Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03P769
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: DIAS BRAVO
Descritores: CONFLITO DE COMPETÊNCIA
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
NATUREZA DA INFRACÇÃO
MEDIDA TUTELAR
Nº do Documento: SJ200303120007693
Data do Acordão: 03/12/2003
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Sumário :
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:
I
Suscita-se o presente conflito negativo de competência entre o 3º. Juízo do Tribunal Judicial de Penafiel e o Tribunal Judicial da Comarca de Viseu para o ulterior conhecimento dos autos de Processo de Promoção e Protecção nº. 288/02, ora pendentes naquele Tribunal.
Foi operada a denúncia pelo 3º. Juízo do Tribunal Judicial de Penafiel.
Distribuídos os autos a esta Secção Criminal, suscitou o Relator a competência da Secção para apreciação da questão conflituenda.
O Magistrado do Ministério Público neste Supremo Tribunal requereu se declarasse a incompetência desta Secção Criminal, com a consequente remessa às respectivas Secções Cíveis.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir em conferência.
II
Está tão só em causa nesta oportunidade o definir se esta Secção Criminal é a competente para solucionar o conflito suscitado.
Vejamos.
O artigo 34º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei nº. 3/99, de 13 de Janeiro, dispõe, com referência ao Supremo Tribunal de Justiça:
"As secções cíveis julgam as causas que não estejam atribuídas a outras secções, as secções criminais julgam as causas de natureza penal e as secções sociais julgam as causas referidas no artigo 85º".
Complementando esta disposição, refere o artigo 36º da mesma Lei que:
"Compete às secções, segundo a sua especialização:
..................
e) Conhecer dos conflitos de competência entre os tribunais da Relação, entre estes e os tribunais de 1ª instância de diferentes distritos judiciais ou sediados na área de diferentes tribunais da Relação, sem prejuízo do disposto no nº. 2 do artigo anterior".

Estes preceitos judiciários são consonantes com o que prescreve o artigo 11º do Código de Processo Penal:
"...............
3. Compete às secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça em matéria penal.
....................
c) Conhecer dos conflitos de competência entre relações, entre estas e os tribunais de 1ª instância ou entre tribunais de 1.ª instância de diferentes distritos judiciais".

Da conjugação destes comandos legais resulta inequivocamente que as secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça só podem apreciar as questões conflituendas que revistam natureza penal, ainda que se possa aceitar que esta competência se possa estender, compreendendo as questões de natureza quase penal tais como v.g. as medidas tutelares educativas.
Do mesmo passo, têm as secções cíveis do Supremo Tribunal de Justiça uma competência directa - causas cíveis e uma competência residual, compreendendo todas as causas que não estejam atribuídas às outras secções: criminal e social.
Tudo está, pois, em saber qual a natureza das medidas de promoção e protecção disciplinadas no artigo 35º da Lei nº. 147/99, de 1 de Setembro e aplicadas aos jovens em perigo e, designadamente se revestem natureza penal ou quase penal.
Passemos, pois, a esta análise.
III
O ordenamento jurídico positivo no domínio da jurisdição de menores em vigor comporta um sistema dualista, actualmente com dois grandes dispositivos:
- Um, tendo por objecto a promoção dos direitos e a protecção das crianças e jovens em perigo, por forma a garantir o seu bem estar e desenvolvimento integral, que se contém na Lei nº. 147/99, de 1 de Setembro - "Lei de protecção de crianças e jovens em perigo".
- Outro, que prevê e regula a aplicação de medidas tutelares educativas em razão da prática, por menor com idade compreendida entre os 12 e os 16 anos, de facto qualificado pela lei como crime, que consta da Lei nº. 166/99, de 14 de Setembro - Lei Tutelar Educativa.

A questão que se verte no conflito situa-se no domínio da Lei nº. 147/99, de 1 de Setembro, com vista a definir-se o tribunal competente para ponderação de uma medida de promoção e protecção aplicada oportunamente.
Importa, deste modo, conhecer a natureza desta medida.
Desde logo se diga que as medidas de promoção e protecção visam assegurar o bem estar e o desenvolvimento integral da criança e do jovem em perigo, sempre que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento - artigo 3º, ibid.
Uma boa exegese do diploma - Lei nº. 147/99 - observando o elenco das medidas, enunciado no seu artigo 35º, a sua moldura e descrição legal evidenciam que nenhuma delas, incluindo as de colocação, se reveste de natureza penal ou quase penal.
Por um lado, não constituem estas medidas resposta jurídica a qualquer actividade do menor que configure ilícito criminal e a que deva corresponder uma sanção criminal ou próxima.
Por outro, é a própria finalidade da medida que exclui a sua natureza penal ou quase penal já que, com a sua aplicação, se não visa a educação do menor para o direito, a sua socialização e inserção na vida em comunidade mas tão só o afastar o perigo em que se encontra por forma a prevenir ou evitar que venha a praticar factos que a lei qualifique como crime e então careça dessa educação.
Está-se, pois e ainda, em jurisdição que por lei não reveste natureza penal ou quase penal e que o legislador, deliberadamente, exclui deste domínio penal ou quase penal.
Atente-se, também, na ordenação do procedimento instituído - processo de promoção e protecção - com vista à aplicação de tais medidas para se ver como o legislador as configurou revestindo natureza não penal ou quase penal, procedimento que no seu desenvolvimento sempre se não compadeceria com qualquer sua natureza penal.

Percorrendo o diploma - Lei nº. 147/99 - observa-se que:
- a promoção dos direitos e a protecção da criança e do jovem em risco incumbe às entidades com competência em matéria de infância e juventude, às comissões de protecção de crianças e jovens e aos tribunais - artigo 6º, ibid,
- as medidas aplicadas pelas comissões de protecção integram um acordo de promoção e de protecção - artigo 36º, ibid,
- o processo de promoção dos direitos e protecção das crianças e jovens em perigo é de jurisdição voluntária - artigo 100º, ibid,
- os recursos são processados e julgados como os agravos em matéria cível - artigo 123º, ibid,
- ao processo de promoção e protecção são aplicáveis subsidiariamente, com as devidas adaptações, na fase de debate judicial e de recursos, as normas relativas ao processo civil de declaração sob a forma sumária - artigo 126º, ibid.

De todo este complexo procedimental, da boa hermenêutica das suas disposições, dentro de uma sua visão teleológica, decorre claramente não se revestirem as medidas de promoção e de protecção que instrumentaliza natureza penal ou quase penal.
Daí que não seja esta secção criminal deste Supremo Tribunal a competente para apreciação da questão conflituenda, mas tão só as suas secções cíveis.
Neste sentido o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 21 de Maio de 2002, Processo nº. 1181/02.
IV
Pelo exposto,
Acordam nesta secção criminal em atribuir às secções cíveis deste Supremo Tribunal a competência para a ulterior tramitação e julgamento dos presentes autos de conflito, ordenando-se a consequente distribuição, com a devida baixa.

Lisboa, 12 de Março de 2003
Dias Bravo
Flores Ribeiro
Lourenço Martins
Leal-Henriques