-se da mesma.
Foram recuperadas e entregues pela G.N.R. de Lagoa, 2 notas de mil marcos e 42000 escudos em dinheiro português resultante do câmbio do dinheiro a que o arguido havia procedido, entretanto.
No quarto do arguido, foi encontrada uma pistola de plástico com os dizeres "made in Italy" que era pertença do filho da C, de 6 ou 7 anos de idade.
No dia 20 de Dezembro de 1988, ao ser interrogado pelo Senhor Juiz de Direito do Tribunal da Comarca de Portimão (funcinando como Juiz de Instrução Criminal), em 1. interrogatório de arguido preso, o A foi advertido de que era obrigado a responder com verdade às perguntas sobre os antecedentes criminais.
Nessa altura, o arguido respondeu que há cerca de três anos havia sido julgado por furto tendo sido condenado em pena de prisão.
Do seu certificado de registo criminal, consta que, apesar da condenação atrás referida, o arguido foi também julgado em processo sumário no dia 15 de Novembro de 1988 no Tribunal da Comarca de Portimão, tendo sido condenado em pena de multa.
Ao retirar as importâncias em dinheiro do rés-do-chão do Lote 3, n. 2, no Monte Paraíso, Carvoeiro, o arguido agiu livre voluntária e conscientemente querendo fazê-las suas, contra a vontade do dono.
O arguido confessa esta sua conduta naquela residência revelando algum arrependimento.
O arguido já sofreu uma condenação de dois anos e três meses de prisão, que cumpriu.
É de condição económica e social, humilde, trabalhando como canalizador antes de ser preso.
É consumidor de drogas, actuando, por vezes, sob influência das mesmas.
Como habilitações literárias, possui a frequência do 2. ano do Ciclo Preparatório.
2.3. O Tribunal "a quo" decidiu bem ao absolver o arguido pelos dois referidos crimes (de furto na "Casa Nicola" e de falsas declarações quanto aos seus antecedentes criminais).
A lei restringe a cognição deste tribunal a matéria de direito.
O acórdão recorrido não viola o disposto nos artigos 410 n. 2, 426 e 436 do Código de Processo Penal, invocado pelo recorrente.
Nada justificando o reenvio do processo para novo julgamento.
Do texto da referida decisão não resulta, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, qualquer vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação nem erro notório na apreciação da prova.
O que o recorrente invoca na sua motivação, quanto a este ponto, só demonstra que - embora não seja possível obter a certeza indispensável à condenação do arguido, que deverá beneficiar do princípio "in dubio pro reo" - bem justificado ficou o juízo de probabilidade que fundamentou o julgamento.
2.4. Mas o recorrente recorre ainda por outro motivo: o da determinação da pena concretamente aplicada, que tem por inadequada ao seu grau de culpa e a satisfazer as exigências de prevenção de futuros crimes.
Reconheçe, portanto, que os factos provados relacionados com o ofendido Lawewnce Francis Gustafson foram bem qualificados - no acórdão recorrido - como integrando a autoria material de um crime de furto qualificado, previsto e punido nos artigos 296 e 297, ns. 1, alínea a), e 2, alíneas c) e d), ambos do Código Penal; devendo assim, ser condenado o arguido por esse crime.
Pretende, todavia, que a pena seja substancialmente superior à que lhe foi imposta na 1. instância, devendo situar-se no ponto médio entre os limites mínimo e máximo da pena abstractamente aplicável ou quando muito um pouco abaixo dela.
A respectiva moldura penal abstracta é de prisão de 1 a 10 anos.
No acórdão recorrido estabeleceu-se a pena concreta de dois (2) anos e seis (6) meses de prisão.
É certo que o arguido já sofreu uma condenação de dois anos e três meses de prisão, que cumpriu, mas não é reincidente (artigo 76 do Código Penal).
Também é exacto que não deverá olvidar-se o grau de ilicitude da sua conduta nem a intensidade do seu dolo.
Mas, por outro lado, será de considerar devidamente
(artigo 72 do Código Penal), além da sua condição económica e social humildes, a recuperação parcial dos valores apropriados, a sua confissão revelando algum arrependimento, e principalmente que é consumidor de drogas, actuando, por vezes, sob a influência das mesmas.
A arte de dosear a pena de prisão é de difícil execução, sendo certo que o tribunal de 1. instância dispõe quase sempre de melhores elementos (até pela consequência pessoal do arguido) para a medir de uma forma mais equilibrada.
Reputamos a pena concreta fixada na decisão recorrida como suficiente para prevenir outros crimes.
Não encontramos justificação idónea para não considerar adequada a já estabelecida; e, por isso, a mantemos.
3. Conclusão.
Pelas razões expostas, negam provimento ao recurso e confirmam integralmente o acórdão recorrido.
Não é devida taxa de justiça.
Lisboa, 29 de Novembro de 1989
Lopes de Melo,
Ferreira Vidigal,
Ferreira Dias,
Mendes Pinto.